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Contextos de escolas e processos educativos na e da educação infantil do campo, Abaetetuba, Pará

School contexts and educational processes in and of rural early childhood education, Abaetetuba, Pará

RESUMO

O texto aborda a educação de crianças, as infâncias e o educar-se como partes do processo de emancipação de seres humanos numa perspectiva humanizadora e de justiça social, para isso tomamos os contextos de duas escolas do campo localizadas no município de Abaetetuba-Pará. Na prática esse ideário se tornou problemático e de luta, por isso este escrito discute sobre a realidade escolar de instituições de ensino situadas em contextos rurais e sobre práticas educativas que perpassam condicionantes administrativos, estruturais e pedagógicos. Sendo tais aspectos relevantes quando se pensa o desenvolvimento integral das crianças, especialmente os processos educativos de estudantes-crianças do e no campo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, sedimentada em estudo bibliográfico, documental e de campo, autores como Brandão e Borges (2007), Brandão (2015) e Freire (1996; 1981; 2016) serviram de embasamento teórico; assim como documentos legais da legislação educacional municipal e nacional; no aspecto empírico houve diálogo com crianças, lideranças comunitárias e educadores envolvidos com as respectivas escolas. Os dados coletados mostraram que a realidade da Educação Infantil do e no campo ainda carece, e muito, ser qualificada com a garantia dos direitos básicos de um ensino de qualidade, bem como no aspecto curricular e pedagógico em que saberes, conhecimentos e cotidianos possam ser referenciados nos processos e práticas educativas, com modos de educar no espaço rural amazônico em sua diversidade. Nesse último aspecto, algo positivo são os docentes das escolas residirem nos territórios onde se localizam as instituições.

Palavras-chave:
Educação Infantil; Educação do Campo; Processos Educativos

ABSTRACT

The text approaches the education of children, childhood, and self-education as parts of the process of human emancipation from a humanizing and social justice perspective. To this aim, the contexts of two rural schools located in the municipality of Abaetetuba, Pará were taken. In practice, this ideology has become problematic and a matter of struggle. Therefore, this paper discusses the educational reality of educational institutions situated in rural contexts and the educational practices that encompass administrative, structural, and pedagogical constraints. These aspects are crucial when considering the holistic development of children, especially the educational processes of student-children in and of rural areas. This is a qualitative research, based on bibliographic, documentary, and field studies. Authors such as Brandão e Borges (2007), Brandão (2015) and Freire (1996; 1981; 2016) served as theoretical basis. Legal documents from municipal and national educational legislation were also consulted. Empirically, there was a dialogue with children, community leaders, and educators involved with the respective schools. The collected data revealed that the reality of Early Childhood Education in rural areas is still in great need of improvement to ensure basic rights to quality education. This includes the curricular and pedagogical aspects where knowledge and everyday experiences can be referenced in educational processes and practices, considering the diverse rural Amazonian context. In this last aspect, on a positive note, some teachers in these schools reside in the same territories where the institutions are located.

Keywords:
Early Childhood Education; Rural Education; Educational Processes

Introdução

No Brasil, a escola é central na reflexão sobre educação, sob diversos campos de conhecimento e contextos1 1 Estamos nos referindo à inter-relação de situações, circunstâncias. No caso da escola, são os pormenores, os acontecimentos que compõem uma determinada situação, como o contexto das águas grandes, no período do inverno amazônico, influenciando a rotina das escolas e das crianças. . Na prática isso quer dizer que a educação é uma potência social de valor inestimável, ainda que na maioria das vezes seja confundida, superestimada ou até negligenciada. A educação diz respeito ao processo socializador que acontece fora ou no âmbito institucional, de forma poética ou científica por todos/todas as pessoas, e associada à cultura histórica e socialmente produzida.

O fato é que sua importância, além de estar presente na sociedade, geralmente encontra-se em pauta não apenas por educadores, mas por outros cidadãos brasileiros (falam dela políticos, apresentadores e atores/atrizes de TV). Por isso, refletir, por meio de pesquisas, de intervenções educativas e, sob o olhar das políticas educacionais, os temas que emergem dos contextos é uma tarefa premente. Aqui, sob uma perspectiva conceitual e prática, notadamente, nos atemos às crianças do campo e abaetetubenses.

Em se tratando da Educação Infantil de crianças do Campo (EIC), retratada pela vivência nas/das escolas, almejamos discutir pelo viés do contexto da escola e os processos educativos das crianças, assim adentramos em realidades escolares, institucionais, políticas, no ciclo cultural de meninos e meninas. Tais realidades dizem respeito aos cotidianos da comunidade escolar, bem como das práticas educativas e sociais extraescolares.

Para a tônica conceitual, nos valemos dos referenciais de Florestan Fernandes (1966FERNANDES, Florestan. Educação e Sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus/Edusp, 1966.), em sua sentença a respeito da educação no Brasil que, segundo o autor, sofre de uma “demora cultural”, referindo-se ao atraso educacional que perdura, inclusive, até os dias atuais. Em sua visão, “[...] está claro que não sairemos do marasmo econômico e político sem transformarmos, de forma profunda e geral, o nosso sistema de ensino” (Fernandes, 1966, p. 121).

Para o autor, a educação é um elemento crucial para o amadurecimento do ser humano ante as situações sociais que se alteram constantemente. Em relação às crianças, o autor consagrou-se como teórico que introduziu um olhar sociológico às produções infantis, isto é, à cultura infantil. Tornou-se defensor da educação como direito fundamental da população, do ensino público, laico e gratuito. Um militante político na campanha de defesa da escola pública, contribuindo com esta luta e tencionando a responsabilidade do “intelectual”2 2 A referência é gramsciana, parte da ideia de que qualquer ser humano desenvolve atividade intelectual criadora, das mais simples às mais complexas, sendo os educadores, como exemplo, os que exercem a função de intelectuais na sociedade. , nesse caso, educadores, cientistas sociais, cidadãos de modo geral, quando nos colocamos a pensar e olhar a realidade social. Acatando esse ideário, este escrito traz as nossas investidas no ‘chão’ das escolas, refletindo informações sobre o atendimento de EI a partir da gestão das secretarias de educação, junto de crianças em suas infâncias vividas em contextos rurais amazônicos, ou seja, a vida em outros chãos.

Freire (1996FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.; 1981), em sua defesa de educação libertadora e da transformação social advinda também pela escola, adverte-nos, os envolvidos com a escola, para o compromisso ético e estético. Nos estimula a uma artesania educativa situada e diferente, porque os contextos também o são.

Quanto aos outros, os que põem em prática minha prática, que se esforcem por recriá-la, repensando também meu pensamento. E ao fazê-lo, que tenham em mente que nenhuma prática educativa se dá no ar, mas num contexto concreto, histórico, social, cultural, econômico, político, não necessariamente idêntico a outro contexto (Freire, 1981FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 19-20).

E mais, que “As pessoas responsáveis pela educação deveriam estar inteiramente molhadas pelas águas culturais do momento e do espaço onde atuam” (Freire, 2016FREIRE, Paulo. Conscientização. Tradução de Tiago José Risi Leme. São Paulo: Cortez, 2016., p. 27).

