Open-access A política educativa em Angola e a garantia do direito à educação: articulação entre o contexto de influência e a produção de textos

RESUMO

O presente estudo se propôs a analisar as políticas de educação que regulam as iniciativas que se localizam no contexto da prática, na medida em que também se debruça sobre as políticas de educação, resultantes das principais orientações advindas das organizações internacionais e como essas se compatibilizam com as reais demandas locais. Baseada numa abordagem qualitativa, metodologicamente, a pesquisa fundamenta-se na Abordagem do Ciclo de Políticas, uma proposição, inicialmente formulada por Bowe, Ball e Gold (1992) e reformulada por Ball (1994), que permitiu analisar documentos e intervenções do contexto de influência e do contexto da produção de texto. Da análise feita, os resultados indicam que a garantia do direito à educação continua sendo, apesar dos avanços registados, um desafio para o Sistema de Educação e Ensino em Angola. Por outro lado, o contexto de influência evidencia o protagonismo que as organizações internacionais exercem dentro da política angolana da educação que, durante o seu percurso, demonstrou ressentir dos impactos resultantes do modelo de educação colonial.

Palavras-chave:
Política Educativa; Direito a Educação; Contexto de Influência; Angola

ABSTRACT

The present study set out to analyze the education policies that regulate initiatives that are located in the context of practice, as it also focuses on the education policies resulting from the main guidelines coming from international organizations and how these are compatible with the real local demands. Based on a qualitative approach, methodologically, the research is based on the Policy Cycle Approach, a proposition initially formulated by Bowe, Ball and Gold (1992) and reformulated by Ball (1994), which allowed analyzing documents and interventions in the context of influence and the context of text production. From the analysis carried out, the results indicate that guaranteeing the right to education continues to be, despite the progress made, a challenge for the Education and Teaching System in Angola. On the other hand, the context of influence highlights the leading role that international organizations play within Angolan education policy which, during its course, demonstrated resentment of the impacts resulting from the colonial education model.

Keywords:
Educational policy; Right to education; Context of influence; Angola

Introdução

Como uma política pública, o Sistema de Educação e Ensino em Angola é regulado pelo Estado, por meio do Ministério da Educação (MED) e do Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI), cujos pressupostos legais são sustentados pela Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino nº 17/16 de 6 de outubro (LBSEE), posteriormente alterada, para efeitos de alinhamento e adequação aos direcionadores filosóficos internacionais, pela Lei nº 32/20, de 12 de agosto (Angola, 2022).

Segundo indicam António, Mendes e Lukombo (2023, p. 15) “como um direito fundamental inerente a todo ser humano conforme consagrado mundialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU), o acesso à escola nos países menos desenvolvidos é um desafio vigente que ainda exige políticas e ações firmes localizadas”. Embora esteja sustentado pela Constituição da República de Angola e pela Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino Nacional, as ações concretas de garantia desse direito sob o respaldo da política educacional não resolvem de todo esse problema. “Quaisquer iniciativas sobre as políticas públicas voltadas à educação [...] em Angola deverão antes de tudo resolver o pendente da efetivação do princípio da universalidade, já que se entende que este seja a primeira barreira por romper” (António; Mendes; González, 2021, p. 15).

Dessa forma, o objetivo deste estudo consiste em analisar as políticas de educação que regulam as iniciativas que se localizam no contexto da prática, de igual modo, debruçar-se sobre as políticas de educação resultantes das principais orientações advindas das organizações internacionais e como essas se compatibilizam com as reais demandas locais. A primeira abordagem é em relação aos normativos que regulam a política de educação durante o período do colonialismo e, depois, seguido pelo período pós-independência, que se caracteriza pela primeira e segunda reforma educativa. No segundo momento, a abordagem tem incidência sobre a influência dos organismos multilaterais na concepção dos modelos de ensino, com destaque às agências especializadas da ONU, entre elas, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Banco Mundial (BM). No terceiro momento, debruça-se sobre os impactos resultantes do modelo de educação herdado do colonialismo e como as organizações multinacionais, por meio da difusão de seus programas de internacionalização das políticas educacionais, influenciam na configuração dos principais normativos que regulamentam o Sistema de Educação e Ensino angolano.

Para tal, o estudo que é, metodologicamente, de uma abordagem qualitativa, fundamenta-se na Abordagem do Ciclo de Políticas, uma proposição inicialmente formulada por Bowe, Ball e Gold (1992) e reformulada por Ball (1994). Para atender os fins deste estudo, foram considerados apenas o contexto de influência e parte do contexto da produção de texto que permitiu, a partir da análise de documentos e intervenções das organizações internacionais, perceber o espaço da agenda global da educação dentro da política educacional angolana, considerando a produção de textos e como estes são veiculados pelo discurso político.

Com todos os apoios e financiamentos em que o governo angolano se beneficia das organizações internacionais para o setor da educação, o Sistema de Educação e Ensino ainda carece de avanços qualitativos sobre os principais desafios e metas estabelecidos. Com este estudo, espera-se que outros sejam realizados, mesmo com abordagens diferentes e que foquem nos projetos específicos financiados pelo BM, como a formação de professores e gestores, a educação especial e inclusiva e a implementação de instrumentos de avaliação estandardizados. Importa, igualmente, referenciar que, como qualquer pesquisa, houve dificuldades, principalmente, no acesso aos documentos necessários que requerem incansáveis exercícios de buscas.

