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Diálogos [inter]ditados: formação de professores no âmbito da política nacional de alfabetização e o currículo [im]posto

RESUMO

Intencionando analisar a relação entre a formação continuada no âmbito da Política Nacional de Alfabetização - PNA com o currículo [im]posto, pensando os diálogos [inter]ditados emolduradores de tantos outros discursos que ultrapassam a pretensão da palavra una/única, a partir do Curso Práticas de Alfabetização, lança-se o olhar para as materialidades discursivas “Práticas de Alfabetização: Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias” (Brasil, 2021a) e “Práticas de Alfabetização: Livro de Atividades” (Brasil, 2021b). De natureza qualitativa (Sampieri; Collado; Lucio, 2013), vale-se da Análise Dialógica Discursiva (ADD) (Brait, 2006), em vista dos enunciados concretos do Discurso Oficial a partir das materialidades referidas, dialogando com autores do campo do discurso (Bakhtin, 2011; 2017; Volochinov, 2017); das políticas educacionais (Ball, 2001); do Currículo (Lopes, 2004; Lopes; Macedo, 2011); da alfabetização (Soares, 2004; 2020), dentre outros. Os resultados são indicadores de que, assim como as políticas anteriores, a PNA, enquanto voz de autoridade, atravessa o currículo oficial da alfabetização, podendo refletir nos discursos e práticas dos professores alfabetizadores, mesmo no seio do processo de recontextualização. Ao ditar “novos” sentidos e significados para a alfabetização enquanto habilidade assentada no código linguístico, [im]põe o currículo para o círculo alfabetizador, privilegiando os conteúdos e estratégias ancorados na instrução fônica sistemática, interditando as demais possibilidades de significação: escrita como código; alfabetização como habilidade de codificar/decodificar; método fônico; foco no ensino da relação grafema-fonema e no isolamento de fonemas.

Palavras-chave:
Alfabetização; Formação de professores; Currículo; Política

ABSTRACT

Intending to analyze the relationship between continued training within the scope of the National Literacy Policy - PNA with the [im]posed curriculum, thinking about the [inter]dicted dialogues that frame so many other discourses that go beyond the pretension of the one/single word, from the Literacy Practices Course, looks at the discursive materialities “Literacy Practices: Book of the Literacy Teacher - Strategies” (Brasil, 2021a) and “Literacy Practices: Book of Activities” (Brasil, 2021b). Qualitative in nature (Sampieri; Collado; Lucio, 2013), it uses Discursive Dialogical Analysis (ADD) (Brait, 2006), in view of the concrete statements of the Official Discourse based on the aforementioned materialities, dialoguing with authors in the field of discourse (Bakhtin, 2011; 2017; Volochinov, 2017); educational policies (Ball, 2001); of the Curriculum (Lopes, 2004; Lopes; Macedo, 2011); literacy (Soares, 2004; 2020), among others. The results are indicators that, like previous policies, the PNA, as a voice of authority, permeates the official literacy curriculum, being able to reflect on the speeches and practices of literacy teachers, even within the recontextualization process. By dictating “new” senses and meanings for literacy as a skill based on the linguistic code, it [imposes] the curriculum for the literacy circle, privileging content and strategies anchored in systematic phonics instruction, prohibiting other possibilities of meaning: writing as code; literacy as the ability to encode/decode; phonic method; focus on teaching the grapheme-phoneme relationship and the isolation of phonemes.

Keywords:
Literacy; Teacher training; Curriculum; Policy

Introdução

“A palavra acompanha toda a criação ideológica como seu ingrediente indispensável”.

(Volochinov, 2017VOLOCHINOV, Valentin. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na Ciência da Linguagem. São Paulo: Ed. 34, 2017., p. 100).

Políticas educacionais são discursos político-ideológicos situados em um cronotopo atravessado por ideologias. As ideologias refletem o modo de ver e sentir de um grupo social em determinada época (reflexão), ao passo que entra em embate com as ideologias outras, a fim de adquirir o valor de verdade (refração). Nesse processo [de refletir e refratar], ampliam-se os horizontes valorativos, sendo por estes que o sujeito dialógico valora as palavras dos outros e as cossignifica, tornando-as palavras próprias-alheias. A palavra dada [dos outros] passa a ser palavra criada [própria] no processo de autoria.

A produção de discurso, sobretudo o oficial (documentos, leis, orientações curriculares, programas etc.), reverbera nos discursos ordinários, do cotidiano. Portanto, há o encontro com o discurso de sujeitos outros, na relação dialógica resposta-contrarresposta. É por essa perspectiva dialógica da linguagem que esta materialidade discursiva intenciona analisar a relação entre os desdobramentos da concepção de formação continuada no âmbito da Política Nacional de Alfabetização - PNA com o currículo [im]posto. Contudo, esta discussão problematiza os diálogos [inter]ditados emolduradores de tantos outros discursos que ultrapassam a pretensão da palavra una, à medida que toda palavra dada se transforma em palavra criada, isso porque “[...] o enunciando nunca é apenas um reflexo, uma expressão de algo já existente fora dele, dado e acabado. Ele sempre cria algo que não existia antes dele, absolutamente novo e singular e que ainda por cima tem relação com o valor” (Bakhtin, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011., p. 326).

Na arena enunciativo-discursiva, a PNA, ao buscar a interdição de sentidos e a construção de outros, defende a concepção de alfabetização como habilidade de codificar e decodificar fonemas e grafemas, amparada na prescrição do método fônico, por meio da instrução fônica sistemática. O método por hora defendido, na referida política, é, ideologicamente, justificado por postulados da ciência cognitiva da leitura, ancorando-se no discurso das mais recentes evidências científicas.

