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A NOVA DIREITA E OS ATAQUES À AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES NO BRASIL

THE NEW RIGHT AND THE ATTACKS TO THE AUTONOMY OF UNIVERSITIES IN BRAZIL

LA NUEVA DERECHA Y LOS ATAQUES A LA AUTONOMÍA DE LAS UNIVERSIDADES EN BRASIL

RESUMO

A autonomia universitária tem sido duramente atacada nos últimos anos. O presente artigo analisa um período específico da história recente do país com o propósito de compreender o tratamento que o governo Bolsonaro conferiu às universidades públicas federais. O estudo evidenciou, entre outros aspectos, que a nova direita brasileira atuou para desgastar a imagem das universidades; destruir as condições institucionais para o exercício profissional dos docentes, servidores técnicos administrativos e estudantes, alterar os marcos regulatórios referentes à escolha e nomeação de dirigentes, e esvaziar a autonomia financeira e patrimonial das universidades.

Palavras-chave
Políticas de educação superior; Autonomia universitária; Universidades federais; Governo Bolsonaro

ABSTRACT

University autonomy has been heavily attacked in recent years. This article anlyzes a specific period in the recent history of the country with the purpose of understanding the treatment that the Bolsonaro government conferred on federal public universities. The study showed, among other aspects, that the new Brazilian right acted to erode the image of universities; destroy the institutional conditions for the professional practice of professors, technical-administrative servants and students, change the regulatory frameworks referring to the choice and appointment of directors, and empty the financial and patrimonial autonomy of universities.

Keywords
Higher education policies; University autonomy; Federal universities; Bolsonaro government

RESUMEN

La autonomía universitaria ha sido fuertemente atacada en los últimos años. Este artículo analiza un período específico de la historia del país con el propósito de comprender el tratamiento que el gobierno de Bolsonaro confirió a las universidades públicas federales. El estudio mostró, entre otros aspectos, que la nueva derecha brasileña actuó para erosionar la imagen de las universidades; destruir las condiciones institucionales para el ejercicio profesional de los profesores, servidores técnico-administrativos y estudiantes, modificar los marcos normativos referidos a la elección y designación de directores, y vaciar la autonomía financiera y patrimonial de las universidades.

Palabras clave
Políticas de educación superior; Autonomía universitaria; Universidades federales; Gobierno de Bolsonaro

Introdução

O princípio da autonomia tem sido basilar para a sobrevivência e a consolidação das universidades desde o surgimento das primeiras instituições na Europa, no século XI (Rossato, 1998ROSSATO, R. Universidade: nove séculos de história. Passo Fundo: UPF, 1998.; Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
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). Ele contribuiu para concretizar um modelo específico de instituição, cujo propósito principal tem sido, ao longo de mais de nove séculos, a formação de nível superior e o desenvolvimento da investigação científica e do pensamento crítico. Além de diferenciar as universidades de outras instituições sociais, políticas, econômicas, religiosas, culturais etc., o princípio da autonomia salvaguardou o primado de que o conhecimento deve ser autônomo, livre, guiado pela sua própria lógica e conduzido conforme as necessidades inerentes ao seu desenvolvimento e à sua transmissão (Chauí, 2003CHAUÍ, M. A universidade pública sob nova perspectiva. Revista Brasileira de Educação, n. 24, p. 5-15, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a02.pdf. Acesso em: 22 mar. 2023.
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).

A despeito de sua importância e longa história, o tema continua surpreendentemente atual e gerando divergências e disputas. Os tensionamentos refletem, entre outros aspectos, os conflitos e os interesses de classe presentes no interior da sociedade e do Estado. Por essas razões, a trajetória do princípio da autonomia, em vez de linear, tem sido marcada por avanços e retrocessos. Com frequência, as instituições universitárias e as suas respectivas comunidades acadêmicas, sobretudo nos países de frágil tradição democrática, têm sido atacadas por agentes do Estado, grupos midiáticos, elites econômicas, políticas e religiosas.