Marcos e marcas de um modelo educacional herdado do colonialismo

O objetivo desse item é fazer um resumo sucinto sobre o modelo de educação colonial herdado por Angola e caracterizar suas principais nuances, de modo a situar o leitor (nacional e estrangeiro). Por isso, abordam-se as políticas de educação no período que compreende a presença da colonização portuguesa em Angola e pós-independência, com alarde nas iniciativas inscritas no quadro do estatuto dos indígenas. Nesse sentido, vale realçar a educação promovida pelos jesuítas (1575-1759), a educação pombalina (1759-1792), introduzida por Marquês de Pombal, a educação joanina (1792-1845), a educação Falcão e Rebelo da Silva (1845-1926), a educação salazarista (1926-1961), a educação durante a fase da Luta Armada (1961-1974) e, por fim, a educação no período pós-independência (a partir de 1975). No entanto, far-se-á uma síntese das principais etapas de evolução e marcas da educação angolana.

Durante a vigência dos jesuítas (1575-1759) em Angola, o foco dos navegantes portugueses era a ocupação, dominação e exploração econômica. Realmente, para o alcance dos objetivos, passava, primeiramente, por desfazer a cultura nativa, por meio da doutrina cristã, que começou a ser ensinada na catequese (Eduardo, 2019), como missão civilizadora dos povos. De acordo com Brito Neto (2005), os missionários católicos tinham como missão a África, enquanto parceiros do Estado Português, de levar adiante a tarefa de civilização dos povos, ou seja, o principal objetivo era o de converter os nativos à fé cristã e não de educá-los ou formá-los, no sentido limitado da palavra.

Tendo em conta o projeto de conversão cristã dos povos ou nativos desenvolvidos pelos jesuítas, segundo Brito Neto (2005), pode-se reconhecer dois momentos importantes, nomeadamente: i) marcado pela crise sofrida por Portugal resultante da cobiça pela Holanda e de outros países europeus dos territórios da África; e ii) marcado pelo fracasso da doutrina cristã, levada a cabo pelos jesuítas. Dois fatores estiveram na base do fracasso. Primeiro, a evangelização no interior do território angolano era uma tarefa difícil, devido as dificuldades de acesso e exigia muito sacrifício, diferente das zonas litorâneas, cujas condições de acesso eram muito melhores; por outro lado, muitos missionários ficaram seduzidos pelas trocas comerciais de escravos, tendo abandonado/reduzido a evangelização ao perceberem a oportunidade de realizar a educação, com fins lucrativos, pois, eram os poucos educadores que existiam na época e com o apoio da realeza, fundaram escolas que incluíam os filhos dos portugueses. Efetivamente, as referidas escolas ganharam destaque com a sua construção, em 1659, do Colégio de Luanda. Nesse período, a estrutura curricular era de carácter universal e elitista.

A educação pombalina, datada entre 1759 e 1792, foi marcada por reformas introduzidas por Marquês de Pombal no contexto da sociedade portuguesa, refletindo, também, nas províncias ultramarinas. Pombal defendia uma clara separação entre o Estado e a Igreja, principalmente, no campo da educação, em que o Estado passou a ter responsabilidade sobre o sistema educativo, tarefa até então confiada aos jesuítas, Na época, os jesuítas possuíam grande poder econômico, o qual era visto como um dilema para a conservação da cultura cristã e da sociedade civil, uma vez que sua filosofia educacional estava alinhada no quadro da educação de cidadãos voltados ao serviço religioso (Brito Neto, 2005), e não para os defensores dos interesses do país.

Sob essa perspectiva, Pombal reestruturou os objetivos da educação em Portugal. Como Angola era uma província ultramarina, considerando que durante aquele período a educação angolana estava associada ao sistema português, esses objetivos foram implementados em 1764. Nesse contexto, a educação e a formação começaram a ser pensadas no âmbito da sua relação com o trabalho, adotando uma orientação voltada para o ensino prático (Eduardo, 2019).

No entanto, os princípios norteadores e a filosofia de educação e formação dos portugueses que viviam em Angola, por um lado, e dos povos ou nativos africanos, por outro, começaram a ser repensados. A lógica deixou de ser a submissão ao cristianismo, passando a se apoiar no compromisso com o país. Os conteúdos ministrados deixaram de ser literários, memorísticos e baseados nos preceitos católicos, e passaram a ter uma abordagem mais experimental, prática e utilitária, com maior articulação entre teoria e prática. Isso deu espaço a cursos ligados às ciências da natureza, designadamente, engenharias, geografia entre outras (Eduardo, 2019).

Segundo Silva Neto (2010), em 1764 foi criada a primeira escola de formação profissional ou notoriamente chamada de “formação profissional elementar de artes e ofícios”. De acordo com esse autor, a educação dos nativos ficou limitada ao treinamento para exercícios de funções e profissões de pedreiro, alfaiate, ferreiro, sapateiro etc., tidos como atividades de pouca atração para os portugueses residentes em Angola.

A educação joanina que compreendeu entre 1792 e 1875, foi marcada por um conjunto de eventos políticos que fizeram atenuar a evolução da perspectiva anterior. Mormente, no quadro das reformas sociais, em termos de políticas de educação iniciadas por Marquês de Pombal, seja no âmbito da política externa, Portugal consolidava sua presença em Angola e nas restantes províncias ultramarinas, muito pelo acréscimo do interesse de outros países europeus pelas terras da África e, em particular, de Angola. Esse fato obrigou Portugal a abrir os Portos de Luanda e de Benguela aos comerciantes externos (Eduardo, 2019). No âmbito interno, Portugal foi subjugado pelas tropas francesas em 1808, obrigando, dessa forma, a corte e a família real a refugiar-se no Brasil, com o apoio das tropas inglesas, aumentando-se a crise política e econômica interna. Nesse sentido, Portugal sentiu-se obrigado a reorganizar-se e transferir para a cidade do Rio de Janeiro a sua administração central, onde imanavam as orientações que regulavam todas as províncias ultramarinas (Brito Neto, 2005).