A alfabetização, na PNA, é [im]posta como “[...] o conjunto das habilidades de leitura e de escrita em um sistema alfabético” (Brasil, 2019b, p. 18). Essa perspectiva conceitua o sistema alfabético como “[...] aquele que representa com os caracteres do alfabeto (letras) os sons da fala” (Brasil, 2019b, p. 18), de modo a defender: a língua/linguagem como código; a escrita como atividade de codificação; e a leitura como decodificação. Essa concepção de alfabetização, contrapõe-se e distancia-se de outras formas de abordagem da língua escrita na escola defendidas pelas ciências sociais da leitura e da escrita, em que a concepção de letramento e de alfabetização, embora considerados de naturezas distintas, justapõem-se nos contextos das práticas curriculares.

No movimento dos sentidos, a contrarresposta ao modelo ideológico permite concebê-la [a alfabetização] na perspectiva do alfaletrar (Soares, 2020SOARES, Magda. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto, 2020.): a alfabetização emerge não (apenas) como tecnologia da escrita, responsável pela apropriação de um conjunto de técnicas, operações e habilidades que são necessárias às práticas de leitura e escrita. Por vez, é significada não somente como o domínio da representação do sistema de escrita alfabética, dos padrões normativos da ortografia, mas enquanto evento social em que a compreensão dos usos sociais da escrita lhe confere indissociabilidade com o letramento (Soares, 2020).

O letramento configura palavra em ausência (Bakhtin, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.) na PNA, cuja intenção discursiva era romper com o processo de bricolagem (Ball, 2001BALL, Stephen. Diretrizes políticas globais e relações políticas locais em Educação. Currículo sem Fronteiras, v. 1, n. 2, p. 99-116, 2001. https://www.curriculosemfronteiras.org/vol1iss2articles/ball.htm
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) constatado nas políticas de formação de professores alfabetizadores durante os três governos que lhes antecederam. Este discurso buscava se legitimar na alegação de que a concepção de alfabetização no Brasil, até então, tinha cunho ideológico, a qual objetivava ideologizar o processo de ensino e aprendizagem da língua escrita pelo viés do Construtivismo (Ferreiro; Teberosky, 1985FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Tradução Diana Myriam Lichtentein, Lina Di Marco, Mario Corso. Porto Alegre: Artmed, 1985.) e do Letramento (Soares, 2020SOARES, Magda. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto, 2020.), e, portanto, caberia ser combatida, inicialmente, no campo do discurso (Ball, 2001), das significações.

A proposta de alfabetização [im]posta pela/na PNA reduz o conceito de alfabetizar à mera habilidade de codificar e decodificar palavras, frases e/ou pequenos textos, além de cercear a possibilidade de formar sujeitos que reflitam sobre o caráter social e vivo da língua/linguagem em uso, da língua pragmática que embala os eventos múltiplos de interação mediados por gêneros discursivos (Bakhtin, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.). Contudo, se se muda as concepções de alfabetização e de letramento, muda-se a concepção de currículo a eles atrelados.

Nesta discussão, o currículo [im]posto é praticado como produto de discursos em interação, tendo em vista que é partir da palavra alheia que se forma a palavra própria, sendo esta palavra próprio-alheia, pois os discursos emergem no movimento “meu e do outro”. Nesta relação de incompletude, refletir e refratar possuem natureza dialógica, ainda que se pretendam antidialógicos.

Este estudo de natureza qualitativa (Sampieri; Collado; Lucio, 2013SAMPIERI, Roberto Hernandez; COLLADO, Carlos Fernández; LUCIO, María del Pilar Baptista. Metodologia de pesquisa. Porto Alegre: Penso, 2013.), vale-se da Análise Dialógica Discursiva (ADD) (Brait, 2006BRAIT, Beth. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá, n. 20, p. 47-62, 2006. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33238
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), que permitiu analisar o currículo do Curso Práticas de Alfabetização enquanto enunciados concretos do Discurso Oficial, à época, que, por sua vez, implica no currículo escolar e nos modos de ser-fazer docente nas práticas de alfabetização.

Na continuidade discursiva, este texto compõe-se de outras duas seções. A primeira tece considerações acerca das políticas de alfabetização e programas de formação de professores alfabetizadores que vigoraram no Brasil nos últimos 20 anos, problematizando a relação com o currículo dos cursos e suas influências nas práticas alfabetizadoras. A segunda aborda, mais especificamente, o Curso Práticas de Alfabetização da PNA, analisando as obras “Práticas de Alfabetização: Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias” (Brasil, 2021a) e “Práticas de Alfabetização: Livro de Atividades” (Brasil, 2021b). Na sequência, são apresentadas as considerações finais.

Política(s) de formação de professores: ressonâncias no currículo escolar

Nas últimas duas décadas, no século XXI, o Brasil fomentou mudanças significativas no campo da formação continuada voltada a professores alfabetizadores (Gatti, 2021GATTI, Bernadete. Formação de professores no Brasil: políticas e programas. Paradigma, v. 42, n. e2, p. 1-17, 2021.). Neste cenário, a implementação de ações políticas, como o Programa de Formação de Professores alfabetizadores - PROFA (Brasil, 2001), o Pró-Letramento (Brasil, 2007), o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC (Brasil, 2012) e a Política Nacional de Alfabetização - PNA (Brasil, 2019), fizeram emergir discursos formativos que se refletem e refratam nas práticas curriculares dos professores no ciclo de alfabetização.

Ingênuo seria adotar a concepção de currículo imposta pelo discurso oficial, que desconsidera os múltiplos atravessamentos dialógicos e ideológicos que os subjaz na construção identitária e subjetiva de cada professor alfabetizador enquanto sujeito social e ideologicamente situado. Do mesmo modo, não se nega a força centrípeta desses discursos que refletem no ser-fazer professor e em suas decisões curriculares.

