Open-access Quando a sociedade de consumidores vai à escola: um ensaio sobre a condição juvenil no Ensino Médio

When consumers' society goes to school: an essay on the condition of youth in High School

Resumos

O presente artigo tem por objetivo refletir sobre a incidência de uma cultura de consumo de mercadorias, tal como diagnosticada por diversos autores, nas construções de sentido de jovens e adolescentes do Ensino Médio. Tomando-se como marco teórico as perspectivas da filósofa Hannah Arendt, do sociólogo Zygmunt Bauman e do psicanalista Jurandir Freire Costa, os autores buscaram tecer análises e interpretações que, coadunadas com um olhar educacional do contexto escolar contemporâneo, colaboram para a compreensão do desinteresse juvenil nas atividades de sala de aula. Em particular, a partir de elementos comportamentais presentes em uma sociedade de consumidores, são esboçados cenários presentes na crise do Ensino Médio brasileiro frente a jovens e adolescentes. O estudo conclui que, dadas as atuais demandas comportamentais presentes em uma cultura organizada em torno do consumo, a condição juvenil presentificada nas escolas tem se mostrado resistente a construções de sentido que vejam o aprendizado no ensino médio inserido em um projeto de longo prazo. Como resultado se têm, então, adesões distanciadas e o predomínio de uma cultura da diversão nos espaços escolares.

juventude; adolescência; Ensino Médio; consumismo


The following essay aims at reflecting upon the incidence of a goods consuming culture, as identified by several authors, in the constructions of meanings by youngsters and adolescents from High School. The perspectives of the philosopher Hannah Arendt, the sociologist Zygmunt Bauman and the psychoanalyst Jurandir Freire Costa were taken into consideration to carry out the authors' analyses and interpretations. Such analyses, combined with an educational view of contemporary school context, collaborated to the comprehension of the youngsters' lack of interest in classroom activities. In particular, current scenarios on the crisis of Brazilian High Schools were outlined, considering youngsters and adolescents, based on behavioral elements present in a consumers' society. The study concludes that, considering the behavior requirements present in a culture organized around the consumption, the condition of youth presented in schools has been resistant to the constructions of meanings that consider High School learning as inserted in a long-term project. As a result, there are drifted adhesions and the predominance of a culture of amusement in school spaces.

youth; adolescence; High School; consumption


ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Quando a sociedade de consumidores vai à escola: um ensaio sobre a condição juvenil no Ensino Médio

When consumers' society goes to school: an essay on the condition of youth in High School

Adriano Machado OliveiraI; Elisete M. TomazettiII

IProfessor Assistente, na área de Psicologia da Educação, da Universidade Federal do Tocantins, Campus Araguaína, Brasil. E-mail: adriano.oliveira@uft.edu.br

IIDoutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, Brasil. E-mail: elisetem2@gmail.com

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo refletir sobre a incidência de uma cultura de consumo de mercadorias, tal como diagnosticada por diversos autores, nas construções de sentido de jovens e adolescentes do Ensino Médio. Tomando-se como marco teórico as perspectivas da filósofa Hannah Arendt, do sociólogo Zygmunt Bauman e do psicanalista Jurandir Freire Costa, os autores buscaram tecer análises e interpretações que, coadunadas com um olhar educacional do contexto escolar contemporâneo, colaboram para a compreensão do desinteresse juvenil nas atividades de sala de aula. Em particular, a partir de elementos comportamentais presentes em uma sociedade de consumidores, são esboçados cenários presentes na crise do Ensino Médio brasileiro frente a jovens e adolescentes. O estudo conclui que, dadas as atuais demandas comportamentais presentes em uma cultura organizada em torno do consumo, a condição juvenil presentificada nas escolas tem se mostrado resistente a construções de sentido que vejam o aprendizado no ensino médio inserido em um projeto de longo prazo. Como resultado se têm, então, adesões distanciadas e o predomínio de uma cultura da diversão nos espaços escolares.

Palavras-chave: juventude; adolescência; Ensino Médio; consumismo.

ABSTRACT

The following essay aims at reflecting upon the incidence of a goods consuming culture, as identified by several authors, in the constructions of meanings by youngsters and adolescents from High School. The perspectives of the philosopher Hannah Arendt, the sociologist Zygmunt Bauman and the psychoanalyst Jurandir Freire Costa were taken into consideration to carry out the authors' analyses and interpretations. Such analyses, combined with an educational view of contemporary school context, collaborated to the comprehension of the youngsters' lack of interest in classroom activities. In particular, current scenarios on the crisis of Brazilian High Schools were outlined, considering youngsters and adolescents, based on behavioral elements present in a consumers' society. The study concludes that, considering the behavior requirements present in a culture organized around the consumption, the condition of youth presented in schools has been resistant to the constructions of meanings that consider High School learning as inserted in a long-term project. As a result, there are drifted adhesions and the predominance of a culture of amusement in school spaces.

Keywords: youth; adolescence; High School; consumption.

Algumas considerações iniciais

Viver numa cultura significa estar sujeito a uma série de elementos do ambiente circundante a afetar a construção de nosso eu: instituições sociais, a constituição dos laços familiares e a forma como esses laços são elaborados, as linguagens sociais nem sempre convergentes e seus discursos presentes em todos os lugares (sob múltiplas formas: televisivas, radiofônicas, virtuais), bem como as heranças de hábitos condicionados historicamente etc. Em outras palavras, nascemos em um mundo pronto, um mundo preexistente a nós (BAUMAN, 1998), o qual define interdições para o comportamento, ao mesmo tempo que permite e incentiva outros comportamentos. Eis a definição de cultura, da qual nos utilizaremos aqui, de acordo com Costa (2004): cultura significa a proibição de certos comportamentos, a desaprovação de certas formas de ser e, ao mesmo tempo, a legitimação e promoção de outras formas de ser e atuar sobre o mundo eleitas como prioritárias. Como afirma o mesmo autor, "uma cultura na qual tudo fosse igualmente possível não seria uma 'cultura'. Cultura é a delimitação de possibilidades e impossibilidades" (COSTA, 2004, p. 81).