Em países como o Brasil, onde a democracia tem sido mais a exceção que a regra, os retrocessos estão estreitamente relacionados aos fatores políticos, especialmente à ausência de democracia. A tardia consolidação do Estado democrático de direito comprometeu o fortalecimento da autonomia universitária. Os regimes autoritários, invariavelmente, moveram ações para suprimir as liberdades acadêmicas. As universidades brasileiras passaram a maior parte de sua história sob a tutela e o controle direto ou indireto dos governos autoritários. Os regimes de matriz autoritária limitaram a liberdade de cátedra e de pensamento nas universidades e expuseram a comunidade acadêmica a múltiplas interferências e pressões externas (Leher, 2019LEHER, R. Autonomia universitária e liberdade acadêmica. Revista Contemporânea de Educação, v. 14, n. 29, p. 208-226, jan./abr. 2019. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/article/view/23167. Acesso em: 15 jul. 2024.
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, 2021LEHER, R. O orçamento das universidades federais e a perigosa combinação de neoliberalismo e neofascismo. Esquerda Online, 2021. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2021/06/29/roberto-leher-o-orcamento-das-universidades-federais-e-a-perigosa-combinacao-de-neoliberalismo-e-neofascismo/. Acesso em: 30 jun. 2021.
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; Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
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; Silva et al., 2023SILVA, S. et al. Educação superior pública federal no governo autocrático. In: LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023. p. 187-214.).

A frágil tradição democrática ajuda a entender por que o país tardou a constitucionalizar o princípio da autonomia universitária. A Constituição Federal de 1988 foi o primeiro texto constitucional a estabelecer a autonomia como um princípio fundamental do fazer universitário, tanto nos seus aspectos didático-científicos quanto administrativos, de gestão financeira e patrimonial. A materialização desse princípio está presente no Art. 207, a Constituição Federal de 1988, que assegura: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.). Por meio deste artigo, a referida Constituição estabeleceu as bases legais para o exercício das liberdades acadêmicas, protegendo as universidades do varejo das disputas político-partidárias e dos interesses patrimonialistas dos grupos que ocupam as estruturas do Estado (Ranieri, 2018RANIERI, N. B. S. Trinta anos de autonomia universitária: resultados diversos, efeitos contraditórios. Educação & Sociedade, Campinas, v. 39, n. 145, p. 946-961, 2018. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302018205173
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; Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
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). Ao conferir o status de dever constitucional, o Art. 207 tornou a autonomia uma obrigação a ser cumprida pelos agentes do Estado, pelos governos e pelo conjunto da sociedade. Ele estabeleceu os parâmetros que devem orientar a gestão universitária e as relações entre os governos e as universidades.

A constitucionalização do princípio, no entanto, não pôs fim às disputas nos planos normativo e político. A primeira tentativa de alteração do Art. 207 ocorreu três anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Em 1991, o então presidente Fernando Collor de Mello, apoiado por alguns grupos empresariais da educação privada, apresentou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 56-B/1991, cujos propósitos eram, segundo Leher (2019)LEHER, R. Autonomia universitária e liberdade acadêmica. Revista Contemporânea de Educação, v. 14, n. 29, p. 208-226, jan./abr. 2019. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/article/view/23167. Acesso em: 15 jul. 2024.
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, desregulamentar a autonomia universitária e mudar o caráter jurídico das universidades federais. A PEC não avançou, em virtude da greve nacional dos docentes e técnicos administrativos em 1991 e, posteriormente, do processo de impeachment em 1992.