Porém, apesar desse fato, a materialização de uma política e modelo de educação formal em Angola não se fez sem coerção, sendo caracterizada por pequenos avanços e grandes retrocessos, especialmente, pelos acontecimentos históricos de Portugal. Nessa perspectiva, para se compreender as políticas de educação em Angola, é necessário levar em conta e ter como base de fundamentação alguns acontecimentos históricos ocorridos em Portugal (Eduardo, 2019; Oliveira, 2015). Posteriormente, com a abertura dos portos de Luanda e Benguela e o confronto político entre os holandeses e os portugueses durante a ausência da família real, o desenvolvimento do comércio e a pressão para a abolição do tráfico de escravos, Portugal começa a sentir-se pressionada e adota algumas medidas sociais para justificar a sua presença em Angola.

Na prática, tendo em consideração a ideologia escolástica implementada pelos jesuítas e pela família real nas províncias ultramarinas, que exigia um grau elevado de instrução e cultura para ter o aceite das classes sociais privilegiadas, começa a promover o ensino secundário, em detrimento de planos para a instrução primária, conduta que servia apenas a pequena burguesia possessiva e interessada em ascender à hierarquia social, por intermédio da instrução e cultura (Eduardo, 2019).

A educação Falcão e Rebelo da Silva situado entre 1845 e 1926, é marcada pelo aumento da importância de Angola no cenário internacional e pelo movimento mundial para a abolição do comércio de tráfico de escravos e da proteção de mão de obra barata, liderado pelos ingleses. É importante destacar a importância e o protesto dos ingleses contra os portugueses no dia 13 de agosto de 1887, contra a expansão da influência portuguesa na África Austral (Eduardo, 2019; Silva Neto, 2010).

Em 14 de agosto de 1845 foi publicado o decreto de Joaquim José Falcão, o primeiro instrumento legal que regulava a organização do ensino primário público nas províncias ultramarinas, atribuindo ao Estado português, a responsabilidade da educação pública, determinando, assim, a primeira organização do ensino primário e estabelecia a sua supervisão por um inspetor. Esse decreto estabelecia o quadro normativo que veio aumentar a rede escolar e os níveis de ensino em 1869, até então composto por dois níveis: um nível semelhante ao ensino primário em Portugal e outro nível primário superior, que era o último nível de educação em Angola, que de alguma forma, alteraram o quadro do sistema educativo (Silva Neto, 2010).

Com isso, o último decreto publicado foi determinante para o sistema de ensino das colônias e que compreendeu ao ensino elementar, secundário e superior, sendo a sua fiscalização e superintendência delegada aos Conselhos Inspetores e às juntas de inspeção local. Esse decreto permitiu a reorganização descritiva dos níveis de ensino, nomeadamente em ensino primário, ensino secundário e ensino superior (Silva Neto, 2010). As medidas impostas por Falcão, no quadro do alargamento da rede escolar e níveis de ensino, elevaram-se nos principais centros urbanos da época, designadamente, Luanda, Namibe e Huila, ao nível de escolas secundárias e reestruturou o ensino primário em dois graus, cada um com duas séries. No entanto, vale ressaltar que em 1866 foi assinado um convênio entre o Estado português e o Vaticano, em termos preferenciais dada à Igreja Católica no quesito da ação missionária sobre as suas colônias e, assim, o ensino volta a ter grande impacto dessas missões. O Decreto nº 18.570, de 8 de julho de 1930, vem dar respaldo a esse fato, destacando que o Estado Português:

Aceita e auxilia as missões religiosas portuguesas, como agentes eficazes de civilização e de soberania, e as casas de formação de pessoal para elas, reconhecendo-lhes personalidade jurídica, e admite o livre exercício dos diversos cultos, sem embargo de o submeter ao que for exigido pela soberania de Portugal e pela ordem pública (Portugal, 1930, p. 1308).

Ou seja, a preferência e o privilégio dado a Igreja Católica, no âmbito das missões, em relação a Igreja Protestante começa a dar os primeiros passos em 1640, no período da invasão dos holandeses em Luanda, bem como participar da educação dos nativos a partir de 1878. Porém, com a abertura dada à missão protestante, referente a atividade educativa da Igreja Protestante da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e do Canadá toma forma e intensidade, com o ensino dominical, inicialmente, virada à educação religiosa e, depois ganha atenção com a educação infantil, primária, secundária, normal, bíblica, técnico rudimentar e profissional. A educação infantil, apesar de ser praticada em pequena escala, foi bem acolhida pelos nativos (Eduardo, 2019).

Nessa perspectiva, a presença dos missionários protestantes facilitou o acesso ao ensino dos povos nativos, principalmente em zonas rurais, onde a missão católica não estava presente. As escolas protestantes respondiam às necessidades educativas da população nativa discriminada pelo sistema de ensino católico, que foi criado para atender aos interesses da elite colonial portuguesa (Eduardo, 2019).

A educação salazarista (1926-1961) foi marcada por vários desafios relacionados tanto à ordem financeira quanto às políticas de relações externas. Entre esses desafios, destacavam-se questões, como: problemas relacionados com a guerra da Espanha; problemas ligados à Segunda Guerra mundial; problemas ligados aos movimentos de expansão democrática; e, em particular, os movimentos de libertação em Angola e Moçambique que culminaram com o início da Luta de Libertação Armada (Eduardo, 2019). Em resposta a essas questões, e com a emergência do Estado, arrolado na Constituição de 1933, Salazar, como primeiro-ministro de Portugal, fez a publicação de vários instrumentos jurídicos e administrativos, nomeadamente o “Acto Colonial” por meio do Decreto nº 18.570 (Portugal, 1930) e o “Estatuto dos Indígenas e dos Assimilados”, pelo Decreto nº 39.666 (Portugal, 1954), que definia o indígena.