A construção de um currículo não é neutra, portanto, implica numa concepção de educação que envolva valores morais sobre os conceitos adotados de boa pessoa, boa sociedade, sobre os papeis sociais, sobre a estrutura e a superestrutura para além do seu caráter normativo, o que se denomina papel crítico (Young, 2014YOUNG, Michael. Teoria do currículo: O que é e por que é importante. Cadernos de Pesquisa, v. 44, n. 151, p. 190-202, 2014. https://doi.org/10.1590/198053142851
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). Frente a isso, quais conhecimentos devem compor o currículo; quem o prescreve; em que cronotopo; sob quais interesses e condições. Segundo Young (2014, p. 199), o currículo tem essa relação, compondo uma tênue linha entre os discursos pedagógicos oficiais e os discursos pedagógicos de recontextualização: “No primeiro caso, ele se refere ao governo e suas agências; no segundo, às associações profissionais de especialistas da comunidade educacional, particularmente professores”.

No nível do discurso, os diferentes posicionamentos sobre a natureza ideológica e do poder da palavra tensionam o processo de produção e ressignificação do currículo. Desse modo, as políticas de formação de professores alfabetizadores são construídas sob a égide de um currículo que representa a visão de mudo de um grupo que detém o discurso oficial e tem o poder de agência (Melo; Almeida; Leite, 2022MELO, Julia Carvalho; ALMEIDA, Lucinalva Andrade Ataíde; LEITE, Carlinda. Currículos de formação de professores: o poder de agência em questão. Revista Educação e Pesquisa, v. 48, 2022. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248247432por
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), num dado espaço-tempo. Acerca do currículo e as possíveis significações, é proveitoso destacar que

[...] a estrutura de um discurso não faz cessar o movimento das diferenças, das possibilidades de novos sentidos imprevistos. O discurso tenta produzir fechamentos da significação e o campo da discursividade sempre abre para novos sentidos imprevistos (Lopes; Macedo, 2011LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011., p. 252).

Na relação entre discurso e prática, o currículo a ensinar é uma seleção organizada de saberes a serem aprendidos, os quais, por vezes, podem regular a prática didática que se desenvolve durante o processo de ensino (Sacristán, 2013SACRISTÁN, José Gimeno. O que significa o currículo? In: SACRISTÁN, José Gimeno. (Org.) Saberes e incertezas sobre o currículo. São Paulo: Penso. 2013. p. 16-35.), refletindo, de algum modo, na prática de professores alfabetizadores, quando partícipes de programas de formação continuada, a exemplo dos supramencionados (Brasil, 2001; 2007; 2012), considerando a relação dialógica entre os discursos formativos e os saberes docentes sobre o seu fazer profissional.

Há, nessa relação dialógica da prática com o currículo [im]posto, o processo de recontextualização, como mencionado, termo cunhado por Basil Bernstein (Young, 2014YOUNG, Michael. Teoria do currículo: O que é e por que é importante. Cadernos de Pesquisa, v. 44, n. 151, p. 190-202, 2014. https://doi.org/10.1590/198053142851
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), discutido a nível internacional por Steffan Ball na recontextualização de políticas educacionais; e, no cenário nacional, por Alice Casimiro Lopes, no debate sobre políticas de currículo, renomeando por “reconfigurações” (Lopes, 2004LOPES, Alice Casimiro. Políticas Curriculares: continuidade ou mudança de rumo? Revista Brasileira de Educação, n. 26, p. 109-118, 2004. https://doi.org/10.1590/S1413-24782004000200009
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). Por vez, os currículos dos programas de formação continuada apresentam continuidades e descontinuidades sendo chamadas de bricolagem (Ball, 2001), seja no discurso oficial, seja nas práticas [curriculares]: “Nas propostas expressas em documentos oficiais, os sentidos da prática também estão expressos; na prática do cotidiano das escolas, as marcas do discurso oficial também estão inscritas” (Lopes, 2004, p. 116).

Em suma, não há programa de formação de professores nem política de alfabetização que escape a definições curriculares e, nesse encontro de vozes, dialoguem, reflitam e refratem nas e pelas práticas curriculares. Com isso, reafirma-se que os programas de formação de professores incidem diretamente nas práticas, pois “[...] o currículo torna-se, assim, essa luta política por significação, mas também pela significação do que vem a ser sociedade, justiça social, emancipação, transformação social” (Lopes; Macedo, 2011LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011., p. 253).

Trazendo ao diálogo aspectos das políticas de alfabetização dos últimos vinte anos, ressalta-se que o PROFA, criado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2001, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, com vistas a combater o fracasso escolar na alfabetização, teve sua criação e implementação justificada pela formação inadequada [falta de formação] dos professores alfabetizadores, bem como a ausência de referências qualificadas para o planejamento de propostas de qualidade que atendessem às necessidades de aprendizagem dos alunos (Brasil, 2001).

O foco conceitual e metodológico para a formação dos professores alfabetizadores apoiou-se nos postulados de Emília Ferreiro pelo viés do Construtivismo, na perspectiva da Psicogênese da Língua Escrita (Ferreiro; Teberosky, 1985), fato que passou a buscar uma via de diálogo nos currículos praticados. Desse modo, a formação no âmbito do PROFA estabelecia a relação entre teoria e prática, de modo que, na execução metodológica, era necessário que o professor partisse do diagnóstico das hipóteses das crianças sobre a língua escrita mediante a representação escrita da cadeia sonora da fala.

Em 2007, o MEC lança o Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental - Pró-letramento, assentado no discurso de busca e promoção de melhorias na qualidade do ensino e aprendizagem de leitura, escrita e matemática. Este programa se diferiu do anterior tanto pela conjuntura política do seu lançamento, ocorrido no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quanto pela ampliação teórico-metodológica da concepção de alfabetização, pondo à mesa o discurso da alfabetização atrelada ao letramento (Soares, 2020SOARES, Magda. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto, 2020.). Nesse programa, o professor depara-se com estudos e reflexões sobre o trabalho com gêneros textuais/discursivos no processo de alfabetização, considerando que codificar e decodificar a língua escrita somente deixava de lado a língua viva e seus usos sociais, portanto, sendo instigado a reconfigurar as práticas curriculares, que necessitavam, naquela conjuntura, pensar a alfabetização significativa com base nos usos sociais da língua escrita, por meio dos gêneros.