Nos anos recentes, sobretudo a partir de 2016, a autonomia, especialmente das universidades públicas federais, passou a ser com frequência questionada sob o argumento de que se tratava de um artifício usado para ocultar a corrupção no serviço público, além de estimular e permitir o uso de drogas ilícitas nas instituições universitárias e assegurar a militância política garantindo a primazia do pensamento de esquerda (Leher, 2019LEHER, R. Autonomia universitária e liberdade acadêmica. Revista Contemporânea de Educação, v. 14, n. 29, p. 208-226, jan./abr. 2019. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/article/view/23167. Acesso em: 15 jul. 2024.
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; Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
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). Essa narrativa foi explorada na campanha presidencial de 2018, particularmente pelo candidato Jair Bolsonaro, que defendeu a necessidade de intervir nas universidades federais com os objetivos de romper com a hegemonia ideológica da esquerda e combater o chamado “marxismo cultural” (Estadão Conteúdo, 2018ESTADÃO CONTEÚDO. Equipe de Bolsonaro planeja escolher reitores das universidades federais. Exame, 2018. https://exame.com/brasil/equipe-de-bolsonaro-planeja-escolher-reitores-das-universidades-federais/. Acesso em: 21 ago. 2021.
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; Abrucio, 2021ABRUCIO, F. L. Bolsonarismo e educação: quando a meta é descontruir uma política pública. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 255-270.; Silva et al., 2023SILVA, S. et al. Educação superior pública federal no governo autocrático. In: LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023. p. 187-214.).

A vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018, somada à ascensão política de um significativo grupo de apoiadores políticos nos estados e no Congresso Nacional, garantiu as condições para a implementação e o fortalecimento de políticas neoconservadoras e neoliberais na educação superior, pondo em prática seu projeto intervencionista. Dessa forma, Bolsonaro atuou deliberadamente para desgastar a imagem das universidades públicas; comprometer o orçamento das Instituições Federais de Educação Superior (Ifes); destruir as condições institucionais para o exercício profissional dos docentes, servidores técnicos administrativos e estudantes; alterar os marcos regulatórios referentes à escolha e nomeação de dirigentes; e esvaziar a autonomia financeira e patrimonial das universidades (Silva et al., 2023SILVA, S. et al. Educação superior pública federal no governo autocrático. In: LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023. p. 187-214.).

Os recentes ataques à autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades públicas federais revelam as profundas disputas que estão presentes no campo das políticas de educação superior. A análise dessas disputas, sobretudo as empreendidas pelo governo Bolsonaro nos últimos quatro anos (2019–2022), permite compreender, entre outros aspectos, o projeto que a nova direita brasileira defende para a educação superior do país e, mais especificamente, para as universidades públicas federais. O governo Bolsonaro e o bolsonarismo, de maneira particular, não são raios isolados em céu de brigadeiro. Eles precisam ser compreendidos como desdobramentos de um movimento político e ideológico mais amplo, formado por grupos fundamentalistas, populistas, autoritários, neoliberais e neoconservadores (Avritzer, 2021AVRITZER, L. Política e antipolítica nos dois anos do governo Bolsonaro. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 13-20.; Mendonça, 2021MENDONÇA, R. F. Valores democráticos. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 375-390.; Rocha, Solano, 2021ROCHA, C.; SOLANO, E. A ascensão de Bolsonaro e as classes populares. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 21-34.; Veiga, 2021VEIGA, L. F. Cultura política: valores democráticos, preferências políticas, autoritarismo e nova direita. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 391-408.).

A problemática descrita motivou a realização da presente pesquisa, cujo propósito principal foi analisar o tratamento que o governo Bolsonaro conferiu às universidades públicas federais. Os permanentes ataques à autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das instituições são parte de um projeto neoliberal e neoconservador de Estado, de sociedade e de educação, que visa comprometer os fins da universidade pública e submetê-la aos interesses do mercado. O estudo foi realizado entre agosto de 2019 e julho de 2023 com base em uma extensa pesquisa documental sobre a trajetória – antiga e recente – do princípio da autonomia universitária. A pesquisa contemplou inúmeros documentos, como a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996bBRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasil, 1996b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 17 jul. 2024.
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), leis, decretos, medidas provisórias, portarias, projetos de leis, acórdãos, pareceres, relatórios, matérias publicadas na imprensa, entrevistas etc.

Este artigo visa analisar criticamente a história recente da educação superior. Os dados e as análises apresentados ao longo do texto contribuem para compreender como a nova direita brasileira atuou, sobretudo no período entre 2019 e 2022, para implementar uma agenda autoritária, neoconservadora e neoliberal na educação superior. O artigo insere-se no esforço de elaborar uma memória crítica de um período fortemente marcado pelos ataques ao princípio da autonomia didática, científica, administrativa e financeira das universidades públicas federais.

