Open-access O paradoxo social-eugênico, genes e ética

Resumo

O modelo de herança utilizado pela Eugenia tomava como premissa a Pangênese de Darwin. Os modelos matemáticos desenvolvidos por Francis Galton, seu fundador, dependiam desse modelo plástico de herança, onde as partículas hereditárias podiam ser modificadas pelas circustâncias ambientais. No início do século o mendelismo e, logo em seguida, a teoria cromossômica da herança, abalaram profunda e difinitivamente as premissas do modelo de herança da Eugenia. na década de 20, no entanto, a Eugenia ressurgiu com vigor nunca visto, ao ponto de nortear políticas públicas em vários países, passando de um simples conjunto de conjecturas matemático-biológicas para a condição de suporte ideológico de práticas sociais discriminatórias que incluiam a perseguição, a esterilização, o confinamento e o aniquilamento de tipos humanos "inferiores". Com o argumento da "salvação nacional" a eugenia seduziu intelectualmente cientistas de um amplo espectro político, inclusive de militantes de partidos comunistas na Inglaterra e nos Estados Unidos, o que ocultou a falta de consistência científica das políticas eugênicas. A postura ética dos cientistas volta a ser discutida hoje, com as novas possibilidades de manipulação genética propiciada pelos recentes avanços tecnológicos.


DOSSIÊ (A) - A BIOÉTICA / DOSSIÊ (B) - LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL

O paradoxo social-eugênico, genes e ética

Nelio Marco Vincenzo Bizzo

Faculdade de Educação - Universidade de São Paulo

RESUMO

O modelo de herança utilizado pela Eugenia tomava como premissa a Pangênese de Darwin. Os modelos matemáticos desenvolvidos por Francis Galton, seu fundador, dependiam desse modelo plástico de herança, onde as partículas hereditárias podiam ser modificadas pelas circustâncias ambientais. No início do século o mendelismo e, logo em seguida, a teoria cromossômica da herança, abalaram profunda e difinitivamente as premissas do modelo de herança da Eugenia. na década de 20, no entanto, a Eugenia ressurgiu com vigor nunca visto, ao ponto de nortear políticas públicas em vários países, passando de um simples conjunto de conjecturas matemático-biológicas para a condição de suporte ideológico de práticas sociais discriminatórias que incluiam a perseguição, a esterilização, o confinamento e o aniquilamento de tipos humanos "inferiores". Com o argumento da "salvação nacional" a eugenia seduziu intelectualmente cientistas de um amplo espectro político, inclusive de militantes de partidos comunistas na Inglaterra e nos Estados Unidos, o que ocultou a falta de consistência científica das políticas eugênicas. A postura ética dos cientistas volta a ser discutida hoje, com as novas possibilidades de manipulação genética propiciada pelos recentes avanços tecnológicos.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEIGUELMAN, B. Genética e Ética. Ciência e Cultura, v. 42, n. 1, p. 61, 69, 1990.

BIZZO, N.M.V. Meninos do Brasil: idéias sobre reprodução, eugenia e cidadania na escola. Tese de Livre-Docência apresentada à Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 1994.

BOWLER, P.J. Evolution: The History of an Idea. Los Angeles Univerity of California Press, 1989.

CHEVALLIER, J.J. As grandes obras públicas de Maquiavel a nossos dias. Brasília: Agir & UnB, 1982.

DARWIN, C.R. Pangenesis. Nature, v.6, 27 April, 1871.

______. The Variations of Animal and Plants Under Domestication. Londres: John Murray, 1868. 2 v.

DARWIN, H.E. Emma Darwin, wife of Charles Darwin: a century of family letters. Cambridge, Cambridge University Press, 1904. 2 v.

DARWIN, L. The Need of Eugenic Reform. London: John Murray, 1926.

GALTON, F. Hereditary Genius. London: John Murray, 1869.

______. Reply to Mr Darwin. Nature, v. 6, 4 May, p. 5-6, 1871 APUD Cowan, R.S. Nature and nurture: The interplay of Biology and Politics in the work of Francis Galton. In Coleman, W. & Camille Limoges (Eds). Studies in History of Biology, v. 1, p. 133-208, 1977.

GIORDAN, 1987.

HITLER, A. Mein Kampf (Minha Luta), São Paulo: Moraes, 1983.

MULLER et.al., Sociobiology and Population Improvement. Nature, v.144, p. 521-22, 1939.

PAUL, D. Eugenics and the Left. Journal if the History of Ideas, v. 45, p. 567-590, 1984.

SORLIN, P. O Anti-Semitismo Alemão. São Paulo: Perspectiva 1974.

VILHENA, C.P.S., Práticas Eugênicas, Medicina Social e Família no Brasil Republicano. Revista da Faculdade de Educação, v. 19, n. 1, p. 79-92, 1993.

WEISS, S. F. Wilhelm Schallmayer and the Logic of German Eugenics. Isis, v. 77, n. 1, p. 33-46, 1986.

WRIGLEY, E.A. Historia y Poblacíon. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1969.

1 Note-se o apelo nacionalista do período do paradoxo social-eugênico, em contraste com as propostas de melhoramento da raça "humana" (isto é, de todo planeta) dos períodos anteriores.