No entanto, de acordo com o Decreto-lei nº 39.666, de 20 de maio de 1954 (Portugal, 1954), é considerado “indígena”, os nativos africanos de raça negra ou semelhante, que não exibissem hábitos de cultura portuguesa e que dominassem a língua portuguesa. Com o intuito de melhorar o compromisso humano dos povos nativos, é declarado nesta lei que

[...] o Estado promoverá por todos os meios o melhoramento das condições materiais e morais da vida dos indígenas, o desenvolvimento das suas aptidões e faculdades naturais e, de maneira geral, a sua educação e pelo ensino e pelo trabalho para a transformação dos seus usos e costumes primitivos, valorização da sua atividade e integração ativa na comunidade, mediante acesso à cidadania (Portugal, 1954, p. 560).

Em termos de infraestruturas de ensino e formação haviam sido criadas algumas escolas do ensino primário, alguns liceus em grandes centros urbanos nomeadamente Luanda, Huambo e Huíla, todavia, só recebiam alunos portugueses e alguns mestiços (Brito Neto, 2005; Eduardo, 2019; Paxe, 2014). Para os nativos, foi criado o ensino rudimentar, cujas finalidades circunscreviam na preparação educativa no âmbito moral, cívico, aquisição de hábitos e aptidões para o trabalho de harmonia com os sexos, as condições sociais e as convivências das economias regionais, preparação física e intelectual (Portugal, 1954).

Ainda de acordo com o Decreto-lei nº 39.666 (Portugal, 1954), esse ensino

[...] a que for este artigo se refere procurará sempre difundir a língua portuguesa, mas, como instrumento dele, poderá ser autorizado o emprego de idiomas nativos. [...] aos indígenas habilitados com o ensino de adaptação ou que mostrem pela forma que a lei previr, desnecessidade dele, é garantida a admissão ao ensino público, nos termos aplicáveis aos outros portugueses (Portugal, 1954, p. 560-561).

Na visão colonial, dificilmente a educação tinha como objetivo desenvolver os indígenas com uma consciência crítica e com formação técnica de qualidade que lhes possibilitasse sua inserção na sociedade, em concorrência com os brancos portugueses, seja na economia, nos mercados de trabalho em Portugal, nas ilhas adjacentes e no ultramar (Paxe, 2014).

Para a colonização, o fim da educação para os povos nativos era “difundir entre os indígenas, nos seus povoados selvagens, os mais úteis preceitos de higiene e de moral, ensinar-lhes um ofício e o conhecimento da língua portuguesa” (Paxe, 2014, p. 50). O carácter prático do ensino, é essencialmente a preparação de mão de obra barata para explorar em seus projetos econômicos.

A educação, durante o período da Luta Armada (1961-1974), foi marcada pela pressão sofrida pela colonização portuguesa, para cessar as atividades de exploração humana e econômica nas suas colônias. Como destacou-se anteriormente, a adoção, por parte de Portugal, de uma política de disfarce, que se manifestava no ultraje à população africana, bem como na separação dos nativos (entre indígenas, assimilados e não-assimilados), determinou os traçados da educação durante esse período.

No entanto, para replicar às pressões sofridas, foi criado um plano, no sentido de proporcionar uma formação de nível superior. O primeiro estudo universitário em Angola foi criado pela Igreja Católica em 1962, o Instituto Pio XII, com formação em Assistência Social. Depois da criação do Instituto Pio XII, ainda no ano de 1962, a partir do Decreto-lei nº 44.530, de 21 de agosto (Portugal, 1962), na chamada província ultramarina de Angola, criou-se os Estudos Gerais Universitários, que se repartiu nos três referenciais centros urbanos daquela época, nomeadamente, Huambo (Nova Lisboa), Huíla (Sá da Bandeira) e Luanda. Porém, o início das atividades letivas foi somente no ano acadêmico 1963-1964, com a aprovação do Decreto-lei nº 45.180 de 5 de agosto de 1963 (Portugal, 1963), que promulgava os cursos a serem ministrados em Angola, designadamente, Ciências Pedagógicas, Médicos-Cirúrgicos, Engenharia Civil, de Minas, Mecânica, Químico-Industrial e Eletrotécnica, Veterinária, Agronomia e Silvicultura.

Na generalidade, o sistema de educação angolano, obedecia a três rumos: i) o sistema oficial, com os seguintes níveis: infantil e primário, primário e elementar, profissional (artes e ofício), secundário (técnico e liceal), médio e universitário, o programa de formação de servidores públicos e o ensino artístico; ii) o ensino religioso eclesiástico, sob tutela dos missionários católicos e que, usualmente, se traduzia em ensino oficial; e iii) o ensino religioso das missões do protestantismo. Em regra, esses dois últimos rumos de ensino eram completamente opostos, com lógicas e fundamentos de ação desigual (Eduardo, 2019). Vale destacar que, o ensino eclesiástico era apenas para os filhos dos portugueses, ou seja, meramente elitista e, ocasionalmente, os filhos dos assimilados ou da pequena elite burguesa negra formada nesse período. Já o ensino ministrado pela missão protestante estava mais direcionado aos nativos residentes em zonas rurais, tanto como os assimilados e os não-assimilados com espírito libertador.

