Open-access Vulnerabilidade educacional e as infâncias: enlaces com a rua em aproximação com a escola

RESUMO

O artigo tem como objetivo discutir a questão da vulnerabilidade, ampliando seus horizontes e tocando na vulnerabilidade educacional com foco nas infâncias na rua. É importante entender que vulnerabilidade educacional é um fator a ser considerado nesse cenário de proteção e de garantias de direitos, onde os pensamentos e as práticas ainda permanecem colonizadoras. Para esta discussão, é necessário se aproximar das dinâmicas da criança e do adolescente em situação de rua no contexto urbano, sob a perspectiva da politização da infância. As problematizações deste artigo, advindas da extensão universitária e da pesquisa-ação no contexto das praças públicas de Niterói, em articulação com a práxis dos e das trabalhadoras sociais, vêm para contribuir com outras práticas de pesquisa que destapem os ouvidos para escutar as vozes que emergem das ruas, buscando entender o espaço como instrumental de infâncias reais dentro de ocupações urbanas, casarões abandonados, abrigadas em barracas e que brincam e produzem vida nas ruas das cidades em que ocupam. As relações entre a formação docente, a escola e a rua precisam, urgentemente, de outros olhares e práticas, constituindo, assim, a infância como sujeitos políticos. Alertamos que todas as transformações ocorrem por meio e através do corpo. Olhar atentamente para esses corpos que vivem nas ruas pode dar pistas sobre formas de acolhimento e práticas pedagógicas que reduzam as vulnerabilidades, dentre elas, a educacional.

Palavras-chave: Vulnerabilidade; Vulnerabilidade Educacional; Crianças e Adolescentes em Situação de Rua; Educação

ABSTRACT

The article aims to discuss the issue of vulnerability, broadening its horizons and touching on educational vulnerability with a focus on childhood on the streets. It’s important to understand that educational vulnerability is a factor to be considered in this scenario of protection and guarantees of rights, where thoughts and practices still remain colonizing. For this discussion, it’s necessary to approach the dynamics of children and adolescent living on the streets in the urban context, from the perspective of the politicization of childhood. The problematizations of this article, arising from university extension and action research in the context of Niterói’s public squares in conjunction with the praxis of social workers, come to contribute to other research practices that open the ears to listen to the voices that emerge from the streets, seeking to understand space as an instrument of real childhoods - within urban occupations, abandoned mansions, sheltered in tents and that play and produce life in the streets of the cities in which they occupy. The relations between teacher training, the school and the street urgently need other perspectives and practices, thus constituting childhood as political subjects. We warn that all transformations occur through and through the body. Looking closely at these bodies living on the streets can provide clues about forms of reception and pedagogical practices that reduce vulnerabilities, including education.

Keywords: Vulnerabilities; Educational Vulnerability; Street Children and Adolescents; Education

Introdução

Para inaugurarmos nossa falação nos aliando ao modo dialógico freiriano de interagir, produzir e compartilhar saberes, e às considerações de Ayres (2014), assumimos haver uma multiplicidade de sentidos e de usos políticos para a categoria analítica das vulnerabilidades. Aqui, a proposta é de nos debruçarmos pontualmente sobre alguns desses significados, a partir das articulações que se façam possíveis de serem feitas para adentrar no campo temático dos processos de vulnerabilização no ensino-aprendizagem e/ou da vulnerabilidade educacional.

Dito isso, observamos uma tendência de se utilizar o termo ‘vulnerabilidade social’ no campo das políticas públicas voltadas para populações que se encontram em situação de pobreza, marginalização ou exclusão social. Mas quem são essas populações reconhecidas como vulneráveis? Por que, quem e para que são assim classificadas? Neste artigo, realizaremos uma discussão acerca do que pode ser considerado vulnerabilidade, com ênfase no campo das infâncias em situação de rua (não excluindo suas famílias, desde os bebês).

A literatura especializada sobre o tema das vulnerabilidades (Castel, 1998; Ayres, 2014; Costa et al., 2018) afirma que os sujeitos em situação de vulnerabilidade são aqueles que possuem uma cidadania fragilizada, isto é, não têm seus direitos básicos garantidos e por isso são o grupo social mais suscetível a sofrer prejuízos, que vai da ordem existencial à moral (danos em razão da sua cidadania fragilizada). Aqui apontamos que a natureza da vulnerabilidade não se encontra nos indivíduos, como uma espécie de “destino inalienável”. Isso quer dizer que a apresentação de condições sociais de existência favoráveis ao exercício pleno de sua cidadania1 (ou fortalecimento de sua cidadania) pode permitir a esses sujeitos a superação da situação de vulnerabilidade em que se encontram (São Paulo, 2021).

Nesse sentido, no campo das políticas públicas, a discussão sobre a vulnerabilidade social precisa extrapolar a análise da pobreza relacionada à questão de renda. Ayres e colaboradores (2003) apontam três dimensões para abordagem da mesma: a individual, a social, e a programática. Sendo assim, ao se pensar e atuar sobre tais dimensões, ficam circunscritos os interesses (individuais); as relações de gênero, classe social, gerações (sociais) e a definição de políticas específicas, recursos humanos e materiais (programática).

Ao redimensionarmos a vulnerabilidade enquanto categoria de análise, faz-se necessário ainda considerarmos o contexto atual brasileiro, em relação ao cenário político, já que, em decorrência dos discursos ideológicos, morais e de valores, existem grupos que sofrem outros processos vulnerabilizantes, como a população LGBTQIA+2; os povos indígenas; os quilombolas; os imigrantes, entre outros. Estes discursos e condutas encorajam atitudes de violência no cotidiano das cidades, aumentando a vulnerabilidade dessas populações.