Tais pressupostos nos incitam a articular educação e cultura, que, inclusive, são elementos que marcam a EIC, pois esta modalidade, centralmente, foi construída a partir da colaboração massiva dos movimentos sociais, pela legitimidade dos povos e suas ricas culturas locais (Pojo, 2017). Assim, os pressupostos de Florestan Fernandes e de Paulo Freire reafirmam a educação escolar em sentido político, de libertação e emancipação. Reafirmam o vínculo entre educação e cultura, enquanto promotoras do pensar e fazer educativo. E a EIC como problema, política pública e demanda atual, engendra tais pressupostos na medida em que traz a potência dos saberes, das tradições, dos costumes dos povos, das infâncias. Reedita-se, então, o saber das crianças - suas experiências, vivências e culturas infantis.

Os processos de elaboração de propostas educacionais, pedagógicas e educativas existem na direção do aprimoramento do educando como ser humano, da formação ética da pessoa, do amadurecimento cognitivo e da autonomia, do pensamento crítico e reflexivo acerca da sociedade, de relações extraescolares e familiares nas práticas educativas e escolares, conforme é afirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n.º 9394/96 (Brasil, 1996).

A escola não é meramente um conjunto formado por espaços, tempos, rotinas, normas, meros alunos. Como diria Paulo Freire, no seu poema, Escola é “gente”, é conviver”, “criar laços de amizade”, portanto, a escola tem sentido político, simbólico e material, inquestionável, mutante. Sua validade e sua significação variam de acordo com os usos, visões e práticas dos sujeitos envolvidos. Na pauta normativa da LDB sua efetivação se processa por meio do diálogo, de feituras pedagógicas diversas e entre concepções e relações internas e externas oriundas da família e da comunidade. A instituição escolar (re)produz, atualiza, consolida ideologias e práticas educativas, modos de socialização, jeitos ‘tradicionais’ ou (re)cria-os. Os ditames e processos de uma sociedade multifacetada estão em constante representação no ambiente escolar. Imaginemos, então, como se dá tudo isso nas escolas rurais, foco do nosso estudo.

A EIC é uma particularidade da Educação do Campo (EC). A educação da população do campo faz movência com a cultura local, com os processos identitários dos povos campesinos e, acontece, incorporando em si as dinâmicas sociais comunitárias dos territórios. Portanto, a EC constitui-se uma educação específica e diferenciada, isto é, alternativa. Às crianças, essa especificidade EIC, põe em pauta necessidades e sonhos das crianças, evoca o que elas sabem, vivenciam, fazem, produzem, sem negar-lhes o acesso ao patrimônio cultural da humanidade. Ou seja, esta escola mediada pela vida concreta das crianças e suas infâncias, são as molduras a dirigir a intervenção das pessoas, sujeitos dessas instituições, na perspectiva de uma humanidade mais plena e feliz. Dessa forma, podemos ver as crianças do campo como coletivos populares, sendo, portanto, “[...] sujeitos de conhecimentos, de valores, culturas, sujeitos de processos de humanização/emancipação. Sujeitos pedagógicos produzindo ‘Outras Pedagogias’”, conforme nos adverte Arroyo (2012ARROYO, Miguel González. Que outros sujeitos? Que outras pedagogias? In: ARROYO, Miguel González. Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 8-34., p. 01).

Este estudo3 3 O presente trabalho foi realizado com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cujo estudo esteve atrelado a projeto específico. de natureza qualitativa baseia-se, entre outros aspectos, na ideia de cultura sustentada em Geertz (1989GEERTZ, Clifford. O impacto do conceito de Cultura sobre o conceito de Homem. In: GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. São Paulo: Copyright, 1989. p. 13-41.), de uma teia de significados em processos vivos, pois nos detemos na (re)produção da vida escolar, mediada pelas vozes e opiniões das crianças, gestores, educadores e pais, além das informações trazidas por acadêmicos do curso de Licenciatura em Pedagogia4 4 Colaboram com exemplos, relatos e explicações de situações infantis e de percursos escolares, por meio da Disciplina de Fundamentos Teórico-metodológicos da Educação Infantil, Prática de Ensino na Educação Infantil e Ludicidade e Educação que reiteradamente a primeira autora ministra no curso. , nesse caso, atrás das tessituras de um processo dinâmico e de relações simbólicas.

Sob o uso de observações, entrevistas e registros fotográficos nos ensaiamos na pesquisa participante, que se constitui “[...] um instrumento, um método de ação científica ou um momento de um trabalho popular de dimensão pedagógica e política [...]” (Brandão; Borges, 2007BRANDÃO, Carlos Rodrigues; BORGES, Maristela Correa. A pesquisa participante: um momento da educação popular. Rev. Ed. Popular, v. 6, p. 51-62, 2007. https://doi.org/10.14393/REP-2007-19988
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, p. 53). Assim, enquanto pesquisamos, aprendemos desta e com os saberes partilhados com outros, precisamente adentrando no cotidiano escolar e social das duas escolas citadas, perfazendo dados sobre condições relacionais, estruturais, pedagógicas e curriculares.

Assim, além do aprofundamento temático partir de autores que discutem os eixos que circundam o debate proposto conforme mencionamos, também foram úteis os dados de fontes documentais, como o Documento Curricular do Município de Abaetetuba (DCMA) (Abaetetuba, 2019), o Caderno de Práticas da Pré-escola e da Creche (Abaetetuba, 2020a; 2020b), o Currículo mínimo 2021 (Abaetetuba, 2021), os dados estatísticos do acervo da Secretaria de Educação, entre outros. Vimos nesses documentos e nas escolas que concepções permeiam de criança, infância e escola.

A aproximação com as escolas e os participantes da pesquisa desenvolveu-se no trabalho de campo realizado no período de janeiro de 2019 a junho de 2022. Foi acordado com os interlocutores da pesquisa o uso de nomes fictícios, visando resguardar sua identificação. Na realização das entrevistas5 5 Estas ocorreram nos locais e horários conforme agenda dos interlocutores, sendo estas gravadas e transcritas literalmente, suprimindo-se apenas as repetições. foi utilizado um roteiro flexível e a sensibilidade com o saber do outro, como propõem Brandão e Borges (2007BRANDÃO, Carlos Rodrigues; BORGES, Maristela Correa. A pesquisa participante: um momento da educação popular. Rev. Ed. Popular, v. 6, p. 51-62, 2007. https://doi.org/10.14393/REP-2007-19988
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).

O diálogo entre as fontes empíricas e a base teórica culminou na presente discussão, cujas análises que se apresentam versam sobre a unidade, contextos de escolas-crianças-educação, problematizando acerca do ato educativo como condição dos sujeitos se educarem e construírem na/com a cultura, aqui detidamente em processos formais de EI. Fomos instigados a nos molhar nas “[...] águas culturais do momento e do espaço onde atuam [...]”, isto é, colocamo-nos em conexões com as experiências locais e das crianças do campo (Freire, 2016FREIRE, Paulo. Conscientização. Tradução de Tiago José Risi Leme. São Paulo: Cortez, 2016., p. 27).

O texto encontra-se organizado da seguinte maneira, inicialmente se contextualiza a EIC, com extratos da realidade da região do Baixo Tocantins e de Abaetetuba. Em seguida, tratamos do trabalho educativo e das infâncias nas escolas de territórios amazônicos, ressoando aspectos estruturais, pedagógicos e comunitários, considerando as vozes das crianças, de docentes e outros envolvidos. Finalmente, nas considerações finais, pontuamos os desafios de ordem estrutural e pedagógica, incluindo aspectos do processo educativo e de uma possível pedagogia das crianças em suas múltiplas infâncias amazônicas.