Se olharmos um pouco para trás, na história do homem ocidental, veremos que nem sempre os valores eleitos hoje como prioritários foram considerados importantes em séculos anteriores. Na Idade Média, por exemplo, o modelo de ascese pessoal passava pelo desprezo do corpo e suas sensações e pela busca do desenvolvimento da alma por meio do devotamento, boas obras e adoração às leis de Deus. Há pouco mais de um século, nas sociedades burguesas, diferentemente do que ocorre em nossos dias, era inimaginável que uma pessoa fosse valorizada moralmente por exercitar-se diariamente em uma academia de ginástica ou correr em um parque da cidade com disciplina. De outro modo, os critérios pessoais e que traziam valoração à identidade do indivíduo eram dados pela sua participação na vida pública, seus predicados intelectuais, sua dignidade e caráter, seu fervor religioso (COSTA, 2005). Hoje, contudo, uma pessoa pode ser admirada e mesmo respeitada moralmente pelo simples fato de cuidar com disciplina de seu corpo, mesmo que sua participação na vida social seja insignificante. Tal é o estado da cultura, conforme o tempo histórico a que o sujeito está submetido: há uma série de comportamentos e práticas sociais que são deixados de lado e obscurecidos, enquanto outros são colocados como vértice das aspirações coletivas, apesar das idiossincrasias pessoais.

O tempo histórico em que vivemos, por sua vez, tem sido denominado por alguns pesquisadores e teóricos das ciências humanas como pós-moderno (OBIOLS, 2006; COSTA, 2004; BAUMAN, 1998; LYOTARD, 1989). O prefixo pós não está ali despropositadamente. Significa que nos encontramos além de um período histórico e de formas de ser e existir que já não predominam no cenário social e que cedem seus lugares hoje a outros repertórios comportamentais, a outros critérios de valoração. Para Bauman (1998), a pós-modernidade significa um tempo de incertezas, onde não conseguimos mais nos guiar pela tradição e onde a religião se vê destituída de qualquer credibilidade. Ao lado das incertezas, vivermos em uma cultura pós-moderna significa que as instituições sociais, como escola e família, por exemplo, já não conseguem auxiliar os indivíduos satisfatoriamente na construção de suas identidades ou na sedimentação de suas narrativas sobre o eu, bem como no planejamento de seus projetos de vida. Ao contrário, o eu agora se faz fragmentado, incerto em suas próprias crenças e no lugar dos projetos de vida se encontram agora indivíduos que vivem a existência como se esta fosse uma série de episódios desconexos (BAUMAN, 2005). Desse modo, cada dia se faz um recomeço, uma nova história, uma nova jornada que não possui mais o sentido prospectivo dos itinerários individuais modernos.

Nas palavras de Bauman (1998, p. 36):

Neste mundo, os laços são dissimulados em encontros sucessivos, as identidades em máscaras sucessivamente usadas, a história da vida numa série de episódios cuja única consequência duradoura é a sua igualmente efêmera memória.

Em sua ampla esfera de acontecimentos, os quais em conjunto colaboram para constituir a condição histórica pós-moderna, defendida por alguns autores, como Bauman, Lyotard e Maffesoli, o chamado consumismo contemporâneo ganha relevo aos olhos de todos e nos servirá aqui de objeto de análise para buscarmos refletir sobre o contexto social que permeia a construção dos comportamentos protagonizados nas escolas de Ensino Médio, por parte de adolescentes e jovens. Tal escolha se deve a acreditarmos que a chamada prática consumista possa nos fornecer indícios importantes do que está por detrás dos dilemas vividos nas escolas, principalmente no que se refere à crise de sentido do Ensino Médio.

A lógica cultural do consumismo: alguns olhares teóricos

Para Arendt (2005), em A condição humana, o surgimento do consumismo como comportamento coletivo estaria condicionado à industrialização em larga escala, com a Revolução Industrial. Por meio desta, os compradores seriam incentivados a se relacionarem com os objetos de uma forma distinta daquela vivida até então: deveriam comportar-se como se pudessem acompanhar a produção crescente de mercadorias, substituindo antigos objetos por novos.

Em outras palavras, os compradores não deveriam mais ver seus bens como duráveis. Daí a palavra consumo, que, para Arendt (2005), significa a abreviação do tempo de uso das mercadorias. Desse modo, para esta autora, teríamos passado da existência do que ela denominou homo faber, o homem que produz objetos para enriquecer o mundo, bens que devem ser comprados pela sua utilidade e durabilidade culturais, para o animal laborans, aquele que vê os objetos como descartáveis e se relaciona com eles tal como se relaciona com os alimentos, consumindo-os. Tal mudança não se faz difícil de ser percebida: nossos avós e bisavós compravam objetos para que eles enriquecessem a vida familiar, fosse para o conforto, fosse para a viabilização de necessidades básicas. Eles não eram vistos como descartáveis ou substituíveis tal como os concebemos em larga escala em nossos dias.

No cenário pós-moderno, substituímos velozmente os objetos que compramos e, mal nos acostumamos com eles, já ouvimos alguém dizer que existe outro melhor e que devemos vendê-lo ou nos desfazermos dele. No entanto, não consumimos objetos, mas os compramos. Não devoramos objetos materiais tal como o fazemos com alimentos, que são metabolizáveis (COSTA, 2004, 2005). Assim, aceitar que consumimos objetos significa aceitar que devemos abreviar seu tempo de utilização e determinar um prazo de validade bastante curto - ou seja, de um modo que os faça ter um ciclo muito breve de participação em nossas vidas.

