RESUMO
Nesta pesquisa, pretendeu-se desocultar os fazeres que são tecidos nas práticas de ensino de Formadores de Professores (FP), com foco em suas didáticas, de modo a sinalizar as possibilidades, tensões e dilemas que enfrentam diariamente. De abordagem qualitativa, a entrevista narrativa constituiu-se como abordagem de pesquisa, sendo recolhida com cinco FP dos cursos de Licenciatura de um Instituto Federal (IF). Os resultados sinalizam possibilidades pela atuação multifacetada no ensino verticalizado, incitando os FP a transcenderem sua área epistemológica do saber. Todavia, o movimento em diversos níveis e o acúmulo de atividades intensificam a ação docente e obrigam os FP a mobilizarem saberes na lida com ementas múltiplas, junto à interação com alunos de faixas etárias diferenciadas, para os quais, muitos não estão preparados.
Palavras-chave:
Fazer Docente; Ensino Verticalizado; Formadores de Professores; Institutos Federais
ABSTRACT
In this research, the intention was to uncover the doings that are woven into the teaching practices of Teacher Trainers, with a focus on their teaching, in order to signalize the possibilities, tensions and dilemmas they face daily. The narrative was constituted as a research approach, being collected with five TTs from the undergraduate courses of a Federal Institute (IF). The results indicate possibilities for multifaceted performance in vertical teaching, encouraging FP to transcend their epistemological area of knowledge. However, the movement at various levels and the accumulation of activities intensify the teaching action and oblige the TTs to mobilize knowledge in dealing with multiple menus, along with interaction with students of different age groups, for which, many are not prepared.
Keywords:
Do Teaching; Verticalized Teaching; Teacher Trainers; Federal Institutes
Introdução
Este artigo trata-se de um recorte de pesquisa de pós-doutorado, que incide na ação docente dos Formadores de Professores (FP) de cursos de formação inicial de professores de um Instituto Federal de Educação. Instituição que faz parte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica Brasileira (RFEPCT).
Estas instituições, como locus de formação profissional, possuem um século de existência, dedicado, principalmente, à formação de técnicos de nível e, em 2009, a partir da Lei nº 11.892/2008 (BRASIL, 2008), elas passaram de Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) para Institutos Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (IFs) com status de universidade, ampliando a oferta de ensino para o nível superior e pós-graduação. A partir de então, os IFs são submetidos a uma nova organização educativa de ensino, se constituindo também como instituições de ensino superior (IES).
Com efeito, os IFs com a oferta da EPT constituem-se em instituições sui generis no contexto da educação brasileira, sendo os únicos a ofertarem três níveis de ensino e a possuírem uma diversidade no perfil dos seus professores, bem como nos processos educativos de atuação docente. Os professores dos IFs, de acordo com o Plano de Carreiras e Cargos do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e o Plano de Carreiras do Ensino Básico Federal, dispostos pela Lei nº. 12.772/2012 (BRASIL, 2012b) e a Lei nº. 12.863/2013 (BRASIL, 2013), respectivamente, atuam em todos os níveis e programas oferecidos pela RFECPT, que incluem cursos de nível médio, superior e pós-graduação, programas de formação inicial e continuada de professores. Não obstante, ofertam cursos de licenciatura e programas com vistas à formação de professores para a educação básica, se constituindo a partir de 2008, como locus de formação docente, mesmo com características de uma instituição tecnológica, o que justifica a importância de pesquisas que investiguem a ação docente dos FP dos IFs.
Nesta realidade complexa e ambígua, os FP, tal como os demais professores, também desenvolvem a docência nos diversos níveis e considerando a relação indissociável do tripé - ensino, pesquisa e extensão. Esta situação provoca uma intensificação da ação docente, traduzida pelo ensino com diversas matrizes pedagógicas, ementas nos vários níveis, somados a outras atividades. Para Costa (2016COSTA, Elen Lago Barros. Trabalho e carreira docente nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Tese (Doutorado). Universidade Federal de São, Carlos, 2016.), a heterogeneidade na atuação docente na EPT provoca desafios e intensifica a ação docente. Na mesma direção, Silva (2017SILVA, Cintia Souza Dantas. Representações sociais sobre formação pedagógica de professores que atuam na educação profissional e tecnológica no contexto dos institutos federais. Tese (Doutorado) - Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2017., p.33) alerta que a atuação docente dos IFs “[....] é multi e interdisciplinar, em nome de uma estratégia administrativo-gerencial de redução dos gastos públicos e também de uma estratégia pedagógica de verticalização e expansão da oferta de ensino”.
Com efeito, a complexidade de atuação docente na EPT refere-se à todos os professores, todavia nesta pesquisa, focalizaremos a práxis docente dos professores que atuam nas licenciaturas, os FP, em face do objeto de estudo, vinculado à linha de grupo de pesquisa ‘Formação de Professores e Práticas Educativas’, em que há décadas problematizamos a necessidade e importância da formação inicial e continuada dos professores como condição essencial à docência, desenvolvimento profissional e melhoria dos processos educacionais, da educação básica ao ensino superior.
Em face do exposto, o objetivo deste recorte da pesquisa1 1 Pesquisa foi registrada no Comitê de Ética sob o Parecer nº 3.956.526 foi desocultar os fazeres que são tecidos no cotidiano das práticas dos FP com foco em suas didáticas em sala de aula, sinalizando as possibilidades, tensões e dilemas que os professores enfrentam no cotidiano de seu trabalho. Para tanto, a discussão neste recorte será direcionada pela seguinte questão: Quais as possibilidades e os desafios de ser FP nas Licenciaturas de um IF no Brasil?
Metodologia
Trata-se de uma investigação de natureza qualitativa, em que utilizamos a entrevista narrativa como abordagem de pesquisa. Nóvoa (2013) reconhece que as histórias de vida têm originado reflexões significantes e estimulantes, em uma interface de várias disciplinas e utilização de vários referenciais teóricos, conceituais e metodológicos. Assim, as entrevistas narrativas buscam dar voz aos sujeitos, reinventando, portanto, novos caminhos de pesquisa em que a história de vida, as experiências e a vivência do narrador são significativas para a compreensão do objeto de pesquisa. Conforme Souza (2013SOUZA, Elizeu Clementino. Entre fios e teias de formação: escolarização, profissão e trabalho docente em escola rural. In: VICENTINI, Paula Perin; SOUZA, Elizeu Clementino; PASSEGUI, Maria da Conceição (orgs.). Pesquisa (auto) biográfica: questões de ensino e formação. Curitiba: CRV, 2013, p.131-148., p.133), “A entrevista narrativa, num tom de conversa ou numa prosa cotidiana, revela trajetórias da família e da escolarização, possibilitando-nos apreender aspectos da vida-formação do sujeito e suas marcas sobre a profissão docente”.
Utilizamos a entrevista narrativa com cinco FP, sendo um de cada uma das Licenciaturas dos Campi, do IF, locus da pesquisa - Ciências Biológicas, Matemática, Química e Pedagogia, escolhidos a partir dos critérios: 1) atuar como formador em cursos de Licenciatura; 2) ter experiência com orientação de Estágio Curricular Supervisionado, Programa de Iniciação à Docência (PIBID) ou Programa Residência Pedagógica (PRP), pelas possibilidades com a formação para a aprendizagem da docência dos futuros professores; 3) Atuar em todos os níveis da EPT. Os professores participantes serão identificados pela letra P de Professor, seguida das iniciais do curso de formação. Logo, temos de Ciências Biológicas: a professora PB1 com 36 anos de idade, possui Licenciatura e Pós-graduação em sua área específica. Está na EPT desde 2009, em que coordena e é professora de mestrado na área de Biologia, direcionando, portanto, suas pesquisas para esta área; PB2 com 39 anos de idade, possui Licenciatura e Pós-graduação em Biologia. Entrou na EPT em 2015, e atualmente, atua como professor e coordenador de Mestrado na área do ensino, o que o levou a direcionar suas pesquisas para esta área. Foram dois professores de Biologia por serem de Campi diferentes; da Licenciatura em Química, temos o professor PQ com 42 anos, Mestrado em Ensino de Química e Doutorado em Ciências, atuando do Ensino Técnico médio concomitante, na graduação Química e na Pós-graduação em Tecnologia de Alimentos desde o ano 2009, com pesquisas vinculadas a métodos de conservação de frutos do cerrado, avaliação do potencial antioxidadente; da Licenciatura em Pedagogia, temos a professora PP, com 57 anos, mestrado e doutorado em educação, com experiência na Educação Infantil, atua na EPT do Ensino Técnico médio Integrado, na graduação em Pedagogia na Pós-graduação, desde o ano 2014; e da Licenciatura em Matemática, a professora PM, com 57 anos, mestrado no ensino de Matemática, experiência de ensino na educação Infantil ao Ensino Médio. Atua em todos os níveis da EPT, desde 2010.
Diante da pandemia mundial do Corona Vírus (COVID-19) e da obrigatoriedade de isolamento físico, daí decorrente, as entrevistas narrativas foram recolhidas durante o ano de 2020, via videoconferência do Google Meet, sendo gravadas, transcritas e enviadas aos participantes. Para a condução das entrevistas narrativas, as questões foram configuradas com base em categorias de análise, sendo algumas alinhadas aos objetivos da pesquisa e outras emergentes no processo de análise dos dados. Todavia, importante salientar que a questão orientadora deste recorte, apenas é uma sinalização inicial para a recolha das narrativas, porquanto, os participantes ficaram livres para narrar de forma espontânea as possibilidades, desafios e tensões de ser FP em um IF.
A pandemia da COVID-19, apesar dos vários desafios decorrentes da necessidade de isolamento social, nos instigou a usar novas alternativas para a recolha de dados, o que foi positivo, pois foi possível olhar nos olhos, virtualmente, partilhar afetos, angústias, nos sentirmos próximos, rompendo, assim, as barreiras do isolamento social, promovendo maior possibilidade de contato, considerando que os professores respondentes residem em localidades distantes umas das outras.
Com efeito, durante as entrevistas narrativas, os FP revelaram fatos vividos em sua trajetória como professores no IF, seus anseios, experiências sobre os fazeres com a formação inicial de professores e EPT. Apesar de não ser o foco, pudemos constatar que o cenário causado pela COVID-19 impactou a percepção dos FP em termos dos desafios da atuação docente no trabalho verticalizado e da lida com diversos artefatos tecnológicos, para os quais, muitos não estavam qualificados. De acordo com Abrahão (2014ABRAHÃO, Maria Helena Mena Barreto. Fontes orais, escritas e (áudio)visuais em pesquisa (auto)biográfica: palavra dada, escuta (atenta), compreensão cênica. O Studium e o punctum possíveis. In: ABRAHÃO, Maria Helena Mena Barreto; BRAGANÇA, Inês (Orgs.). Pesquisa auto (biográfica): fontes e questões. Curitiba: CRV, 2014. p.57-78., p.68), “certamente, as narrativas são ressignificadas no momento da narração, dada a natureza reconstrutiva e seletiva da memória que permeia a relação narrador/ouvinte”.
No processo de análise dos dados nos ancoramos nas fases de análise de conteúdo de Bardin (2013), ou seja: 1) a pré-análise, 2) a exploração do material e o tratamento dos dados, 3) a inferência e interpretação. A pré-análise consiste na fase de organização do material recolhido na investigação, com a intenção de selecionar quais informações são pertinentes ao objeto de estudo; a fase de exploração do material se caracteriza pela organização das informações em codificações, classificações, categorizações; e a terceira fase, denominada tratamento, inferência e interpretação das informações, é o momento da análise da investigadora propriamente dito, que transcende o que não está implícito, para uma compreensão aprofundada, holística dos fenômenos analisados, o que pode ser analisado, com enfoque a partir de várias ênfases que perpassam perspectivas sociológicas, psicológicas, políticas, filosóficas, bem como da própria história de vida.
A formação inicial de professores nos IFs e prática docente dos FP
Os IFs iniciam a oferta de cursos de formação inicial de professores a partir do ano 2000, em que, o DL nº 3.462/2000, em seu Art. 1º, concedeu aos novos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) autonomia para o oferecimento de cursos de formação de professores. A partir de então, ocorre, gradativamente, o aumento das vagas para cursos de Licenciatura nos CEFET, ganhando amplitude significativa com a Lei nº 11.892/2008 (BRASIL, 2008), ao estabelecer a exigência de 20% da oferta de cursos de Licenciatura e programas especiais de formação pedagógica para professores da educação básica. Tal exigência faz parte do conjunto de medidas do governo federal para estimular a implantação de cursos de formação nas áreas de Licenciatura, considerando a escassez de professores com formação, para atuar na educação básica.
Com essas mudanças, os professores dos IFs - que já eram efetivos e os novos que ingressaram a partir de 2008 - enfrentam um cenário desafiante, considerando que tais instituições têm uma história forte ligada à formação para o trabalho, às ciências agrárias, ao ensino médio técnico profissionalizante, e, a partir de então, os professores precisam transitar em vários níveis, num processo verticalizado de ensino, que perpassam desde atividades de pesquisa, atividades de extensão, cursos de educação profissional integrada, concomitante ao ensino médio, cursos na modalidade de educação de jovens e adultos, cursos superiores de tecnologia, cursos de Licenciatura, cursos de bacharelado, engenharia e cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Conforme Verdum (2015VERDUM, Priscila. Formação inicial de professores para a educação básica, no contexto dos IFS: propondo indicadores de qualidade, a partir de um estudo de caso no IFS. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, PUCRS, Porto Alegre, 2015., p.79), os “IFs ofertam cursos em duas diferentes esferas de formação: a básica e a superior, podendo, ainda, disponibilizar a pós-graduação lato sensu e stricto sensu. São três níveis da educação atendidos por uma mesma instituição”.
Para o ingresso nos IFs, não é exigida aos FP, bem como aos demais professores, uma formação acadêmica para a docência na EPT, portanto, qualquer profissional advindo de formação em áreas técnicas como as Ciência Agrárias, Engenharias, Bacharéis em Química e Ciências Biológicas, estão aptos a atuar em todos os níveis de ensino oferecidos, inclusive, na educação básica e com a formação de professores. Silva (2017SILVA, Cintia Souza Dantas. Representações sociais sobre formação pedagógica de professores que atuam na educação profissional e tecnológica no contexto dos institutos federais. Tese (Doutorado) - Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2017.) e Pena (2011PENA, Geralda Aparecida Carvalho. Formação docente e aprendizagem da docência: um olhar sobre a educação profissional. Educação em Perspectiva, v. 2, n.1, p.98-118, 2011.) contribuem ao afirmarem que o corpo docente na EPT é formado por profissionais advindos de áreas diversas e que grande parte desses profissionais, apesar de terem o conhecimento específico de sua área, contam com pouca ou nenhuma referência pedagógica.
