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Uma década e meia da Lei 11.645/08: o que mudou nas licenciaturas do Campus Floresta - UFAC?

A decade and a half of law 11.645/08: What has changed in the bachelor’s degrees at Campus Floresta - UFAC?

RESUMO

O texto analisa a inserção da temática afro-brasileira e indígena no processo de formação de professores do Campus Floresta, localizado na cidade de Cruzeiro do Sul - Acre, a partir dos Projetos Pedagógicos Curriculares e de componentes curriculares das licenciaturas pertencentes ao Centro de Educação e Letras e ao Centro Multidisciplinar da Universidade Federal do Acre. Verificou-se se os diferentes cursos de formação docente cumprem o previsto no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais. É um estudo de abordagem qualitativa, ancorado em produções sobre as leis 10.639/03 e 11.645/08, no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, no Plano Nacional de Educação - PNE/2014-2024 e na Base Nacional Curricular Comum. A pesquisa teve como referencial teórico: Silva (2003), Morin (2014), Quijano (2010), Mignolo (2008), dentre outros. Os resultados apontam uma discussão sobre a temática ainda incipiente nos cursos, evidenciando o não cumprimento do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais. Percebeu-se a necessidade iminente de reconfiguração dos currículos das licenciaturas, de modo a adequar uma formação docente voltada para essa demanda legal e social.

Palavras-chave:
Indígena; Negro; Formação docente; Inclusão; UFAC

ABSTRACT

The text analyzes the insertion of Afro-Brazilian and indigenous themes in the training process of teachers at Campus Floresta, located in the city of Cruzeiro do Sul - Acre, based on Curriculum Pedagogical Projects and curricular components of the degrees belonging to the Center for Education and Letters and the Multidisciplinary Center of the Federal University of Acre. It was verified whether the different teacher training courses comply with the provisions of the National Plan for the Implementation of the National Curriculum Guidelines for the Education of Ethnic-Racial Relations. It is a study with a qualitative approach, anchored in productions on the laws 10.639/03 and 11.645/08, in the National Plan for the Implementation of the National Curriculum Guidelines for the Education of Ethical-Racial Relations and for the Teaching of Afro-Brazilian and African History and Culture, in the National Education Plan-PNE/2014-2024 and in the National Common Curriculum Base. The research had as theoretical reference: Silva (2003), Morin (2014), Quijano (2010), Mignolo (2008), among others. The results point to a discussion on the still incipient theme in the courses, showing the non-compliance with the National Plan for the Implementation of the National Curriculum Guidelines for the Education of Ethnic-Racial Relations. It was perceived the imminent need to reconfigure the curricula of the teaching degrees, in order to adapt a teacher training focused on this legal and social demand.

Keywords:
Indigenous; Black; Teacher training; Inclusion; UFAC

Introdução

O impulso pela democratização e afirmação dos direitos humanos na sociedade brasileira atinge muito fortemente muitas de nossas instituições estatais, atreladas a projetos de estado-nação comprometidos com a anulação das diferenças culturais de grupos subordinados. Neste contexto, as diferenças culturais dos povos indígenas, dos afrodescendentes e de outros povos portadores de identidades específicas foram sistematicamente negadas, compreendidas pelo crivo da inferioridade e, desse modo, fadadas à assimilação pela matriz dominante. Assim, ao longo dos séculos, vivemos uma cultura predominantemente europeia, branca e absolutista, chamada cultura ocidental canônica.

Há todo um processo de compreensão equivocado sobre esses povos, que não poderá ser compreendido sem esse olhar sobre a história da formação da sociedade brasileira e as interpretações antagônicas criadas, relativas à pluralidade cultural presente desde as origens do Brasil. São perceptíveis as influências do colonialismo eurocêntrico na cultura brasileira, disseminando pseudopadrões culturais para justificar a disseminação de ações que apontam a discriminação étnica, desconsiderando a história de vida dos povos originários e negros.

Nesta perspectiva, esta pesquisa tem como objeto de estudo a Lei 11.645/08 e sua inserção em cursos de formação de professores, elegendo como objetivo a análise de como a formação em seis diferentes licenciaturas cumpre o previsto no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Indígena, Afro-brasileira e Africana no Campus Floresta da Universidade Federal do Acre. Como desdobramento desse objetivo contextualizou-se a trajetória de implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08 a partir de seus precedentes históricos; descreveu-se ainda, de forma breve, as proposições/ações relacionadas ao ensino da cultura/história indígena e africana presentes nos Projetos Pedagógicos Curriculares das licenciaturas do Campus Floresta, analisando em que medida o currículo de formação abre espaço para o estudo da diversidade cultural, em especial, para as práticas de inclusão do negro e indígena na Universidade, de modo a promover com seus resultados, uma reflexão que possibilite tornar os espaços acadêmicos do Centro de Educação e Letras e do Centro Multidisciplinar mais humanizados.