Influência das organizações multilaterais na internacionalização das políticas educacionais

O objetivo deste item consiste em analisar uma das questões mais debatidas ao nível das pesquisas sobre políticas educacionais atualmente, a grande influência da ONU e suas agências especializadas na difusão de uma agenda educacional internacional que se fundamenta na garantia dos direitos humanos. Com o advento da globalização que engendra e promove uma agenda global de economia e política para que os Estados-Nação, principalmente para que os países em via de desenvolvimento a cumpram, tem colocado a educação no cerne dos seus interesses. Tendo as Organizações Internacionais e os atores transnacionais na difusão de uma pauta global da educação levada a acabo, por meio de um processo de transferência de políticas, os Estados Nacionais de países em via de desenvolvimento que, ao receberem financiamento dos países mais desenvolvidos e das Organizações Internacionais, perdem certa autonomia na elaboração, implementação e condução de políticas locais.

Na perspectiva da Abordagem do Ciclo de Políticas (ACP) de Ball, Maguire e Braun (2016), países desenvolvidos, Organizações Internacionais e atores transnacionais se constituem no contexto da influência das políticas educacionais traduzidas em diferentes países, ou seja, essas entidades protagonizam a transferência da agenda que, segundo Verger (2019) ganhou o status de políticas educacionais globais (PEG), considerando que a criação das políticas nacionais é, inevitavelmente, “um processo de bricolagem; um constante processo de empréstimo e cópia de fragmentos e partes de ideias de outros contextos [...] de investimento em tudo aquilo que possa vir a funcionar” (Ball, 2001, p. 102).

O contexto da influência refere-se ao território originário, do qual emanam as políticas educativas internacionais. É nesse contexto que grupos de interesse disputam, para influenciar a definição das finalidades da educação, no qual as influências globais e internacionais no processo de formulação de políticas nacionais são evidentes. Uma densa rede de organizações internacionais interage e compete para promover seus discursos educacionais e soluções de políticas preferenciais no campo da política educacional global, ao mesmo tempo em que desempenha um papel-chave nos processos de definição da agenda e de escrutínio, tanto nacional quanto internacional. Os mecanismos de controle são reforçados e baseados em padrões de prestação de contas (Fernandes, 2013; Lopes; Macedo, 2011; Mainardes, 2006; Verger, 2019).

Entretanto, a ONU, por intermédio de suas agências especializadas, promove o discurso de que a educação é o meio pelo qual se alcança o desenvolvimento sustentável com investimento em capital humano. Isso tem se evidenciado no domínio das parcerias que estabelece com os países mais empobrecidos, muitas vezes, com caráter mandatório, já que, frequentemente, esses países estão sujeitos à imposição, sem a adoção voluntária das recomendações provenientes dessas agências (António, 2023; Dale, 2004; Souza; Pletsch, 2017). Por isso, há uma semelhança com o que Verger (2019) denominou de Políticas Educacionais Globais (PEG) difundidas pelas organizações internacionais e atores transnacionais. Dale (2004) fala de uma Agenda Globalmente Estruturada para a Educação (AGEE), que considera a educação como variável dependente desse processo, fundamentada em um conjunto de dispositivos político-econômicos para a organização da economia global, impulsionada pela necessidade de manutenção dos interesses hegemônicos. Nesse contexto, o financiamento de projetos locais tem sido uma medida de pressão para a adoção local das principais recomendações internacionais. Daí que a globalização constitui a condição primeira para a compreensão da AGEE, pois é com a emersão de “forças econômicas operando supra e transnacionalmente para romper, ou ultrapassar, as fronteiras nacionais, ao mesmo tempo que reconstroem as relações entre as nações” (Dale, 2004, p. 423).

Porém, o grande handicap não reside no fato de os Estados Nacionais beneficiarem com apoios financeiros e assessorias técnicas na implementação e desenvolvimento desses projetos, os problemas são evidentes, a partir do momento que as recomendações internacionais passam sobre as idiossincrasias locais, ignorando os contextos políticos, econômicos e culturais locais. Como afirmam Lendvai e Stubbs (2012), as políticas educacionais, globalmente concebidas e elaboradas, aplicam-se localmente, entretanto, não como transferência, ao invés disso, como tradução. Por isso, como Ball, Maguire e Braun (2016) enfatizam, os contextos importam, sendo esse um fator mediador no trabalho de atuação política feito nas escolas e é único para cada escola, assim como, independentemente das semelhanças que os diversos países possam apresentar, cada um representa um contexto próprio e único.

As diferenças entre os contextos da prática, nesse caso, o espaço onde a política está sujeita à interpretação e recriação, os textos são lidos diferentemente e são adaptados de acordo com os contextos locais e institucionais, em que as consequências reais são experienciadas (Bowe; Ball; Gold, 1992; Mainardes, 2006), tem demonstrado incompatibilidades face a trama da internacionalização das políticas educacionais que desconsideram as particularidades de cada país. No caso concreto de Angola, um estudo doutoral recentemente realizado por António (2023) sobre a Política Nacional de Educação Especial Orientada para a Inclusão Escolar, confirmou a seguinte tese:

A agenda global e homogeneizante, sob a marca da educação inclusiva defendida pelas agências especializadas da ONU, não tem sido compatível com os contextos específicos da sua tradução, demandando grandes desafios aos gestores educacionais e escolares, que têm a obrigação de garantir as matrículas do público-alvo da educação especial, mesmo sem contar com as condições técnicas e profissionais, fato que resulta num débil processo de inclusão que está longe de atender seu principal objetivo (António, 2023, p. 164).