Na mesma direção, Verdum (2015VERDUM, Priscila. Formação inicial de professores para a educação básica, no contexto dos IFS: propondo indicadores de qualidade, a partir de um estudo de caso no IFS. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, PUCRS, Porto Alegre, 2015.), a seu turno, alerta que, para o ingresso na EPT, os docentes passam por concurso público de provas e títulos em que se exige a formação na área específica de atuação e os títulos de mestrado e doutorado são bem valorizados, considerando que também atuarão com a pesquisa, além do ensino. Logo, o currículo é valorizado em detrimento da experiência para a docência.
Ora, em se tratando de FP, esta situação pode ser tensa e ambígua, uma vez que ensinar o que não se sabe, pode ser desastroso e não favorável a um processo formativo inicial que oportunize a formação de futuros professores com capacidade de mobilizar saberes necessários à atuação docente na educação básica, além de problematizar e desenvolver práticas investigativas acerca dos fenômenos educacionais tão necessárias na atual sociedade complexa, conforme já constatamos (PANIAGO et al., 2022PANIAGO, Rosenilde Nogueira; FLORES, Maria Assunção; SARMENTO, Teresa; NUNES, Patrícia. Investigação da Prática Pedagógica como Elemento Chave no Trabalho dos Formadores de Professores nos Institutos Federais: Das Ações Existentes às Ações Desejadas. Criative Education, v. 13, p. 1616-1633, 2022.).
Ao que parece, este não é um cenário insulado nos IFs, pois, conforme Gatti et al., (2019GATTI, Bernardete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá; ANDRE, Marli Elisa Dalmazo Afonso de; ALMEIDA, Patricia Cristina Albieri de. Professores do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, 2019.), as formas atuais de contratação dos docentes nas instituições de ensino superior “não favorecem a formação para o trabalho de professores na educação básica; não favorecem a formação de modo integrado e com acompanhamento mais consistente e contínuo dos licenciandos em seus estudos e atividades.” (GATTI et al., 2019GATTI, Bernardete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá; ANDRE, Marli Elisa Dalmazo Afonso de; ALMEIDA, Patricia Cristina Albieri de. Professores do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, 2019., p. 319). Também Mizukami (2005-2006) contribui ao afirmar que de modo geral, não há preparação para os formadores e, que, nos processos seletivos, são priorizadas a linha de pesquisa e não à docência.
Na mesma direção, Almeida (2012ALMEIDA, Maria Isabel. Formação do professor do ensino superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012.) elucida que os professores do ensino superior não possuem uma formação voltada para os processos ensino-aprendizagem, pelos quais são responsáveis quando iniciam a sua vida acadêmica. Para a autora, são bem preparados como especialistas em áreas específicas em programas de pós-graduação stricto sensu, com conhecimentos diversos sobre a pesquisa na área, todavia, pouco sabem sobre o que é ser professor.
A seu turno, Pimenta e Anastasiou (2014PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos. Docência no ensino superior, 5. ed. São Paulo: Cortez, 2014.) confirmam que os professores, quando adentram à docência na universidade, trazem inúmeras experiências adquiridas ao longo de sua formação, sobre o que é ser professor, decorrentes da observação das práticas de seus professores, formando modelos positivos e/ou negativos. Contudo, não se identificam como professores, porquanto, olham a universidade do ponto de vista do ser aluno. Assim, o grande desafio é construir uma identidade de professor, pelo que implica na aquisição de saberes que vão além da experiência como alunos e da área de conhecimento, bem como saberes da prática profissional docente.
No que tange a FP que atuam na EPT em vários níveis, esse cenário é ainda mais agravante. Não obstante, em que pese a diversidade de atuação docente dos professores da EPT, bem como os FP, em vários níveis de ensino, a exigência da formação para a docência não tem sido elemento de relevo nos documentos legais brasileiros. Destaca-se a Resolução CNE/CEB nº. 6/2012 (BRASIL, 2012a), substituída pela Resolução CNE nº 01/2021 (BRASIL, 2021), que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional, e, nelas, são mencionados, de forma tímida, alguns elementos sobre a formação de professores. Contudo, não verificamos mudanças substanciais no que tange a formação pedagógica dos professores da EPT (PANIAGO, 2021PANIAGO, Rosenilde. Nogueira. Formação dos formadores para a docência nas licenciaturas dos Institutos Federais. Educação em Revista, v. 22, p. 199-216, 2021. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/educacaoemrevista/article/view/11537. Acesso em 15 jan. 2022.
https://revistas.marilia.unesp.br/index....
).
Também há que termos em conta que os professores, os quais advém de Licenciaturas, podem ter realizado a sua formação em cursos com características e modelos formativos assentados na perspectiva da racionalidade técnica; modelo ainda presente nos sistemas de formação inicial de professores no Brasil, que possuem como características, a sobreposição de disciplinas específicas sobre as pedagógicas, a desconexão entre os conhecimentos do curso e a realidade da educação básica, a aplicação de modelos, enfim uma formação muito voltada para um processo de academização, tal como afirmado por Formosinho-Oliveira (2009). Modelo que possui como características o afastamento das preocupações profissionalizantes dos futuros professores, justaposição de disciplinas, práticas fragmentadas e ausente de perspectivas interdisciplinares e colaborativas (FORMOSINHO-OLIVEIRA, 2009FORMOSINHO-OLIVEIRA, João. Desenvolvimento profissional dos professores. In: Formosinho-Oliveira, João (coord.). Formação de professores: aprendizagem profissional e ação docente, Porto: Porto, 2009. p. 221-286.).
Em se tratando de processos formativos de futuros professores, as práticas dos FP exercem um papel de relevo, podendo contribuir de forma significativa ou deixar marcas registradas para sempre. O risco é que os FP reproduzam as marcas advindas de sua formação, balizadas na racionalidade técnica, pois poderão contribuir para a formação de futuros profissionais, reprodutores de conhecimento e aplicadores de modelos. Conforme afirma Mizukami (2005-2006, p. 7), “Os formadores de professores, com formação e atuação próprias da concepção de processos formativos orientados pelo paradigma da racionalidade técnica, são os mesmos que irão oportunizar processos formativos sob uma nova visão”. Por sua vez, Flores (2014FLORES, Maria Assunção. Desafios atuais e perspectivas futuras na formação de professores: um olhar internacional. In: FLORES, Maria Assunção (Org.) Formação e desenvolvimento profissional de professores: contributos internacionais. Coimbra: Almedina, 2014. p. 217-238., p. 220) alerta sobre a importância de “[...] perceber de que modo as práticas de formação dos formadores influenciam ou contribuem para a formação dos professores que se pretende formar, que se prende, por sua vez, com o seu papel e a sua própria identidade”.
Também Formosinho-Oliveira (2009, p.98) pontua que, na formação de professores, os estudantes podem avaliar os formadores à luz das teorias, o que “Esta especificidade da formação de docentes torna inevitável que as práticas de ensino dos formadores sejam importantes modelos de aprendizagem da profissão”. O autor esclarece que os formadores podem provocar efeitos (de)formativos na prática dos futuros professores, porquanto, as práticas dos formadores são confirmatórias dos modelos observados pelos alunos, sendo natural que os futuros professores considerem os métodos usados pelos FP como os ideais a serem utilizados em sua futura prática.
Com efeito, é fundamental se problematizar as práticas dos FP e os enfrentamentos diários na atuação no ensino verticalizado.