No campo dos estudos sociológicos da infância, um resgate histórico aponta para uma continuidade em relação ao tratamento dado à questão, ou seja, a vulnerabilidade e o risco sempre caminharam na mesma direção, autorizando uma série de intervenções (inclusive no âmbito jurídico). A constituição e a validação das categorias bebês, crianças e adolescentes como sujeitos de direitos passam por uma história de muito controle, discursos e práticas, perpassando o Código de Menores (1927) até o movimento de luta social pela implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). O Código de Menores utilizava a noção de “proteção” aliada ao de educação e tinha como lógica a punição de pobres.

A ideia ainda é muito presente nos imaginários sociais, inclusive daqueles que atuam nas políticas públicas de saúde, assistência social e educação no Brasil. A escola é tida como um espaço de proteção e transformação social, como veremos mais adiante. Por ora, é importante entender que vulnerabilidade educacional é um fator a ser considerado nesse cenário de proteção e de garantias de direitos.

Assim, para avançarmos nas discussões aqui pretendidas, precisamos sempre ter no horizonte os fatores históricos e sociais colonizadores que compõem a lógica punitiva da infância e das famílias pobres brasileiras e não obliterar dos sentidos e das mediações produzidas e reproduzidas nos dias de hoje. Corroborando a discussão sobre o campo dos Direitos Humanos e a educação, Schilling (2015) coloca que o direito à educação é um campo de luta, em que há disputas permanentes por sentido e orienta a buscar esclarecimento por meio da compreensão dos dilemas contemporâneos. Para contribuir com tal proposição, incluímos nesses dilemas a ocupação do espaço público, a disputa pelo espaço e pelo urbano (categorias importantes nas reflexões de Lefebvre) e a desigualdade social brasileira sob o sistema capitalista.

De forma geral, Lefebvre considera que a infância está presente nas ruas das cidades, brincando, colorindo e reivindicando sua existência nos centros urbanos (Lefebvre, 2001). Ele nos diz também que a cidade é obra, no sentido de obra de arte, e não como um resultado simples de produto material, composto por mercados, praças etc. A cidade é, portanto, uma mediação entre as diversas outras mediações (realidade prático-sensível). A produção das infâncias desiguais e das vulnerabilidades e a cidade estão em completa mediação, basta observar os detalhes sócio-históricos carregados de sentido e significado. “[...] O capitalismo se manteve pela conquista e integração do espaço. O espaço deixou, há muito tempo de ser um meio geográfico passivo ou um meio geométrico vazio. Ele tornou-se instrumental3” (Lefebvre, 2008, p. 153).

Diante de algumas experiências de extensão universitária, contempladas no âmbito de uma pesquisa-ação4, orientada e implementada pelos princípios da Educação e da Extensão Popular (Thiollent, 1986), conduziremos o texto com recortes, imagens e desenhos, junto a reflexões sobre o modo de vida da infância na rua, a fim de provocar e sensibilizar o setor da educação para que amplie sua compreensão sobre a rua como espaço possível de formação e de aprendizado, principalmente daquelas e daqueles que habitam este espaço.

Desse modo, esperamos contribuir para práticas de ensino, pesquisa e extensão que destapem os ouvidos para escutar as vozes e reconhecer os saberes que emergem das ruas, buscando entender o espaço como instrumental de infâncias reais dentro de ocupações urbanas, casarões abandonados, abrigadas em barracas e que brincam e produzem vida nas ruas das cidades em que ocupam.

Percurso metodológico da práxis capitaneada pesquisa-ação: antecedentes e contextualização

Temos como questões inaugurais da proposta político-pedagógica que norteia nossa práxis, como: qual o papel da universidade, enquanto instituição social pública, diante das injustiças sociais e desigualdades estruturais presentes na sociedade brasileira, e em especial quando vivenciadas por meninas e meninos que vivem processos vulnerabilizantes históricos em nosso país? Como garantir a inserção científica da produção acadêmica como um trabalho social, de modo que seja potencializada a práxis de docentes e estudantes comprometidos com a transformação social? (Cruz, 2017).

Sendo assim, pelo entendimento que entre a afirmação da defesa da garantia de direitos, os marcos legais e as ofertas de serviços voltados à proteção social de crianças e adolescentes estão situados alunas e alunos, docentes e profissionais de diferentes áreas de formação, nasce, em 2017, na cidade de Niterói (RJ), o projeto de extensão “Crianças e adolescentes em situação de rua e acolhimento institucional: construindo estratégias de territorialização afetiva”. Ademais, buscamos desenvolver atividades de sensibilização, por meio de oficinas e outras atividades lúdico-participativas em praças, abrigos, entre outros locais frequentados pelas crianças, ações que colaborem para a construção de vínculos entre elas e seus cuidadores/educadores. Desde o planejamento até a implementação e avaliação, são priorizadas atividades participativas, reconhecendo-se e potencializando-se saberes e práticas de todas e todos, sejam as crianças - entendidas aqui como “sujeitos ativos” -, sejam jovens, sejam pessoas adultas. Tratando da população infanto-juvenil, a ludicidade é priorizada e transversalizada nas atividades (Mitre, 2006).