Considerado um programa exitoso devido à melhoria nas proficiências dos alunos e alunas, atestada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Pró-Letramento esteve em execução no período de 2007 a 2010, quando se procedeu à implementação do Pnaic, programa do governo da Presidente Dilma Rousseff, iniciado em 2013. Este Pacto visava priorizar a formação continuada de professores alfabetizadores atuantes nos três primeiros anos do ensino fundamental. Intencionava criar estratégias para que, ao final do 3º ano, todas as crianças estivessem alfabetizadas, aos oito anos de idade.

Em se tratando do discurso da alfabetização na idade certa, o PNAIC defendia princípios similares ao Pró-Letramento, para reforçar a alfabetização baseada no letramento e o trabalho com gêneros textuais/discursivos, e no Profa, ao considerar as contribuições da teoria construtivista. Porém, inova ao propor a discussão sobre consciência fonológica (Morais, 2019MORAIS, Arthur Gomes. Consciência fonológica na educação infantil e no ciclo de alfabetização. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.) articulada ao Letramento (Soares, 2004SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, n. 25, p. 5-17, 2004. https://www.scielo.br/j/rbedu/a/89tX3SGw5G4dNWdHRkRxrZk/?format=pdf
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) e à Psicogênese da Língua Escrita (Ferreiro; Teberosky, 1985FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Tradução Diana Myriam Lichtentein, Lina Di Marco, Mario Corso. Porto Alegre: Artmed, 1985.). O PNAIC denota, assim, a ampliação nas práticas curriculares de alfabetização, tendo em vista os modos e possíveis estratégias de se alfabetizar: cantinho de leitura, leitura deleite, jogos para desenvolver a consciência fonológica, instrumentos avaliativos para acompanhamento das aprendizagens da escrita.

Na relação dialógico-interativa, o PNAIC configurou-se em um programa de governo bricolado aos programas a ele anteriores, estendendo-se de 2013 a 2018. Ao ser finalizado, em 2019, implanta-se no país a PNA, política que rompe com o aporte teórico-metodológico-curricular vivenciado/percebidos/praticados pelos professores alfabetizadores nos três programas de formação de professores citados anteriormente.

A PNA se constituiu na materialização do proposto para os 100 primeiros dias de governo do então Presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), com a finalidade de implantar uma proposta de reação às políticas anteriores baseadas no viés do letramento. Essa política, regulamentada em abril de 2019, pelo Decreto Nº 9.765 (Brasil, 2019a), foi lançada em agosto do mesmo ano, com a publicação, no site do Ministério da Educação (MEC), do caderno, intitulado Política Nacional de Alfabetização, contendo todo o delineamento (Brasil, 2019b) que a descreve.

Em defesa do método fônico como abordagem metodológica mais adequada para alfabetizar as crianças brasileiras até o 2º ano do Ensino Fundamental, a PNA afirmava se ancorar nas mais recentes e exitosas evidências científicas para alfabetizar, propondo formação online a professores e gestores escolares por meio do Programa Tempo de Aprender (Brasil, 2020a). Este programa defendia o postulado de que se alicerçava numa perspectiva de formação de professores abrangente que objetivava enfrentar as principais causas das deficiências da alfabetização no Brasil, conforme descrito na portaria que o regulamenta (Portaria Nº 280/2019). Destinava-se à pré-escola e ao 1º e 2º anos do ensino fundamental das redes públicas municipais, estaduais e distrital.

A PNA, ao se desdobrar no Programa Tempo de Aprender e, progressivamente, no Curso Práticas de Alfabetização, vale-se do dizer de outros (sujeitos, tempos e espaços) para a construção de seu dizer. A defesa do método fônico como “caminho” mais promissor para alfabetizar as crianças brasileiras na idade adequada recruta vozes do início do século XX que avaliavam o referido método como potente para esse fim (Mortatti, 2019MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Brasil, 2091: notas sobre a “política nacional de alfabetização”. Revista Olhares, v. 7, n. 3, p. 17-51, 2019. https://doi.org/10.34024/olhares.2019.v7.9980
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). Os conteúdos formativos foram pensados e organizados por pesquisadores do Brasil, de Portugal, da Alemanha e dos Estados Unidos da América, os quais objetivavam conduzir os professores alfabetizadores a pensarem o currículo da alfabetização nos moldes da instrução fônica sistemática.

A PNA dita “novos” sentidos e significados para a alfabetização enquanto habilidade assentada no código linguístico e, consequentemente, [im]põe o currículo para o círculo alfabetizador, privilegiando os conteúdos e estratégias ancorados na instrução fônica sistemática, interditando as demais possibilidades de significação: escrita como código; alfabetização como habilidade de codificar/decodificar; método fônico; foco no ensino da relação grafema-fonema e no isolamento de fonemas.

Curso práticas de alfabetização: ditando e interditando sentidos/significados no/pelo discurso oficial

Enquanto discurso oficial do Programa Tempo de Aprender, o Curso Práticas de Alfabetização se constituiu na primeira ação formativa direcionada a professores alfabetizadores no âmbito da PNA, proposto no modelo online, com 30 horas de duração, dividido em seis módulos.

Enunciado como um programa amplo, o Tempo de Aprender previa pelo menos quatro grandes conjuntos de ações voltadas à alfabetização, que nos faz, nesta discussão, lançar o olhar especificamente para o eixo I - Formação continuada para profissionais da alfabetização, e como incide no currículo [im]posto.

O curso Práticas de Alfabetização, inicialmente, disponibilizou materiais no Sistema Online de Recursos para a Alfabetização (SORA) e, posteriormente, organizou-se em dois volumes intitulados “Práticas de Alfabetização: Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias” (Brasil, 2021a) e “Práticas de Alfabetização: Livro de Atividades” (Brasil, 2021b).