A Nova Direita Brasileira e a Agenda Neoconservadora do Governo Bolsonaro

Embora não haja consenso entre os cientistas sociais e políticos, a nova direita brasileira começou a estruturar-se na primeira década deste século, mais precisamente em 2006, quando eclodiram as denúncias de corrupção envolvendo o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Diferentemente da direita tradicional das décadas de 1980 e 90, cujas bandeiras de luta eram a redução do Estado, a defesa da economia de mercado e a privatização das empresas públicas, a nova direita incorporou pautas até então secundárias e difusas, como o combate à corrupção e a defesa de um conjunto amplo de ideias e valores autoritários, conservadores, nacionalistas e populistas (Estafanía, 2019ESTAFANÍA, J. Mas quem é essa nova direita que ganha espaço pelo mundo? El País, 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/22/opinion/1553264899_947348.html. Acesso em: 29 mar. 2023.
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03...
; Santos, Tanscheit, 2019SANTOS, F.; TANSCHEIT, T. Quando velhos atores saem de cena: a ascensão da nova direita política no Brasil. Colombia Internacional, Bogotá, n. 99, p. 151-186, jul. 2019. https://doi.org/10.7440/colombiaint99.2019.06
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). Em 2006, as denúncias de corrupção – escândalo conhecido como mensalão – ofereceram a materialidade que possibilitou a reorganização e o fortalecimento das forças políticas que vinham combatendo a esquerda e, particularmente, as políticas sociais do governo Lula (Oliveira, 2022OLIVEIRA, D. A. Políticas conservadoras no Brasil: ameaças ao direito à educação e ataques à autonomia docente. Revista Educación, Política y Sociedad, v. 7, n. 22, p. 37-54, 2022. https://doi.org/10.15366/reps2022.7.2.002.
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).

O mensalão, apesar de ter produzido um enorme desgaste político no governo federal, não comprometeu a reeleição do então presidente em 2006. Nos anos seguintes, ao longo do segundo mandato de Lula, as políticas econômicas e sociais implementadas pelo governo impulsionaram o crescimento econômico, a geração de empregos, a redução da pobreza e a inclusão dos mais pobres na economia do país. O bom desempenho da economia, entre outros fatores, contribuiu decisivamente para a eleição, em 2010, da candidata indicada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e apoiada por Lula (Rocha; Solano, 2021ROCHA, C.; SOLANO, E. A ascensão de Bolsonaro e as classes populares. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 21-34.). Os primeiros anos do governo Dilma Rousseff foram de prosperidade econômica e de relativa estabilidade política. Em 2013, dois anos após a sua posse, a economia começou a dar os primeiros sinais de estagnação, decorrentes de inúmeros fatores internos e externos, sobretudo da crise financeira americana iniciada em 2008 e da queda dos preços das commodities brasileiras no mercado internacional (Singer, 2018SINGER, A. O lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011–2016). São Paulo: Companhia das Letras, 2018.).

A desaceleração econômica afetou as contas públicas, comprometeu parte dos investimentos em políticas sociais e desencadeou uma crise política aguda, cuja consequência principal foi a abertura de um processo de impeachment que resultou, em 2016, na cassação do mandato da então presidenta Dilma Rousseff (Singer, 2018SINGER, A. O lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011–2016). São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; Vieira, 2018VIEIRA, O. V. A batalha dos poderes. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.). A crise econômica e política serviu de leitmotiv para a aglutinação da oposição, sobretudo dos grupos políticos do centro e da direita.

Em junho de 2013 e nos anos seguintes, centenas de cidades brasileiras foram palco de manifestações e protestos contra o governo federal, a corrupção, o aumento das tarifas do transporte público e a falta de investimentos em saúde e educação (Lupion, 2020LUPION, B. “Lava Jato serviu como plataforma para a extrema direita”. DW, 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/lava-jato-serviu-como-plataforma-para-a-extrema-direita/a-55282915. Acesso em: 29 mar. 2023.
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). As mobilizações foram convocadas, por meio das redes sociais, por movimentos até então desconhecidos, como o Movimento Passe Livre, o Movimento Brasil Livre, o Vem pra Rua e o Revoltados On Line, além de outros tantos grupos de menor expressão. A tradicional “conciliação política dos conflitos”, característica típica das manifestações organizadas pelas instituições políticas tradicionais, foi substituída por uma “postura conflitiva” (Vieira, 2018VIEIRA, O. V. A batalha dos poderes. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 15).