Ser FP na formação inicial de professores no IF: contem-nos sobre os seus fazeres tecidos no processo verticalizado de ensino
Os resultados foram configurados em categorias, sendo algumas alinhadas às questões e objetivos da pesquisa e outras emergentes no processo de análise dos dados. Para efeitos de análise, aqui apresentaremos três categorias, selecionadas para esta discussão, as quais são destacadas no quadro abaixo:
Possibilidades da atuação docente no processo de verticalização nos diversos níveis
No processo de trabalho com o ensino verticalizado, alguns dos FP destacaram algumas possibilidades, traduzidas pela proximidade das relações com os alunos e da possibilidade em atuar em diferentes níveis. Nesse ponto de vista, o ensino verticalizado pode promover possibilidades, as quais podem ser atribuídas à riqueza das aprendizagens construídas no trabalho com os diversos níveis, a busca de alternativas metodológicas que se diferenciam e se somam nesse universo de trabalho. Para além, os FP possuem, à sua disposição, espaços pedagógicos e laboratórios que podem ser utilizados do Ensino Médio Técnico ao pós-doutorado por eles, quanto pelos licenciandos, futuros professores.
Os FP, de modo geral, reconhecem que a instituição, pela sua lógica de trabalho, oferece um campo fértil de trabalho para a atuação docente. A narrativa de um dos formadores é representativa dos demais “a gente lida diariamente com vários níveis. Temos um campo de ensino e pesquisa dentro da própria instituição, isto é uma vantagem” (PB2, 2020).
O que o professor elucida é que a atuação nos diversos níveis se torna um terreno fértil de pesquisa e de ensino, pelas possibilidades de investigar e atuar com níveis de ensino, públicos e práticas distintas em uma mesma instituição. Nesta reflexão, Verdum (2015VERDUM, Priscila. Formação inicial de professores para a educação básica, no contexto dos IFS: propondo indicadores de qualidade, a partir de um estudo de caso no IFS. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, PUCRS, Porto Alegre, 2015.) colabora ao discutir as várias possibilidades de os formadores atuarem também na educação básica, que é significante, em se tratando da formação de professores. “Nesse contexto, os docentes têm, portanto, a possibilidade de atuar nos diferentes níveis, o que pode tornar a sua vivência pedagógica mais rica, criando oportunidades profícuas para o desenvolvimento de propostas interdisciplinares” (VERDUM, 2015VERDUM, Priscila. Formação inicial de professores para a educação básica, no contexto dos IFS: propondo indicadores de qualidade, a partir de um estudo de caso no IFS. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, PUCRS, Porto Alegre, 2015., p.79).
Os FP destacam ainda, como uma das possibilidades da EPT, a aproximação com os alunos, pois podem acompanhá-los no processo formativo da educação básica ao ensino superior, por vezes, até a pós-graduação. “É positiva a proximidade que o estudante tem dos professores por um longo tempo” (PQ 2020). Na mesma direção, afirma outro FP: “Tem essa questão da docência, do ensino, da proximidade com o aluno. Tem a possibilidade de você conseguir acompanhar o desenvolvimento das turmas, porque como nós somos poucos, eu trabalho no primeiro período, eu trabalho no segundo, no terceiro e no quarto período” (PP, 2020).
Outra possibilidade foi o desenvolvimento de projetos, como o PIBID e o PRP no próprio IF, considerada, pelos professores, como experiência de trabalho rica, porquanto, os estudantes de Licenciaturas, além de auxiliarem os docentes na elaboração de planejamentos, mobilizando diversas estratégias didáticas para o trabalho com as diferentes disciplinas envolvidas nos projetos, possuíam, à sua disposição, laboratórios bem equipados, diversas literaturas para o suporte na relação teoria-prática. Para CQ, “o subprojeto do PRP e PIBID, desenvolvido no próprio Campus, possibilita com que os professores formadores tenham o auxílio dos estagiários em sua prática e que estes aprendam a ser professores utilizando-se de espaços e instrumentos que muitas escolas não possuem” (CQ, 2020).
O que podemos depreender é que a educação básica no contexto do IF pode ser um campo fértil para a relação teoria-prática tanto dos FP, como para os estudantes das Licenciaturas, conforme ocorrem nas escolas de aplicação, em que os futuros professores podem familiarizar-se com a vida escolar cotidiana e praticar o ensino de forma supervisionada.
Contudo, apesar de existirem possibilidades, os FP enfrentam vários desafios no ensino verticalizado, que serão expostos a seguir.
Os desafios e tensões da atuação no ensino verticalizado
De modo geral, os FP foram unânimes em denunciar certo esgotamento socioemocional e físico em face à falta de tempo para lidar com diversas atividades que vão do ensino médio a pós-graduação, algumas em áreas específicas, o que os impede de se dedicarem, exclusivamente, às atividades de ensino e pesquisa na formação inicial de professores. Para além, destacaram a complexidade na lida com diversas ementas e cursos no ensino verticalizado.
Sobre o excesso de atividades e gestão do tempo, PB1, uma das FP do curso de Ciências Biológicas, afirma que, ano após ano, a sua carga horária de trabalho é intensa, de modo que se envolve em atividades diversas da pesquisa, ensino, coordenações, tais como o RP. Além da carga horária de aula em sala e a coordenação de curso de graduação, PB1 explica que a pesquisa e a coordenação do curso de pós-graduação na área de Biologia lhe consomem grande parte do seu tempo.
Na pesquisa, é onde eu estou mais envolvida, porque oriento na iniciação científica, coordeno laboratório. Atuo com diferentes comissões, na coordenação do PPGBio e em todas as comissões no programa. Comissão de bolsa, regulamento, relatórios sucupira que consome tempo gigantesco (PB1, 2020).
Conforme PB1, a coordenação do curso de Pós-graduação lhe consome parte de seu tempo e de energias, considerando as exigências em termos de produção científica, organização da plataforma Sucupira, bem como das orientações.
Na mesma direção, PB2 relata que atua em todos os níveis. “Eu atuo no ensino médio, técnico. Ministro disciplina técnica de bioquímica, fundamentos de bioquímica, para o curso de ensino médio integrado, na graduação e no mestrado”. Além disso, PB2 já atuou em cargo de gestão, e, atualmente, além da coordenação do subprojeto do RP, está atuando na coordenação de mestrado em ensino,
[...] o que demanda muita responsabilidade, muita cobrança da CAPES, órgão que regulamenta as pós-graduações no Brasil. Então, eu tenho que dedicar grande parte do meu tempo nessa coordenação e já para o preparo de aula, acaba que eu dedico menos tempo do que eu deveria (PB2, 2020).
Também PQ relata o quão complexo é trabalhar com várias frentes de trabalho, incluindo diversas disciplinas nos cursos técnicos e inclusive de pós-graduação “Eu trabalho desde o nível de ensino técnico, Proeja. Trabalho com Licenciaturas, engenharia e com a pós-graduação e várias comissões de trabalho e outros programas de formação de professores, como o RP”. PQ prossegue explicando que sua atuação é bem diversificada, pois trabalha com a Licenciatura em disciplina voltada para a formação da docência e “disciplinas específicas de química, química experimental, e na pós-graduação na área de química de produtos naturais” (PQ, 2020). Para ele, é um desafio trabalhar em várias frentes de trabalho, principalmente, com a pesquisa que exige muito.