O primeiro volume [Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias] aborda as estratégias que os professores alfabetizadores deveriam executar, cujo conteúdo dita a forma de ensinar um objeto do conhecimento, de modo que “[...] os alunos aprendem, por exemplo: que uma palavra é composta por partes menores, chamadas sílabas; que cada letra expressa um som; ou, ainda, que as histórias têm começo, meio e fim” (Brasil, 2021a, p. 17). Induz-se, assim, o professor a seguir a dinâmica das estratégias [im]posta no material bibliográfico do curso, entendidas como de simples execução. Orienta-se ao professor a seguir quatro passos na consecução de cada uma das estratégias de alfabetização: 1) primeiro o professor apresenta e demonstra o conteúdo; 2) depois faz o mesmo processo junto com os alunos; 3) então, em grupo, os alunos praticam sem auxílio do professor; e, 4) por fim, é oferecida oportunidade para a prática individual (Brasil, 2021a, p. 17).

O referido curso, de caráter prescritivo, possui uma natureza engessada sobre o fazer docente-alfabetizador, pois pretende-se apenas executável, não recontextualizável, questão que, segundo a dialogia do Círculo de Bakhtin (2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.; 2017) e o Ciclo de Política de Ball (2001BALL, Stephen. Diretrizes políticas globais e relações políticas locais em Educação. Currículo sem Fronteiras, v. 1, n. 2, p. 99-116, 2001. https://www.curriculosemfronteiras.org/vol1iss2articles/ball.htm
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), é impossível. Há, portanto, o nítido reforço ideológico dos propositores nas práticas alfabetizadoras, objetivando emoldurar o fazer do professor alfabetizador.

A Figura 1 apresenta o layout de uma das estratégias formativas propostas no Curso Práticas de Alfabetização, revelando a relação que o curso buscava estabelecer entre as atividades propostas pelo material do Curso Práticas de Alfabetização e as habilidades da Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2017):

Figura 1:
Estratégia de Ensino: Reconhecimento de sons.

As estratégias propostas no curso Práticas de Alfabetização, na seção “objetivos de aprendizagem e desenvolvimento da BNCC correlatos”, iniciam com a indicação das habilidades que o aluno deverá desenvolver naquela atividade, “facilitando” o planejamento do professor e dando a noção de alinhamento com as habilidades curriculares orientadas pela referida Base. Essa, portanto, é uma ação ideológica para reforçar o discurso dado, na tentativa de ser menos recriado, quanto possível for.

“Alinhado” à BNCC, o Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias (Brasil, 2021a) retoma cada um dos módulos trabalhados no curso Práticas de Alfabetização, quais sejam: Aprendendo a ouvir, Conhecimento alfabético, Fluência em leitura oral, ampliação do Vocabulário, Compreensão de texto e Produção de escrita. Esses módulos e estratégias coincidem/dialogam com os seis componentes essenciais para a alfabetização defendidos no Caderno da PNA (Brasil, 2019b).

Os componentes acima arrolados, que integram a alfabetização proposta na PNA, resultam do que o grupo de trabalho constituído para a sua elaboração considerou como evidências científicas mais atuais, tendo por base os relatórios nacionais e internacionais que propõem cinco componentes: consciência fonêmica, instrução fônica sistemática, fluência em leitura oral, desenvolvimento de vocabulário e compreensão de textos, sendo, pois, palavra dada (Bakhtin, 2017BAKHTIN, Mikhail. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. São Paulo: Ed. 34, 2017.) por países outros que, no Brasil, tornaram-se palavras criadas. Nesse sentido, ao tomar a palavra de outrem, os propositores da PNA lançam mão do discurso de evidências científicas mais recentes para introduzir o sexto componente [produção de escrita] que robustece a proposta, nesse processo de recontextualização dialógica.

A relação entre os módulos do Curso Práticas de Alfabetização e, consequentemente, do Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias (Brasil, 2021a) com os componentes essenciais para alfabetização da PNA (Brasil, 2019b) segue a ordem (módulo/componente): Aprendendo a ouvir/Consciência fonêmica; Conhecimento alfabético/Instrução fonêmica sistemática; Fluência/Fluência em leitura oral; Vocabulário/Vocabulário; Compreensão/Compreensão de textos; e Produção de escrita/Produção de escrita.

O primeiro módulo, atrelado ao primeiro componente essencial para alfabetização [aprendendo a ouvir/consciência fonêmica] posto pela PNA, orienta o professor alfabetizador a trabalhar: o reconhecimento de som; a consciência de palavras, sílabas, aliterações e rimas; o isolamento; a síntese; e a segmentação de sons. O curso/livro Práticas de Alfabetização defende que:

“Aprendendo a Ouvir” refere-se a uma das habilidades mais fundamentais para a alfabetização das crianças. Quando lemos, resgatamos um episódio de fala, com suas sonoridades, pausas e expressões. As pesquisas da ciência da leitura mostram que entender a sílaba, a palavra e seus sons é um acelerador da aprendizagem da leitura e da escrita (Brasil, 2021a, p. 16).

De acordo com a necessidade de, na alfabetização, o aluno/a ser posto explicitamente à relação letra/som, e compreender essa relação como posto acima, há conflito com os sentidos que se dão ou se escamoteiam, sobretudo no discurso da PNA. Logo, a alfabetização tornou-se um conceito em disputa, na PNA, dados os horizontes valorativos que, oficialmente, a subjazem. Isso porque, neste módulo, são propostas atividades de isolamento de fonemas, como se este fosse um fator preponderante e decisivo para a efetivação da alfabetização das crianças, quando, na verdade, trata-se de mais um recurso discursivo-ideológico defendido no âmbito de valoração da PNA.