As proposições legais em destaque precisam ser trabalhadas no ambiente acadêmico para combater a legitimação das lógicas hegemônicas e, consequentemente, fortalecer as práticas decoloniais que permitem mais do que a valorização das diferentes culturas, como também levar em consideração os saberes ancestrais e resgatar de maneira democrática, identidades esquecidas ao longo do tempo, nas suas dimensões mais amplas na vertente de não reprodução dominante, envolvendo interesses divergentes. Anibal Quijano, sociólogo peruano é um dos construtores do conceito de colonialidade, e sobre essa discussão afirma: “Hoje, a luta contra a dominação implica, sem dúvida, em primeiro lugar, o engajamento na luta pela destruição da colonialidade do poder, não só para terminar com o racismo, mas pela sua condição de eixo articulador do padrão universal do capitalismo eurocentrado” (Quijano, 2010, p. 16).

Desenvolvimento

A educação escolar tem a função de preparar os alunos para atuar como cidadãos críticos na inserção sociocultural, possibilitando a participação ativa com foco na construção e descoberta de conhecimentos em meio às relações efêmeras de nosso contexto. Apresenta-se para a instituição de ensino, hoje mais do que nunca, a responsabilidade social de construir identidades necessárias para promoção da cidadania respeitando a diversidade étnico-racial e enfatizando a decolonialidade. Para Mignolo (2008MIGNOLO, Walter. Desobediência Epistêmica: A opção Descolonial e o Significado de Identidade em Política. Cadernos de Letras da UFF, n. 34, p. 287-324, 2008. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33191
https://periodicos.uff.br/gragoata/artic...
),

[...] a identidade em política é crucial para a opção decolonial, uma vez que, sem a construção de teorias políticas e a organização de ações políticas fundamentadas em identidades que foram alocadas (por exemplo, não havia índios nos continentes americanos até a chegada dos espanhóis; e não havia negros até o começo do comércio massivo de escravos no Atlântico) (Mignolo, 2008MIGNOLO, Walter. Desobediência Epistêmica: A opção Descolonial e o Significado de Identidade em Política. Cadernos de Letras da UFF, n. 34, p. 287-324, 2008. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33191
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, p. 289).

No contexto atual, após mais uma década de promulgação da Lei 11.645/08, num universo em que os modelos eurocêntricos predominam e a partir dos quais são moldados comportamentos esperados, tais modelos já não dão conta de abarcar uma dimensão universal e até mesmo unânime que tais alienações assumem, justificando, portanto, essa inserção da legislação no processo educativo. Nesse sentido, a real implementação da legislação nas instituições de ensino propicia a discussão da temática utilizando o senso crítico na perspectiva da participação e do reconhecimento do diferencial que cada um apresenta.

Inserir a Lei 11.645/08 na rotina acadêmica é papel da educação na sociedade contemporânea, que traz para as instituições de ensino um horizonte mais amplo e diversificado do que legislações, embora até poucas décadas atrás, orientavam a concepção e construção das propostas de ensino sem levar em consideração as diversidades de cada indivíduo. Para Morin,

O desafio dos desafios consiste em tomar conta de todos os desafios ao mesmo tempo e em interdependência. Assim, a reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino (Morin, 2014MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 21. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014., p. 20).

Não basta visar somente à capacitação dos professores, mas antes se trata de ter em vista a formação de todos os atores envolvidos com o processo ensino-aprendizagem, a fim de que o aluno possa sentir-se parte do processo para o desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se produzem e demandam um novo tipo de comportamento diante das diferenças, preparado para poder lidar com novas linguagens, posturas, costumes e tradições. Igualmente, que o mesmo seja capaz de amenizar as questões de preconceito, discriminação e intolerância. Conforme Morin (2014MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina. 21. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014., p. 47), a educação tem a tarefa “de transformar as informações em conhecimento, de transformar o conhecimento em sapiência”.

Essas novas relações entre aceitação e respeito do diferente exigem capacidade de compreensão e inovação das práticas pedagógicas em todas as disciplinas e, mais do que nunca, conhecer a finalidade da lei para colocar em prática, atendendo todas as especificidades que envolvem o universo educacional e, por consequência, até o aspecto social. Isso implica o estímulo à autoaceitação do sujeito, desenvolvendo o sentimento de pertencimento às suas raízes, interagindo sem inferioridade com as demais culturas e, portanto, sendo capaz de atuar em níveis de interlocução mais complexos e diferenciados.

Para alcançar o objetivo desse estudo fez-se a leitura e análise dos seis Projetos Pedagógicos Curriculares (PPCs) dos cursos de licenciaturas do Campus Floresta (UFAC), sendo cinco deles do Centro de Educação e Letras e um do Centro Multidisciplinar, com levantamento de dados e informações relacionadas ao objeto de estudo a partir dos componentes curriculares de cada documento. Com a finalidade de processar uma análise desses documentos estabelecemos como descritores de buscas nos documentos: Educação para as relações étnico-raciais, História e cultura afro-brasileira e indígena e Leis 10.639/03 e 11.645/08. A definição de tais termos de busca se fundamenta na análise de que os grupos indígenas e negros enfrentam grandes desafios na conjuntura política e social de hoje, no sentido de consolidar a educação formal nas aldeias dentro das perspectivas desejadas por cada etnia, mas, sobretudo, previstas na legislação nacional, tendo tais grupos, sistematicamente, acesso negado ou dificultado a bens materiais e/ou simbólicos. Atendendo ao enfoque do objeto desse estudo, buscamos agrupar aspectos que focalizam o processo de formação de professores nas seis licenciaturas, considerando que a questão da formação tem relação direta com a discussão das políticas públicas em tela.