Conforme depreende-se, os professores PB1, PB2 e PQ afirmam que, em face das cobranças e exigências requeridas pela coordenação dos cursos de mestrados, eles precisam dedicar mais tempo a estas atividades e à pesquisa, em detrimento das atividades do ensino nos demais níveis. Almeida (2012ALMEIDA, Maria Isabel. Formação do professor do ensino superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012.), ao problematizar a ausência de formação voltada para a docência no ensino superior, alerta que a pesquisa é priorizada em detrimento do ensino, e que os professores enfrentam o desprestígio das ações da docência em face da prioridade dada às atividades de pesquisa, “[...] que passaram a constituir a referência praticamente exclusiva de aferição da chamada produtividade pessoal e institucional” (ALMEIDA, 2012ALMEIDA, Maria Isabel. Formação do professor do ensino superior: desafios e políticas institucionais. São Paulo: Cortez, 2012., p.67). Já Formosinho-Oliveira (2009) contribui ao elucidar que os FP em processo de formação baseado na lógica acadêmica, não se assumem como formadores e vão se remetendo mais ao papel de investigadores, “[...] descomprometidos com os coletivos comunitários, profissionais e organizacionais para que formam seus alunos” (FORMOSINHO-OLIVEIRA, 2009FORMOSINHO-OLIVEIRA, João. Desenvolvimento profissional dos professores. In: Formosinho-Oliveira, João (coord.). Formação de professores: aprendizagem profissional e ação docente, Porto: Porto, 2009. p. 221-286., p. 81).
Por sua vez, PP, do curso de Pedagogia, acusa a intensa carga horária de atividades, que inclui as aulas no ensino médio, graduação e pós-graduação, acompanhamento do estágio na graduação do curso de Pedagogia, orientação de iniciação científica na graduação, orientação de trabalhos de conclusão de curso, bem como orientação na pós-graduação. Como é um número reduzido de professores que atuam no curso, eles ficam com uma sobrecarga na demanda de trabalho. “Tem ainda a necessidade de produzir, de publicar o que estamos fazendo e, muitas vezes, fica difícil desenvolver estas atividades” (PP, 2020). Apesar de trabalhar com uma diversidade de ementas, a professora tem centralizado, nos últimos semestres, as suas atividades mais na graduação e na pesquisa em curso de pós-graduação na área do ensino, o que, de certo modo, favorece mais que os demais professores.
Assim, a dispersão de forças, energia e tempo nos diversos níveis de ensino por parte dos FP, tem provocado efeitos negativos na formação inicial de professores, bem como na qualidade de vida e no desenvolvimento pessoal dos FP, considerando que suas jornadas de trabalho costumam alongar-se para além do tempo de dedicação exclusiva; “O tempo que se tem para se dedicar à sua própria vida, seu lazer, às suas atividades com a família, é comprometido porque quando se tem uma quantidade elevada de ementas e disciplinas diferentes, usa-se o tempo do lazer para preparar aula, corrigir provas, acompanhamento de orientados (PQ, 2020).
Na mesma direção, PB1 esclarece o quanto é difícil conciliar a rotina de trabalho com a sua vida pessoal, porquanto sempre leva trabalho e somente tem tempo para os filhos nos finais de semana, “Eu tenho tempo para meus filhos no final de semana. Quando eu estou em casa nas folgas durante a semana, estou fazendo trabalho da instituição. Isto não é fácil! É tumultuado, é cansativo” (PB1, 2020). Também PP afirma que esta intensa rotina provoca mal-estar nos docentes, segundo ela, isto provoca efeitos negativos na saúde dos professores, “temos aqui muitos professores adoecidos, muitos professores fazendo terapia, psicólogos, psiquiatras porque, muitas vezes, a cobrança é muito grande”. (PP, 2020).
As narrativas são reveladoras do desgaste socioemocional dos professores. Isto nos faz inferir que a lógica da organização educativa da instituição com o ensino verticalizado obriga os FP, além da necessidade de materializarem em seu trabalho docente, a relação do tripé - pesquisa, ensino e extensão, também atuarem em outras modalidades e vários níveis de ensino, o que provoca a intensificação do seu trabalho e mal-estar em seu desenvolvimento pessoal. Segundo Costa (2016COSTA, Elen Lago Barros. Trabalho e carreira docente nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Tese (Doutorado). Universidade Federal de São, Carlos, 2016., p. 57), “O acúmulo de atividades, a exigência pela versatilidade e flexibilidade são características da intensificação a que está submetido este docente”.
Uma outra categoria que desafia os FP no ensino verticalizado, é o trabalho com as diversas ementas e disciplinas em vários cursos e níveis distintos que vai do Técnico à Pós-graduação, situação que os obriga a dispensarem muitas energias e tempo para planejamento, o que fragiliza a qualidade do trabalho e não possibilita se empenharem efetivamente no desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão na formação inicial de professores, focando a educação, o ensino e seus intervenientes. De acordo com Costa (2016COSTA, Elen Lago Barros. Trabalho e carreira docente nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Tese (Doutorado). Universidade Federal de São, Carlos, 2016.), os professores da EPT não tiveram alteração em sua jornada de trabalho, “[...], mas tiveram um acrescimento considerável de atividades e mudança substancial na natureza de seu trabalho, como tem ocorrido com os professores que desenvolvem suas atividades na nova RFEPCT”. (COSTA, 2016COSTA, Elen Lago Barros. Trabalho e carreira docente nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Tese (Doutorado). Universidade Federal de São, Carlos, 2016., p. 57).
Nesta direção, PB2 testemunha o desafio em ministrar aulas nos vários níveis.
Eu tenho que dominar diferentes assuntos. Eu estou dentro de um programa de mestrado. Eu dou aula de bioquímica para o ensino médio [....] tenho que me desdobrar para ministrar uma aula no ensino médio; tenho que adaptar muito a minha linguagem, eu tenho que dar exemplos e fazer analogias de exemplos próximos da realidade deles (PB2, 2020).
Fica evidente que há uma preocupação por parte do professor em desenvolver uma aula que mobilize situações didáticas, de forma a atender a diversidade de aprendizagens dos alunos, contudo, como a pós-graduação lhe exige mais, é para este nível que dispensa grande parte do seu tempo. Logo, para o professor, o desafio é “se reinventar nos três níveis”, fazendo ajustes no processo metodológico e do uso da linguagem. Então, para PB2, no IF, é preciso ser “multidisciplinar, multieclético, multifacetado. Você tem que saber ter jogo de cintura com vários níveis ali [...] Eu tenho que ser professor, orientador, pesquisador, fazer parte de muitas comissões” (PB2, 2020).
Em direção semelhante, a PM alerta que a docência no ensino superior e médio estabelece situações diferentes, “Então, você tem que ter uma sensibilidade maior para entender que você está preparando uma aula para o ensino médio, que você ali tem a dificuldade dos alunos”. Também o PQ elucida que o trabalho em vários cursos implica na mobilização de conteúdos e métodos diferentes. “[...] Trabalhamos em vários cursos, com várias ementas diferentes. Você vai trabalhar em cursos de graduação diferentes e com o ensino médio, um técnico em agropecuária, e você vai desprendendo muita energia, pra todos os lados [...]” (PQ, 2020). O PQ prossegue alertando que o trabalho com várias ementas e níveis diversos, prejudica a sua atuação docente, em face de ausência de tempo para planejamento e orientação, “Então, eu não tenho tempo de dedicação que me ajuda a eu dar qualidade para as aulas e essas orientações, a gente fica tentando cobrir muitas áreas e acaba que esse serviço não fica bem feito” (PQ, 2020).