Para Arendt (2005), o mais danoso para a cultura teria sido a substituição do princípio da utilidade pelo princípio da felicidade. Em outras palavras, até então os objetos culturais eram importantes porque eram úteis. Com a industrialização, tal lógica teria se invertido: agora os objetos são importantes pela felicidade que produzem (COSTA, 2005), pela excitabilidade com que nos afetam. Assim, tão logo algo adquirido não nos faça mais felizes como antes, já não possui nenhum valor cultural e pode ser descartado, jogado fora como lixo.

Bauman (2009), ao analisar a sociedade contemporânea, igualmente vê na busca pela felicidade uma das chaves para compreender a relação dos sujeitos com os objetos de mercado. Nas linhas abaixo, o autor polonês destaca esse anseio a partir das disposições subjetivas que igualmente têm moldado as relações interpessoais em uma sociedade de consumo:

Numa sociedade de consumidores, todos os laços e vínculos devem seguir o padrão da relação entre o comprador e as mercadorias que ele adquire: das mercadorias não se espera que abusem da hospitalidade, e elas devem deixar o palco da vida no momento em que comecem a perturbá-lo em vez de adorná-lo; dos compradores não se espera - nem estão eles dispostos a isso - que jurem fidelidade eterna às aquisições que trazem para casa ou que lhes concedam direito de residência permanente. As relações do tipo consumista são, desde o começo, "até segunda ordem" (BAUMAN, 2009, p. 25).

Para Costa (2005), por sua vez, o móvel da motivação consumista não residiria no acordo entre vendedor e comprador, tal como propôs Arendt (2005), onde ambos se comportam como se as mercadorias devessem ser substituídas constantemente, consumidas. Para ele, o que se deu no mundo contemporâneo foi uma queda da cultura dos sentimentos, ou moral dos sentimentos, e a legitimação de uma nova cultura ou nova moral, a moral das sensações.

Na cultura dos sentimentos, a qual teria sido perpetuada até o final do século XIX e início do século XX, o que importava eram os sentimentos nobres cultivados, a qualidade das emoções experienciadas. Valorizavam-se as pessoas dispostas a trabalharem suas emoções na direção de ideais coletivos, como o encontro do ser amado, através da união conjugal, bem como ainda se valorizavam os esforços de participação na vida pública, na construção do bem comum. Tudo isso fazia com que a própria aquisição dos objetos, não raro, tivesse um sentido distinto para a burguesia do final do século XIX. Os objetos, até então, eram a materialização dos sentimentos cultivados (COSTA, 2005), uma forma de perpetuar um acontecimento importante para a vida interior, algo que registrava parte das narrativas particulares do sujeito.

Nesse sentido, argumenta Costa (2005, p. 160-161):

Na

moral dos sentimentos

[grifo do autor], o acervo de bens materiais evocava pedaços expressivos da vida íntima do casal e da família. Longe de se aparentarem à volatilidade dos nutrientes, eles faziam parte dos acontecimentos morais e afetivos que eram legados às futuras gerações como lembretes de vidas logradas. Assim, é implausível afirmar que o comprismo foi, desde sempre, um consumismo narcísico. Esta opinião ou ignora a história da privacidade burguesa ou assume uma posição de princípio ainda mais contestável, a de que a vida emocional pode se exprimir sem o auxílio de suportes materiais.

A nada disso, contudo, assistimos na cultura pós-moderna. Ao longo do século XX e, principalmente, na sua segunda metade, com a colaboração importante dos meios de comunicação de massa, o corpo ganhou uma relevância cultural que tornou a cultura dos sentimentos algo sem sentido, ou melhor, obsoleto para alguns e motivo de deboche para outros. Experimentar sensações, fruir satisfações enquanto o corpo puder mantê-las e, ainda, utilizar-se de dispositivos que possam prolongar a excitabilidade física, a fim de que ela não cesse.

No lugar das autoridades morais e das autoridades públicas que antes eram respeitadas, vemos hoje as celebridades do universo televisivo, que são, em verdade, as autoridades do efêmero (COSTA, 2005). Aquelas, pois, que aparecem rápido e logo são substituídas por outras, assim que se tornam enfadonhas e desinteressantes - leia-se: não lucrativas para os empresários da mídia televisiva. A celebridade exibe um corpo esbelto, tonificado, alterado digitalmente para aparecer em revistas de moda e comportamento.

Além disso, as novas autoridades do mundo pós-moderno, as celebridades, reúnem em si os signos do que se tem convencionado sucesso pessoal nos dias de hoje: não possuem vínculos afetivos duradouros e, quando os possuem, estes são estabelecidos de forma flexível (BAUMAN, 1998, 2008), sempre estando inclusas cláusulas bastante sensatas para uma separação já vislumbrada de antemão.

Somando-se a isso, essas celebridades são exemplos perfeitos da nova moral do trabalho: além da ausência de vínculos sólidos, o trabalhador deve ser flexível moralmente, mantendo-se sempre aberto às novidades comportamentais, não se deixando enrijecer por qualquer filosofia que possa atrapalhar a identidade flexível e maleável desejada pelos empregadores (COSTA, 2004). Para Bauman (1998), nesta mesma linha, o modelo ideal da sociedade pós-moderna é o turista, o sujeito que pode se mover livremente apesar das fronteiras territoriais, o sujeito sem amarras e que não se permite vincular a laços sólidos o suficiente para atrapalhar seu constante movimento. Para ser um turista, todavia, não basta somente desejar sê-lo.

Somos impelidos pelas retóricas publicitárias, apesar disso, como se os diferentes segmentos da sociedade pudessem alcançar a compra dos mais variados objetos. Desse modo, o turista como modelo de ascese pessoal não se apresenta como um estilo de vida para todos. Conforme Bauman (1999, p. 94):

Todo mundo pode ser

lançado

na moda do consumo; todo mundo pode

desejar

ser um consumidor e aproveitar as oportunidades que esse modo de vida oferece. Mas nem todo mundo

pode

ser um consumidor. Desejar não basta; para tornar o desejo realmente desejável e assim extrair prazer do desejo, deve-se ter uma esperança racional de chegar mais perto do objeto desejado. Essa esperança, racionalmente alimentada por alguns, é fútil para muitos outros. Todos nós estamos condenados à vida de opções, mas nem todos temos os meios de ser optantes [grifos do autor].

Em seguida, o mesmo autor conclui:

Como todas as outras sociedades, a sociedade pós-moderna de consumo é uma sociedade estratificada. Mas é possível distinguir um tipo de sociedade de outro pela extensão ao longo da qual ela estratifica seus membros. A extensão ao longo da qual os de "classe alta" e os de "classe baixa" se situam numa sociedade de consumo é o seu

grau de mobilidade

[grifo do autor] - sua liberdade de escolher onde estar (BAUMAN, 1999, p. 94).

Manter-se maleável e aberto às novidades comportamentais; não fixar-se a projetos afetivos duradouros e estar disposto a abdicar de valores pessoais (que possam dificultar as margens de escolha); mover-se como se não existissem fronteiras territoriais, dentre outros elementos, pois, têm sido os critérios de construção das identidades individuais em uma cultura onde o capital desregulamenta a vida privada.

Neste ponto, pois, é que se encontram o dito comportamento consumista e a nova moral das sensações, para Costa (2005). Como não podemos prolongar por muito tempo nossas satisfações físicas e mentais, mesmo a utilização de qualquer fármaco ou droga ilegal não fará com que o indivíduo mantenha a felicidade das sensações por longas horas.

Para Costa (2005), então, o homem teria encontrado na compra e descarte contínuo de objetos, tal como se fossem alimentos, a solução para a impossibilidade de prolongar as satisfações físico-mentais. O contentamento da compra de um objeto durável, tal como ocorria há muitas décadas, e que deveria durar a vida inteira, foi substituído então por um ilusório prazer na compra permanente de objetos. Até mesmo a satisfação de ter o objeto consigo, segundo Bauman (2009), em A arte da vida, foi substituído pelo prazer de digitar a senha do cartão de crédito, pelo próprio ato da compra de objetos materiais.

Cabe-nos agora, pois, avançarmos na direção de analisar de que forma uma sociedade de consumidores, tal como a nossa, pode estar a incidir sobre as vivências juvenis na escola de ensino médio contemporânea.

A escola em uma sociedade de consumidores

Na definição de Bauman (2008, p. 41):

De maneira distinta do

consumo,

que é basicamente uma característica e uma ocupação dos seres humanos como indivíduos, o

consumismo

é um atributo da

sociedade

. Para que uma sociedade adquira esse atributo, a capacidade profundamente individual de querer, desejar e almejar deve ser, tal como a capacidade de trabalho na sociedade dos produtores, destacada ("alienada") dos indivíduos e reciclada/reificada numa força externa que coloca a "sociedade de consumidores" em movimento e a mantém em curso como uma forma específica de convívio humano, enquanto ao mesmo tempo estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de vida que são eficazes e manipula as probabilidades de escolha e conduta individuais [grifos do autor].

Como podemos depreender das palavras acima destacadas, viver no mundo pós-moderno tem implicado, em uma escala coletiva, uma sujeição a uma produção incessante de objetos de mercado lançados nas propagandas publicitárias como necessidades para, em seguida, serem tidos como fontes de desejo por um sem número de cidadãos. Sem dúvida, não somos arrastados até as lojas ou departamentos de supermercados para adquirirmos tais objetos.

No entanto, em tal contexto social somos impelidos a participar da vida pública de um modo onde o comportamento legítimo e colocado no vértice das aspirações pelas agências sociais se faz por intermédio da compra de produtos.

Participar, então, do ciclo fabricação - venda - compra de mercadorias, noutros termos, tem sido um critério de valoração social bastante destacado nas últimas décadas e que logra significativa incidência na subjetivação dos jovens contemporâneos. Não se trata mais, como já dito acima, da aquisição de objetos para posse e desfrute em longo prazo de suas benesses; de outro modo, trata-se sim de uma cidadania assentada sobre a estruturação de estilos de vida individuais, onde o ato de adquirir produtos segue o de descartá-los, em uma rotinização dos itinerários de compra considerados habitat de consumidores: shopping center, supermercados, lojas virtuais, lojas de vestuário, eletrodomésticos etc.

Neste sentido, na sociedade de consumidores, posse e apropriação já não são comportamentos incentivados coletivamente e signos de valoração social, mas sim a permanência em circuitos sempre móveis e arbitrários de compra de objetos, nos quais o que foi adquirido ontem pode já estar no caminho da obsolescência no dia seguinte. Afinal, manter-se constantemente em movimento e, principalmente, mostrar-se capaz de viver de tal modo sem dificuldades, tem ocupado o lugar antes habitado pela permanência e estabilidade - quando, pois, a solidez ou durabilidade a longo prazo dos objetos agregavam valor social a seus possuidores e não sua ávida substituição (BAUMAN, 2009).

Nas palavras de Bauman (2008, p. 45):

A instabilidade dos desejos e a insaciabilidade das necessidades, assim como a resultante tendência ao consumo instantâneo e à remoção, também instantânea, de seus objetos, harmonizam-se bem com a nova liquidez do ambiente em que as atividades existenciais foram inscritas e tendem a ser conduzidas no futuro previsível. Um ambiente líquido-moderno é inóspito ao planejamento, investimento e armazenamento de longo prazo.

O diagnóstico acima destacado, pois, principalmente no que tange a suas últimas palavras - "[...] é inóspito ao planejamento, investimento e armazenamento de longo prazo" -, quando pensado no contexto de vida de indivíduos que vivem a escolarização do Ensino Médio, possibilita-nos reflexões acerca do atual desinvestimento das atividades escolares que se têm presentificado nas escolas brasileiras. Ver a vida escolar, pois, como um empreendimento, tal como um processo paulatinamente desenvolvido ao longo de alguns anos, dotada de um sentido interligado com as demandas particulares de cada sujeito e que culminará com a assunção de atributos pessoais respeitáveis e meritórios, tem se mostrado uma construção de sentido escasso, senão ausente, para inúmeros adolescentes e jovens.

Estar no Ensino Médio, de outra forma, mostra-se cada vez mais uma experiência sem qualquer sentido, salvo o imperativo do diploma desta etapa do ensino para o ingresso em escassas oportunidades do mercado de trabalho ou a conclusão de um período indispensável para se ingressar em um curso superior.

Aqui, pois, não são somente os alunos a verem o sentido do Ensino Médio de uma forma prospectiva, mas igualmente seus professores têm assumido discursos que legitimam a pertinência dos conteúdos curriculares através da necessidade de os alunos os utilizarem como recurso para a aprovação em concursos públicos ou vestibulares.

Alunos e docentes, por conseguinte, vivenciam um cenário paradoxal: lançam para o futuro o sentido do ensino enquanto se encontram inseridos em uma cultura que incentiva homens e mulheres a não planejar ou esperar, mas a viver o aqui e agora das oportunidades de fruição prazerosa (COSTA, 2004).

Neste cenário, não seria demasiado apressado afirmar que a capacidade de os sujeitos jovens e adolescentes elaborarem itinerários estudantis de longo prazo tem sido permeada pelos apelos imediatistas das retóricas televisivas e publicitárias que convidam os cidadãos contemporâneos ao deleite consumista, ou melhor, ao desempenho de um papel social que privilegia a satisfação instantânea em detrimento do adiamento/postergação dos desejos.

Encontrar-se na sala de aula, desse modo, torna-se algo notadamente enfadonho, desinteressante e entediante para aqueles jovens cidadãos consumidores acostumados a aguardarem apenas segundos, após digitarem as senhas de seus cartões de crédito, para verem satisfeitos seus desejos.

O simples clicar de um mouse junto ao computador, somando-se a isso, para finalizar uma compra virtual, também possibilita fruições imediatas que tornam a antiga distância entre planejar e realizar algo desejado um elemento arcaico - já que, de fato, bastante escasso se faz encontrar tal conduta nas estratégias de vida contemporâneas.

Para Bauman (1999, p. 90), novamente, tal contexto se encontra estreitamente vinculado à sociedade de consumidores na qual vivemos:

A necessária redução do tempo é melhor alcançada se os consumidores não puderem prestar atenção ou concentrar o desejo por muito tempo em qualquer objeto; isto é, se forem impacientes, impetuosos, indóceis e, acima de tudo, facilmente instigáveis e também se facilmente perderem o interesse.

E termina, então, o mesmo autor por concluir: "a cultura da sociedade de consumo envolve, sobretudo, o esquecimento, não o aprendizado" (BAUMAN, 1999, p. 90). Esquecer e não aprender, fruir e não esperar, vivenciar e não postergar/adiar satisfações/prazeres, eis traços de comportamentos individuais presentes em larga escala nos dias de hoje.

Na escola de Ensino Médio, pois, tais sintomas não são difíceis de serem observados, de tal forma que o desinteresse manifesto pelos conteúdos das disciplinas curriculares e pelas atividades escolares propostas tem sido uma constante mesmo para os professores mais dedicados, ainda distantes do absenteísmo trabalhista e das repetidas queixas sobre os comportamentos juvenis. Acostumados a um contexto urbano de múltiplas oportunidades de satisfação, seja através das itinerâncias noturnas pela cidade ou pela reinvenção de espaços sancionados para o lazer (ALMEIDA; TRACY, 2003), não são poucos os jovens que vem a escola de Ensino Médio mais como palco de brincadeiras, zoações e gargalhadas do que como um espaço de vivências educacionais carregadas de sentido.

Longe disso, os acontecimentos escolares são valorizados na medida em que proporcionam prazer e não pelo significado que podem outorgar às experiências individuais.

Subjetivar-se na escola? Entre a destituição docente e a instituição do consumo

Tais reflexões, por conseguinte, denotam a presença de comportamentos advindos da socialização em uma sociedade de consumidores a se presentificarem nas escolas. Em outras palavras, o professor de Ensino Médio tem recebido como alunos sujeitos formados para uma determinada conjuntura econômico-social e que, ao ultrapassarem os portões das escolas, trazem consigo marcas de uma subjetivação calcada em uma relação descartável com os objetos, com o mundo e com o próprio outro.

A subjetivação dos sujeitos, tal como a entendemos, se faz compreendida aqui a partir de Corea (2008, p. 48), para quem a subjetividade inaugura

[...] un modo de hacer en el mundo. Es un modo de hacer con el mundo. Una subjetividad es un modo de hacer con lo real. Llamemos a esas prácticas sobre lo real

operaciones

[grifo do autor]. Y digamos... que la subjetividad es la serie de operaciones realizadas para habitar un dispositivo, una situación, un mundo. La idea de que la subjetividad es una configuración práctica supone que la subjetividad es el conjunto de las operaciones realizadas, repetidas, inventadas. En tiempos institucionales, los dispositivos obligan a los sujetos a ejecutar operaciones para permanecer en ellos. La subjetividad se instituye reproduciéndose, al mismo tiempo que se reproduce el dispositivo que instituye la subjetividad en cuestión; el dispositivo universitário reproduce subjetividad académica, el dispositivo escolar reproduce subjetividad pedagógica, el dispositivo familiar reproduce subjetividad paterno-filial, etcétera.