Este estudo tem abordagem qualitativa. Essa abordagem possibilita o contato direto com o objeto de investigação, possibilitando, assim, uma visão mais ampla da situação estudada proporcionando uma apresentação de dados que serão organizados a partir de índices de qualidade. A fonte principal de informações consistiu nos documentos chamados de projetos políticos curriculares. A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A única diferença entre ambas está na natureza das fontes. “Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (Gil, 2008GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008., p. 51).

O processo de análise dos dados tomou como base uma abordagem crítico/dialética, de cunho descritivo-interpretativa sobre as informações recolhidas, pois fornece elementos para esclarecer as indagações que norteiam essa investigação, reconstruindo simultaneamente os dados das fontes pesquisadas e as percepções do pesquisador.

O estudo coloca em destaque o processo de formação de professores no Campus Floresta, localizado na região mais ocidental do Acre, em Cruzeiro do Sul. O município está situado no interior do estado do Acre, na região Norte, na Amazônia ocidental brasileira. Conhecida como capital da região do Vale do Juruá é o mais importante pólo turístico e econômico do interior do Acre. O município, cujo nome foi inspirado na constelação “Cruzeiro do Sul”, teve sua fundação oficializada em 28 de setembro de 1904, quando a sede do Departamento do Alto Juruá foi transferida para Cruzeiro do Sul. Localiza-se na região noroeste do estado do Acre, na margem esquerda do rio Juruá, que fica a 648 km da capital Rio Branco pela rodovia BR-364. Ele constitui o segundo município mais populoso do Estado do Acre, com uma estimativa populacional de 89.072 habitantes. Apresenta uma densidade populacional de 10,1 habitantes por km² no território do município e sua área territorial se estende por 8.779,2 km² (IBGE, 2022). No que tange ao aspecto educacional, conta com uma das melhores coberturas de matrículas das cidades acreanas, tanto na zona urbana quanto na rural. Existem 192 unidades de ensino, sendo 54 que ofertam o ensino infantil, 167 de ensino fundamental, 22 de ensino médio e 07 de ensino superior. Vale observar que tem escola que oferta dois níveis de ensino (IBGE, 2022).

Os seis cursos pesquisados são ofertados no Campus Floresta da Universidade Federal do Acre. Ele foi o primeiro Campus a funcionar regularmente fora da sede, Rio Branco, a partir de 1989, ano de sua fundação em Cruzeiro do Sul, com a instalação do curso de Letras Português. Atualmente o Campus conta com onze cursos regulares de graduação: Ciências Biológicas - Bacharelado, Ciências Biológicas Licenciatura, Direito, Enfermagem, Engenharia Agronômica, Engenharia Florestal do Centro Multidisciplinar e as Licenciaturas Indígena, Letras Espanhol, Letras Inglês, Letras Português e Pedagogia do Centro de Educação e Letras. Quanto à sua estrutura organizacional, é constituído por uma subprefeitura que administra o Campus e por dois centros, quais sejam: Centro Multidisciplinar (CMULTI), responsável por cursos das ciências exatas e da natureza, e o Centro de Educação e Letras (CEL), que acolhe as licenciaturas da área das ciências humanas.

A análise levou em conta o entendimento de que a cultura europeia ainda é vista como o centro da história do Brasil e as culturas de povos negros e indígenas, são componentes complementares nos quais a participação não é determinante. As inserções destes conteúdos no currículo dessas licenciaturas fariam com que os povos indígenas e africanos sejam vistos como agentes do processo histórico assim como os europeus, além de mostrar as suas intervenções no processo histórico da trajetória brasileira. Assim, define-se como problemática: que lugar os negros e indígenas ocupam no processo de formação de professores das licenciaturas do Campus Floresta da UFAC? O olhar sobre os cursos de formação de professores é fundamental para identificar os avanços e impasses na implementação dessas leis. Devemos nos perguntar se há e como é o tratamento que essas licenciaturas têm dado ao ensino dessas temáticas aos futuros docentes.

Como os documentos principais da pesquisa são os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC), apresentamos a concepção de Silva (2003SILVA, Maria Abádia da. Do projeto político do Banco Mundial ao projeto político-pedagógico da escola pública brasileira. Cadernos CEDES, Campinas: UNICAMP, v. 23, n. 61, 2003.) ao definir:

Um documento teórico-prático que pressupõe relações de interdependência e reciprocidade entre os dois polos, elaborado coletivamente pelos sujeitos da instituição escolar e que aglutina os fundamentos políticos e filosóficos em que a comunidade acredita e os quais deseja praticar; que define os valores humanitários, princípios e comportamentos que a espécie humana concebe como adequados para a convivência humana; que sinaliza os indicadores de uma boa formação e que qualifica as funções sociais e históricas que são de responsabilidade da escola (Silva, 2003SILVA, Maria Abádia da. Do projeto político do Banco Mundial ao projeto político-pedagógico da escola pública brasileira. Cadernos CEDES, Campinas: UNICAMP, v. 23, n. 61, 2003., p. 296).