Com efeito, os professores compreendem a diversidade e complexidade de sua atuação docente nos diversos níveis, o que os impede de se qualificarem mais em termos das atividades do ensino e pesquisa que aborde elementos acerca do ensino e seus intervenientes. A situação exposta nos permite afirmar que a docência no contexto dos IFs é um desafio para os FP, considerando que atuar em níveis diferentes obriga-os a lidarem com diferentes ementas, planos de ensino, situação para a qual, grande parte não está preparada, com formação pedagógica que possibilite uma atuação adequada ao ensino verticalizado, de modo a garantir a formação de qualidade aos alunos da instituição, especialmente aos estudantes das Licenciaturas.
Ora, pensar a formação de professores é um processo complexo exige muito dos formadores. Gatti et al. (2019GATTI, Bernardete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá; ANDRE, Marli Elisa Dalmazo Afonso de; ALMEIDA, Patricia Cristina Albieri de. Professores do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, 2019., p. 41-42) sinalizam alguns aspectos a serem considerados para a melhoria na formação inicial de professores: considerar os contextos e diversidades; integrar a teoria com práticas sociais e educacionais; “[...] utilizar formas de comunicação didática, levando em conta os novos meios tecnológicos presentes na vida social; e valorizar o compartilhamento e o trabalho coletivo”.
Considerando estes aspectos enunciados por Gatti et al. (2019GATTI, Bernardete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá; ANDRE, Marli Elisa Dalmazo Afonso de; ALMEIDA, Patricia Cristina Albieri de. Professores do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, 2019.), podemos inferir que o movimento constante dos FP de um nível para outro, somado ao acúmulo de atividades, tais como pesquisa, extensão, comissões e gestão, pode ser um desafio imenso a transpor, porquanto, esta melhoria demanda foco, investigação e envolvimento com os processos ensino-aprendizagem dos cursos de formação inicial de professores. Conforme Formosinho-Oliveira (2009), é fundamental a interação entre a investigação e o ensino, pois, se os professores não investigam nas áreas em que ensinam, “[...] essa investigação não contribuirá para a melhoria e renovação do seu ensino na formação de professores” (FORMOSINHO-OLIVEIRA, 2009FORMOSINHO-OLIVEIRA, João. Desenvolvimento profissional dos professores. In: Formosinho-Oliveira, João (coord.). Formação de professores: aprendizagem profissional e ação docente, Porto: Porto, 2009. p. 221-286., p. 88).
Ademais em pesquisa anterior Paniago et al. (2022PANIAGO, Rosenilde Nogueira; FLORES, Maria Assunção; SARMENTO, Teresa; NUNES, Patrícia. Investigação da Prática Pedagógica como Elemento Chave no Trabalho dos Formadores de Professores nos Institutos Federais: Das Ações Existentes às Ações Desejadas. Criative Education, v. 13, p. 1616-1633, 2022.), identificamos que a ausência de foco em face da diversidade de atividades desenvolvidas, a par da ausência de formação, somado ao fato que muitos FP desenvolvem pesquisas em áreas aplicadas, desconectadas das questões do ensino, mesmo participando de projetos de iniciação à docência como o PRP e PIBID, incidem de forma negativa na formação de futuros professores pesquisadores de sua práxis docente.
Além do mais, há que termos em conta que muitos FP, mesmo sendo licenciados, prosseguiram seus cursos de pós-graduação em áreas específicas, distanciando-se dos elementos constitutivos da profissão docente, que, conforme Pimenta e Anastasiou (2014PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos. Docência no ensino superior, 5. ed. São Paulo: Cortez, 2014.), são: formação, conceitos, conteúdos específicos, objetivos, código de ética. Logo, é fundamental processos de formação continuada para a aquisição destes elementos.
Insistimos na defesa que a docência é uma profissão de interação humana, o que implica lidar com pessoas que sentem, pensam diferente, possuem sentimentos diversos, diversas percepções de aprendizagem. Assim, o domínio do conteúdo da área específica não é suficiente para o exercício da docência, seja ela na educação básica ou no ensino superior. Mizukami (2006MIZUKAMI, Maria da Graça. Aprendizagem da docência: professores formadores. Revista E-Curriculum, v. 1, n. 1, p. 1-17, 2005-2006, Disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/view/3106, Acesso em: 15 jan. 2022.
http://revistas.pucsp.br/index.php/curri...
-2005) nos apoia ao afirmar a importância de o docente formador possuir uma base de conhecimento sólida e flexível, para que possa desempenhar suas funções, oportunizando situações e experiências que levem o futuro professor a aprender a ensinar de diferentes formas para diferentes tipos de clientelas e contextos.
Por isso, advogamos a importância de os FP mobilizarem, em sala de aula, diversos saberes que contemplam tanto o saber do conteúdo, como da pedagogia do conteúdo, das ciências da educação, do contexto dos alunos, bem como sua forma de aprender. Para tanto, os FP necessitam ser auxiliados com processos formativos constantes, pois lidar com pessoas em diferentes níveis educativos e ainda com a formação inicial de professores, com expectativas diferenciadas se torna tarefa ainda mais árdua. Silva (2017SILVA, Cintia Souza Dantas. Representações sociais sobre formação pedagógica de professores que atuam na educação profissional e tecnológica no contexto dos institutos federais. Tese (Doutorado) - Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2017.) sinaliza que os professores da EPT reconhecem a necessidade de formação pedagógica para atuarem com os diversos níveis de ensino, para a melhoria dos processos de relação entre os professores e alunos. Podemos inferir que, em se tratando da formação inicial de professores, esta exigência amplia, considerando as marcas que os FP podem imprimir nos estudantes das Licenciaturas.
Não obstante, o acúmulo de atividades e a dispersão de forças no ensino verticalizado influem diretamente na identidade profissional do FP e dos cursos.
Ameaças à identidade docente dos formadores e dos cursos de Licenciatura
A complexa e ambígua atuação docente dos FP nos diversos níveis pode fragilizar o processo de sua construção da identidade profissional e colocar em risco uma identidade que está sendo construída no processo de formação inicial de professores. Nesta direção, a questão da identidade dos IFs é problematizada por Frigotto (2018FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Indeterminação de identidade e reflexos nas políticas institucionais formativas dos IFs. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia Relação com o ensino médio integrado e o projeto societário de desenvolvimento. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2018. p.125-151.), ao alertar que a verticalidade dos IFs dificulta a construção de sua identidade, “[...] pois abriga o ensino médio técnico, o ensino médio integrado, o PROEJA na modalidade técnico, o PROEJA na modalidade integrado, o PRONATEC, as Licenciaturas, a pós-graduação e diferentes programas e atividades no âmbito da extensão.” (FRIGOTTO, 2018FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Indeterminação de identidade e reflexos nas políticas institucionais formativas dos IFs. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia Relação com o ensino médio integrado e o projeto societário de desenvolvimento. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2018. p.125-151., p. 118).
As narrativas dos FP sinalizam o quão a intensa jornada da ação docente no IF fragiliza o processo de construção de sua identidade docente. A PB1 relata que até gostaria de se envolver em projetos de ensino, pesquisa ou extensão que tratam da formação inicial de professores, contudo, não consegue. “O envolvimento que eu tenho é com o RP. Mas, diante da minha formação, buscar a formação, ou desenvolver atividades sobre o ensino e pesquisa, não consigo” (PB1, 2020).
Assim, a ausência de tempo para a dedicação às atividades formativas para a docência e pesquisa no ensino ocorre não por falta de interesse, tampouco de dedicação; mas pela falta de tempo e de conhecimento sobre as questões, uma vez que, apesar de possuir formação em Licenciatura, tem dedicado suas pesquisas à área específica da Biologia.
Inclusive, segundo alguns FP, como é o caso de LB1 e CQ, apesar de coordenar projetos de formação de professores, como o PIBID (2011 a 2017) e RP (2018 ao presente), não conseguem ainda focar seus estudos sobre as questões que envolvem atividades de extensão, pesquisa e ensino sobre a educação. Então, qual é a sua identidade profissional? Formadores de professores? Ou pesquisadores em área específica? O mesmo se aplica à instituição? Qual a sua identidade? Conforme afirma Zamberlan (2017ZAMBERLAN, Adriana. A constituição da docência na ambiência complexa dos institutos federais: construindo redes de [trans] formação. Tese (Doutorado) - Universidade de Santa Maria, Santa Maria, 2017.), a problemática da identidade dos IFs e dos professores foi uma questão sinalizada nas vozes dos professores, o que implica na necessidade de promover discussões que reflitam sobre qual o papel dos IFs.
Para o PQ, o fato de os professores precisarem atuar em várias frentes de trabalho, torna complexo o exercício da docência, principalmente, em termos do trabalho com a formação inicial de professores. Em sua narrativa, PQ denuncia a ausência de uma legislação que ampare a contratação dos FP por área “Ele é contratado como professor geral para trabalhar em tudo. A identidade da instituição não é favorável para que o professor trabalhe em uma área específica”. Então, para CQ, a movimentação de forças para várias frentes ressoa no desprendimento de muitas energias, impossibilitando o foco em investigação na área do ensino.
Assim, a lógica da organização educativa da instituição pode ameaçar a identidade profissional dos FP, porquanto, apesar da oferta do ensino superior, a sua organização educativa é diferente das universidades, pois, além de os FP navegarem em vários níveis de ensino, por vezes, precisam assumir ementas em vários cursos, com diferentes temáticas para fechar sua carga horária, acarretando, com isto, desafios perante a multidiversidade de ementas, sobrecarga de trabalho e conflito na sua identidade profissional.
Fica evidente que os FP que atuam nas Licenciaturas percebem a importância da construção de uma identidade profissional e institucional de trabalho. Na mesma direção, Zamberlan (2017ZAMBERLAN, Adriana. A constituição da docência na ambiência complexa dos institutos federais: construindo redes de [trans] formação. Tese (Doutorado) - Universidade de Santa Maria, Santa Maria, 2017., p. 193), em sua pesquisa, verifica que, “Nesse trabalho, percebi a vontade de (re) construir a identidade docente e institucional expressa pelos professores, enquanto um dos alicerces fundamentais para que a instituição adquira e expresse a sua própria personalidade.”
De fato, o sentimento, a rotina de trabalho intensa, a ausência de discussão com os pares e investigação sobre o ensino não favorece o processo de desenvolvimento da identidade docente como FP. Conforme Sarmento (2009SARMENTO, Teresa. Contextos de Vida e Aprendizagem da Profissão. In: Formosinho-Oliveira, João. (Org.), Sistemas de formação de professores: saberes docentes, aprendizagem profissional e acção docente, Porto: Porto, 2009, p. 303-328.), os contextos profissionais e o clima social institucional poderão influenciar o processo de construção das identidades. Logo, se os FP não dedicam um olhar investigativo sobre suas práticas, como vão contribuir com professores que também o façam?
Sobre a identidade com o curso, a PP narra que, salvo os quatro professores do curso de Pedagogia que são formados na área, os demais professores que são de áreas específicas, tais como Língua Portuguesa, Química, dentre outras, não vinculam seus projetos de ensino ou pesquisa com o curso, sinalizando não se identificar com ele. Segundo PP, alguns professores focalizam mais suas atividades no ensino médio ou mesmo em curso de pós-graduação em suas áreas específicas, exemplificando:
Um professor da língua portuguesa vai e trabalha fundamentos da língua portuguesa com os alunos do nosso curso, ele trabalha com várias outras disciplinas, tem várias outras turmas lá no ensino médio. E é lá no ensino médio dos cursos técnicos que esse professor sente que lá é a área dele, é o campo dele (PP, 2020).
Assim, apesar de os professores terem boas condições de trabalho em termos de salário e regime de trabalho, considerando que os docentes em tempo integral são mais de 96% nos IFs e CEFETs. Os cursos de Licenciatura têm o maior percentual (74,5%) de docentes com o regime de trabalho em tempo integral (INEP, 2018, p. 37-38), enfrentam uma jornada desafiante de trabalho, porquanto, o acúmulo de atividades os obriga a dispensarem energias para várias frentes de trabalho, o que prejudica a construção de sua identidade docente. Nesta direção a PP alerta que, apesar das boas condições de trabalho, a lógica da organização educativa institucional, por vezes, não favorece o trabalho colaborativo, o sentimento de pertencimento, o que pode estar vinculado com a questão da identidade profissional em área específica em que muitos professores se esforçam em demasiado, mas não conseguem produzir de forma adequada.
O exposto nos infere a advogar a importância de a instituição pensar em arranjos institucionais que favoreçam aos FP a construção de sua identidade como FP, pois, afinal, a identidade docente depende do espaço institucional e formativo para se estruturar. Costa (2016COSTA, Elen Lago Barros. Trabalho e carreira docente nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Tese (Doutorado). Universidade Federal de São, Carlos, 2016., p. 146) contribui com esta reflexão ao alertar que, na EPT, “A falta de uma política de formação inicial e/ou continuada para os profissionais que desenvolvem suas atividades docentes na educação profissional pode ser apontada como um fator preponderante para a crise de identidade destes profissionais”.
Temos que ter em conta que a identidade e a aprendizagem do professor se constroem ao longo de sua trajetória pessoal e prática profissional, influenciadas pela sua história de vida, contextos formativos, profissionais, processos investigativos. Nesse processo, conforme afirmam Formosinho-Oliveira (2009), Flores (2017FLORES, Maria Assunção. Contributos para (re)pensar a formação de professores. In: CNE (Ed.) Lei de Bases do Sistema Educativo. Balanço e Prospetiva. v. 2, Lisboa: Conselho Nacional de Educação, 2017. p. 773-810.) e Paniago et al.(2022PANIAGO, Rosenilde Nogueira; FLORES, Maria Assunção; SARMENTO, Teresa; NUNES, Patrícia. Investigação da Prática Pedagógica como Elemento Chave no Trabalho dos Formadores de Professores nos Institutos Federais: Das Ações Existentes às Ações Desejadas. Criative Education, v. 13, p. 1616-1633, 2022.), os processos de investigação sobre o ensino são fundamentais para a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem na formação inicial e para a construção da identidade e aprendizagem docente dos FP.
Não obstante, a ausência de um foco específico para a docência dos FP pode ameaçar também a identidade das Licenciaturas, provocando a fragmentação e uma formação mais voltada para o bacharel ao invés da Licenciatura. “Os próprios alunos manifestam resistência em relação às disciplinas de formação pedagógica. Eu trabalho com a disciplina de Didática no curso de Química e o que tenho verificado que é a docência é a última opção deles” (PP, 2020).