Tal processo de construção de si, pois, também pode ser pensado por intermédio de Castro et al. (2006), para quem as posições-de-sujeito demarcadas no social não podem prescindir da diferença. A determinação/identificação do diferente, do desigual, pois, se faz atributo da subjetivação dos sujeitos.

Nas palavras de Castro et al. (2006, p. 439):

No processo de construção do outro, identidade e diferença estão intimamente relacionadas. A diferença deve ser entendida a partir de seu par dialético que é a identidade (DEWS, 1996), porquanto a construção de algo idêntico a si mesmo, uno e unívoco, só pode acontecer pelo delineamento do que é deixado de fora, do que não é incluído. Portanto, a identidade precisa da diferença. Do mesmo modo, como expõe Dews (1996), o sujeito não pode aspirar à univocidade e à identidade, assim como o outro não seria o domínio da diferença, do que não é. A identidade e a diferença apresentam-se como um par de oposições que caracterizam os processos de subjetivação humana e de construção da alteridade. A diferença não apenas contorna de fora a unidade do que é idêntico, ou ainda, não apenas define o que a constitui dialeticamente (ADORNO, 1995), mas consiste no que resiste ou excede ao fechamento da identidade.

Dito isso, por conseguinte, jovens e adolescentes são sujeitos que transferem para suas relações sociais as operações de uma subjetividade engendrada pelo dispositivo sociedade de consumo: rapidez nos engajamentos (BAUMAN, 2009), busca de experiências que tragam felicidade imediata (COSTA, 2004), descompromisso com projetos de longo prazo e assunção de identidades flexíveis.

Estas, pois, frutos da elaboração de narrativas de mercado que consideram a fidelidade a valores pessoais e o comprometimento com projetos coletivos atos de insensatez, fazem com que o processo de construção identitária pelos jovens se encontre vinculado a um inevitável paradoxo: ao utilizarem-se das narrativas mercadológicas da sociedade de consumo para subjetivar-se, ao mesmo tempo o sujeito desaparece perante o outro.

Como afirma Costa (2005), esse tem sido o objetivo de muitos jovens e adolescentes, na medida em que ocultar-se do olhar do outro através da semelhança da musculatura trabalhada em academias de ginástica e dos aparatos da moda faz com que se postergue o enfrentamento da diferença - e que se evite, para muitos, o ostracismo social e a ridicularização por não se encontrarem dentro dos padrões das celebridades efêmeras dos outdoors ou dos considerados famosos pela mídia televisiva.

A construção da diferença, em tal contexto cultural, para muitos jovens, parece se dar através da adesão conformista a um estilo de vida baseado no consumo, cujos principais signos seriam a frequência a locais de compra, lazer e relacionamentos fugazes, nos quais, sobretudo, podem ser exibidos músculos bem tonificados e as quinquilharias da moda como demarcação social de um pertencimento a uma estética do consumo.

Tal conjuntura a conformar a produção das subjetividades juvenis, por conseguinte, tem se mostrado presente igualmente nos espaços das escolas. À parte os corredores e pátios escolares, em muitos casos semelhantes a verdadeiros desfiles de moda, as salas de aula contemporâneas igualmente têm sido espaço privilegiado de diagnóstico das alterações culturais de nosso tempo.

O mais danoso, pode-se inferir, faz-se através da inegável constatação de que os dispositivos escolares (leitura, memorização, adequação a padrões cívicos coletivos, instrospecção) ainda vigentes têm se mostrado justamente como elementos a serem rechaçados por muitos jovens, na medida em que ministrar aulas, para determinados professores, parece assemelhar-se a um vendedor buscando convencer clientes sobre seu produto: a atenção destes últimos dependerá da performance assumida e do humor daquele a quem se busca seduzir.

No final, como sabemos, quem dá o veredicto é o consumidor, ou melhor, o aluno-cliente decide se o produto ofertado vale a pena ou é irrelevante para o momento, independentemente das possibilidades futuras de utilização do que se poderia adquirir. Aprender, portanto, parece apenas assumir um sentido de plausibilidade para os jovens consumidores quando referenciado a uma troca da qual se possa extrair prazer de uma forma imediata ou, então - caso seja inevitável a necessidade da espera da entrega do produto, tal como pode ocorrer nas lojas -, se tenha a perspectiva do desfrute em curto ou médio prazo de uma negociação rentável.

Este parece ser o caso da adesão do tipo utilitarista em relação ao ensino, assumida por não poucos jovens durante o Ensino Médio. Não estudam por terem desenvolvido um gosto pelo conhecimento e, ainda, não veem nas aulas oportunidades de aprendizado para a vida social fora da escola, através de reflexões e debates em torno dos dilemas da sociedade.

Por outro lado, existem aqueles que se dedicam com disciplina à memorização de conteúdos escolares, em seus lares ou cursos pré-vestibulares, logrando desempenhos bastante satisfatórios, quando investidos do desejo de ascender a um curso universitário.

Tal situação, entretanto, de desinvestimento das atividades escolares, salvo situações onde uma adesão utilitarista se vê presente, não tem somente nas disposições subjetivas dos alunos um de seus fatores. A escola de Ensino Médio, por sua vez, como instituição social, se vê nas últimas décadas destituída de seu lugar de enunciadora de significados e condutas para a formação dos alunos (COREA, 2008). Encontra-se, noutros termos, deslocada de sua antiga centralidade social para agora ocupar um lugar marginal na própria valoração que a sociedade lhe atribui - a de um lugar de passagem, tão somente, onde concluir essa etapa do ensino encerra um período de três anos obrigatórios para quem deseja possuir requisitos mínimos para o mercado de trabalho ou pleitear uma carreira de nível superior.

Trata-se, por conseguinte, de um processo no qual as palavras docentes já não são vistas com poder de definir condutas e delimitar significações para a vida em sociedade, mas, longe disso, hoje são ouvidas com displicência e indiferença. Isto não se deve, pode-se inferir, a características individuais dos alunos, mas ao que Corea (2008) defende como a quebra dos códigos linguísticos que antes eram responsáveis por legitimar a autoridade docente. Estes, de fato, estavam dados pelo lugar que a sociedade conferia às instituições sociais como agências responsáveis pela reprodução de operações valorizadas por todos.

No entanto, em um período sócio-histórico em que os critérios de valoração social são fornecidos pela sociedade de consumo, com vistas a atender às demandas de venda de produtos industrializados, professores, pais e mesmo antigas autoridades políticas ou espirituais cedem seus lugares à moda, aos mitos cientificistas, às inovações comportamentais promovidas pela publicidade e pelas celebridades.

Nas palavras de Costa (2005, p. 169):

Ciência e moda são práticas sociais que se alimentam da mesma fonte, a irrelevância do que passou. A primeira vê no passado um passo hesitante na história em aberto de seu futuro; a segunda, uma etapa ultrapassada na dinâmica do lucro. A ciência

, malgrado as próprias intenções

, e a moda,

de acordo com suas intenções

, sempre projetam no futuro o envelhecimento do presente. Encolhida entre as duas, a autoridade parece minguar. Autoridade é sabedoria fundada na história. Não se pode "ter ou ser autoridade" no que ainda não aconteceu ou no que aconteceu, mas não resistiu à prova do tempo. Autoridade

em coisas futuras ou passageiras

é um contrassenso [...] Em consequência, o lugar da autoridade foi tomado pela

celebridade

[grifos do autor].

Para Arendt (2007), por sua vez, ao analisar a questão da autoridade, passamos a viver desde meados do século XX uma profunda desvinculação entre as novas e as velhas gerações. Isto se traduz em uma perda de autoridade daqueles que já habitavam este mundo antigo frente aos novos que a ele chegam todos os dias, ou seja, o rompimento de um elo de ligação que sempre houvera desde a Roma antiga.

Para Arendt (2007, p. 128),

O sintoma mais significativo da crise, a indicar sua profundeza e seriedade, é ter ela se espalhado em áreas pré-políticas tais como a criação dos filhos e a educação, onde a autoridade no sentido mais lato sempre fora aceita como uma necessidade natural [...]

Tal perda termina por refletir-se também na prática docente do Ensino Médio, onde o professor vem perdendo progressivamente seu lugar de autoridade frente aos alunos. Para Arendt (2007), desse modo, esse desprestígio de sua figura em sala de aula faz parte de um processo imerso na crise do homem moderno: a desconsideração pelos saberes e conhecimentos provenientes do passado - o qual se encontra, pois, estreitamente ligado às disciplinas ministradas em sala de aula, as quais muitas vezes introduzem o jovem em um mundo antigo e desconhecido, mas necessário para a emergência do novo e do possível.

Nas palavras de Aquino (1998, p. 16),

[...] escola é, por excelência, lugar do passado, no bom e imprescindível sentido do termo. E deve ser. Mesmo porque não há futuro plausível sem a imersão no traçado histórico dos diferentes campos de conhecimento (leia-se, as ciências, as artes, as humanidades, os esportes).

O respeito a esse passado, contudo, tem sido substituído avidamente pela informação, esta obtida pelas mais variadas formas: televisão, rádio, internet... Para a juventude contemporânea, assim, a informação assume caráter de conhecimento, o que vem a destituir o lugar das autoridades escolares na orientação de inúmeras questões vinculadas ao conhecimento do mundo e da sociedade tal como ela se apresenta em nossos dias. Como afirma Larrosa (2002, p. 19), "como se o conhecimento se desse sob a forma de informação, e como se aprender não fosse outra coisa que não adquirir e processar informação".

Diante disso, os saberes docentes são cada vez mais ignorados pelas novas gerações, ávidas de novas informações, como se a aprendizagem para a vida social pudesse prescindir de qualquer orientação das gerações mais velhas. De fato, torna-se visível em nossos dias a perda do elo de ligação entre os mais velhos e os mais novos, como se vivessem em mundos completamente opostos.

Essa situação se encontra vinculada a um aspecto bastante importante trazido por Arendt (2007) em sua definição de educação. Esta é por ela definida em um duplo aspecto: o cuidado pelo crescimento do que é novo e está se desenvolvendo e, em segundo lugar, o zelo pelo mundo velho que preexistia à criança e que deve sobreviver a ela. Ou seja, a definição arendtiana traz o pressuposto de que o ato de educar exige uma responsabilidade perante o mundo no qual vivemos, isto é, um compromisso para com a realidade que nos cerca, quer trabalhando pela sua manutenção quer por meio de uma tomada de posição frente às questões que se deseja alterar.

Neste ponto, pois, a autora acrescenta que a autoridade, na educação, está condicionada a esta responsabilidade pelo mundo assumida. Aqui, pois, a derrocada da autoridade se encontra com a subjetividade engendrada pela sociedade de consumo: a construção da autoridade, para Arendt (2007), vê-se assentada sobre o respeito pelo passado, por uma cultura da memória, do cultivo do saber a longo prazo, enquanto a sociedade de consumo forja sujeitos mais afeitos ao descarte do passado para a fruição do presente, jovens mais dispostos a utilizar informações em curto prazo do que privilegiar o antigo hábito de transformar algo lido em um celeiro de conhecimentos para a vida.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a instituição do lugar docente, ou seja, aquele lugar enunciado pela filósofa alemã como legitimado através de uma tomada de responsabilidade pelo mundo, encontra-se hoje esvaziado e destituído por intermédio de uma lógica de consumo que vê na responsabilidade um sinônimo da estultícia - na medida em que tal posição limitaria as possibilidades de participação flexível no jogo consumista, a vincular o sujeito a um lugar sólido o suficiente para inviabilizar suas margens de escolha diante da volatilidade dos estilos de vida (BAUMAN, 1998). Em outras palavras, sustentar a autoridade requer tempo, investimento, adiamento de prazeres por parte daqueles que constroem este lugar. A sociedade de consumidores, como se pode depreender, não apresenta um terreno favorável à construção da autoridade, tal como proposta por Arendt (2007).