Através da análise desses documentos, compreendemos quais são as concepções produzidas sobre os dois grupos étnicos em investigação, tendo em vista a grande relevância para a formação de docentes. Verificamos com frequência em artigos científicos e nos noticiários que, cada vez mais, os grupos em destaque empreendem esforços para concretizar um diálogo intercultural.

Essa realidade nos leva a pensar que se a proposta educacional é conviver e efetuar trocas com as sociedades, a universidade tem o papel fundamental de fazer um esforço para conhecer esses povos, sua história e sua cultura e, mais ainda, afirmar uma presença que supere a invisibilidade histórica sobre eles que se estende até o presente. Neste sentido passamos a apresentar o estudo sobre os PPCs na seguinte ordem das licenciaturas: Curso de Licenciatura em Pedagogia, Curso de Licenciatura Indígena, Curso de em Letras Português, Curso de Letras Inglês e Curso de Letras Espanhol.

Iniciamos a análise pelo Projeto Pedagógico Curricular do Curso de Licenciatura em Pedagogia, que teve sua aprovação pelo Conselho Universitário em 2018, entrando em vigor no ano de 2018, estando vigente até a presente data. Na investigação por meio dos descritores de buscas não se apontou nenhuma ocorrência dos termos História e cultura afro-brasileira e indígena e Leis 10.639/03 (Brasil, 2003) e 11.645/08 (Brasil, 2008). Por outro lado, se verificou quando observado os componentes curriculares e respectivas ementas, a presença da disciplina Seminário: Educação e diversidade com carga horária de 30 horas/aulas, cuja ementa se apresenta assim: Educação para as relações étnicas raciais. Convivendo com as diferenças nos espaços sociais: de gênero, sexual, religiosa e geração. Nessa disciplina, a ementa apresenta um dos descritores. Porém, apenas na bibliografia complementar e não na básica se verificou uma ocorrência de duas referências bibliográficas relacionadas ao nosso objeto de estudo: Silva (1995SILVA, Ana Célia da. Discriminação do Negro no Livro Didático. Salvador: CEAO-CED, 1995.) e Munanga (2000MUNANGA, Kabengele. Superando o Racismo na Escola. Brasília: Ministério da Educação, 2000.). Sobre esse curso de Pedagogia cabe salientar que ele como objetivo principal:

Formar licenciados em Pedagogia com habilitação na docência da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Destaca-se, ainda, que a atuação do Licenciado em Pedagogia poderá ocorrer em diferentes modalidades como: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos e Educação do Campo, em suas diferentes formas de organização. Para além da docência, o egresso poderá, também, desempenhar funções de gestão escolar, tais como coordenação pedagógica ou de ensino, supervisão e direção, entre outras funções de suporte ao ensino (Universidade Federal do Acre, 2017, p. 7).

Uma avaliação sobre a disciplina Seminário: Educação e diversidade mostram-nos que ela é ofertada uma vez ao ano sempre no primeiro período do curso, de caráter obrigatório. Nos causa espanto o fato de que a redação que nomina a disciplina traz expressões que remontam à década de 90, evidenciando uma desatualização em relação à literatura e legislação pertinente. Entre as optativas que são oferecidas esporadicamente, nenhuma delas traz aspectos relacionados às leis em questão. Vale destacar que o PPC anterior do referido curso que vigorou até 2017, trazia dois componentes curriculares elementares para nossa reflexão: Fundamentos da Educação Escolar Indígena e Educação para as Relações Étnico-Raciais, ambas excluídas da versão atual do documento, ou seja, se houveram passos, eles foram dados, mas com retrocessos. Verifica-se na realidade uma carga horária insignificante para se aplicar e discutir os conteúdos previstos pela Lei 10.639/03 (Brasil, 2003), através de disciplinas obrigatórias, uma vez que todos os alunos devem cursá-las ao longo da graduação. Ainda assim, pelo universo de discussões que ela possibilita ao tratar da diversidade, não se tem garantias de que disponibilizam bibliografias básicas relacionadas com a história e a cultura afro-brasileira e africana, revelando uma inviabilidade de discussões/formação oferecidas durante a graduação sem que se possa perceber contribuições para os futuros professores do Curso de Licenciatura em Pedagogia, na medida em que não incrementaria na formação dos docentes a valorização de literaturas indígenas, afro-brasileira e africana.

Na análise sobre o PPC de Licenciatura Indígena depreendeu-se as informações a seguir: esse curso tem o objetivo de criar um ambiente de produção, aprendizado e troca de conhecimento que propicie o enriquecimento tanto dos indígenas quanto da universidade neste processo, e que possa estimular as pesquisas, a prática pedagógica e outras atividades desenvolvidas durante o curso, de modo a possibilitar a atuação dos docentes egressos no processo educacional de seus povos em todo Ensino Fundamental e Médio (Universidade Federal do Acre, 2015). Este documento foi aprovado pelo Conselho Universitário em 2015, sendo colocado em execução com a turma que entrou na universidade em 2017. Vale destacar que o curso tem como público-alvo professores ou pretensos professores indígenas dos diversos grupos étnicos da região. Portanto, trata-se de um curso específico para indígenas com vistas à formação docente.

Não se verificou nenhuma ocorrência dos três descritores da pesquisa dentro do documento, nem componente curricular com as expressões em discussão. Apenas na legislação básica que constitui um tópico do PPC, foi citada a Resolução CNE/CP nº 1, de 17 de junho de 2004 (Brasil, 2004) - Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Para além desse documento não se encontrou nenhuma referência aos descritores. Não obstante, a análise do documento nos permite afirmar que ocorre uma abordagem interdisciplinar no texto do PPC, a qual escapa ao isolamento de conteúdos e conhecimentos estruturados segundo as tradições ou normas estabelecidas nas disciplinas da ciência hegemônica. De modo geral, o documento procura construir uma perspectiva aproximada à singularidade da condição, pressupostos e situação histórica.

No caso dos povos indígenas, em seu processo de educação escolar sobressai a necessidade de valorizar a língua e identidade indígenas, a conquista da autonomia socioeconômica e cultural e a recuperação da memória histórica. Porém, sem deixar de reconhecer e valorizar outros conhecimentos, de outras populações indígenas, negras e da sociedade brasileira como um todo, bem como, aproximar-se dos conhecimentos e da ciência dita ocidental. Conclui-se da análise, que embora o ensino superior voltado para os acadêmicos indígenas na UFAC possibilite e estimule o registro, a discussão das histórias, cosmovisões e sistemas de conhecimentos próprios, fica perceptível que no PPC há uma ausência de discussões mais aprofundadas sobre a sociodiversidade, de modo que se contemple objetivamente a Lei 11.645/08 (Brasil, 2008) e sua precedente.

Assim, a matriz curricular do Curso de Licenciatura Indígena inclui questões como sustentabilidade e autonomia dos povos indígenas e, de modo igual, o estudo da questão territorial, aspecto que não se dissocia da questão educacional, dado o papel relevante da terra para a reprodução econômica, ambiental, física e cultural das sociedades indígenas, porém, perde em silenciar aspectos diretamente relacionados à educação para as relações étnico-raciais.

No que tange ao PPC do Curso de Licenciatura em Letras Português, não se verificou nenhuma ocorrência dos descritores de busca dentro do documento, nem componentes curriculares com as expressões em discussão. Todavia verificou-se a ocorrência das disciplinas Cultura brasileira e Culturas africanas interoceânicas. A primeira tem como ementa: Formação e identidade nacional da cultura e literatura brasileira. Aplicações de análise antropológica a textos literários nacionais. O índio e o negro na literatura nacional. Nessa disciplina, se tem grande possibilidade de tratar a temática de maneira aprofundada, mas caberia uma investigação à parte com vistas a identificar se as orientações da lei em pauta são trabalhadas. A segunda disciplina apresenta a ementa: Processo civilizatório ocidental e a África. Colonialismo e escravidão. Romance e imperialismo. Brasil e as africanidades. Religiões africanas e hibridismo. Autores afro-brasileiros mais significativos: Machado de Assis, Cruz e Sousa, Lima Barreto, Mário de Andrade entre outros mais contemporâneos. A análise sobre a ementa nos permite inferir a ocorrência de discussões significativas entre os professores e acadêmicos na disciplina, práticas que sensibilizam e permitem a apropriação pelos futuros docentes acerca da cultura e história indígena, africana e afrodescendente.

A partir das referências presentes na disciplina verificou-se nesta, assim como na disciplina Cultura brasileira, uma forte ênfase na discussão sobre o negro a partir de um viés literário, o que torna a discussão significativa do ponto de vista de nosso objeto, mas que não toca necessariamente na possibilidade e construção de uma visão diversificada da realidade com abertura para o outro. Todavia é possível afirmar a partir desta análise a presença de aspectos previstos no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, que estabelece entre as atribuições das instituições de ensino, como uma das principais ações das instituições de Ensino Superior a inclusão de conteúdos e disciplinas curriculares relacionados à Educação para as Relações Étnico-raciais nos cursos de graduação do Ensino Superior, com destaque para as licenciaturas.

Ainda no PPC de Letras Português identificou-se a referência a questão indígena em duas disciplinas: Línguas Indígenas no Brasil I e II. Em ambas, a discussão se limita a estudos fonológicos e gramaticais relacionados a algumas línguas indígenas.

Na sequência procedeu-se a análise sobre o PPC do Curso de Licenciatura em Letras Inglês. Esse curso tem como objetivo habilitar professores em língua inglesa para atuar nos ensinos fundamental e médio. Vale destacar a seguir um de seus objetivos específicos de nosso interesse, a saber: pautar sua prática em princípios estéticos, políticos e éticos, abrangendo a estética da sensibilidade, a política da igualdade e a ética da identidade. O documento está datado de 2018 e encontra-se em processo de reformulação. O mesmo teve seus atos legais de autorização e criação na Resolução CONSU n° 03, de 07 de abril de 1989 (Universidade Federal do Acre, 1989).

Sobre a análise realizada no PPC, verificou-se, no tocante ao objeto de pesquisa, o mesmo quadro de disciplinas, ementas e referências já referido no PPC de Língua Portuguesa, ou seja, não há diferença nos elementos encontrados num e noutro documento. Portanto, depreende-se deste primeiro o mesmo entendimento feito sobre o segundo. Em outras palavras, ambos os cursos têm o mesmo padrão de tratamento sobre a implementação do ensino da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena, ou seja, o faz de modo indireto, porém, sem garantia de discussão com foco específico nas leis objeto deste estudo.

Na sequência, analisou-se o PPC de Licenciatura em Língua Espanhol que tem por objetivo formar profissionais interculturalmente competentes, capazes de lidar, de forma crítica, com as linguagens, especialmente a verbal, nos contextos oral e escrito, conscientes de sua inserção na sociedade e das relações com o outro. O curso teve seu início a partir da Resolução CEPEX nº 21, de 25 de outubro de 2007. Da mesma forma que nos dois PPCs anteriores, também neste não se identificou nenhuma ocorrência dos descritores da pesquisa. Passando para análise dos componentes curriculares identificou-se a ocorrência de expressões relacionadas ao objeto deste estudo. Neste PPC, há uma disciplina denominada Cultura brasileira e inclusão social, cuja ementa é: Formação e identidade nacional da cultura e literatura brasileira. Aplicações de análise antropológica a textos literários românticos, realistas, naturalistas, pré-modernistas e modernistas. O índio e o negro na literatura nacional.

O componente curricular em tela contribui de modo significativo para a interação crítica dos alunos com a complexidade do mundo, além de favorecer o respeito às diferenças e o diálogo intercultural, pluriético e plurilíngue, importantes para o exercício da cidadania. Embora se constate um enfoque na literatura, o direcionamento dado na ementa aponta para o conhecimento e valorização do patrimônio cultural, material e imaterial, de culturas diversas, em especial a brasileira, incluindo-se suas matrizes indígenas, africanas e europeias, de diferentes momentos da história nacional. Nas referências deste componente figuram obras de diferentes gêneros, estilos, autores e autoras contemporâneas, de outras épocas - regionais, nacionais, portugueses, africanos, possibilitando uma aproximação e discussão mais efetiva dos alunos em relação aos negros e indígenas. Para além desse componente curricular, nenhum outro fez referência aos termos negros e indígenas.

Quanto ao PPC de Licenciatura em Ciências Biológicas, pertencente ao Centro Multidisciplinar do Campus Floresta, tem-se como objetivo: Estimular a reflexão crítica sobre a prática pedagógica com vista à melhoria do ensino nos municípios do Vale do Juruá, causando uma revolução de qualidade na educação da região. Afirma-se, ainda no documento que, o projeto será a referência para articular e integrar todas as atividades de ensino, pesquisa e extensão no curso, evitando-se a fragmentação de disciplinas, principalmente para integrar professores e criar conteúdos mais consistentes à formação do profissional em educação. O mesmo está datado do ano de 2017 e teve sua autorização de funcionamento a partir da Resolução CEPEX n° 21 de 25 de outubro de 2007 (Universidade Federal do Acre, 2007).

A análise realizada sobre o documento nos permitiu afirmar que nenhum dos descritores apareceu no documento. Da mesma forma, os termos negro e indígena também não tiveram ocorrência no texto do referido PPC, revelando uma total apatia do curso em relação ao objeto de nosso estudo.

Em linhas gerais podemos nos perguntar que lugar as discussões sobre os negros e indígenas ocupam nessas seis licenciaturas, o que mudou no Campus Floresta desde 2008 com a promulgação da lei 11.645?

A leitura analítica apresentada acima, considerando o espaço de tempo dessas legislações e a ausência literal de forma explícita delas nos PPCs, bem como, os anos de criação dos cursos e a referência a negros e indígenas presente de modo pontual, dada a natureza de cada curso, o que se verifica são demandas que precisam ser atendidas, pois são cursos que não alcançam ao proposto no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Trata-se de seis licenciaturas que não preconizam condições para que o acadêmico construa situações que o prepare para um processo de educação emancipatória pluriversal.

A aplicabilidade das leis na visão decolonial traz ao cenário acontecimentos vividos pelos negros e povos indígenas que são repassados de uma geração para a outra, formando um legado cultural. Portanto, a retrospectiva de um momento de invasão, marcado pelas representações da cultura ocidental e herdados pela atuação do eurocentrismo sobre a vida de indivíduos, através da imposição de regras e costumes ferindo o direito à liberdade de expressão.

O pensamento decolonial é a estrada para a pluri-versalidade como um projeto universal. [...] Isto significa que a defesa da similaridade humana sobre as diferenças humanas é sempre uma reivindicação feita pela posição privilegiada da política de identidade no poder (Mignolo, 2008MIGNOLO, Walter. Desobediência Epistêmica: A opção Descolonial e o Significado de Identidade em Política. Cadernos de Letras da UFF, n. 34, p. 287-324, 2008. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33191
https://periodicos.uff.br/gragoata/artic...
, p. 300).

Apesar das profundas transformações marcadas ao longo da nossa história, os paradigmas coloniais continuam presentes em nossa sociedade de maneira definida, consolidada e controlada pelo capitalismo. A colonialidade é um processo violento de destruição da ideia do outro, portanto, o colonizado passa por um processo interno, subjetivo e doloroso de autodestruição de sua identidade para assumir a identidade do colonizador como identidade própria. Ainda que façam referências pontuais a negros e indígenas, no conjunto, os PPCs refletem relações de dominação e poder em diversos aspectos: sociais, políticos, econômicos, epistemológicos e culturais.

De acordo com Quijano (2010QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.),

[...] colonialidade/modernidade eurocêntrica: uma concepção de humanidade segundo a qual a população do mundo se diferenciava em inferiores e superiores, irracionais e racionais, primitivos e civilizados, tradicionais e modernos (Quijano, 2010QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 32).

O capitalismo ancorado nas políticas do mundo ocidental se reinventa, estabelecendo novas identidades e produção de novas relações intersubjetivas de dominação e de uma perspectiva de conhecimento mundialmente imposta como a única racional, privilegiando o homem branco, cristão, heterossexual, patriarcal e, sobretudo europeu. Como enfatiza Quijano (2010QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010., p. 35): “o eurocentrismo [...] apenas dos dominantes do capitalismo mundial, mas também do conjunto dos educados sob a sua hegemonia”.

Embora não tenhamos aqui uma discussão inédita, vale a insistência e resistência sobre essas questões a fim de esclarecer a desigualdade étnica e social enfrentada por negros e indígenas que, requer análise da trajetória do processo de exclusão provocado pelo preconceito, discriminação, além das ideias pré-concebidas do eurocentrismo que aliena os dominados, sem observar e reconhecer a cultura pré-existente, ocasionando um sentimento de não pertencimento do seu legado cultural. Esse contexto envolve questões diversas de estereótipos que afetam a identidade cultural, social e coletiva, principalmente da massa, implantando o padrão hegemônico como válido, sem considerar memórias, tradições e crenças que envolvem a história de vida dos negros e indígenas.

O ensino superior praticado na região mais ocidental da Amazônia brasileira ainda hoje é marcado por um padrão homogeneizador, herança de uma visão colonialista e elitista, que nem sempre leva em conta o contexto social e cultural no qual o acadêmico está inserido. A partir dessa perspectiva aponta-se a necessidade de preparar os professores para refletirem sobre os privilégios da cultura dominante e seu lugar na sociedade, para assim desconstruí-la e estimular a igualdade por meio da prática docente.

Seria ingênuo pensar que as mudanças são possíveis de serem concretizadas apenas a partir de medidas políticas e de justiça social. É notório que isto tem importante respaldo, mas observa-se a necessidade de trabalhar efetivamente os conteúdos e proposições de ambas as leis, instigando a construção de um pensamento e de conceitos que procurem entender, refletir e aceitar o diferente. Aos poucos, no Brasil, vem desenvolvendo-se um processo de amadurecimento no sentido de consolidação de atitudes de valorização e valorização da diversidade.

A inserção da temática da História e Cultura Afro-Brasileira e indígena dentro do currículo possibilita uma nova perspectiva, mas não garante a desconstrução da desigualdade racial e cultural existente socialmente. Embora devessem se fazer presentes, entendemos que, não são as disciplinas figuradas nos PPCs que transformarão a realidade posta, mas sim a forma de como estes conteúdos são transmitidos é que fará o diferencial. Incluir aqueles que na maior parte de suas vidas foram excluídos pelo sistema, aqueles que existem apenas como indivíduos presentes, mas não tiveram oportunidade de viver, de mostrar seus conhecimentos e experiências, sem oportunidade de tornarem-se cidadãos críticos e participativos. Incluir significa proporcionar ao indivíduo a liberdade de ser quem ele é e de mostrar e assumir sua verdadeira identidade.

Para se alcançar as metas que ambas as leis exigem, torna-se necessário a apropriação de saberes científicos indispensáveis para a compreensão dos processos históricos indígenas e africanos, assim como as maneiras de se criticar a tradição. Estes objetivos requerem que os professores tenham domínio dos saberes específicos de suas matérias e possuam metodologias para executar uma educação inclusiva, por intermédio da edificação de uma nova maneira de se raciocinar sobre a criação da nacionalidade e nação.