A Educação Infantil das Crianças do Campo nesse contexto

A Educação Infantil (EI) é o primeiro nível da Educação Básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a cinco anos de idade em seus aspectos físico, afetivo, intelectual e social, complementando a ação da família (Brasil, 1996). Na Constituição Federal este nível de ensino é posto como direito das crianças e com matrícula em escola pública (art. 205), gratuita e de qualidade (art. 206, incisos IV e VI), com igualdade de condições em relação às demais crianças no que tange ao acesso, à permanência e à profícua aprendizagem (art. 206, inciso I).

Detidamente, a Emenda Constitucional 59/2009 promulgou a obrigatoriedade do atendimento das crianças de 4 e 5 anos de idade na etapa pré-escola, com responsabilidade do município sob o caráter de regime de colaboração com os demais entes federados. Esse fato tornou-se preocupante devido à cisão da creche e pré-escola com confusas interpretações, conforme sinalizam Campos e Didonet (Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 2010). De fato, no município, lócus situacional do estudo, crianças de 3 anos de idade estão sendo atendidas em turmas de pré-escola, principalmente, em escolas situadas na área rural.

A educação para as crianças do campo não é citada literalmente nas normativas referidas, no entanto, os artigos 205 e 206 tratam da igualdade e do acesso a todos, bem como enfatizam distinções, especificidades. São as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (Brasil, 2009a) que, primeiramente, passam a contemplar a EI das crianças do campo, quando mencionam a diferença dos povos. Ainda que de forma incipiente, são postas discussões sobre o direito das crianças de 0 a 5 anos que vivem no campo. Assim, no parágrafo 3º, do artigo 8º:

[...] as propostas pedagógicas da Educação Infantil das crianças filhas de agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, povos da floresta, devem:

I - reconhecer os modos próprios de vida no campo como fundamentais para a constituição da identidade das crianças moradoras em territórios rurais;

II - ter vinculação inerente à realidade dessas populações, suas culturas, tradições e identidades, assim como a práticas ambientalmente sustentáveis;

III - flexibilizar, se necessário, calendário, rotinas e atividades respeitando as diferenças quanto à atividade econômica dessas populações;

IV - valorizar e evidenciar os saberes e o papel dessas populações na produção de conhecimentos sobre o mundo e sobre o ambiente natural;

V - prever a oferta de brinquedos e equipamentos que respeitem as características ambientais e socioculturais da comunidade (Brasil, 2009a).

Especificamente, a educação escolar de crianças do campo e da Amazônia paraense apresenta ainda pouca visibilidade; carecendo ainda de pesquisas sobre tais realidades e contextos amazônicos, daí a opção por estudá-la, sinalizando o contexto abaetetubense.

Nessa tessitura normativa e conceitual, temos as cirandas infantis, sendo o nome dado para a inclusão das crianças nos eventos e na pauta por direitos pelos movimentos sociais do campo6 6 Em 1989, em São Paulo, se pautou as primeiras cirandas infantis junto às Cooperativas de Produção Agropecuária (CPA’s) e ante o processo de luta do Movimento Sem Terra pela educação. (Silveira; Paludo, 2014SILVEIRA, Dynara Martinez; PALUDO, Conceição. Contribuições para a História da educação infantil do Campo no Brasil. Revista Contrapontos Eletrônica, v. 14, n. 1, p. 170-185, 2014. http://doi.org/10.14210/contrapontos.v14n1.p170-185
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), corroborando para o que temos hoje no âmbito do ensino das crianças pequenas e dos bebês, de uma educação a partir das infâncias. Desta feita:

[...] a educação infantil do campo constrói as bases para a contraposição a um modelo de educação que simplesmente reproduz, nos territórios rurais, a cultura urbana dominante. Essa reprodução é dominação e a educação deve ser projetada para a emancipação das crianças constituindo um lugar em que elas possam se reconhecer como sujeitos de direito, de desejos e de conhecimento (Brasil, 2010, p. 4).

O certo é que, no campo, a EI também passa por obstáculos. Precisamente, as DCNEI (Brasil, 2009a) dão um norte para a Educação Infantil brasileira e, consequentemente, para a EI das crianças do campo, na medida em que ratificam princípios democráticos para a condução do ensino, acentuam uma concepção de infância e de criança numa perspectiva sócio-histórica, refundam uma prática educativa alimentada pela prática social dos envolvidos e de valorização da vida no campo. Somado a isto, concordamos com Barbosa e Fernandes (2013BARBOSA, Maria Carmen Silveira; FERNANDES, Susana Beatriz. Educação infantil e educação no campo: um encontro necessário para concretizar a justiça social com as crianças pequenas residentes em áreas rurais. Revista Reflexão e Ação, v. 21, n. esp., p. 299-315, 2013. https://doi.org/10.17058/rea.v0i0.3388
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, p. 301), quando discorrem que “[...] A discussão e a elaboração de políticas de expansão da oferta de vagas para as crianças de 0 a 6 anos residentes em áreas rurais é uma necessidade urgente para superar as desigualdades sociais e, especialmente, educacionais”.

Ainda, sobre EIC, no artigo intitulado “Educação Infantil e Educação no Campo: um encontro necessário para concretizar a justiça social com as crianças pequenas residentes em áreas rurais”, Barbosa e Fernandes (2013BARBOSA, Maria Carmen Silveira; FERNANDES, Susana Beatriz. Educação infantil e educação no campo: um encontro necessário para concretizar a justiça social com as crianças pequenas residentes em áreas rurais. Revista Reflexão e Ação, v. 21, n. esp., p. 299-315, 2013. https://doi.org/10.17058/rea.v0i0.3388
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) fazem uma importante análise. As autoras iniciam citando, a nível mundial, a histórica Declaração Universal dos Direitos Humanos, que garante a todos os indivíduos o direito à educação e ao bem-estar social, bem como, no Brasil, a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) como documento de garantia de respeito e dignidade, de educação e valor humano, posto pela diferença. Para elas, esses condicionantes normativos e outros voltados às comunidades ou populações tradicionais, dentre os quais citam as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo - Resolução CNE/CEB nº 1/2002 (Brasil, 2002) e a Resolução CNE/CEB nº 2/2008 (Brasil, 2008), que enfatizam questões importantes para a EI, por exemplo, proíbe agrupar em uma mesma turma crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Confirmam a proposição básica, de uma escola de EI voltada às crianças do campo, uma EI que seja no/do campo.

Na sequência do artigo, elas discorrem aspectos comuns entre a EI e a EC (nível e modalidade), a partir dos representantes diretos, crianças e jovens, pais, educadores, pesquisadores, movimentos sociais, sendo um desses aspectos a forma como se efetiva na realidade. Os outros destacados foram que a EI e EDC foram produzidas nos grandes debates sociais da redemocratização do país na década de 80; focam o valor da cultura local das comunidades como potência e patrimônio imaterial; referendam-se pela proximidade da instituição de ensino e da família em reciprocidade, até porque os sujeitos do campo também têm processos endoeducativos próprios; as crianças, os adolescentes, jovens têm direito de estudar próximo de suas casas, validando seu bem viver e segurança no movimento escola-casa-escola. Em síntese, tais aspectos dizem respeito:

[...] A questão do respeito aos contextos socioculturais das crianças, está presente na compreensão da elaboração de um currículo que articule as experiências e saberes locais das crianças e da comunidade com o patrimônio cultural, ambiental, artístico, tecnológico, científico [...] (Barbosa; Fernandes, 2013BARBOSA, Maria Carmen Silveira; FERNANDES, Susana Beatriz. Educação infantil e educação no campo: um encontro necessário para concretizar a justiça social com as crianças pequenas residentes em áreas rurais. Revista Reflexão e Ação, v. 21, n. esp., p. 299-315, 2013. https://doi.org/10.17058/rea.v0i0.3388
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, p. 307).