Tais protestos colocaram a corrupção no centro da agenda política. Similarmente ao que ocorreu em outros momentos da história brasileira, a revolta e o sentimento coletivo expressos nas ruas foram apropriados pela mídia e transformados em campanhas midiáticas contra a corrupção e seus principais agentes, especialmente os partidos, os políticos profissionais e alguns grupos empresariais. As denúncias mobilizaram a opinião pública. A classe média, de maneira particular, engajou-se nas campanhas que exigiam ampla investigação e punição exemplar das pessoas e das instituições envolvidas. No bojo desse processo, a Polícia Federal deflagrou a Operação Lavo Jato, um processo de investigação que, entre março de 2014 e 1º de fevereiro de 2021, cumpriu mais de mil mandados (de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva), prendendo e condenando mais de cem pessoas (Lopes, 2019LOPES, I. M. M. Estado de direito e democracia: o sistema penal brasileiro em tempos de lavajatismo. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/197773/TCC%20FINAL%20-%20IARA%20LOPES.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 21 fev. 2023.
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).

Após alguns meses de atividades, a Operação Lava Jato passou a gozar amplo prestígio. A opinião pública não tardou a reconhecê-la como símbolo da luta contra a corrupção e aclamá-la como a mais importante iniciativa em defesa dos interesses da sociedade. O Ministério Público Federal, órgão responsável pela coordenação das investigações, mobilizou um considerável grupo de procuradores da República, organizados em forças-tarefas nos estados do Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, cujo propósito era investigar as práticas ilícitas na gestão da estatal Petrobras, especialmente o pagamento de propinas a executivos da companhia em troca de benefícios e vantagens em contratos, concessões e investimentos. Como destaca Vieira (2018)VIEIRA, O. V. A batalha dos poderes. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., a esfera jurídica entrou em rota de colisão com alguns grupos políticos e empresariais, resultando num verdadeiro “cabo de guerra entre o estamento jurídico e o corpo político” (Vieira, 2018VIEIRA, O. V. A batalha dos poderes. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., p. 15).

As investigações e a exploração midiática desgastaram a imagem de importantes lideranças políticas e empresariais do país, especialmente da então presidenta Dilma Rousseff (destituída do cargo em agosto de 2016) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (preso em abril de 2018) (Singer, 2018SINGER, A. O lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011–2016). São Paulo: Companhia das Letras, 2018.; Vieira, 2018VIEIRA, O. V. A batalha dos poderes. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.). O desgaste e a perda de poder político do PT abriram espaço para uma nova correlação das forças políticas no país. Como destaca Lupion (2020)LUPION, B. “Lava Jato serviu como plataforma para a extrema direita”. DW, 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/lava-jato-serviu-como-plataforma-para-a-extrema-direita/a-55282915. Acesso em: 29 mar. 2023.
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, “a luta anticorrupção serviu como plataforma para a extrema direita no Brasil”. As eleições presidenciais de 2018 evidenciaram a crise dos partidos políticos do centro democrático e da esquerda e um enorme crescimento da extrema-direita, personificado pelo então candidato Jair Messias Bolsonaro.

Os cientistas políticos, os institutos de pesquisa e a imprensa demoraram a perceber as mudanças em curso no perfil ideológico do eleitorado brasileiro e a reconhecer a força política de um candidato de direita filiado a um pequeno partido denominado Partido Social Liberal (PSL). Como as urnas demonstraram em 2018, Bolsonaro não era um fenômeno isolado; era parte de um movimento de direita mais amplo presente em vários países, como os Estados Unidos (eleição de Donald Trump em 2016), Equador (eleição de Lenín Moreno em 2017), Colômbia (eleição de Iván Duque em 2018), Bolívia (golpe de Estado em 2019), Reino Unido (aprovação do Brexit em 2020) e Uruguai (eleição de Lacalle Pou em 2020) (Oliveira, 2020OLIVEIRA, D. A. Políticas conservadoras no contexto escolar e autonomia docente. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 15, p. 1-18, 2020. https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.15.15335.069
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).