Tal contexto, para Corea (2008), igualmente aponta para a falência de uma instituição escolar ainda afeita a práticas pedagógicas que, embora obsoletas em nossos dias, insistem em negligenciar as alterações culturais a que todos assistimos, dentre elas a derrocada do poder instituinte da autoridade docente. Na ausência de códigos compartilhados entre alunos e professores, resta a estes últimos, pois, tentar não mais sustentar suas posições e discursos a partir de posturas relacionais assimétricas, rígidas e distantes dos diálogos abertos. Cabe-lhes, de outro modo, buscar criar operações que possam produzir sentido no aqui e agora da sala de aula, de forma que se efetivem momentos significativos - nos quais, pois, a incerteza reinante possa dar lugar à confiança e ao reconhecimento do lugar do outro.

Nas linhas abaixo, Corea (2008, p. 54), em que pese a destituição do lugar docente, argumenta em torno das possibilidades de construção de sentido na escola:

Cuando se habla, se emiten ruídos, pero las palabras no tienen ninguna significación porque no refieren a nada; las referencias han caído, no hay código que estabilice las referencias de las palabras o de los discursos. Entonces el trabajo de comunicación es de permanente construcción de las condiciones: es necesario instituir cada vez el lugar del outro, el lugar próprio e instituir el código, las reglas según las cuales se van a organizar las significaciones. Y este trabajo obliga a pensar, ya que el que crea las condiciones se está constituyendo en las reglas de la situación. Esto es constituirse en una situación de diálogo.

Aqui, pois, se encontram dois elementos-chave da atual crise do Ensino Médio: ao mesmo tempo em que as pesquisas em educação não têm apontado o interesse docente em instituir momentos de horizontalidade na produção dos sentidos escolares (DAYRELL, 2007; OBIOLS, 2006; CAMACHO, 2004) - sentidos, pois, que ultrapassem os lugares sancionados de aluno e professor -, de forma a negar, por conseguinte, a manifestação das singularidades juvenis, a sociedade de consumo, por sua vez, locupleta o vazio de sentido deixado pela sala de aula com suas múltiplas formas de instituir sentidos, sejam virtuais, televisivas, radiofônicas etc.

Na inoperância do dispositivo escolar contemporâneo, desse modo, incapaz de trabalhar na busca de novas operações, condizentes com as heterogêneas demandas juvenis, demarcam-se com vigor retóricas publicitárias que produzem subjetividade de consumo.

Em lugar, pois, de uma desinteressante subjetividade pedagógica reproduzida durante décadas pelo dispositivo escolar tradicional, hoje esgotado, temos uma outra a construir sentidos por meio de seus discursos e que tem no esquecimento, e não na memória, um de seus atributos fundamentais (BAUMAN, 1999).

A escola de Ensino Médio contemporânea, por tudo isso, tem presenciado a assunção de estilos comportamentais juvenis que alteram a relação dos sujeitos para com o ensino, tal como se mostrava em décadas anteriores. Não se trata, assim, de a crise de sentido do Ensino Médio estar atrelada somente a dificuldades docentes no trabalho com suas disciplinas ou em suas relações com os jovens (DAYRELL, 2007; OBIOLS, 2006; CAMACHO, 2004): trata-se da presença, nos espaços escolares, de sujeitos subjetivados em um momento sócio-histórico em que a instituição escolar se vê destituída de seu antigo papel hegemônico na socialização dos jovens, ao mesmo tempo em que seus profissionais pouco colaboram para a produção de outros sentidos juvenis junto à escola, mais condizentes com suas singularidades.

Esses elementos, desse modo, somados a outros, os quais extrapolam os objetivos que a presente análise se propõe, tecem os cenários complexos de uma escola que não consegue dar conta de uma condição juvenil notadamente insatisfeita.

À guisa de conclusão

O tempo da escola, por tudo isso, na escola dos alunos-clientes, transforma-se então, em perda de tempo para participar da vida consumista, para fruir o lazer, a curtição ou mesmo para comprar os objetos necessários para a constante reciclagem das identidades individuais. Noutro sentido, igualmente se pode dizer, o tempo escolar tem demonstrado ser para inúmeros alunos o palco da impaciência, onde a performance docente não logrou convencer o aluno-cliente sobre a pertinência das aulas do dia.

Do mesmo modo, igualmente se pode afirmar, de outro lado, que os professores seguem um percurso de imutabilidade em suas práticas pedagógicas, ante as dificuldades que se lhes têm apresentado os jovens contemporâneos. Faz-se razoável considerar, portanto, que a escola de Ensino Médio, ao mesmo tempo em que tem sido sintoma de um processo de subjetivação engendrado em uma sociedade de consumidores, mostra-se ainda indiferente ante a tarefa de elaborar novas formas de auxiliar os alunos a construírem sentidos para os saberes que lhes são ofertados. No lugar desses, pois, se instituem outros saberes, outros discursos e modos de ser, nem sempre significativos para a educação no Ensino Médio.

Texto recebido em 31 de março de 2010.

Texto aprovado em 17 de julho de 2010.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2010
  • Aceito
    17 Jul 2010
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