Ao analisarmos seu percurso histórico, destaca-se, entre seus principais desdobramentos, uma ação extensionista mensal realizada em praça pública, nominada inicialmente como “Ocupa Praça”, intervenção planejada e executada em conjunto com a Equipe de Referência Infantojuvenil para Ações de Atenção ao Uso de Álcool e outras Drogas (ERIJAD) e o Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), entre outros parceiros. Ocupar a praça tem sido um ato de quebra da cadência da invisibilidade daquelas e daqueles que ali habitam, além da retomada da acepção original de uma praça: um lugar de encontros, de afeto e mistura. Nossa aposta metodológica para a construção deste espaço é a escuta atenta, o corpo disposto para o encontro, o diálogo, o desenho, a capoeira, a música, as oficinas e a partilha de roupas disponíveis para doação, bolo, pipoca, água, suco, e tudo o que mais for possível e pudermos criar juntas e juntos.

Entre os anos de 2020 e 2022, o reconhecimento do projeto pelas autoridades municipais culminou com a aprovação do projeto de pesquisa-ação (PA) “Niterói - uma cidade inteira para todas crianças, adolescentes e jovens5”. A partir do campo das Ciências Sociais, a PA é considerada como uma estratégia metodológica da pesquisa social aplicada, que se associa a variadas formas de ação coletiva, orientadas em prol da resolução de um problema de modo ativo e participativo, agregando, para tal, diversas técnicas em seus diferentes momentos ou processos de investigação, como de “coletar e interpretar dados, resolver problemas, organizar ações, etc.” (Thiollent, 1986, p.25). Assim, além da continuidade às ações extensionistas, a pesquisa-ação objetivou produzir um amplo diagnóstico situacional sobre as políticas públicas municipais para a população infantojuvenil; desenvolver estratégias de formação de trabalhadores sociais que atuam no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, e ampliar as ações extensionistas de incidência política e produção de acesso nos territórios por meio do Ocupa Praça: ocupa, cuida e brinca e apoio a uma ampla campanha municipal (Berger et al., 2021).

Assim, por meio de um programa ampliado em frentes de investigação e extensão universitária, articuladas processualmente via estratégia metodológica da PA e princípios éticos, políticos e pedagógicos da Educação Popular e da Extensão Universitária, seguimos buscando enfrentar o agravamento dos processos vulnerabilizantes, ocupando lugares de grande circulação e reconhecimento de crianças, adolescentes e jovens que têm os espaços públicos como locais de vida, afeto e moradia, acreditando no território por eles usado, ou seja, “todo complexo onde se tece uma trama de relações complementares e conflitantes” (Santos, 2000, p. 12), como alternativa de educação e cuidado afetivos, participativos e democráticos. Ocupando praças, corações e mentes, tem sido possível construir outros modos de ver, ouvir, sentir e interagir com esses atores enquanto crianças e adolescentes que são!

Após mais de seis anos de pesquisa e atuação, temos um acúmulo de saberes e práticas constituídas junto e com esses corpos. Para compartilharmos algumas reflexões advindas dessa potente experiência, optamos por desenvolver o texto a partir de dois grandes eixos temáticos: a) A infância na rua e a relação com a vulnerabilidade educacional e b) Corpos brincantes na rua: da resistência à criação. Esperamos que a proposta de narrativa textual e imagética possa convidar as professoras e os professores que buscam se deslocar de seus lugares a uma práxis mais política, situada nas infâncias reais com as quais nos relacionamos hoje.

A infância na rua e a relação com a vulnerabilidade educacional

Considerando a discussão das múltiplas dimensões da vulnerabilidade, aprofundaremos aqui a vulnerabilidade educacional. A Secretaria Municipal de educação de São Paulo publicou, em 2021, um documento com a seguinte definição de vulnerabilidade educacional:

[...] um conjunto de situações que fragilizam, interferem ou impedem as aprendizagens de bebês, crianças e adolescentes em razão do não atendimento de suas necessidades educacionais, fazendo com que estes sujeitos não tenham seu direito de desenvolvimento contemplado de forma digna e plena, uma vez que a educação é direito humano público, subjetivo, inalienável e universal (São Paulo, 2021, p. 11).

Dentre o conjunto de situações acima apontadas, viemos destacar a violação de direitos, como o não direito à moradia, liberdade, respeito e dignidade, que deflagram e denunciam que tais direitos também precisam ser efetivados e entendidos como necessidades educacionais.

Milton Santos (2009), nessa mesma linha de raciocínio, questiona o lugar atribuído à educação para a resolução da pobreza. Apenas o acesso a esse direito não garante que suas necessidades educacionais sejam sanadas, inclusive porque não se ouve essas crianças. Ele ainda destaca que não se pode pensar em crescimento em desacordo às transformações estruturais como uma condição prévia. Porém, o que vivemos no Brasil é o antagonismo desta proposta, aqui surgem discursos que defendem o progresso, principalmente o econômico, em detrimento do fortalecimento dos direitos sociais.

De fato, a vulnerabilidade educacional ainda é um tema pouco aprofundado nas pesquisas. Sendo assim, optamos por fazer um recorte para debatê-la, aliada aos sujeitos considerados “invisíveis”, infâncias reais em situação de rua, que ora despertam o sentimento de pena, e ora de indignação e perigo pelas cidades.

Qual o papel da escola nesse contexto? A solicitação por escola vem no sentido de assegurar um direito enquanto serviço de proteção social ou como forma de institucionalizar o corpo infantil para tirá-lo do espaço público e minimizar os reflexos da constituição do povo brasileiro, marcado por suas diferenças raciais e pela desigualdade social? A condução da criança da rua para a instituição escola é extremamente simplista como solução de qualquer que seja o problema identificado. Este assunto está longe de ser simples. O campo educacional não deveria estar “fora” da realidade de vida destas crianças, porém, as políticas públicas educacionais não as incluem, ao contrário, promovem, muitas vezes, a primeira exclusão (Cavalari Neto et al., 2019).