Igualmente às autoras, também vemos como fundamental que os sujeitos do campo ponham a EI como problema e demanda pública, bem como o direito a terem infâncias todas as crianças dos territórios amazônicos, se problematize qual proposta pedagógica é mais viável e uma oferta qualificada no interior das instituições de EI, até porque, como bem diz Brandão (2015BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Olhar o mundo e ver a criança: Ideias e imagens sobre ciclos de vida e círculo de cultura. Crítica educativa, v. 1, n. 1, p. 108-132, 2015. https://doi.org/10.22476/revcted.v1i1.27
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, p. 115-116), o “[...] papel da creche e da escola aí é essencial. [...] a creche e a escola representam instituições alargadoras dos cenários de vida e do alcance das interações”. Trata-se, portanto, de interculturalizar desde as vivências infantis pautadas em seus contextos sociais, ambientais, econômicos e culturais como base para constituir um currículo vivo, ativo e emancipador na EI.

Porque o que ainda presenciamos é um currículo desfocado da realidade camponesa e de condições mínimas de atendimento das instituições acrescido, segundo Barbosa e Fernandes (2013BARBOSA, Maria Carmen Silveira; FERNANDES, Susana Beatriz. Educação infantil e educação no campo: um encontro necessário para concretizar a justiça social com as crianças pequenas residentes em áreas rurais. Revista Reflexão e Ação, v. 21, n. esp., p. 299-315, 2013. https://doi.org/10.17058/rea.v0i0.3388
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), de dificuldades formativas dos/das professores/as e a falta de “[...] compromisso político do professor com a população com a qual trabalha [...]” (Barbosa; Fernandes, 2013, p. 308). Neste ponto, somam-se ainda as formas de contratos e planos de carreira, com implicações diretas na qualidade de ensino às crianças, como exemplo, no município, a maioria dos docentes que atuam na EI são contratados, ou seja, há uma rotatividade dos docentes nas instituições. Sem contar, na formação inicial e continuada, muitas vezes, que não acentua a especificidade da criança pequena.

Com relação aos condicionantes formativos dos docentes e a forma de atendimento educativo, a EI e a EDC comportam dinâmicas curriculares que perpassam a organização pedagógica em multissérie7 7 Trata-se de grupos etários diferentes e de anos do ensino fundamental dentro de uma mesma sala, com um único docente. e a multi-idade8 8 Crianças com diferentes idades na mesma turma. , formas resolutivas de ensino que agregam polêmicas e exigem aprofundamentos, porém, a partir do chão das práticas escolares. No que tange à docência na EI, impõe o mapeamento das condições objetivas, das necessidades pedagógicas e socioafetivas das crianças para uma aprendizagem significativa.

Outro aspecto destacado é a condição das instituições, tanto do ponto de vista pedagógico quanto da estrutura predial e administrativa. Sabemos que sem uma estrutura de qualidade com computadores, livros e materiais didáticos, com água potável e saneamento básico, tudo fica mais difícil. E o que presenciamos é uma realidade educacional destinada às populações do campo bastante controversa e até perversa, não é à toa que no Parecer do CNE/CEB Nº 20/2009 consta assim:

A situação de desvantagem das crianças moradoras dos territórios rurais em relação ao acesso à educação é conhecida por meio dos relatórios governamentais e por trabalhos acadêmicos. Não bastasse a baixíssima cobertura do atendimento, esses relatórios apontam que são precárias as instalações, são inadequados os materiais e os professores geralmente não possuem formação para o trabalho com essas populações, o que caracteriza uma flagrante ineficácia no cumprimento da política de igualdade em relação ao acesso e permanência na Educação Infantil e uma violação do direito à educação dessas crianças (Brasil, 2009b, p. 11-12).

Enquanto possibilidade de enfrentar tais negligências nos parece urgente uma aproximação de setores institucionais e as áreas do conhecimento, até porque “[...] a escola e a educação se constituem através da integração substantiva com outros campos sociais, políticos e econômicos” [...] (Barbosa; Fernandes, 2013BARBOSA, Maria Carmen Silveira; FERNANDES, Susana Beatriz. Educação infantil e educação no campo: um encontro necessário para concretizar a justiça social com as crianças pequenas residentes em áreas rurais. Revista Reflexão e Ação, v. 21, n. esp., p. 299-315, 2013. https://doi.org/10.17058/rea.v0i0.3388
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, p. 307).

Nesse aspecto, não podemos deixar de destacar o lugar da mobilização social, dos atos de resistência e da compreensão alargada sobre o valor das populações do campo e, em especial, das políticas educacionais, uma vez que, por muito tempo, os povos do campo foram tomados na subalternidade, na condição de os “esfarrapados do mundo” e, em grande medida, ainda o são (Freire, 1996FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.).

No caso, a “[...] educação infantil do campo constrói as bases para a contraposição a um modelo de educação que simplesmente reproduz, nos territórios rurais, a cultura urbana dominante” (Brasil, 2010, p. 4). Logo, a diferença, o potencial e a especificidade deste nível de ensino, assim como do grupo de sujeitos-crianças em suas características étnico-cultural-territorial, precisam ser pensados na perspectiva de um educar-cuidar-existir enfatizando os processos de individuação e singularização (Barbosa, 2009BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Práticas cotidianas na Educação Infantil. Bases para a reflexão sobre as Orientações Curriculares. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica e Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.), de processos interculturais e endoeducativos.

Aliado ao que pensam os autores, defendemos que a EI e a EIC sejam colocadas como políticas públicas prioritárias, e assim seja garantido às crianças o bem viver nos territórios rurais, o que inclui o direito à educação escolar de qualidade social. Especialmente, sejam construídos atendimentos à EIC consistentes, justos, igualitários, fazendo contraponto à cultura urbana ainda presente na maioria das instituições de educação do campo, porque ainda se está longe do lugar a que tem direito. Para reafirmar, trazemos o que afirmam Rosemberg e Artes (2012ROSEMBERG, Fúlvia; ARTES, Amélia. O rural e o urbano na oferta de educação para crianças de até 6 anos. In: BARBOSA, Maria Carmen Silveira et al. (Coord.). Oferta e demanda de educação infantil no campo. Porto Alegre: Evangraf, 2012. p. 13-70., p. 19):

[...] a história internacional tem mostrado que a educação infantil não tem escapado à lógica de produção e reprodução da pobreza via políticas públicas: as crianças mais pobres, de área rural, mesmo em países desenvolvidos, tendem, via de regra, a frequentar instituições de educação infantil de pior qualidade que as crianças não pobres e de área urbana (Rosemberg; Artes, 2012ROSEMBERG, Fúlvia; ARTES, Amélia. O rural e o urbano na oferta de educação para crianças de até 6 anos. In: BARBOSA, Maria Carmen Silveira et al. (Coord.). Oferta e demanda de educação infantil no campo. Porto Alegre: Evangraf, 2012. p. 13-70., p. 19).