Ao longo da campanha presidencial de 2018, Bolsonaro apresentou-se como um candidato anticorrupção, antissistema e antipolítica, disposto a romper com o pacto democrático que orientou a atuação dos atores políticos desde a Constituição Federal de 1988 (Rocha, Solano, 2021ROCHA, C.; SOLANO, E. A ascensão de Bolsonaro e as classes populares. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 21-34.). Coerente com as teses que defendeu ao longo de cerca de três décadas de atuação política, ele aglutinou em torno de si a chamada “nova direita brasileira”, um movimento político e ideológico difuso formado por lideranças e grupos fundamentalistas, populistas, autoritários, neoliberais e neoconservadores (Avritzer, 2021AVRITZER, L. Política e antipolítica nos dois anos do governo Bolsonaro. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 13-20., Mendonça, 2021MENDONÇA, R. F. Valores democráticos. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 375-390.; Rocha, Solano, 2021ROCHA, C.; SOLANO, E. A ascensão de Bolsonaro e as classes populares. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 21-34.; Veiga, 2021VEIGA, L. F. Cultura política: valores democráticos, preferências políticas, autoritarismo e nova direita. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 391-408.). A defesa da ditadura militar, as críticas dirigidas aos partidos de esquerda e o discurso anticorrupção contribuíram decisivamente para a sua vitória, consagrada com os votos de 57,8 milhões de eleitores, 55,13% do eleitorado brasileiro.

Desde o início de seu governo, Bolsonaro adotou uma postura anti-institucional, promovendo duros ataques às instituições e às políticas públicas. Como destaca Leonardo Avritzer (2021)AVRITZER, L. Política e antipolítica nos dois anos do governo Bolsonaro. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 13-20., Bolsonaro introduziu na política brasileira,

[...] um tipo raro de associação entre governo não virtuoso e conservadorismo [...] uma nova forma de conservadorismo: ideológico e anti-institucional, que abandona a premissa de governo virtuoso em troca da ideia da destruição das estruturas sociais do Estado e das bases públicas de uma política de esquerda

(Avritzer, 2021AVRITZER, L. Política e antipolítica nos dois anos do governo Bolsonaro. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 13-20., p. 18).

A agenda populista, neoconservadora e neoliberal implementada no país entre 2019 e 2022 alterou os parâmetros da regulação estatal e desencadeou mudanças profundas nas políticas públicas e no arcabouço institucional. A desregulação, o desmonte e o ataque às instituições foram promovidos nas mais diversas áreas, especialmente nos setores em que a presença do Estado é imprescindível, como segurança pública, educação, saúde, previdência, meio ambiente e direitos humanos.