Na imagem 1, podemos perceber um grupo de alunos com instrumentos musicais na Escola Juvenil Tia Ciata. Esta escola foi uma experiência, no Rio de Janeiro, que ocorreu na década de 1980, com crianças e adolescentes que viviam em situação de rua. Colocamos o seguinte trecho que explica melhor sua proposta:

[...] apesar de ter tido pouco mais de 5 anos de duração, acabou servindo para demonstrar a falácia e o preconceito desse rótulo, ao viabilizar a escolaridade dos invencíveis. De fato, a instituição-escola só virá a educar os “vadios”, a “marginália”, os negros, quando deixá-los se apropriarem desse espaço, tornando-os centro do processo e donos de sua própria aprendizagem (Leite, 1991, p. 23).

Imagem 1:
Alunos na Escola de Educação Juvenil Tia Ciata-Rio de Janeiro

Trazemos a experiência da Escola Tia Ciata para a cena como um exemplo onde se ouvia, de forma humanizada e transformadora, aquelas e aqueles estudantes, onde as crianças e adolescentes podiam falar por si, possibilitando a contação de sua própria história a partir do seu ponto de vista. Porém, infelizmente, na realidade educacional de hoje, o poder de decisão sobre a qualidade e o tipo de educação não está sob o controle desta população. Não enxergamos uma participação ativa e democrática das crianças nos espaços educacionais. A lógica educacional e sua matriz ideológica são estabelecidas pelas necessidades de produção, de maneira oposta à libertação.

A politização da infância, conforme defende Castro (2008), parte de constatações de uma sociedade na perspectiva societária que agencia o campo da infância e adolescência pela representação das vozes por adultos. Em seu texto, a autora reflete sobre a questão da representatividade nos espaços de poder, como nas conferências e nos espaços educacionais, e problematiza que a infância e a adolescência não tinham/têm voz política nas instâncias legitimadas do jogo político. Esta representação forjada por uma identificação será sempre insuficiente para com os anseios e interesses deste público.

Os coletivos da juventude vêm se colocando frente a essas marcas, com questionamentos importantes, buscando uma erosão do instituído. Principalmente em relação às denúncias de opressão e reconhecimento social, questionando a responsabilização do Estado e problematizando a responsabilização pessoal (o peso do destino individual) frente aos problemas e adversidades encontrados nas cidades. Parece que aqui encontramos algo dos movimentos de denúncia e anúncio, trabalhados em processos pedagógicos emancipatórios da educação popular, que, potencialmente, podem abrir caminhos decoloniais frente a processos de vulnerabilização educacional: “É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue” (Freire, 2018, p. 109).

Alinhados à proposta de politização da infância via projetos político-pedagógicos emancipatórios, alguns pesquisadores (Ramos, 2013; Ramos; Aquino, 2019) e o próprio Movimento Sem-Terra (MST) vêm sistematizando e divulgando suas práticas educativas contra hegemônicas junto a crianças e adolescentes, baseadas na Pedagogia do Movimento, por meio da qual reafirmam o coletivo, a luta social, a resistência e a organização política desde a infância, ou seja, apostam na “participação da criança, como sujeito histórico e de direito no contexto de luta pela terra” (Ramos; Aquino, 2019, p. 157).

Gobbi (2019) escreve sobre as crianças em luta por moradia em ocupações urbanas da cidade de São Paulo e defende que não se trata apenas da sobrevivência física que está em jogo, mas o direito a outras formas de viver. Por meio dessas ocupações, busca-se a recuperação de espaços urbanos que estão no centro das disputas, principalmente, pelo mercado imobiliário. A presença de crianças na rua, nesse contexto da pesquisadora, se fez por meio dos desenhos produzidos pelas crianças no espaço urbano com giz. Com a presença da criança em risco de apagamento, esta se inscreve no espaço público, politicamente situada, demonstrado aos transeuntes que, de algum modo, os traços ficam compondo novos elementos do cotidiano. Aqui refazemos a pergunta da pesquisadora em seu texto: que vidas importam?

Em Niterói, a presença de crianças e adolescentes em situação de rua é tida como perigosa, pois são tratados como “bandidos em potencial” e, devido a isso, medidas são tomadas em nome da segurança pública e da justiça.

Uma discussão importante a ser anunciada é o uso político de risco para a regulação das populações mais vulneráveis, criando a expressão “crianças e adolescentes em risco”, para isso, lançaremos mão do conceito de biopoder de Foucault, anunciado na produção de Lemos, Scheinvar e Nascimento (2014). A utilização do termo “em risco” serve para caracterizar espaço, território ou grupos sociais e segmentos determinados da população, sendo usada com maior ênfase nos anos de 1960, junto de produções técnico-quantitativas por agências de regulação norte-americanas. O conceito considera o risco como um acontecimento adverso e pode enunciar diferentes danos, a serem medidos para atenuar problemas futuros definidos por cálculos e estatísticas.

O uso político do risco, em nome da defesa social, vem sendo implementado via regulação das populações e dos corpos. A grande inflação dos riscos vai na mesma direção do apelo da população por segurança, pois o risco está associado ao perigo, portanto, Foucault (2008) aponta que os dispositivos de segurança estão interligados por meio da soberania, da biopolítica e da disciplina. Na cidade do Rio de Janeiro, em 2014 e 2016, nas vésperas dos megaeventos, viu-se um exemplo de ondas de recolhimento compulsório da população em situação de rua (Rizzini, 2019). Ou seja, em nome da segurança, efetivam-se práticas, ditas práticas sociais, de domínio sobre os corpos.