Em suma, não negamos as conquistas legais alcançadas e o melhor entendimento sobre a importância da educação nos primeiros anos de vida, porém, persistem situações e contextos problemáticos. Entre tantos, temos o que Barbosa e Fernandes (2013BARBOSA, Maria Carmen Silveira; FERNANDES, Susana Beatriz. Educação infantil e educação no campo: um encontro necessário para concretizar a justiça social com as crianças pequenas residentes em áreas rurais. Revista Reflexão e Ação, v. 21, n. esp., p. 299-315, 2013. https://doi.org/10.17058/rea.v0i0.3388
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) destacam, a obrigatoriedade legal com a insuficiência de cobertura de uma educação para o campo neste nível da educação básica, com destaque para as discrepâncias nos tipos de atendimento quanto aos contextos urbanos e rurais, bem como os processos educacionais veiculados. E embora as normativas atuais ordenem a obrigatoriedade do ensino para a EI, as barreiras enfrentadas e necessitando serem erradicadas são muitas e variadas.

Das crianças, contextos e processos educativos nas escolas

Nos baseamos nos documentos oficiais mencionados e no trabalho de campo realizado nas comunidades onde se localizam a Escola Municipal Padre Anchieta e a Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Santa Ana, do município de Abaetetuba, considerando também depoimentos e demais formas de registros dos participantes da pesquisa.

As crianças em suas infâncias amazônicas

As crianças são sujeitos sociais e culturais que estão ávidas a nos dizer, a partir de suas diferentes linguagens e jeitos, sobre o que, onde e como vivem, sobre suas visões de mundo do qual são parte. Outrossim, elas têm especificidades que precisam ser respeitadas, consideradas. Elas “[...] de qualquer grupo, sociedade ou cultura, sabem de si, sabem onde estão, o que faz parte de suas vidas, conhecem seu mundo, e se confrontam com os princípios de pertença e identidade que lhes são atribuídos [...]” (Gusmão, 2012GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Olhar viajante: Antropologia, criança e aprendizagem. Revista Pro-Posições, Campinas, v. 23, n. 2, p. 161-178, 2012. https://doi.org/10.1590/S0103-73072012000200011
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, p. 164). Portanto, a criança convive com visões distintas relacionadas às experiências e vivências no cotidiano e, o que lhe é imposto, a cultura dos adultos.

As crianças são iguais em suas necessidades e com experiências múltiplas e singulares. No caso das “[...] crianças do campo possuem seus próprios encantos, modos de ser, de brincar e de se relacionar. As crianças do campo têm rotinas, experiências estéticas e éticas, ambientais, políticas, sensoriais, afetivas e sociais próprias” (Brasil, 2010, p. 1).

Elas vivem e experimentam-se no lugar, produzem, portanto, saberes e seus próprios mundos infantis. Com sofrimentos, emoções, deslocamentos, na ou sem a experiência. Com e sem a escola. Elas, escorregando do mundo dos adultos, vão vagarosamente definindo suas sociabilidades entre os seus iguais; através dos brinquedos, das brincadeiras, dos jogos, imitações, peraltices, indisciplinas e por algumas horas obediência; com seus pares que, na maioria das vezes, entendem melhor a realidade que vivem. Há meninos e meninas que realizam deslocamentos casa-escola em bicicletas, rabetas, kombi. Muitos/as vão caminhando, outros/as experimentam seus corpos em canoas, árvores, pontes, na terra, na água, enquanto brincam ou interagem uns com os outros e, dessa forma, transformam-se objetos-sujeitos nos diferentes espaços. Alguns brincam de trabalhar, ensaiando coar massa da mandioca ou subindo no açaizeiro, e há os que trabalham de verdade, são parte ativa no sustento familiar, nos evidenciando o que Martins (2014MARTINS, José de Souza. Regimar e seus amigos: a criança na luta pela terra e pela vida. In: MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2014.) enfatizou faz tempo, de que a infância não é vivida em seu sentido real como é o direito de todo o infante, mas visto como um tempo à parte, porque as crianças não vivem plenamente o tempo infantil.

Esses sujeitos, habitantes do município, de acordo com dados da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), fazem parte da estimativa populacional na faixa etária de 0 até 6 anos, que é de aproximadamente 14.179 crianças (2020)9 9 São contabilizados ainda, no Brasil: 17.647.840 e, no Pará, 861.529 crianças nessa mesma faixa etária (FMCSV, 2023). . Esta faixa etária inclui o nível da EI, com exceção das crianças de 6 anos, que integram o Ensino Fundamental. No Brasil, a criança de 0 a 6 anos, residente em área rural, vive de forma especial um processo de ocultamento, omissão e distribuição desigual das políticas públicas.

São crianças habitantes de territórios rurais, quilombolas, ribeirinhos, assentadas, agroextrativistas, e há os que moram na parte urbana da cidade. São crianças negras, brancas, pardas etc., meninos e meninas, com rostos matizados por experiências diversificadas, que vivem diferentes infâncias, sobressaindo suas relações com a natureza, com o trabalho dos pais, com um ciclo de vida assentado na cultura local, com todo um repertório lúdico e brincante bastante associado com os espaços de terra, da mata, das águas (Pojo, 2017).

Na área urbana da cidade, as ruas, calçadas e pátios das casas são espaços recorrentes das práticas brincantes e lúdicas, principalmente nos bairros periféricos da cidade. Além desses espaços, com frequência vemos crianças brincando/interagindo em espaços públicos como as praças.

Novamente, convém reafirmar das ausências pelas quais passam as crianças. Meninos e meninas, com os quais interagimos durante o trabalho de campo, disseram, e nos corpos estão visíveis os sinais do quanto de potencial cognitivo, cultural, relacional elas carregam e partilham com seus pares e adultos, porém gritam mais ainda pelo que lhes é negado: comida e, saudável, bons relacionamentos, mais brincar e abraços, mais espaços públicos de lazer e de cultura, escola com qualidade socialmente referenciada etc., gritam por garantia de direitos sociais e pela continuidade dos “[...] modos de vida distintos dos interesses do capital e de seu padrão civilizatório - modos com os quais aprendemos e nos nutrimos para as lutas” (Porto-Gonçalves, 2014, p. 82).

São itinerários sociais úteis quando da organização e intencionalidade pedagógica.

Contextos escolares e processos educativos no município de Abaetetuba-PA

Abaetetuba10 10 A cidade apresentava uma Área de Unidade Territorial de 1.610.651 km², sendo a 7ª mais populosa do estado, com uma estimativa de 157.698 habitantes para o ano de 2019, conforme o IBGE (2019). é um município do estado do Pará pertencente à conhecida Região do Baixo Tocantins. A cidade é formada por territórios de águas e de áreas de terra firme. Ao todo existem no município 72 ilhas “[...] navegáveis em grande parte [...]” (Reis, 1969REIS, Luiz. Abaetetuba. Belém: Editora Ltda, 1969., p. 147), onde as ditas populações tradicionais vivem, assim os cursos das águas são espaços de práticas sociais cotidianas e funcionam como meio de sustento com a prática da pesca artesanal, travessias constantes, deslocamentos entre municípios e o lazer dos munícipes, entre outras formas. Ainda, temos as 35 colônias, vilas e comunidades camponesas, cujo território é de terra firme. Nelas, os moradores produzem suas vidas com base nos plantios de leguminosas, na roça de mandioca e na produção da farinha, além de produtos como o carvão etc.