Corroborando Fernandes (2013), é possível observar, ao nível da literatura produzida, o consenso sobre a ideia de que a globalização das questões educacionais decorre da ação de determinadas organizações e da influência que exercem na afirmação de novos rumos para a educação, na Europa e no mundo. Nesse caso, a África está entre os continentes mais afetados por essas medidas estandardizadas, sendo que em Angola, a UNESCO, UNICEF e o BM têm sido as agências especializadas da ONU com maior presença nas políticas públicas voltadas a educação.

Como afirma Meyer (2000), é notória a crescente tendência de influentes organizações internacionais, quer governamentais, quer não governamentais que fornecem modelos padrão para o desenvolvimento educacional (como, por exemplo a UNESCO, UNICEF e o BM em Angola), que oferecem assistência técnica concreta, financiamento de projetos e disponibilizam consultores para colaborar no terreno.

Por conta disso, sobretudo em contextos como o angolano, pesquisas e reflexões que põem em tela as mais diversas intervenções das organizações internacionais dentro das políticas públicas locais, ganham grande importância nesses tempos em que assessoram e financiam, não somente o setor social da educação, mas também, o Plano Nacional de Desenvolvimento em conformidade com os compromissos da agenda 2030. Hoje, o interesse das organizações internacionais na ampliação dos mercados educacionais tem servido de base de orientação e alinhamento dos Estados Nacionais na tomada das principais decisões sobre educação (Lobo; Castro, 2023).

Para fechar este capítulo, busca-se respaldo em Libâneo (2016), ao afirmar que a internacionalização das políticas educacionais é um movimento inserido no contexto da globalização, em que agências internacionais multilaterais de tipos monetário, comercial, financeiro e creditício formulam recomendações sobre políticas públicas para países emergentes ou em desenvolvimento. No prosseguimento desse artigo, o autor acrescenta dizendo que essas recomendações incluem formas de regulação das políticas em decorrência de acordos de cooperação, principalmente, nas áreas da saúde e da educação.

Uma política educacional local: da herança colonial aos marcos normativos de uma pauta internacional

Com este item objetiva-se analisar os meandros do atual Sistema de Educação e Ensino angolano e as influências advindas do modelo de educação colonial e das principais intervenções das agências especializadas da ONU, que contribuíram e vêm contribuindo na elaboração de políticas públicas voltadas à educação. No contexto atual, a política angolana da educação tem buscado o maior alinhamento possível aos principais postulados da educação, difundidos pela UNESCO e outras agências especializadas da ONU que financiam e escrutinam projetos inerentes ao setor social. Porém, a necessidade e tentativas de aproximação do Governo Angolano com a UNESCO remontam desde a década de 70, quando do pedido de adesão dado em 14 de setembro de 1976, por meio de uma carta assinada pelo então Ministro das Relações Exteriores, José Eduardo dos Santos, para fazer parte dessa organização internacional, tendo aceite no mesmo ano (UNESCO, 1976).

A partir desse momento, a configuração da política angolana da educação que, por meio da herança colonial e dos empecilhos impostos pela guerra civil, tem se caraterizado pelo maior adentramento a uma trama política que promove as agendas externas das políticas educacionais globais, que nem sempre são compatíveis com as demandas locais, submetendo o local ao global, ao mesmo tempo que desfavorece a atuação política dos gestores educacionais e escolares (António, 2023).

Embora tenha sido admitido como Estado-membro da UNESCO em 1976 e ter feito o juramento em 1977, importa referenciar que Angola já contava com o apoio das organizações especializadas da ONU no setor da educação, antes da independência. Como consta no documento da UNESCO (1998, p. 3), “de 1971 a 1975, desde o período colonial, durante a guerra de libertação, a UNESCO organizava já a formação da juventude angolana no Instituto angolano de Educação fundado em Dolisie, na República do Congo”. Com o passar do tempo, as relações entre ambos foi se reforçando e consolidando, até a criação da Comissão Nacional da UNESCO, como se pode ver em UNESCO (1998, p. 3),

Com a criação, a 1 de Setembro de 1980, da comissão nacional angolana para a UNESCO e, em Maio de 1982, de uma delegação angolana junto da UNESCO, construiu-se uma ponte permanente entre o poder público e o Secretariado da Organização. Asseguraram-se, então, os projectos mais diversos nos campos da competência da UNESCO assim como a participação angolana nas reuniões e nas actividades regulares da UNESCO.

Para o melhor direcionamento da abordagem a que se propunha este capítulo, situa-se o contexto da influência da política educativa angolana em dois importantes momentos do pós-independência, assim sendo, será abordado os contextos da primeira e da segunda reforma do Sistema de Educação e Ensino angolano. Importa situar que o Sistema de Educação e Ensino de Angola conheceu um momento de transição no período pós-independência, entre 1999 e 2005, marcado por dois diferentes sistemas, o de 1977, aprovado pelo Decreto nº 40/80 de 14 de maio) e o de 2001, aprovado pela Lei nº 13/01 de 31 de dezembro (Banco Mundial, 2007).

Após a independência de Angola, em 1975, foi adotada uma nova organização do sistema educacional, que partiu da necessidade de mudança do sistema de educação herdado do colonialismo português, classificado ineficiente, limitado e mais voltado à cultura de Portugal. Com essa mudança, o Estado angolano buscou adotar, em 1977, um novo Sistema de Educação e Ensino caracterizado, essencialmente, por uma maior oportunidade de acesso à educação e à continuidade de estudos, pela gratuidade do ensino e pelo aperfeiçoamento permanente do pessoal docente, além de corresponder às necessidades do país e a consolidação da independência nacional (Angola, 2001; Nguluve, 2006).