Ao longo dos seus quatro anos de mandato, o governo Bolsonaro atuou deliberadamente para destruir políticas, políticos e instituições (Avritzer, 2021AVRITZER, L. Política e antipolítica nos dois anos do governo Bolsonaro. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 13-20.). Em março de 2019, durante um jantar com lideranças conservadoras em Washington, Estados Unidos, o então presidente sintetizou sua agenda de desconstrução, afirmando: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa” (apud Valor, 2019VALOR. Nós temos é que descontruir muita coisa, diz Bolsonaro durante jantar. Valor Econômico, São Paulo, 18 mar. 2019. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/03/18/nos-temos-e-que-desconstruir-muita-coisa-diz-bolsonaro-durante-jantar.ghtml. Acesso em: 25 jan. 2022.
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2...
). O governo Bolsonaro procurou materializar a sua agenda anti-institucional, neoconservadora e neoliberal em todos os campos de atuação do Estado, especialmente no interior das universidades públicas federais. Ele atuou deliberadamente para desgastar a imagem das universidades públicas, comprometer o orçamento das Ifes e fragilizar o princípio da autonomia universitária (Leher, 2019LEHER, R. Autonomia universitária e liberdade acadêmica. Revista Contemporânea de Educação, v. 14, n. 29, p. 208-226, jan./abr. 2019. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/article/view/23167. Acesso em: 15 jul. 2024.
https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/a...
, 2021LEHER, R. O orçamento das universidades federais e a perigosa combinação de neoliberalismo e neofascismo. Esquerda Online, 2021. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2021/06/29/roberto-leher-o-orcamento-das-universidades-federais-e-a-perigosa-combinacao-de-neoliberalismo-e-neofascismo/. Acesso em: 30 jun. 2021.
https://esquerdaonline.com.br/2021/06/29...
, 2023LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023.; Abrucio, 2021ABRUCIO, F. L. Bolsonarismo e educação: quando a meta é descontruir uma política pública. In: AVRITZER, L.; KERCHE, F.; MARONA, M. (org.). Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 255-270.; Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
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; Silva et al., 2023SILVA, S. et al. Educação superior pública federal no governo autocrático. In: LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023. p. 187-214.).

Como destacam Silva et al. (2023)SILVA, S. et al. Educação superior pública federal no governo autocrático. In: LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023. p. 187-214., a guerra cultural foi promovida por meio de cinco estratégias fundamentais:

  • Desgaste da imagem das Ifes, promovida por campanhas que induziram a opinião pública a conceber as universidades públicas como espaço de doutrinação ideológica das esquerdas e núcleo propagador de ideias que ameaçam a família e os valores patriarcais;

  • Destruição da infraestrutura das Ifes mediante cortes orçamentários de capital, custeio, assistência estudantil, bolsas e recursos para a pesquisa e extensão;

  • Destruição das condições institucionais para o exercício profissional dos docentes, servidores técnicos administrativos e estudantes;

  • Alteração dos marcos regulatórios referentes à escolha e nomeação de reitores, realizada no plano normativo infralegal por meio de portarias, decretos e resoluções;

  • Esvaziamento da autonomia financeira e patrimonial das universidades por intermédio do Programa Future-se (Silva et al., 2023SILVA, S. et al. Educação superior pública federal no governo autocrático. In: LEHER, R. (org.). Educação no governo Bolsonaro: inventário da devastação. São Paulo: Expressão Popular, 2023. p. 187-214.).

O Autoritarismo de Estado como Prática Política Adotada pela Nova Direita Brasileira

A ascensão política da nova direita alterou significativamente a correlação das forças políticas no país. O processo de impeachment esfacelou o arco das alianças políticas que garantiram a governabilidade do país entre 2003 e 2016, período em que o PT exerceu, de forma ininterrupta, a presidência da República. A mudança de governo teve impacto imediato nas principais políticas de educação superior implementadas pelos governos do PT ao longo dos anos, sobretudo no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), no Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), no Programa Universidade para Todos (ProUni), na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, no programa de criação de universidades federais e no Ciência sem Fronteiras. Os programas foram revistos e/ou extintos sob o argumento de que impactavam demasiadamente o orçamento público.