É nesse viés que Morais (2019MORAIS, Arthur Gomes. Consciência fonológica na educação infantil e no ciclo de alfabetização. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.) aponta que a consciência fonêmica, a qual integra a consciência fonológica, não compõe um saber necessariamente construído por crianças com alfabetização consolidada. Cientificamente, Morais (2019) defende que, das tarefas de consciência fonológica apresentadas às crianças, as que tiveram menos êxito foram efetivamente as de contagem de fonemas e segmentação oral de palavras em fonemas. Em outras palavras, a consciência fonêmica não constitui habilidade de extrema relevância para que as crianças se alfabetizem. Contudo, não se nega a importância de trabalhar essas habilidades no ciclo de alfabetização, porém não corresponde um “componente essencial” para a alfabetização.

No segundo módulo, relacionado ao segundo componente essencial para a alfabetização da/na PNA [conhecimento alfabético/instrução fonêmica sistemática], o trabalho proposto gira em torno do conhecimento alfabético visando à leitura de qualquer palavra em português, inclusive, pseudopalavras. Para isso, indica as oficinas prontas a serem executadas pelos professores alfabetizadores sobre a nomeação de letras, a relação letra-som, as regras de ortografia, além da leitura de palavras/frases e criação de palavras/pseudopalavras. Dentre possíveis questionamentos a essa proposta, a inserção das pseudospalavras no processo de alfabetização, distanciando-se da relação entre aprendizado da escrita e seu uso nas práticas sociais, embora estudiosos de outras perspectivas sobre o ensino e a aprendizagem da escrita o considerem relevante.

Nesse módulo, é defendido que, na promoção da instrução fônica sistemática, quando “[...] as crianças já souberem que as palavras são compostas por sons e aprenderem a manipulá-los, o próximo passo para a alfabetização é conhecer as relações entre sons e letras” (Brasil, 2021a, p. 71), o que as fazem percebê-las nas palavras e pseudopalavras. É advertido ao professor alfabetizador: “Para verificar se seus alunos estão decodificando, e não apenas adivinhando, você pode apresentar-lhes pseudopalavras, isto é, palavras pronunciáveis em português, mas sem significado, como ‘mepo’ ou ‘firte’” (Brasil, 2021a, p. 92). Atividades desse tipo, porém, pode levar o aluno a perceber a escrita da escola diferente da escrita da vida, das práticas sociais. No módulo três [Fluência/Fluência em leitura oral] do Curso/Livro Práticas de Alfabetização, aborda-se a Fluência em leitura oral a partir dos indicativos: leitura de texto com expressão clara, leitura compartilhada, leitura com parceiro e leitura individual. A fluência em leitura oral é definida, no Curso/Livro Práticas de Alfabetização (Brasil, 2021a, p. 110), como “[...] a habilidade de ler um texto com velocidade, precisão e prosódia. A velocidade na leitura significa reconhecer as palavras rapidamente. A precisão consiste em decodificar corretamente as palavras. E a prosódia refere-se à entonação adequada”.

É necessário, todavia, questionar quais textos/gêneros estão sendo privilegiados pelos propositores da PNA, quando do trabalho com fluência em leitura. Há a presença de gêneros discursivos ou indica-se apenas a leitura de historietas? Há gêneros ou prevalece a leitura de palavras e/ou frases descontextualizadas? A resposta pode ser sim e não, pois a proposta foca na palavra e na frase isolada, sobretudo, mas também propõe alguns textos para o desenvolvimento da fluência em leitura oral.

A limitação de sugestões de trabalhos com os gêneros do discurso propostos chama a atenção, pois há a proposta de leitura de poemas, historietas, carta e de texto narrativo pessoal. Prevalecem os gêneros poema e as historietas, podendo ser constatados no anexo do Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias” (Brasil, 2021a) que, para cada letra do alfabeto e cada lição sobre a ortografia da língua, são encaminhados um poema e uma historieta, conforme podemos observar na Figura 2 a proposta para a apresentação e memorização das letras “A” e “Z”:

Figura 2:
Textos para alfabetizar propostos no Curso Práticas de Alfabetização.

Os gêneros do discurso supracitados, posto na/pela PNA, revelam uma aproximação com as proposições de textos indicados nas antigas cartilhas, sobretudo, quando observado o layout das atividades. Ainda que a organização dessas lições, no anexo do curso/livro, fuja da linearidade do alfabeto, obedecendo à relação de proximidade sonora entre os fonemas representados pelas letras do alfabeto. Nesse sentido, a ausência de textos reais que se relacionem com as práticas sociais vividas pelos alfabetizandos, reforça a concepção de alfabetização defenda pela política, em que pese o apagamento do termo letramento: uso da escrita nas práticas sociais.

O módulo quatro [vocabulário] apresenta estratégias que vão do detalhamento e completude de frases à identificação de categorias analíticas a partir das referidas frases, o estudo de vocabulário e a utilização de contexto para compreender palavras, conforme posto no documento:

[...] o vocabulário refere-se ao conjunto de palavras que conhecemos e que utilizamos para nos comunicar. Para uma comunicação eficaz, é preciso desenvolver um bom vocabulário. [...] Portanto, um estímulo eficiente para ampliar o vocabulário é repetir as palavras novas, utilizá-las em contextos diferentes e relacioná-las a outras já conhecidas (Brasil, 2021a, p. 137, grifo nosso).

O desenvolvimento de vocabulário proposto é relevante de modo a ser considerado no processo de alfabetização, pois a criança, ao conhecer novas palavras/vocábulos de sua língua materna, expande seu horizonte valorativo, a partir de novos signos ideológicos, e, portanto, expande a compreensão sobre o lido/ouvido/praticado.

O conceito de gênero discursivo/texto como uma manifestação linguística com intencionalidade e endereçamento, situada num tempo e num espaço (cronotopo), por um sujeito ativo e responsivo, num contexto é, efetivamente, a conjuntura que rodeia (reflete e refrata) a eventicidade discursiva. O contexto da produção do discurso, portanto, vai além de mudança de estrutura (frase/enunciado), conforme posto no Curso Práticas de Alfabetização. Neste, a proposta de utilização de poucos eventos discursivos para a ampliação do vocabulário das crianças em processo de alfabetização se limita a troca de palavras homônimas dentro de uma frase: “Esta estratégia serve-se do contexto para ampliar o vocabulário. Para isso, utilizamos os homônimos [...]. Os homônimos são entendidos somente a partir de um contexto, sem o qual o ouvinte não saberá do que se trata” (Brasil, 2021a, p. 170).

O módulo cinco [compreensão/compreensão de textos] privilegia a compreensão textual. Para tanto, dispõe de estratégias voltadas ao reconto de história e expressão oral, à identificação de elementos da história e da ideia principal, bem como perguntas sobre o texto, alegando que “[...] as evidências científicas mais fortes [...] mostram que fazer perguntas aos estudantes durante a leitura é efetivo. É importante também que os alunos perguntem a si mesmos sobre o texto e pensem a respeito” (Brasil, 2021a, p. 177).

Além disso, propõe identificação de gêneros textuais/discursivos e de detalhes sobre os textos lidos/ouvidos. O curso/livro indica que “[...] a compreensão é o objetivo final da leitura. Envolve extrair os significados, identificar as mensagens implícitas e explícitas, conhecer a intenção do autor e relacionar o texto às informações já conhecida” (Brasil, 2021a, p. 177). Na continuidade, na orientação ao professor alfabetizador, prescreve:

É importante o contato cotidiano com a escrita. Por isso, trabalhar com avisos, convites, poemas, receitas, bilhetes, cartas, entre outros, é interessante para que as crianças se familiarizem com os textos que as cercam, de modo que elas se engajem também nos estudos. Em outras palavras, seus alunos devem ter contato com diferentes gêneros textuais. Mais relacionados com a forma do que com o conteúdo, os gêneros vão auxiliar os estudantes a identificar as estruturas dos textos (Brasil, 2021a, p. 177, grifo nosso).

A maneira pela qual a PNA (não) trata os gêneros textuais/discursivos difere daquela posta pela teoria discursiva da linguagem em que tais gêneros são concebidos como “[...] tipos relativamente estáveis de enunciados” (Bakhtin, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011., p. 262). Por isso, ao tomar a forma textual como característica principal de um gênero textual/discursivo e focar tão somente para a sua estrutura composicional, conforme visto no fragmento discursivo supramencionado do Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias (Brasil, 2021a), desconsidera-se a multiformidade que os gêneros discursivos assumem na complexa arena discursivo-social. Portanto, a oficina/estratégia proposta aos professores alfabetizadores, no campo da compreensão de texto, ao focar na identificação de gêneros discursivos e privilegiar a carta pessoal, incorre-se em dois reducionismos: o primeiro aborda um gênero discursivo sem sentido para as crianças da atualidade, visto que a carta pessoal é um gênero discursivo obsoleto, tendo se transmutado ao e-mail; o segundo, o reforço dado à estrutura composicional do que ao conteúdo/temático, desconsidera a essência das relações discursivas da linguagem e os propósitos comunicativos, dada a interdiscursividade.

O Curso Práticas de Alfabetização reforça que “[...] o conteúdo não basta para compreender um texto [...], é preciso, também, conhecer a forma” (Brasil, 2021a, p. 208). Contudo, compreende-se que apropriar-se da forma composicional dos textos importa, mas não é o essencial no trabalho com gênero discursivo. Nessa direção, a riqueza e a diversidade com que os gêneros dos discursos se fundam são infinitas

[...] porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica em um determinado campo” (Bakhtin, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011., p. 262).

No módulo seis [produção de escrita], o Curso/Livro Práticas de Alfabetização lança mão das estratégias a serem executadas pelos professores: escrita emergente, escrita de letras, escrita da palavra, ditado de palavras, escrita compartilhada, oficina do escritor e escrita independente. A orientação sintética dessas estratégias parte do elemento menor (escrita de letra) para o maior (produção de texto/historieta na escrita independente). As reflexões referentes a esse módulo dialogam com aquelas feitas sobre os módulos anteriores, considerando a discussão sobre gêneros discursivos e a produção de escrita de forma mecânica e descontextualizada.

Em toda a literatura que fundamenta a PNA não se faz menção à produção de gêneros textual/discursivos das esferas de circulação das crianças em alfabetização. Em seu lugar, utiliza-se o termo produção de escrita, pouco abrangente e tanto limitador, pois a escrita por si, pode inclusive representar sentenças discursivas sem sentido nos eventos discursivos em que as crianças estão a ser alfabetizadas. Em outras palavras, o termo “produção de escrita” também atenta para escrita de palavras e frases, somente.

Há, portanto, a defesa na PNA da escrita como código, em termos estruturalistas da língua:

Escrever, inicialmente, significa transitar entre o código oral - dos fonemas - e o escrito - dos grafemas. Neste capítulo, trabalharemos a escrita emergente, a escrita propriamente dita e a redação. Essa última habilidade, mais avançada, exige a capacidade de reunir ideias, estruturar textos e escolher palavras (Brasil, 2021, p. 227).

Ou seja, a língua escrita é tida como uma atividade linear e escolar assentada no código. Porém, em torno da língua como código, há pesquisas e discussões que desmistificam esse conceito estruturalista, tendo em vista a alfabetização na perspectiva sociointeracionista (Morais, 2014; Soares, 2020SOARES, Magda. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto, 2020.), as quais atentam para o termo Sistema Notacional em detrimento de Código Linguístico. Este [o código] tem sido presente no discurso de pesquisadores, sobretudo linguistas.

Os autores salientam que código, codificar e decodificar são termos inadequados em se tratando de língua e alfabetização na perspectiva do alfaletrar, visto que a língua não é um código e alfabetizar-se tampouco é apenas codificar ou decodificar a língua oral e escrita, pois o indivíduo precisa ter, nesse processo, um mínimo de conhecimento letrado para atuar nas práticas sociais mediadas pela escrita, ou seja, o sujeito social aprende a língua escrita ao passo em que vivencia e a utiliza socialmente. Há controvérsias no entendimento de que o sujeito aprende a língua para depois aprender com a língua, como posto na/pela PNA.

Para Prats e Martins Filho (2022PRATS, Edla Ebele; MARTINS FILHO, Lourival José. A (im)pertinência político-pedagógica do conceito de alfabetização expresso na atual Política Nacional de Alfabetização: reflexões à luz de Paulo Freire. Revista Cocar, v. 16, n. 34, 2022. https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/5232
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), a PNA, ao ignorar os conhecimentos prévios do educando sobre a língua escrita, defende uma visão adultocêntrica e associacionista de aprendizagem. Nesse sentido, “[...] explicita uma organização da alfabetização que parte do supostamente mais simples para estágios mais complexos, o que desconsidera o alfabetizando em seus interesses, bem como reafirma uma lógica bancária de educação em que cabe ao adulto transmitir o conhecimento” (Prats; Martins Filho, 2022, p. 8) de um currículo estanque e engessado.

Reforça-se essa constatação na sequência com as propostas completares na obra “Práticas de Alfabetização: Livro de Atividades” (Brasil, 2021b). Esta organiza cada atividade referente às estratégias da seguinte maneira: apresenta os objetivos, lista os materiais a serem utilizados, elenca ideias para contextualização, descreve a atividade, indica possíveis “adaptações” e, no anexo, elenca sons a serem trabalhados, num script bem definido, como posto na Figura 3:

Figura 3:
Atividade sobre a Estratégia de Ensino Aprendendo a Ouvir.

Propostas de atividades, conforme a supramencionada, interditam o poder de agência docente, buscando dificultar as ações de recontextualização pelos professores alfabetizadores, conforme pretendia a PNA. Porém, na prática, as relações dialógicas fazem com que os professores alfabetizadores recontextualizem o (im)posto, na consecução curricular. Sobre as implicações que subjazem a PNA, Almeida e Piatti (2021ALMEIDA, Fabiana Inês; PIATTI, Célia Beatriz. Política Nacional de Alfabetização (PNA): implicações na formação do professor dos anos iniciais do ensino fundamental. Revista Educação e Políticas em Debate, v. 10, n. 2, p. 634-650, 2021. https://seer.ufu.br/index.php/revistaeducaopoliticas/article/view/60179
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) observam o ocultismo dos protagonistas do processo de alfabetização, que são professores e alunos/as, em detrimento de uma ideologia posta em evidência.

Considerações finais

Intencionando analisar a relação entre a formação continuada no âmbito da Política Nacional de Alfabetização - PNA com o currículo [im]posto, pensando os diálogos [inter]ditados emolduradores de tantos outros discursos que ultrapassam a pretensão da palavra una/única, esta materialidade analisou, discursivamente, o Curso Práticas de Alfabetização, da PNA, lançando o olhar para as materialidades discursivas “Práticas de Alfabetização: Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias” (Brasil, 2021a) e “Práticas de Alfabetização: Livro de Atividades” (Brasil, 2021b).

Para tanto, toma-se os conceitos de horizonte valorativo, que caracteriza a visão de mundo, bem como os limites exotópicos do sujeito ativo-responsivo; e palavra alheia, no sentido da palavra dada por outrem e quando tomada para si, pelo eu, torna-se palavra própria-alheia no movimento de criação, recriação dos enunciados vivos, que dialoga com o que nomeia-se por recontextualização no campo das políticas educacionais, de formação de professores e de alfabetização.

Dentro desta seara, as relações dialógicas, na PNA, entre o currículo [im]posto e a política de formação do professor alfabetizador, os rompimentos, os silencimentos, os empréstimos e contiguidades atravessam os currículos de alfabetização, possibilitando mudanças e/ou permanências. No caso da PNA, pretende-se imposta, sob o discurso de alinhamento à BNCC e simples/fácil execução, como se constata nas prescrições das obras “Práticas de Alfabetização: Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias” (Brasil, 2021a) e “Práticas de Alfabetização: Livro de Atividades” (Brasil, 2021b), que, em tese, visa ao engessamento da prática docente.

As análises das obras “Práticas de Alfabetização: Livro do Professor Alfabetizador - Estratégias” (Brasil, 2021a) e “Práticas de Alfabetização: Livro de Atividades” (Brasil, 2021b) levam-nos a concluir que, embora esse cenário de retrocesso nos discursos, métodos e currículo de alfabetização possam refletir nas práticas curriculares dos professores alfabetizadores, estes, ao dialogarem com os signos ideológicos que integram a PNA na defesa do discurso de inovação, de evidências científicas e de eficácia no que tange à instrução fônica sistemática e prescrição curricular, podem reconfigurá-los nos moldes da palavra criada, palavra próprio-alheia.

No entanto, na tentativa discursivo-ideológica de ditar um discurso, interditando outros, a PNA, portanto, dita os “novos” sentidos e significados para a alfabetização enquanto habilidade assentada no código linguístico e, consequentemente, [im]põe o currículo para o círculo alfabetizador, privilegiando os conteúdos e estratégias ancorados na instrução fônica sistemática. Para tanto, interdita os sentidos e significados da alfabetização assentada no viés sociocultural, silenciando o letramento pela violência da palavra. O curso Práticas de Alfabetização é mais que indicativo de que o discurso, enquanto voz de autoridade, pode atravessar o currículo oficial da alfabetização e refletir nos discursos e práticas dos professores alfabetizadores, mesmo no seio do processo de recontextualização.

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Disponibilidade de dados

Dados estão disponíveis no site do Ministério da Educação (MEC) (https://alfabetizacao.mec.gov.br/images/pdf/livro-do-professor_03_09.pdf , ISBN: 978-65-87026-99-2 / https://alfabetizacao.mec.gov.br/images/pdf/livro-de-atividades.pdf )

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2023
  • Aceito
    07 Maio 2024
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