Todavia, a transição de um sistema de educação colonial para o nacional não garantiu, de modo imediato, os resultados esperados, contanto que o país não predispunha do perfil de professores que pudessem atender suas aspirações numa nova era. Além do mais, o alcance da independência marcou o início de uma guerra civil que envolveu os três principais movimentos de libertação de Angola (FNLA, MPLA e UNITA) que disputavam o poder e o controle do país. Esses acontecimentos impactaram, negativamente, no novo projeto de educação adotado em 1977 e implementado em 1978.

A instabilidade política, social e o contexto econômico desafiador a que o país estava sujeito, resultantes do colonialismo e da guerra civil vigente naquele momento, possibilitaram maior protagonismo das organizações internacionais que adentraram na política nacional, por meio de seus programas filantrópicos e financiamento de projetos estruturantes do Estado angolano. Durante a primeira reforma educacional, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, Jomtien/Tailândia, em 1990, ratificada no Fórum Mundial de Educação, Dakar/Senegal, em 2000 e a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, Salamanca/Espanha, em 1994, proporcionaram muitas brechas para que as organizações internacionais atuassem dentro de um sistema educacional débil e com enormes desafios na garantia do direito à educação. Após a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, sob os auspícios do UNICEF e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 1991, foi realizada uma Mesa Redonda Nacional sobre Educação para Todos, com o objetivo de analisar a viabilidade e as possibilidades existentes, para responder as recomendações advindas da Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Em 1995, à luz das recomendações plasmadas na Declaração de Salamanca, Angola elaborou e implementou o projeto 534/ang/10 em 1995, que consistiu na Promoção de Oportunidades Educativas para a Reabilitação das Crianças Vulneráveis, o que permitiu a integração de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) nas escolas regulares, salas especiais e integradas (INEE, 2006).

Tendo prevalecido os problemas da educação outrora identificados, a ONU, por intermédio de suas agências especializadas em colaboração com o então Ministério da Educação e Cultura, “em 1995, identificaram e formularam o Plano-Quadro Nacional de Reconstrução do Sistema de Educacional para o Decénio 1995-2005” (Angola, 2001, p. 11), objetivando adequar o ensino às exigências para o desenvolvimento humano sustentável numa perspectiva de reconstrução sobre novas bases, num momento em que se previa o fim do conflito armado. Porém, passados seis anos da implementação do Plano-Quadro e dadas as circunstâncias do agravamento da instabilidade político-militar e a recessão econômico-financeiro, conforme indica Angola (2001), o plano fracassou quase em sua totalidade. Em decorrência disso, o acesso e a qualidade da educação eram os principais problemas que caracterizavam o sistema educacional, sendo que menos de 6 em cada 10 pessoas tinham acesso as escolas.

Passados 23 anos após a implementação da primeira reforma educativa de 1978 e considerando que os resultados obtidos estavam muito aquém do que se esperava, o Governo da República de Angola, em colaboração com os seus principais parceiros, elaborou e adotou a Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação para o período de 2001-2015, que constitui no instrumento de orientação estratégica do país para o Setor da Educação, no sentido de direcionar, integrar e conjugar o esforço nacional na perspectiva de uma educação pública de qualidade para todos, para os próximos 15 anos (Angola, 2001). Outrossim, esse documento, pelo seu carácter indicativo, dinâmico, orientador, estratégico e de abrangência nacional constituiu-se, igualmente, em um documento de referência obrigatória, devendo ser interiorizado e assumido como o Guia Estratégico de Ação, devendo a sua implementação ser adequada à realidade objetiva local.

Segundo o INEE (2006), tanto a Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema da Educação como a Lei de Bases do Sistema da Educação nº 13/01 de 31 de dezembro, que marcam o início da segunda reforma, constituem instrumentos de orientação estratégica do Governo para o Setor da Educação, no período de 2001-2015, pois definem as linhas gerais e específicas para a estabilização, consolidação e desenvolvimento (expansão) das modalidades de ensino, um período que coincide com o fim da guerra civil. A partir desse ponto, avança-se para o período da segunda reforma educacional.

Segundo informa Nguluve (2006), diferente da primeira reforma, a segunda tentava seguir uma metodologia diferente, buscando atender a política de educação para todos, proposta pela UNESCO. Durante a segunda reforma, o Sistema de Educação e Ensino angolano passou por vários procedimentos de adequação ao contexto local, porém, sob fundamentos teóricos e filosóficos da ONU. Por isso, a Lei de Bases do Sistema de Educação nº 13/01 de 31 de dezembro, objetivava expandir a Rede Escolar; melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem; reforçar a eficácia do sistema de educação; e garantir a equidade do sistema de educação (Angola, 2014).

Tendo evidenciado sucessos e desafios, a segunda reforma foi alvo de muitos debates entre os profissionais da educação, além do mais, a voga do discurso de garantia do direito à educação para todos assumido e recomendado pela ONU, levou, em 2016, a revogação da Lei nº 13/01 de 31 de dezembro pela Lei nº 17/16, de 07 de outubro, que estabelece os princípios e as bases gerais do Sistema de Educação e Ensino, posteriormente alterada pela Lei nº 32/20, de 12 de agosto. Entre as principais alterações realizadas comparativamente a Lei nº 13/01 de 31 de dezembro, destacam os alinhamentos necessários às recomendações das agências especializadas da ONU, que apoiam e financiam os principais projetos do setor da educação.