Segundo análises de Castel (1987), ao minimizar os riscos, estamos “investindo” na infância, principalmente, na pobre que é considerada “deficiente” e “desadaptada”. As famílias e as crianças se tornam alvo de preocupação prioritária de especialistas. É forjada, portanto, uma proteção social dos futuros perigos, pois, nesta análise, inicia-se com a criança “em perigo” e com o adolescente que pode se tornar “perigoso”. Nessa perspectiva, quem está em perigo precisa de cuidado, e quem é perigoso tem que ser controlado e/ou eliminado (Lemos; Scheinvar; Nascimento, 2014).

Diante desse cenário, é importante reafirmar a ideia de que é necessário nos afastarmos das armadilhas de concepções medicalizantes e patologizantes da não aprendizagem (São Paulo, 2021). Contribuindo com tal afirmação, deve ser ampliada a situação em que a criança e o adolescente não se enxergam mais dentro da escola. Desse modo, colocando em xeque os espaços educacionais que também necessitam de um realinhamento das suas práticas, muitas vezes, engessadas e pouco abertas às inúmeras aprendizagens realizadas fora dela.

As práticas vêm funcionando como um dispositivo de camuflagem do problema, pois as políticas de inserção se limitam a atender os excluídos, predominando propostas de assistências com componentes de moralização, culpabilização e tutela (Nascimento; Ribeiro, 2002, p. 25).

Existe um movimento de divisão entre nós e eles. Nós como aqueles que tutelam, classificam, diagnosticam e produzem práticas sobre esses sujeitos. Já a categoria eles é preenchida inicialmente com um afastamento, que beira à rotulação de incapacidade do outro. Para entender melhor tais condicionantes, Baptista (2001) escreve uma fábula sobre um garoto que, quanto mais ele falava, mais sumia sem deixar vestígios. Um dos apontamentos de pesquisa, diante do exposto até aqui, é que precisamos junto dos bebês, crianças e adolescentes fortalecer suas reivindicações cotidianas, quebrar com certezas vulnerabilizantes e de um lugar-comum, para ouvir e reparar as desigualdades sociais que tanto contribuem para esse cenário de extermínio da juventude pobre e periférica (que vive no centro das cidades e no campo).

A escola, enquanto integrante do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes (SGDCA), para além do direito à educação e à segurança alimentar e nutricional, viabiliza a proteção social dessa população via o acesso a outras possibilidades de recursos materiais, interação social com a diversidade de corpos e histórias e com o próprio aprendizado de “leitura de mundo”, como já dizia Paulo Freire (2018). Afirmamos aqui que as crianças e adolescentes em situação de rua produzem esta leitura de mundo por meio de outras estratégias por meio de suas práticas (brincantes) cotidianas de viração6 e sua própria resistência na ocupação de espaços públicos, onde são vistos como corpos abjetos7.

Não estamos em busca de fórmulas mágicas para a redução da vulnerabilidade educacional, estamos contextualizando aspectos sociais, históricos, políticos e pedagógicos dessa vulnerabilidade para a realidade da infância na rua. Na busca por esse entendimento inicial, quais práticas poderiam ser pensadas com as crianças para fora dos muros da escola? A práxis social da cidade pode ser incorporada nas dinâmicas da escola?

Corpos brincantes na rua: da resistência à criação

Durante as brincadeiras ou oficinas propostas em encontros articulados entre os e as trabalhadoras da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com o apoio do projeto de extensão vinculado à Universidade Federal Fluminense (UFF), territorialmente foram realizadas em praças públicas da cidade (antes sem vida, sem movimento, e agora ocupada) com bebês, crianças, jovens e adultos, território existencial destes. Muitas reinventaram as brincadeiras, criavam formas de brincar e chamavam o público adulto que ali estava para mostrar exibir outras tonalidades corporais, um contraponto à fábula do garoto cinza, desbotado e sem vida presente na pesquisa de Baptista (2001), que pode representar, em certo ponto, esse cotidiano vivido. Estas são pequenas demonstrações de seu comportamento guerrilheiro de vivência (na rua) e em relação à cidade como lugar de coexistência (Gobbi, 2019).

Imagem 2:
Crianças e adolescentes brincando de caça ao tesouro na Praça Vital Brazil, Niterói-RJ, 2018.

A imagem 2 traz essa vivacidade de um garoto que vive nas ruas dentro da proposta de uma brincadeira de caça ao tesouro, junto de outras crianças. Pistas foram espalhadas na praça e, a partir dessa busca coletiva, eram desvendados mistérios e charadas9 daquele mesmo território, com enunciados com possibilidades de situar aquelas crianças e adolescentes naquele território. A solidariedade foi um dos aspectos que chamaram a atenção no jogo, visto que algumas das crianças não decodificavam as palavras ainda e outros atores compartilhavam seus conhecimentos, numa aposta à coletividade para vencer o jogo juntos, cada qual com suas habilidades e conhecimentos. Ao fim do jogo, o garoto da foto, com muita agilidade e destreza, encontra o ‘tesouro’, um pote com chocolates. Num primeiro momento, comemora a descoberta e faz planos com o prêmio. Em seguida, refaz seu plano e distribui alguns dos bombons às crianças que estavam ali, lado a lado com ele. Minutos depois, encontramos o mesmo garoto ofertando os bombons aos motoristas de carros e motos que paravam em uma sinaleira muito próxima da praça. O prêmio se tornou mercadoria/criação.

A criança e o adolescente em situação de rua, ao conviverem com a violência da rua, riscos e vulnerabilidades, também vive o senso de coletividade, grupo e partilha com os outros seres viventes do mesmo território, como exemplificado na situação da imagem 1. Nesses casos, é preciso ser grupo para garantir proteção, pois uma criança na rua sozinha é potencializar o risco, já que o que é visto não é uma criança, mas “um problema” (Oliveira, 2004). De acordo com Vicentin (2016, p. 40), ao tratar sobre as situações de isolamento, discriminação e preconceito, o coletivo é uma qualidade, “[...] é potência de sustentação mútua daquilo que nos garante ligação com o outro: garante-nos inventar diferentes espaços possíveis de existência”.

Pinazza e Gobbi (2014) dizem que o exercício humano de criação é cotidiano e se dá por pares ou individualmente. Muitas vezes o olhar do adulto sobre as criações das crianças indicava que estas eram inúteis e sem valor, porém, é por meio desse exercício que é colocado para fora elementos da cultura vivida e elaborada por elas. Ainda afirmam que o ato de conhecer e criar se dá de modo concomitante, expondo, assim, desejos, segredos existenciais, hipóteses e teorias. Por isso, a aposta deve ser na arte do encontro, do olho no olho, lado a lado, no estar disponível corporalmente para escutar, comunicar, interagir e brincar com estes sujeitos que ocupam o espaço urbano das metrópoles.

A economia da sociedade liberal10 ordenou ao Estado a responsabilização na totalidade das medidas relativas à higiene pública e privada, à educação e à proteção dos indivíduos. Toda a perspectiva de política educacional e os processos de ensino-aprendizagem estavam e ainda estão, de certo modo, visando a formação de capital humano11.

Nessa discussão, é importante trazer as ideias de Mbembe (2016; 2017), que problematiza a violência contemporânea e as formas de atuação de um estado de exceção e/ou estado de sítio, via necropolítica. Qual a cor de pele dessa infância que vive na rua? Qual a cor de pele das crianças brasileiras vendidas para o tráfico de escravos no século XIX? Por se tratar de uma teoria mais ampla e contemporânea, as reflexões de Mbembe se aproximam mais aos fenômenos sociais que acontecem por aqui, no Brasil. As violências e o extermínio do povo preto no Brasil são evidentes, estatisticamente comprovados, institucionalmente executados e, em sua maioria, moralmente aceitos.

Por meio da necropolítica, é aprimorada uma tecnologia de matar, a violência contra a população negra torna-se algo aceitável, comum (Mbembe, 2016). Em Niterói, tais práticas violentas são vistas contra crianças e adolescentes dentro de uma política de morte e extermínio a determinado grupo social, assim parece que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não se efetiva na prática. Afinal de contas, como efetivar os direitos sem alterar as condições concretas de vida da classe trabalhadora e historicamente injustiçada?

Em 2022, realizamos uma ocupação em uma praça pública de aproximação e diálogo com algumas dessas famílias vulnerabilizadas. Em sua maioria, eram ex-moradores da ocupação do “Prédio da Caixa”, localizado no centro da cidade, despejados em junho de 2019, que migraram para as comunidades ao entorno do centro da cidade ou foram para a Instituição de Acolhimento Familiar na mesma região. Participaram desse encontro muitos trabalhadores e trabalhadoras do setor público da Saúde Mental, Assistência Social e Economia Solidária e Cultura, além de professores, estudantes e extensionistas da UFF. Nesse encontro, que contou com a presença de mais de cinquenta crianças, levamos papel, canetas, giz de cera e outros materiais. Desenhamos juntos e as crianças produziram desenhos que representavam onde moravam. Colocamos abaixo três produções desses desenhos de crianças de seis a 12 anos que brincaram durante o encontro na praça.

Imagem 3:
Desenho de uma moradia.

Imagem 4:
Desenho criado por Hiago

Imagem 5:
Desenho criado por Pamela.

Em pesquisa recente sobre as relações das crianças e diferentes experiências de moradia (Queiroz; Pereira, 2020), verificamos que a criança faz parte da constituição dos espaços. A moradia, seja ela em qual contexto, é fruto das relações dos sujeitos com a região, ou seja, ganha conotação de luta - luta coletiva. Em diferentes escalas, há crianças lutando por direito à moradia. Não há redoma de vidro capaz de isolar uma criança do que é a sociedade, nesse sentido, somos todos responsáveis.

Nos desenhos acima, estão representadas três projeções do que seriam seus locais de moradia. Para além do que está no papel, ou seja, daquilo que as crianças quiseram mostrar, importante pensarmos no que não está nesse desenho. Não iremos aqui propor análises psicológicas ou psicanalíticas, os desenhos são criações desses corpos brincantes e criativos dentro desse universo de violência e de extermínio acima mencionado com o apoio de Mbembe e Foucault. No contexto da necropolítica, a única saída seria a morte, porém, o pensador cita em algum momento do texto que esses corpos colonizados/massacrados também produziam música, práticas religiosas, danças e outros elementos culturais importantes, trazendo à cena um grande paradoxo.

Pereira e Milanez (2022, no prelo) traz a reflexão do papel da infância no contexto da guerra. Em seu texto, as autoras propõem pensar politicamente na infância em diferentes condições de existência por meio do documentário For Sama, em contexto da guerra civil da Síria. A infância - representada pela bebê Sama - é a certeza que a luta dos adultos não é vã ao registrar o horror vivenciado naquela realidade. Além disso, era preciso tornar a música mais alta que as bombas, porém, sem romantizar a brincadeira infantil perante as catástrofes e o estado de morte.

Mendes e Vincentin (2021, p. 129) apontam que “[...] crianças e adolescentes podem ser reconhecidas como sujeitos políticos que recusam as tutelas e os controles característicos das políticas a elas direcionadas”. Os autores afirmam que os serviços que atendem esses sujeitos que habitam a rua precisam sair da lógica do “resgate” dessas vidas a partir de um tempo de criação do inédito. Assim, educar e cuidar estão na esfera do acolhimento enquanto ética, ultrapassando a razão para chegar na esfera do sensível, o lugar das inventividades (Berger et al., 2021). As práticas de extensão e pesquisa-ação aqui anunciadas e expressas pertencem a essa concepção de práxis, territorializada e afetiva.

Um dos debates necessários a essa temática é o do coprotagonismo das crianças para a transformação social, situada na sociedade adultocêntrica e patriarcal (Mejia; Malaver; Peña, 2013; Morales; Magistris, 2019). Segundo alguns autores, o protagonismo infantojuvenil não pode ser individual, ele precisa ser socialmente valorizado por todas e todos. Não é possível alcançá-lo sem vigilância constante do nosso poder (enquanto adultos), precisamos acompanhar, colaborar e construir condições para as crianças e adolescentes protagonizarem suas lutas para a emancipação da condição humana, lado a lado e sem reproduções de opressão ou violência.

Existe um lema, que funciona como uma afirmação política dentro do trabalho aqui relatado com as crianças em situação de rua em Niterói, que “é preciso uma cidade inteira para cuidar de uma criança”. Assim, retomamos um pouco o pensamento de Vicentin (2016), que diz que, ao coletivizar, ajuda a romper com o fatalismo e isso amplia nossa potência civil e a capacidade de incomodar-se com as situações e de responsabilizar-se pela vida dos outros.

Para compor estas reflexões e este arranjo, é preciso olhar para si em relação a esses corpos, que, segundo Frangella e Rui (2018), constituem corpos abjetos. Tal compreensão de corpos abjetos diz sobre o corpo e o espaço urbano, uma relação ambígua de desconforto em relação aos corpos. Ao focalizar nos corpos de pessoas que vivem em situação de rua, estes corpos não são sujeitos, nem objetos, são uma sensação de horror, percebida na relação do eu com o outro. A relação de exclusão, de não-lugar, possui o marcador do corpo negro não por acaso, assim como coloca Mbembe quando trata da necropolítica.

Os pesquisadores também tratam dos sinais da abjeção, as marcas atenuadas e transformadas pelos habitantes da rua, adotando táticas corporais que ajam a seu favor. E isso traz à memória o comportamento guerrilheiro de crianças e adolescentes que também seguem nesse ordenamento, ora trazendo para a relação marcas da infância, ora mostrando sua habilidade e maturidade para tratar de outras questões aprendidas no “mundo da rua”. Porém, temos que cuidar para não homogeneizar tais corpos, existe uma heterogeneidade de corpos e de formas na rua. Considerar contextos sociais, históricos, culturais e pedagógicos de produção das infâncias e corpos precários, precarizados e/ou explorados pode, por outro lado, nos auxiliar a identificar modos criativos e resistentes de produção de culturas infantis, onde, especialmente no senso hegemonicamente comum de uma sociedade capitalista e racista, não se considera a possibilidade de haver sujeitos, vozes, saberes e histórias que valem ser escutados.

É necessário ter cuidado ao pensar na infância na rua, não há espaço para romantizações, como está no título do texto de Vicentin (2016) - criançar o descriançável - e sobrepor a máxima vigente de que a criança em risco de hoje é o/a adolescente perigoso/a de amanhã.

Reconhecemos nossos limites, reconhecemos em nós e em nossas práticas as marcas e capturas de um imaginário social que se orienta pela lógica do capital e pelo racismo estrutural. De fato, o tema é de grande complexidade, e a escrita do texto traz reflexões que sinalizam (re)existências, frutos de observação empírica e encontros com os habitantes da rua crianças e adolescentes. O exercício cotidiano de estar no campo é criar furos nas fronteiras que estabelecemos do eu com o outro, com a consciência de que a política de morte está rodeando e fazendo com que corpos (negros) desapareçam.

A sensibilidade dos corpos brincantes nas ruas mostra, por vezes, rotas de fugas (Deleuze; Guatarri, 1996) que atuam como fator de um agenciamento e que levam todos a mudanças cotidianas, produzindo mais marcas e histórias para os habitantes/sobreviventes da rua. Passam da resistência à criação, como de quem cria rotas de fuga para elaborar sua realidade, por meio do encontro com o outro na relação corpo e cidade. Pesquisar e atuar com essa população é se incomodar na relação dos sujeitos, com a sociedade e consigo mesmo, pois aparecem na cena sentimentos que corporificam a experiência, como o desconforto, o medo da violência do Estado e a certeza de que o estado permanente de falta - material e emocional - está longe de ser amenizado.

O corpo é percebido, contemporaneamente, muito além de uma entidade na qual se inscrevem mecanismos de poder e dominação, mas numa relação que se constrói com outros corpos, simultaneamente física, material, social e política. As transformações ocorrem por meio e através do corpo, sendo sujeitos corpóreos como meio fundamental desse movimento (Frangella; Rui, 2018).

Desconstruir para construir, será que já não passou da hora?

A discussão desenvolvida até então traz um recorte sobre o olhar da infância na rua, pensando nas vulnerabilidades, em especial a vulnerabilidade educacional, a politização da infância e a representação desses corpos na rua. Com o objetivo de suscitar debates, queremos influir sobre a formação de futuros professores na educação continuada dos/das que já atuam e no tensionamento das instituições que fazem parte do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA). Nesse sentido, e já encaminhando para os finalmentes, colocamos em debate a perspectiva da vulnerabilidade educacional como pertencente não apenas dentro dos limites escolares, partimos de que as práticas realizadas por meio de oficinas e outras estratégias realizadas nas praças com a infância que vive na rua podem contribuir para reduzir a desigualdade educacional de forma prática e conceitual. As demandas anunciadas fora do âmbito escolar perpassam as famílias e se confrontam com o acesso ou o não acesso das crianças, em sua tenra idade, às escolas e creches. Esperamos que este texto tenha contribuído, de algum modo, para desestabilizar as bases da educação formal colonizadora.