No que diz respeito à política educacional, a SEMEC, na sua organização, nomeia de área urbana e área do campo para o atendimento educacional, conforme consta no DCMA (2019). Do/No campo estão presentes as instituições de ensino que ficam nas estradas, ramais e nas ilhas, áreas territoriais com populações diversas, como já dito.

A EIC no município encontra-se distribuída em 80 escolas nas ilhas, 49 em estradas e ramais e 40 na área urbana da cidade, totalizam um quantitativo de 169 escolas, sendo 129 do/no campo. São escolas que ofertam Educação Infantil e as outras etapas da Educação Básica11 11 Neste ano o município iniciou a implantação do 6º ano do EF em algumas escolas, pois até então estava sob responsabilidade da rede estadual. , e apenas uma recebe crianças exclusivamente na Educação Infantil. Esse quantitativo de instituições atende aproximadamente um total de 6.967 crianças matriculadas em 2022. O Quadro 1 apresenta o número de escolas que possuem EI, o que nos revela uma reduzida demanda de atendimento.

A partir dos dados de matrícula ficou evidente que no campo existe o maior número de escolas do município e, também, a oferta de EI, que vem se dando em turmas específicas, unificadas e/ou multissérie, e turmas pré-multi/multi-idade. O quantitativo maior das crianças é da pré-escola, com a presença de bebês também em turmas do maternal. Atualmente, são três tipos de instituições que atendem a EI, as creches, as escolas municipais de Educação Infantil (EMEI’s) e as escolas municipais de Educação Infantil e de Ensino Fundamental (EMEIF’s).

As 129 instituições de ensino que atendem a EI do campo integram a organização por polos, isto é, agrupamentos de escolas sob a responsabilidade de uma escola-sede e a gestão, na escola do campo, fica com um docente-responsável pela condução das demandas administrativas e pedagógicas da escola, junto com a escola-sede e a SEMEC. As turmas unificadas são formadas por crianças pequenas e bebês numa mesma turma, isto é, crianças de 3 a 5 anos de idade. Turmas pré-multi ou multi-idade, são crianças pequenas de 4 e 5 anos na mesma turma, sob a justiticativa da condição situacional do contexto (demanda), prevalecendo o atendimento das crianças dentro de sua própria comunidade (depoimento de técnica da SEMEC, 2022). De outro modo, na prática, as etapas creche e pré-escola se misturam/mesclam em muitos contextos e situações, pois as crianças frequentam os mesmos espaços educativos, transporte escolar e turmas.

A seguir, computamos a distribuição das crianças por agrupamentos etários:

Quadro 1:
Turmas do EI no Campo, 2022

Observando o quadro acima, vemos que a EI de crianças do campo no município de Abaetetuba não atende, exclusivamente, a etapa da creche, embora haja, aqui ou ali, crianças de 3 anos sendo atendidas em turmas de pré-escola. Logo, a diferença contextual/identitária ribeirinha e quilombola no município mostra-se bastante embrionária, até porque o acesso de todos (nesse caso, os bebês) inexiste.

Esta educação escolar voltada às crianças que residem em contextos ribeirinho, rural, quilombola, agroextrativista e assentamento, a nível municipal, se orienta pelas DCNEI (Brasil, 2009a) e por documento curricular próprio, o DCMA (2019). Neste último, são validados os preceitos postulados nas diretrizes, mais a singularidade regional e local. Logo, são acentuados no planejamento e no currículo a carga horária mínima de 800 horas, distribuídas em 200 dias letivos, com um atendimento à criança por um período de, no mínimo, 4 horas diárias para o turno parcial. Se credita 60% de frequência mínima e o processo de avaliação contempla o acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, e conta-se ainda com a emissão de documento oficial, atestando os processos de aprendizagem e de desempenho das crianças pequenas e dos bebês.

Na parte mais local são acentuados alguns projetos e programações festivas envolvendo aspectos da cultura local, como a produção do açaí e dos brinquedos de miriti, as crenças e mitos, a exemplo da Ilha da Pacoca ou da Matina Perera. O DCMA (2019) acentua que:

O currículo para as escolas do campo deve ser pensado na superação das desigualdades sociais, fortalecimento de unidades sustentáveis dos recursos naturais encontrados no território e valorização da diversidade cultural e étnica da população do campo Abaetetubense (Abaetetuba, 2019, p. 79).

Para melhor dizer dos processos educativos vividos, exemplificamos com a dinâmica pedagógica e administrativa das escolas do campo localizadas no Rio Ajuí (contexto ribeirinho) e no rio Tauerá-Açu (contexto quilombola-ribeirinho).

A Escola Municipal Padre Anchieta, em termos de EI atende somente crianças da pré-escola, sendo duas com necessidades especiais e todas residentes da localidade12 12 Dados de 2021, fornecidos pela escola. . É uma única turma com vinte (20) crianças de 4 e 5 anos de idade frequentando os períodos I e II. As aulas acontecem obedecendo um cronograma de atividades preestabelecido, onde o trabalho pedagógico das duas professoras envolve leituras de histórias, vídeos educativos, músicas, danças, pinturas, jogos, brincadeiras, entre outros; atividades baseadas no afamado campo de experiências conforme relato das professoras, reafirmando o que exige o documento curricular municipal e a base curricular nacional. Convém informar que das duas docentes, uma mora na comunidade e as duas possuem formação em Pedagogia.

A ação pedagógica busca integrar os saberes e experiências das crianças, considerando a vida cotidiana que atravessa o trabalho dos pais, a relação com a natureza dos rios, da terra/floresta, das árvores e animais, o convívio com embarcações e traslados pela vizinhança e até a cidade. Tais sujeitos brincam de várias formas com pipas, petecas, bola, praticam a canoagem e banham-se com frequência nos cursos de águas etc. Assim, intuímos que quando uma criança de quatro anos é inserida na escola, ela já sabe da vida beira-rio ou como faz para apanhar o açaí que toma diariamente. Domina, em grande medida, a gramática da vida devido toda sua experiência do dia a dia na comunidade (Pojo, 2017).

Nesta instituição inexistem espaços como brinquedoteca ou área de recreação, por isso durante o momento do intervalo as crianças continuam em sala de aula, acompanhadas das docentes. Conforme informações repassadas, ficamos sabendo que a escola não possui projeto político pedagógico, o qual está em construção já faz algum tempo, talvez devido à escola não ter coordenador pedagógico que os oriente.

No geral, as pessoas da comunidade e as famílias estão presentes na escola, acontecem parcerias visando melhorias para a escola sob a forma de reivindicações aos órgãos competentes, mutirão de limpeza, sorteios para aquisição de recursos, atos festivos etc.

A outra instituição, de nome Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Santa Ana, integra a rede municipal de ensino e é classificada no censo escolar como escola rural/Quilombola, cuja administração documental fica a cargo da escola-polo EMEF Maximiano Cardoso. A escola possui duas salas de aula, uma secretaria, uma cozinha, dois banheiros e um pátio que serve como refeitório. Conta com um quadro funcional de oito funcionários, sendo a gestora (que também atua como professora), quatro professoras (três são contratadas e uma é efetiva) com formação em nível superior em Pedagogia e duas residem na comunidade, duas serventes, dois vigias e um rabeteiro.

A escola atende duas turmas de EI pela manhã e duas turmas de Ensino Fundamental no turno vespertino. Na EI são atendidas 11 crianças em turma do Maternal, sendo sete meninas e quatro meninos, e uma turma multi-idade com 18 alunos, sendo 9 do Período I (4 anos) e 9 do Período II (5 anos). A escola possui projeto político pedagógico, e segue também as orientações da SEMEC com seus documentos.

A localidade/comunidade do Tauerá-Açú também é conhecida por “Santa Ana”. É uma comunidade quilombola, em razão do direito dos moradores serem remanescentes de quilombolas, cujo ciclo cultural é também de cotidiano ribeirinho.

Tais sujeitos manifestam gostar de morar nesse território; sabem da cultura amazônica em vigor, transmitido/socializado; exercitam um brincar e interagir bastante acentuado pelas dinâmicas socioculturais do lugar. Para ilustrar, como parte de sua rotina interativa com vizinhos e familiares, participam de jogos e brincadeiras na moinha13 13 É um espaço que funciona como campo de futebol feito por adultos. Ao lado fica outro espaço em tamanho menor feito pelas crianças, onde brincam de futebol, de taco e de rebate. , dos banhos de rio. Também vemos as crianças produzindo brinquedos e um brincar em interlocução com a natureza, tipo fazer cavalinho com bocó da palmeira do açaizeiro ou a feitura do campo de futebol (moinha) ao lado campo dos adultos. Por outro lado, estão também presentes o assistir TV ou jogar no celular. No todo, existe um trabalho artesanal relacionado à cultura local tecendo o modo de viver, tecendo o ciclo infantil que resiste ao tempo, na medida em que os espaços dos quintais, dos campos, do rio, da ponte e da mata etc. são lugares preferidos das crianças; bem como o deleite do brincar e interagir acontece com o outro (pai, mãe, primos, amigos). Acrescido a isso, o sentido político dessa prática cultural infantil residindo na constituição e/ou afirmação da identidade desses sujeitos.

O “ser quilombola” não é questão discutida na escola, e na comunidade o assunto pouco é comentado. Ainda assim, as crianças localizam o lugar como território quilombola; trazem alguns símbolos desse processo, como a cor da pele e as manifestações culturais associadas à produção na terra, nas águas, nos artefatos de uma artesania que alinha as mãos do fazedor e sua relação com a natureza, é o caso das bijuterias feitas com caroços de açaí. “Ser quilombola faz parte da nossa descendência, é ser forte, é ter vínculo com nossa terra, é lutar para ser reconhecido entre outras definições” (Benedito da Conceição Maciel, morador da comunidade)14 14 O depoimento foi sistematizado durante reunião na comunidade em: 03/2022. .

Tratamos aqui de um mapeamento sociocultural de escolas como produção da diferença e da singularidade, uma vez que este representa uma possibilidade de dizer da resistência do povo desejoso de educação escolar própria e, o melhor, com a cara e jeito, com os saberes e sabores do campo, com gestores eleitos democraticamente pela comunidade escolar e local, com atuação da coordenação pedagógica, secretários escolares para organizar toda documentação escolar, tornando-se assim escolas independentes politicamente e pedagogicamente, logo sem nenhum vínculo com escola-polo, como acontece atualmente.

Entendemos que a EIC é um direito das crianças pequenas e bebês, e dever do Estado, a ser legitimada dentro da educação dos povos que vivem no/do campo, em toda sua concepção e organicidade próprias, logo, que se paute pela “[...] construção coletiva de um currículo que valorize as diferentes experiências, saberes, valores e especificidades culturais das populações do campo da Amazônia” (Hage, 2005HAGE, Salomão Mufarrej. Classes multisseriadas: desafios da educação rural no Estado do Pará/Região Amazônica. In: HAGE, Salomão Mufarrej (Org.). Educação do Campo na Amazônia: retratos de realidades das Escolas Multisseriadas no Pará. Belém: Gutemberg, 2005. p. 42-60., p. 56). Uma educação que procura valer-se desses aspectos contribuirá efetivamente para que as comunidades mantenham vivo o gosto de viver no campo.

Consideramos relevante expor fotografias das duas escolas mencionadas para dizer do misto natureza-cultura visto por fora contrastando com o improvisado/adaptado que encontramos dentro das instituições. Vimos turmas que funcionam pela manhã, com crianças em salas de aulas que também são utilizadas por estudantes do ensino fundamental. Espaços improvisados e com proibições às crianças, além das ausentes aulas de educação física, entre outros aspectos.

Foto 1:
Frente da EMEIF Padre Anchieta

Foto 2:
Frente da EMEIF Santa Ana

Da parte das crianças, são sujeitos atuantes, estão no cotidiano captando e protagonizando, à sua maneira, formas de dizer da luta social, que brinca e inventa, marcando um posicionamento no território a partir de suas entradas na moinha, no rio, na escola, nos assuntos dos adultos, na solicitação de ajuda ao outro.

Somos sabedores que na região norte, de modo geral, as escolas carecem de melhorias para se adequar a uma condição de qualidade necessária para que as crianças estudem com bem viver e alegria. Mas para que isso aconteça há “[...] necessidade de mais investimento para alcançarmos a qualidade educacional” (Cristo; Neto; Couto, 2005CRISTO, Ana Cláudia Peixoto de. NETO, Francisco Costa Leite; COUTO, Jeovani de Jesus. Educação Rural Ribeirinha Marajoara: Desafios no contexto das escolas multisseriadas. In: HAGE, Salomão Mufarrej (Org.). Educação do Campo na Amazônia: retratos de realidades das Escolas Multisseriadas no Pará. Belém: Gutemberg, 2005. p. 114-131., p. 120), porque ainda lidamos com crianças “encostadas” nas turmas de pré-escola, falta de material didático, alimentação escolar sem a produção local dos agricultores, transporte escolar que não garante segurança, entre outros tantos aspectos já assinalados. Somados a isto, trazemos dois fragmentos verbalizados por elas dizendo do quão complexo é a escola em sua contextualidade: a escola precisa ser bonita (Manuelly, 4 anos); não quero ir mais pra escola, passei o dia todo e cobrir só uma florzinha (Heloisa Vitória, 3 anos).

Os dados aqui informados, as fotografias e as poucas vozes das crianças são elementos reforçadores do tipo de oferta educacional na Amazônia paraense, enfatizando um quadro desigual de acesso à educação. Dizem da falta de entendimento sobre a importância e o valor das pessoas como colaboradores diretos da escola em suas ricas contribuições familiares e comunitárias, suas formas vivas de pensar-agir-sentir quando se trata das produções folclóricas, outras manifestações culturais, infantis e de saberes, suas formas de lidar/construir processos educativos, étnicos, linguísticos de população do campo. Nesses termos, nos parece urgente, enquanto agentes da educação e cidadãos de uma cidade, olhar para as características e peculiaridades da criança real e concreta que interage com seus pares/amigos e seus profissionais no interior das instituições de ensino, postos nos territórios amazônicos em sua diversidade humana, cultural e territorial. Afinal, a escola se faz também com as vozes, sentimentos, desejos e necessidades das crianças, atribuindo valor às lutas por terra produtiva, cidadania ativa e educação qualificada, sendo protagonistas junto da cultura e do direito ao conhecimento. Dessa forma, ganha bandeira de luta das comunidades tradicionais a negação dos “processos de nucleação e fechamento de escolas e de deslocamento das crianças”15 15 Lema utilizado em vários eventos de Educação do Campo. .