Essas agências, veiculam o discurso humanitário que prega o caráter produtivo da educação, em que a educação seja vista como mecanismo determinante, capaz de aliviar a pobreza nos países em desenvolvimento, ao mesmo tempo que serve de estratégia para a regulação social, combate à pobreza e a garantia da segurança pelos constantes alinhamentos ao longo dos tempos. Outrossim, essa nova tendência visa, igualmente, responder às demandas neoliberais que primam mais pela formação do capital humano em detrimento do ser humano, por isso, as recomendações dessas agências nem sempre são de acatamento voluntário, às vezes, assumem um caráter mandatório ao não se importarem com as particularidades locais (Leher, 1999; Oliveira, 2015; Souza; Pletsch, 2017).

Atinente a isso, a atual LBSEE resulta de um esforço conjunto entre o Ministério da Educação e outros departamentos ministeriais como a UNESCO, UNICEF e BM que também contratam outras organizações internacionais parceiras na elaboração, financiamento, execução e assessoria de projetos dentro da política angolana de educação. Em 2013, o Conselho de Diretores do BM aprovou o projeto Aprendizagem para Todos (PAT) em Angola, tendo sido efetivado em junho de 2014 com um crédito inicial de 75 milhões de USD financiados e uma contrapartida de 5 milhões de USD do governo de Angola, com o objetivo de melhorar os conhecimentos e as competências dos professores, assim como a gestão das escolas nas áreas designadas do Projeto, para desenvolver um sistema de avaliação sistemática de alunos (Angola, 2022; PAT-Angola, 2014). Nesses últimos 10 anos, é cada vez mais representativa a intervenção dessas agências. À semelhança do que acontece hoje com a formação de professores e gestores escolares, a atual Política de Educação Especial Orientada para a Inclusão Escolar é outro fator de alteração da atual LBSEE, que foi concebido e financiado pelo UNICEF e BM, que convidaram o Instituto Rodrigo Mendes (IRM) do Brasil para a Elaboração da política e o treinamento dos técnicos do INEE.

Hoje, como mecanismo de resposta aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, o governo angolano, apoiado pela ONU, elaborou um Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação, abrangendo o período compreendido até 2030, denominado PNDE EDUCAR - Angola 2030, cujo objetivo geral é “promover o desenvolvimento humano e educacional, com base numa educação e aprendizagem ao longo da vida para todos e cada um dos angolanos” (Angola, 2015, p. 5). Para atender os ODS da agenda 2030, a elaboração do Plano Nacional de Desenvolvimento tem contado com o apoio e assessoria da ONU. Todo o exposto anteriormente, deixa evidente a importância das organizações e dos atores internacionais no processo de empréstimo e mobilidade das políticas educacionais que atendem a uma agenda global da educação.

Considerações finais

A garantia do direito à educação em Angola, no contexto das políticas públicas a ela inerentes, tem sido uma questão muito discutida e que conheceu significativos avanços no período pós-guerra. Entretanto, a configuração da atual política educacional é resultado de um conjunto de fatores e ocorrências, situados dentro de um marco temporal da história angolana como Estado-Nação. Ou seja, dado o passado histórico sob o jugo colonial de Portugal à Angola e a guerra civil que marcou retrocessos sobre as poucas infraestruturas educativas herdadas do colonialismo, o país ficou muito dependente de apoios e financiamentos externos oferecidos como ações filantrópicas.

Embora se tenha adotada uma política educacional (primeira reforma) em 1977 e implementada em 1978, resultou inevitável a forte influência do modelo colonial de onde foram formados os poucos professores angolanos, que tinham a missão de materializar a nova política, com o intuito de garantir maior acesso à educação e continuidade de estudos, face a consolidação da independência nacional. Por outro lado, o passado de uma educação jesuíta, a educação pombalina, a educação joanina, a educação Falcão e Rebelo da Silva, a educação salazarista e a educação durante a fase da Luta Armada, todas elas pertencentes ao período pré-independência e ao serviço dos interesses do colono português, manteve um impacto impeditivo nas aspirações de nacionalização do Sistema de Educação e Ensino.

Outrossim, no período pós-independência, marcado pela guerra civil (1975-2002) e pelo pós-guerra (2002 até hoje), as organizações internacionais desempenharam um importante papel na formação e constantes reformulações do Sistema de Educação e Ensino. Atualmente, a UNESCO, o UNICEF e o BM, por meio de seus serviços de diagnóstico de debilidades e fortalezas, propostas de soluções, elaboração e financiamentos de projetos, predisposição de consultores, avaliação e escrutínio das ações estatais desenvolvidas, a raiz de seus financiamentos tem facilitado e propiciado um maior espaço às políticas educacionais globais que, em muitos casos, não são compatíveis com as condições locais. A ONU, por meio do discurso da garantia da educação para a erradicação dos principais problemas que o mundo atual enfrenta, tem conseguido promover sua agenda global, que consiste na formação de capital humano capaz de contribuir para a economia global.

Finalmente, fica evidente que, para países em via de desenvolvimento como Angola, com um histórico de quase cinco séculos de colonização e 27 anos de guerra civil, os apoios e financiamentos vindos das organizações internacionais ajudam a aliviar muitos desafios e estar um pouco mais alinhado às práticas internacionais bem-sucedidas, porém, a ligeira perda de autonomia pode desvirtuar o foco dos reais problemas locais.

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    ANTÓNIO, António; KUEBO, Paulino Gregório Armando. A política educativa em Angola e a garantia do direito à educação: articulação entre o contexto de influência e a produção de textos. Educar em Revista, Curitiba, v. 40, e94760, 2024. https://doi.org/10.1590/1984-0411.94760

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2024
  • Aceito
    02 Set 2024
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