2 Embora não encontrasse a mesma acolhida, não se deve deixar de lembrar que lá existiam igualmente teóricos da "degeneração" racial. No entanto, eles (como Gobineau, com seu livro sobre a desigualdade das raças humanas, onde aponta a raça "ariana" como exemplo de raça superior) encontravam maior acolhida em outros países do que na própria França.

3 Note-se o caráter antimendeliano do modelo hereditário adotado por Hitler.

4 Note-se ainda a referência à evolução biológica, vista como sinônimo de "melhoramento", "progresso", algo intrinsecamente bom.

5 Hitler se refere à ocupação e desmilitarização do Vale do Reno pelas tropas francesas, um dos pontos do tratado de Versalhes (1919).

6 Note-se referência à origem simiesa do homem.

7 Peter Bowler, ao discutir a teoria de herança ancestral de Galton, diz que "Desde o início, Galton desconfiou da pangênese e concebeu um novo conceito de hereditariedade...." (Bowler 1989, p. 64), no qual não existiria qualquer tipo de mistura. Ora se esse era realmente o caso caberia perguntar por que? em 1870 Galton estava misturando sangue de coelhos e torcendo pela modificação da cor dos filhotes. Quando Emma escreveu uma carta à sua filha Henrietta (19/03/1870) que visitava o pai em Londres, ela lhe dizia: "Os experimentos de F. Galton com coelhos estão fracassando, o que é um terrível desapontamento para eles dois. F. Galton disse que estava doente de ansiedade até que a gestação terminasse, e agora uma odiosa criatura comeu todos os seus filhotes e outra teve uma ninhada perfeitamente normal. Ele deseja que seu experimento seja mantido em sigilo porque pretende dar-lhe continuidade e temem que riam dele, portanto não faça nenhuma alusão ao caso" (Darwin, H. E. 1904, p. 230, ii). Um ano depois Galton apresentou os trabalhos numa reunião da Royal Society (30/3/1871). No entando, darwin publicou um artigo na revista Nature (27/4/1871) dizendo que o que se tinha provado era apenas que o sangue não era o veículo das gêmulas (DARWIN, 1871), o que aliás ele já tinha antecipado no seu Variation... (v. DARWIN, 1868, p. 376, ii). Galton publicou um artigo de réplica na edição seguinte de Nature (04/05/1871) desculpando-se pelo tom enfático que tinha empregado na reunião da Royal Society, e terminava o artigo com um galicismo entusiasmado: "Vive Pangenesis!"

8 Sociedade fundada em 1887 que deve seu nome ao general romano Fabius Maximus cujo apelido era Cuntactor ("aquele que posterga"). Fabius é um dos maiores heróis romanos da segunda guerra púnica, tendo postergado a batalha final contra Anibal até que as condições lhe fossem favoráveis. A sociedade, formada por militares socialistas, pregava reformas sociais graduais.

9 Não deixa de ser engraçado o fato de Lobato, com seu característico tom irônico e debochado, dizer que a Eugenia tinha acabado com todos os tarados, os deficientes, todo tipo de idiotas, e os gramáticos!

Referências bibliográficas

  • BEIGUELMAN, B. Genética e Ética. Ciência e Cultura, v. 42, n. 1, p. 61, 69, 1990.
  • BIZZO, N.M.V. Meninos do Brasil: idéias sobre reprodução, eugenia e cidadania na escola. Tese de Livre-Docência apresentada à Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 1994.
  • BOWLER, P.J. Evolution: The History of an Idea. Los Angeles Univerity of California Press, 1989.
  • CHEVALLIER, J.J. As grandes obras públicas de Maquiavel a nossos dias Brasília: Agir & UnB, 1982.
  • DARWIN, C.R. Pangenesis. Nature, v.6, 27 April, 1871.
  • ______. The Variations of Animal and Plants Under Domestication Londres: John Murray, 1868. 2 v.
  • DARWIN, H.E. Emma Darwin, wife of Charles Darwin: a century of family letters. Cambridge, Cambridge University Press, 1904. 2 v.
  • DARWIN, L. The Need of Eugenic Reform London: John Murray, 1926.
  • GALTON, F. Hereditary Genius London: John Murray, 1869.
  • ______. Reply to Mr Darwin. Nature, v. 6, 4 May, p. 5-6, 1871 APUD Cowan, R.S. Nature and nurture: The interplay of Biology and Politics in the work of Francis Galton. In Coleman, W. & Camille Limoges (Eds).
  • Studies in History of Biology, v. 1, p. 133-208, 1977.
  • GIORDAN, 1987.
  • HITLER, A. Mein Kampf (Minha Luta), São Paulo: Moraes, 1983.
  • MULLER et.al., Sociobiology and Population Improvement. Nature, v.144, p. 521-22, 1939.
  • PAUL, D. Eugenics and the Left. Journal if the History of Ideas, v. 45, p. 567-590, 1984.
  • SORLIN, P. O Anti-Semitismo Alemão São Paulo: Perspectiva 1974.
  • VILHENA, C.P.S., Práticas Eugênicas, Medicina Social e Família no Brasil Republicano. Revista da Faculdade de Educação, v. 19, n. 1, p. 79-92, 1993.
  • WEISS, S. F. Wilhelm Schallmayer and the Logic of German Eugenics. Isis, v. 77, n. 1, p. 33-46, 1986.
  • WRIGLEY, E.A. Historia y Poblacíon Madrid: Ediciones Guadarrama, 1969.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1995
location_on
Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: educar@ufpr.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro