APRESENTAÇÃO
Apresentação
O último século foi, muito provavelmente, um dos mais ricos em abordagens e estudos sobre a linguagem. Herdando questões da filosofia, da retórica, da filologia e da gramática, vimos o estudo da linguagem ampliar as suas faces através da criação e do aparecimento de novas teorias e novos enfoques metodológicos. Dentre esses novos enfoques, merecem destaque aqueles estudos que, de uma forma ou de outra, tentaram perceber as línguas humanas num quadro de relações que transcendem as especulações notadamente sistêmicas, vinculadas aos estudos mais tradicionais. Neste sentido, é possível ressaltar a importância do aparecimento dos estudos sociolingüísticos, que mostraram o peso do componente social, histórico e cultural nas mudanças e nas variações das línguas e também a relevante contribuição dos estudos lingüísticos e literários que se ocuparam especificamente do texto e do discurso, derivando o sentido da linguagem não apenas do material verbal, mas também, e sobretudo, dos aspectos relacionais definidos no âmbito da história, da cultura e da ideologia. Como decorrência disso, é possível perceber que as questões educacionais que envolvem a linguagem, como o ensino das normas da escrita, da prática de texto, da leitura e da literatura, direta ou indiretamente, refletem algumas das mudanças de concepção que sofreram e sofrem os conceitos de gramática, de texto, de interação, de literatura e de discurso.
Neste sentido, os dois artigos que abrem este dossiê mostram que as questões de linguagem e seu ensino envolvem muito mais do que problemas meramente de ordem metodológica. O primeiro, de Carlos Alberto Faraco, discute questões de política lingüística no Brasil, partindo do confronto ideológico entre lingüistas e gramáticos da mídia numa tentativa de delinear alguns dos problemas da área e suas implicações, como a necessidade de que a sociedade brasileira enfrente um debate mais amplo sobre as questões lingüísticas do país. O segundo artigo, escrito por Gilberto de Castro, propõe uma reflexão sobre o problema do confronto cultural que ocorre diariamente entre a linguagem da escola e a fala dos alunos, chamando a atenção para o aspecto educacionalmente danoso de ignorarmos a imensa diversidade cultural existente sob o teto falso da crença de que por sermos brasileiros falamos todos uma mesma língua.
Um segundo bloco de artigos aborda questões que envolvem ensino de língua materna, leitura e produção de textos. O artigo de Cristovão Tezza apresenta um depoimento sobre a produção de material didático destinado ao trabalho com estudantes universitários, enumerando alguns pontos básicos indispensáveis para um bom material de ensino de língua centrado na produção de textos. O artigo de Cagliari, por sua vez, busca apresentar algumas noções básicas que definem e caracterizam a ortografia, além de sugerir procedimentos metodológicos para o seu ensino. Os textos de Sírio Possenti, sobre o hipertexto, e de João Wanderley Geraldi, sobre o conceito bakhtiniano de contrapalavra, discutem as noções e os papéis do autor e do leitor do texto e suas implicações para uma teoria da leitura. Por outro lado, a preocupação de Altair Pivovar é mostrar o quanto os procedimentos tradicionalmente usados pela escola acabam automatizando a relação com o texto, tanto na leitura quanto na produção, representando um esforço sem sentido para o aluno, impedindo, desta forma, o trabalho efetivo com enunciados reais.
Os dois textos que se seguem, que também discutem leitura, fazem-no do ponto de vista mais específico do trabalho com textos literários e do ensino de literatura. Neste sentido, Paulo Venturelli busca evidenciar a necessidade de desmitificar o conceito tradicional de leitura, permitindo perceber o texto literário como relação especial entre os discursos sociais. Luís Bueno, em seu artigo, faz um breve relato de uma experiência de ensino de literatura no ensino médio, defendendo uma abordagem direta dos textos que permita deslocar a história literária, de tema central a subsídio de leitura.
No último conjunto de textos, Henrique Evaldo Janzen, embora também trate de questões que envolvem o trabalho com a literatura, define o foco específico de sua discussão sobre o papel da interculturalidade no ensino de alemão como língua estrangeira. Da mesma forma, partindo da defesa de uma abordagem intercultural, o texto de Selma Meireles toma como exemplo o ensino de alemão como língua estrangeira no Brasil, mostrando de que forma ele acompanhou as mudanças na concepção do papel do aprendiz, ilustrando, também, de que modo os meios de comunicação de massa abrem novas possibilidades para os estudantes da escola pública no contato com línguas estrangeiras. Por último, o artigo de Deise Picanço propõe uma reflexão sobre o limbo metodológicocriado pelas propostas metodológicas das últimas décadas, a partir de uma discussão sobre o conceito de enunciado formulado pelos pensadores do Círculo de Bakhtin.
Deise Cristina Picanço; Gilberto de Castro e Vera Lúcia A. Costa
Organizadores do Dossiê Temático
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Mar 2015 -
Data do Fascículo
Dez 2002