Também o professor PQ, em sua fala representativa das demais narrativas, expõe que os FP podem causar impacto na formação, considerando que muitos advêm das engenharias ou mesmo de cursos de Bacharéis em áreas específicas. “Nesse caso, acho que o impacto na formação dos licenciando existe, de acordo com a formação dos formadores” (PQ, 2020). Prosseguindo, o professor ainda ressalta que o perfil dos IFs possui uma construção histórica ligada à formação técnica, profissional; “A gente se esforça ao máximo para ter qualidade, mas o perfil dos IFs não é para formação de professores não.” (PQ, 2020). O depoimento de PQ vai ao encontro do que alerta Formosinho-Oliveira (2009) sobre as marcas (de)formativas que os FP podem imprimir na aprendizagem da docência dos futuros professores.
Já a PM denuncia que muitos colegas consideram que as questões pedagógicas não são importantes. Foi coordenadora do curso de Matemática por vários anos e, quando deixou a coordenação, ouviu de colegas, afirmações como “Agora, nós vamos transformar o curso de Matemática, no curso de Matemática porque até então, estava voltado para áreas pedagógicas.” (PM, 2020). Com os olhos lacrimejados de lágrimas, PM delata a sua luta intensa para que os alunos pudessem aprofundar a formação voltada para a docência, contudo, atualmente, o curso tem um perfil mais de bacharelado.
Ademais, dois FP alertam que não tiveram muita base sobre a docência em sua graduação.
Eu tive a formação de Licenciatura e bacharelado. Mas a minha grade foi muito restrita a parte pedagógica. Eu não tive disciplinas que seriam ideais para eu me formar como professor. E depois fiz o mestrado e doutorado em biologia celular. Como coordenador e professor que comecei a buscar conhecer e me preocupar mais com as questões pedagógicas (PB2, 2020).
Outro explica que: “Na época da minha Licenciatura, os cursos funcionavam na forma 3 + 1, que era 3 anos de bacharelado e 1 ano de Licenciatura. Só depois do quarto período é que eu fui perceber qual era a área em que eu estava me formando, no caso, a Licenciatura (PQ, 2020).
Conforme depreendem-se, os FP tiveram sua formação inicial, balizada nos princípios da racionalidade técnica, condição ainda existente, em muitas instituições formadoras, consistindo em um processo cíclico, em que os FP que passaram por esses processos, prosseguem ressoando os indícios desta formação em suas práticas de ensino, deixando marcas (de)formativas. Gatti et al., (2019GATTI, Bernardete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá; ANDRE, Marli Elisa Dalmazo Afonso de; ALMEIDA, Patricia Cristina Albieri de. Professores do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, 2019.) realçam a imensa fragilidade na formação em educação nas Licenciaturas do Brasil “Além da fixação estritamente disciplinar, a formação em educação mostra carências evidentes nos currículos das licenciaturas. A cultura dominante é fundamentalmente bacharelesca.” (GATTI et al., 2019GATTI, Bernardete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá; ANDRE, Marli Elisa Dalmazo Afonso de; ALMEIDA, Patricia Cristina Albieri de. Professores do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, 2019., p.313). Conforme as autoras, há descaso ou mesmo desconhecimento em relação às contribuições científico-filosófica das Ciências no processo de formação de professores, seja para compreender o trabalho de um professor, ou para entender as condições de aprendizagem das crianças, dos jovens e dos adultos.
Curiosamente, para os autores, isto é efeito da ressonância das escolhas feitas pelas políticas públicas, citando como exemplo, as que levaram à transformação de Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), que ofereciam formação de nível médio e pós-médio, nos atuais Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), com status de universidade, instados a oferecer Licenciaturas.
Considerações finais
Ao problematizar as possibilidades e os desafios de ser FP nas Licenciaturas de um IF no Brasil, constamos que a pesquisa indicou que, nos fazeres tecidos no ensino verticalizado pelos FP, há possibilidades, tensões e desafios. As possibilidades traduzem-se pela oportunidade de aprendizagens diversas na ação docente do ensino médio à pós-graduação, porquanto, a atuação multifacetada pode promover aprendizagens diversas por parte dos FP que transcendem a sua área epistemológica do saber e buscam aprender a aprender.
Todavia, apesar das possibilidades, há uma fartura de tensões e desafios neste processo, considerando que o ensino verticalizado obriga os FP a desenvolverem suas ações docentes em uma intensa jornada na relação do tripé - pesquisa, ensino e extensão, provocando a intensificação do seu trabalho e mal-estar em seu desenvolvimento pessoal.
Lidar com o processo ensino-aprendizagem em diversos níveis, implica aos FP a saber lidar com a interação de alunos em diversas faixas etárias e a buscarem estratégias didáticas alternativas a ser mobilizadas em sala de aula, de forma a atender a diversidade de aprendizagens. Há que se ter em conta, que a lógica árdua e complexa de trabalho no ensino verticalizado, atinge todos os professores da EPT, todavia, nosso foco são os FP, porquanto, este processo ambíguo de atuação docente pode incidir negativamente no processo de construção de sua identidade docente como FP, bem como no processo formação inicial de professores.
Os dados sinalizaram que os FP não possuem tempo para investir em estudos, investigações sobre o ensino e sua práxis, considerando que a diversidade de atuação no ensino verticalizado exige muito e alguns se dedicam às pesquisas em programas de Pós-graduação de suas áreas de formação. Afinal atuar em vários níveis, com multidiversidades de ementas e carga de trabalho, vai imprimir qual identidade no FP: Formador de professores? Especialista em pesquisa aplicada à sua área de formação? Especialista do ensino médio?
Nesse contexto, como os FP vão empreender forças para tantas vertentes de trabalho sem uma preparação adequada? E por serem FP, quais os impactos podem causar na prática dos futuros professores? De modo geral, é possível inferir que há uma lógica formativa nas Licenciaturas no contexto da instituição que está muito ligada à formação, à atuação docente e ao foco de pesquisa do formador, porquanto, os FP que dedicam-se a estudos e investigações sobre o ensino e a formação de professores, são os que possuem pós-graduação em educação ou ensino, por conseguinte, imprimem no processo formativo como FP, características da formação pedagógica, de cursos de Licenciatura; enquanto as práticas dos que pesquisam em áreas específicas ressoam na formação com característica mais bacharelesca.
Devemos ter em conta que a docência implica no domínio de um campo específico do saber, contudo, isto não é suficiente, o que implica no desenvolvimento de processos formativos e da investigação sistemática dos educadores sobre a sua prática.
As evidências nos incitam a inferir que os IFs com sua oferta de ensino verticalizada e com a formação balizada na tríade pesquisa, ensino e extensão, têm condições de ofertar a formação inicial de professores com excelência, desde que sejam implementadas ações institucionais que garantam as condições estruturais e pedagógicas, bem como garantam aos FP melhores condições de atuação e formação continuada.
Com efeito, os FP não podem ser culpabilizados, ao contrário, necessitam de auxílio para aprenderem e se identificarem profissionalmente como FP. Para tanto, é imprescindível participarem de formação constante, com vistas a obterem novas aprendizagens epistemológicas, teóricas e práticas acerca de sua práxis, procurando (res)significá-la e contribuir para a formação da identidade profissional de futuros professores. Isso pode se efetivar por meio da partilha de experiências e um processo de formação continuada acerca de metodologias, currículo, didática, das Ciências da Educação e a formação de grupos para estudo e desenvolvimento da investigação pedagógica sobre a formação de professores e os diversos intervenientes que afetam os processos de ensino-aprendizagem.
REFERÊNCIAS
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Pesquisa foi registrada no Comitê de Ética sob o Parecer nº 3.956.526
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Dez 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
20 Jan 2022 -
Aceito
02 Out 2023