O processo de implementação das leis em pauta encontra um outro desafio hercúleo, o despreparo da maioria dos docentes para aplicar na prática pedagógica as proposições legais. Muitas instituições de ensino superior, e em particular, o Campus Floresta da UFAC, são convidadas a realizar uma série de medidas no sentido de transformar essa realidade de indiferença institucionalizada, devendo realizar uma verdadeira revisão curricular para a implantação das temáticas destacadas, quer nas gestões dos Projetos Pedagógicos Curriculares, quer nas coordenações pedagógicas, quer nos núcleos docentes estruturantes e nos colegiados de cursos, uma vez que possuem a liberdade de ajustar seus conteúdos e contribuir no necessário processo de democratização e ampliação do direito de todos à educação, e do reconhecimento de outras matrizes de saberes da sociedade brasileira.

A Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) destaca a importância dos estudantes conhecerem e entenderem as organizações sociais e culturais das regiões considerando as diversidades. Diante disso, percebe-se que existe um problema a ser estudado: como ampliar os conceitos sobre o conhecimento da história e cultura da África e indígenas? O trabalho sistemático e comprometido com a questão exige docentes qualificados e conscientes da importância dessa discussão. É nesse contexto que se pensa o papel determinante das instituições que formam professores. O que se tem oferecido nos cursos de formação para docentes? Como os cursos, sobretudo, as licenciaturas lidam com essa problemática?

Nesse sentido, conhecer a trajetória histórica de afrodescendentes e indígenas, possibilita narrar os fatos da passagem do negro em todos os continentes, mostrando as particularidades locais, possibilita ainda compreender o que representa o indígena na formação da sociedade nacional e suas contribuições. Lamentavelmente, o que se pode perceber apesar das várias transformações legais que tratam sobre a situação do negro e do indígena no Brasil é que ainda há muito que se discutir sobre o alcance que sujeitos e instituições têm para atuação na linha de frente com vistas à efetivação da legislação pertinente. Verifica-se, atualmente, um abismo entre as proposições das leis e sua prática ensejando uma espécie de marasmo na aplicabilidade dessas leis.

Considerações finais

Aos estabelecimentos de ensino é atribuída a responsabilidade de acabar com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos indígenas e africanos escravizados e de seus descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar para que, no seu interior, os alunos desses dois grupos deixem de sofrer os primeiros e continuados atos de racismo de que são vítimas. Sem dúvida, assumir estas responsabilidades implica compromisso com o entorno sociocultural do Campus Floresta, da comunidade onde este se encontra e a que serve, compromisso com a formação de cidadãos atuantes e democráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que participam e ajudam a manter e/ou a reelaborar, capazes de decodificar palavras, fatos e situações a partir de diferentes perspectivas, de desempenhar-se em áreas de competências que lhes permitam continuar e aprofundar estudos em diferentes níveis de formação (Brasil, 2004, p. 01).

A educação atual enfrenta esse grande desafio de constituir-se em espaço fomentador de relações étnicas e sociais em que as diferenças sejam tomadas como elementos de uma rica experiência da miscigenação nacional. Cabe aos sistemas de ensino/professor não só assegurar, mas prover condições para se efetivarem essas políticas. Anterior a tudo isso se coloca cada instituição de ensino superior (IES) como a responsável pela formação docente, como espaços em que não se pode admitir a ausência de uma consciência social sobre negros e indígenas como fruto de estudos, debates, discussões. Assim, pela sua vocação, as IES precisam ser por excelência, promotoras de uma visão crítica do currículo e seus desdobramentos na discussão das temáticas. Nas licenciaturas estudadas, essa temática aparece repentina e superficialmente, o que torna muito mais difícil a apropriação do conhecimento e problemáticas que envolvem o currículo pelos acadêmicos desses cursos. Vale lembrar que parte significativa dos professores egressos acaba entrando no sistema de ensino, ocupando cargos e funções, e assim, envolvida na rotina do trabalho acabam se afastando dos espaços de formação.

A universidade sendo espaço de produção de conhecimento tem dentre as suas funções, o papel de contribuir com a formação inicial e continuada dos profissionais em diferentes áreas. E os projetos de formação de professores não podem ficar reduzidos ao mero processo de atualização científica, pedagógica e didática, mas deve promover espaços de diálogo, reflexão, narrativas, de encontro de saberes, em que os futuros professores possam se encontrar nas experiências plurais. Percebendo erros, acertos, medos, angústias, conquistas e tantas outras situações que envolvem as relações construídas pelos professores no ambiente escolar de forma geral.

Deste modo, a pesquisa realizada mostra, depois de mais de uma década e meia da lei 11.645/08, com evidência a necessidade e o iminente compromisso de se refletir sobre as legislações pertinentes de modo profundo. Os cursos envolvidos neste estudo necessitam atentar para a revisão e inserção do proposto pela legislação em seus currículos, no sentido de que se permita conquistar processos autônomos de formação e desenvolvimento profissional, que construam um poder de intervenção curricular e organizativo, assumindo um compromisso que transcenda o âmbito meramente técnico e chegue ao âmbito social. Deste modo, fomentarão práticas de formação docente mais humanizadas na Amazônia acreana, uma vez que poucas mudanças foram operadas desde a promulgação das duas leis relativas à história e cultura africana e indígena..

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2023
  • Aceito
    19 Out 2023
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