Para tal compreensão, é importante deixar claros os limites dos pesquisadores enquanto corpos hegemônicos no constante exercício de levantar os estranhamentos produzidos a partir do campo. Nesse sentido, almeja-se potencializar a atividade criadora por meio da pesquisa, trazendo a reflexão junto das crianças que ali reivindicam sua existência e presença no mundo, sem deixar de levar em consideração, na análise, as relações de poder e a transversalidade da classe social, gênero, raça e geração, na produção e reprodução da/na cidade. Tudo começa pelo corpo como ser social e político.

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  • APOIO/FINANCIAMENTO
    Apoio da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal Fluminense (UFF) com o projeto “Crianças e adolescentes em situação de rua e acolhimento institucional: construindo estratégias de territorialização afetiva” (nº 389761.2199.198453.20022023), além da Prefeitura Municipal de Niterói, via convênio com a UFF no Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA) com a pesquisa-ação “Niterói - uma cidade inteira para todas as crianças, adolescentes e jovens”.
  • DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA
    Não se aplica.
  • 3
    O presente artigo foi revisado por Mariana Beraldo Santana do Amaral da Rocha. Após ter sido diagramado, foi submetido para validação do(s) autor(es) antes da publicação.
  • 1
    O uso do termo “cidadania” carrega valores distintos de acordo com a visão de mundo de quem o utiliza. Nesse sentido, Paulo Roberto Felix (2019) contribui trazendo o que fundamenta a cidadania, na modernidade, são as relações sociais coisificadas, contribuindo com a própria dinâmica do desenvolvimento do capital. Por isso, a meta seria a “emancipação política”, como nomeia Marx, contudo, o cenário atual traz uma grande contradição, pois as relações sociais são dadas por meio das trocas mercantis. Nesse texto, utilizamos o termo para trazer a viabilização de uma sociedade emancipada, via esclarecimento, inclusive, de suas contradições.
  • 2
    Sigla que representa um movimento político e social que defende a diversidade e a busca por mais representatividade e direitos. As letras expressam respeito a diferentes orientações sexuais e à identidade de gênero.
  • 3
    Na noção utilizada por Lefebvre (2008) serve de instrumento a interesses, provoca ilusões. O espaço que parece racional, evidente, necessita de análises mais profundas. É instrumental, também, por ser definidor de “ordenamentos”, manipulado por toda espécie de “autoridades”
  • 4
    Pesquisa-ação aprovada pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal Fluminense - CAEE 35424220.0.0000.8160/Parecer 4.172.076.
  • 5
    A pesquisa foi realizada com apoio da Prefeitura Municipal de Niterói, via convênio com a Universidade Federal Fluminense no Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA).
  • 6
    Viração é um conceito utilizado por Gregori (2000) que extrapola a ideia de designação do ato de se virar, conquistar recursos para sua sobrevivência. O termo traz a noção, por meio da sua pesquisa com meninos em situação de rua, que a viração é mais do que movimento, é uma comunicação persistente e permanente com a cidade e seus vários personagens.
  • 7
    Corpos abjetos (Frangella; Rui, 2018) não são sujeitos, nem objetos, é uma sensação de horror que se firma na relação do eu e do outro. Tal compreensão reforça uma fronteira do eu com o outro, ao mesmo tempo em que tais corpos produzem efeitos políticos e espaciais no espaço urbano.
  • 8
    Fotografia tirada em 2018, durante uma atividade de ocupação do espaço público em Niterói, junto das e dos trabalhadores da RAPS, onde crianças e adolescentes brincavam de caça ao tesouro, descobrindo os espaços e constituindo outras relações com o território.
  • 9
    Estas charadas serviam de abertura de diálogo sobre serviços no território que as crianças poderiam acessar quando precisarem e contarem como rede de apoio, exemplos: “Qual o lugar que as crianças podem pedir ajuda perto da praça quando precisarem conversar, comer e tomar banho?” e “Perto da praça tem algum lugar que as crianças podem pedir ajuda quando estiverem machucadas?”
  • 10
    O Liberalismo é uma teoria política, econômica e social difundida no século XVIII, que lançava a mão da liberdade. Algumas características importantes eram: a valorização das leis, o individualismo e a valorização do livre e, sobretudo, a ampla e livre concorrência de mercado. Esta rápida nota não dá conta da complexidade do termo, porém, destacamos que a teoria, por meio das leis, visava regular as relações sociais, afirmando algumas lógicas, como a penal, que tanto influencia nos modos de vida das crianças e adolescentes. Um de seus principais teóricos foi Adam Smith (1723-1790). Tempos depois, a teoria vem numa nova roupagem, com a versão Neoliberal.
  • 11
    Capital humano é um termo conceituado por alguns estudiosos e que tem forte ligação com o trabalho e a produção. Schultz (1961) define o “capital humano” como o montante de investimento que uma nação ou os indivíduos fazem na expectativa de retornos adicionais futuros. No campo educacional, a ideia se propaga na década de 1960 e 1970, como tentativa de explicar o fenômeno da desigualdade entre as nações e entre indivíduos ou grupos sociais.

Disponibilidade de dados

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2022
  • Aceito
    09 Fev 2024
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