De modo geral, nessa região temos nos deparado com dados e com informações que escancaram situações alarmantes e urgentes quando se trata de condições pedagógicas e operacionais no que se refere ao atendimento da EI, com destaque ao tipo de formação continuada e de organização pedagógica e administrativa pelas Secretarias de Educação.

Considerações Inconclusas

A realidade da Educação Infantil no Brasil carece de maior investimento e de um amplo debate envolvendo pesquisadores, movimentos sociais, educadores e demais segmentos da sociedade civil, considerando o número reduzido de estudos sobre esta modalidade de ensino. E, em se tratando da realidade amazônica paraense, menos ainda são os estudos que pautem aspectos específicos do atendimento à EI, bem como, reiteramos, os reduzidos investimentos. Apesar de sabermos que a base da escolarização são os primeiros anos na Educação Básica, da qual incluímos a educação da infância como essencial quando se pensa a formação do ser humano.

Sendo assim, e com o propósito de tornar evidente e contribuir com as pesquisas nessa área, que demos ênfase no artigo, trazendo a EI do município de Abaetetuba-Pará, situando especificamente duas escolas do campo, as escolas Santa Ana e a Padre Anchieta do rio Ajuaí.

Desta feita, fizemos uma longa discussão sobre a EIC, abordando aspectos específicos desta educação na realidade do contexto social do referido município. Ainda, abordamos no debate as leis que garantem e respaldam essa modalidade de ensino em contexto nacional com os dispositivos legais atuais; com documentos oficiais da SEMEC de Abaetetuba, estes últimos foram disponibilizados pela Secretaria, visando dar o apoio pedagógico e curricular aos professores e demais profissionais que atuam diretamente na educação municipal.

Em complementaridade, dialogamos com referenciais teóricos que nos ajudaram nas reflexões e argumentos a respeito da EI e dos processos educativos que as cerca. Também, fundamentaram os dados captados durante o trabalho de campo realizado nas escolas e comunidades.

Consideramos que houve avanços, e muitos, ao olharmos para décadas passadas quando as crianças estudavam em barracões comunitários, casas de famílias, casas das próprias professoras, e essas além das aulas faziam a merenda, quando tinha etc., sem contar com a falta de transporte escolar e de material de apoio didático, como livros, que praticamente inexistia.

Atualmente, o município garante um tipo de atendimento com implicações na/da qualidade da educação/ensino sob diversas situações controversas, a rotatividade de docentes que atuam na EI, devido à maioria serem contratados. Não obstante a essa questão, temos também a organização das turmas (multissérie, multi-idade, unificada), comprometendo o trabalho docente, bem como o aprendizado das crianças que compartilham o mesmo espaço, mas com processos cognitivos, maturacionais, afetivos, entre outros, que implicam nas dinâmicas pedagógicas e no aprendizado de cada criança ou bebê.

Ainda, nas escolas os espaços, em sua maioria, são inadequados para a prática recreativa das crianças e, também, inexistem turmas de creches de 0 a 3 anos, vez por outra são atendidas crianças dessa faixa etária em turmas de pré-escola.

Outro detalhe observado é que as escolas do campo estão vinculadas administrativamente às escolas da sede do município (escola-polo), existindo um responsável restrito à administração da instituição a nível da comunidade. O que defendemos é uma educação do campo de qualidade com autonomia política-pedagógica, incluindo ter direção de escola lidando com todos os seus pormenores, desde as próprias documentações dos alunos.

Os dados de pesquisa evidenciam o quanto a EIC é precarizada e com falta de maior investimento, atuando na oferta de turmas de pré-escola, diferenciando-se do contexto urbano, que existem creches para a educação de crianças filhas de pais trabalhadores.

Assim, almejamos para a educação do campo uma educação pautada na vivência e movência dos povos e comunidades tradicionais, pois uma educação do campo se faz com autonomia das escolas em todos os sentidos e aspectos: politicamente, pedagogicamente e administrativamente.

Em suma, o presente artigo, trouxe o debate sobre a realidade da educação infantil, visibilizando que a EIC precisa ser qualificada, e muito, para garantir os direitos básicos de um ensino de qualidade, em que saberes, conhecimentos e cotidianos possam ser referenciados nos processos e práticas educativas nelas veiculadas, com modos de educar no espaço rural amazônico em sua diversidade.

Referências

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  • APOIO/FINANCIAMENTO

    Apoio da UFPA, a partir do Projeto “Crianças Quilombolas (Pará): territórios, práticas de sociabilidade e desafios que se colocam a Educação Infantil do Campo”, em vigor (Edital 13/2023 - PIBIC 2023), que alocou carga horária as atividades de pesquisa para a autora, gerando o artigo.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

    Todos os dados foram gerados/analisados no presente artigo.
  • 1
    Estamos nos referindo à inter-relação de situações, circunstâncias. No caso da escola, são os pormenores, os acontecimentos que compõem uma determinada situação, como o contexto das águas grandes, no período do inverno amazônico, influenciando a rotina das escolas e das crianças.
  • 2
    A referência é gramsciana, parte da ideia de que qualquer ser humano desenvolve atividade intelectual criadora, das mais simples às mais complexas, sendo os educadores, como exemplo, os que exercem a função de intelectuais na sociedade.
  • 3
    O presente trabalho foi realizado com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cujo estudo esteve atrelado a projeto específico.
  • 4
    Colaboram com exemplos, relatos e explicações de situações infantis e de percursos escolares, por meio da Disciplina de Fundamentos Teórico-metodológicos da Educação Infantil, Prática de Ensino na Educação Infantil e Ludicidade e Educação que reiteradamente a primeira autora ministra no curso.
  • 5
    Estas ocorreram nos locais e horários conforme agenda dos interlocutores, sendo estas gravadas e transcritas literalmente, suprimindo-se apenas as repetições.
  • 6
    Em 1989, em São Paulo, se pautou as primeiras cirandas infantis junto às Cooperativas de Produção Agropecuária (CPA’s) e ante o processo de luta do Movimento Sem Terra pela educação.
  • 7
    Trata-se de grupos etários diferentes e de anos do ensino fundamental dentro de uma mesma sala, com um único docente.
  • 8
    Crianças com diferentes idades na mesma turma.
  • 9
    São contabilizados ainda, no Brasil: 17.647.840 e, no Pará, 861.529 crianças nessa mesma faixa etária (FMCSV, 2023).
  • 10
    A cidade apresentava uma Área de Unidade Territorial de 1.610.651 km², sendo a 7ª mais populosa do estado, com uma estimativa de 157.698 habitantes para o ano de 2019, conforme o IBGE (2019).
  • 11
    Neste ano o município iniciou a implantação do 6º ano do EF em algumas escolas, pois até então estava sob responsabilidade da rede estadual.
  • 12
    Dados de 2021, fornecidos pela escola.
  • 13
    É um espaço que funciona como campo de futebol feito por adultos. Ao lado fica outro espaço em tamanho menor feito pelas crianças, onde brincam de futebol, de taco e de rebate.
  • 14
    O depoimento foi sistematizado durante reunião na comunidade em: 03/2022.
  • 15
    Lema utilizado em vários eventos de Educação do Campo.

Disponibilidade de dados

Todos os dados foram gerados/analisados no presente artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2023
  • Aceito
    21 Nov 2023
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