A aprovação de um novo regime fiscal foi a principal prioridade do novo governo. Em dezembro de 2016, cerca de quatro meses após a cassação de Dilma Rousseff e a posse do vice-presidente Michel Temer, o Congresso Nacional aprovou uma emenda constitucional (EC) de autoria do Poder Executivo destinada a equilibrar as despesas públicas e frear a trajetória de crescimento dos gastos públicos por um período de 20 anos. A EC nº 95/2016 impôs severas restrições orçamentárias ao conjunto da administração pública e às Ifes particularmente. Estas foram obrigadas a adotar medidas de contenção de despesas de manutenção e a reduzir os investimentos em infraestrutura, contratação de docentes e servidores, concessão de bolsas de ensino, de pesquisa e de extensão etc. A EC nº 95/2016 comprometeu a autonomia das Ifes para elaborar as peças orçamentárias anuais, definir prioridades orçamentárias e financeiras, direcionar os gastos com custeio, além dos investimentos sem interferência externa e da fixação das metas e dos objetivos para assegurar a qualidade do ensino, da extensão e da pesquisa (Leher, 2019LEHER, R. Autonomia universitária e liberdade acadêmica. Revista Contemporânea de Educação, v. 14, n. 29, p. 208-226, jan./abr. 2019. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/article/view/23167. Acesso em: 15 jul. 2024.
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, 2021; Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
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). Desde a aprovação da referida EC, os cortes e os contingenciamentos orçamentários passaram a ser recorrentes, tanto na Lei Orçamentária Anual quanto no orçamento do Ministério da Educação e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Além dos constantes cortes e contingenciamentos, a partir de 2016 as universidades federais passaram a ser objeto de críticas no Congresso Nacional, na imprensa e nas mídias sociais, não demorando para se tornarem alvo de investigação da Polícia Federal e dos órgãos de controle. A autonomia das instituições passou a ser questionada sob o argumento de que elas estavam sendo usadas como um artifício para esconder a corrupção e as práticas de desvio de recursos públicos. Em tom difamatório, as campanhas visavam convencer a opinião pública acerca do caráter ineficiente, corrupto e ocioso das universidades públicas federais (Leher, 2019LEHER, R. Autonomia universitária e liberdade acadêmica. Revista Contemporânea de Educação, v. 14, n. 29, p. 208-226, jan./abr. 2019. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/article/view/23167. Acesso em: 15 jul. 2024.
https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/a...
; Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
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).

As críticas e as denúncias não tardaram a transformar-se em processos de investigação conduzidos pela Polícia Federal. Como é possível observar no Quadro 1, o pico das investigações deu-se entre o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e as eleições presidenciais de 2018.

Quadro 1
Principais operações da Polícia Federal realizadas nas universidades federais (2016–2020).

O caráter ostensivo das operações com o uso desproporcional do aparato policial, somado ao frequente emprego da condução coercitiva, além da forte exposição e exploração midiática dos envolvidos, especialmente na figura pessoal dos reitores, permite lançar dúvidas sobre os reais propósitos das investigações conduzidas pela Polícia Federal no interior das universidades.

Com o propósito inicial de desmantelar um grande esquema de corrupção que envolvia cerca de 80 milhões de reais, na manhã do dia 14 de setembro de 2017, a Polícia Federal designou 115 policiais fortemente armados para a Operação Ouvidos Moucos na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na oportunidade, foram executados sete mandados de prisão temporária, cinco de condução coercitiva e 16 de busca e apreensão. Cerca de três meses depois, em dezembro de 2017, a Polícia Federal deflagrou a Operação Esperança Equilibrista na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que envolveu 84 policiais, também fortemente armados. Como prática das operações, foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão e nove de condução coercitiva. A operação contou com ampla cobertura dos principais canais de televisão (Leher, 2019LEHER, R. Autonomia universitária e liberdade acadêmica. Revista Contemporânea de Educação, v. 14, n. 29, p. 208-226, jan./abr. 2019. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/article/view/23167. Acesso em: 15 jul. 2024.
https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/a...
; Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
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).

Na Operação Ouvidos Moucos, que prendeu em sua residência o então reitor da UFSC, o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, este foi conduzido a uma cela de segurança máxima, algemado e submetido à revista íntima. Semanas depois, em 2 de outubro de 2017, o então reitor cometeu suicídio num shopping center em Florianópolis (SC). A prisão de Cancellier foi amplamente divulgada pela mídia sob a acusação de que o reitor havia liderado um esquema de corrupção de cerca de 80 milhões de reais. As investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelos órgãos de controle não comprovaram os crimes que motivaram a prisão do reitor (Weinberg; Bustamante; Molica, 2018WEINBERG, M.; BUSTAMANTE, L.; MOLICA, F. A segunda morte. Veja, ano 51, ed. 2.580, n. 18, 2018.).

Como um subproduto da Lavo Jato, o modus operandi das operações nas universidades foi “prender para depois acusar” e “condenar na mídia para depois investigar” (Lucena E; Lucena R, 2021LUCENA, E.; LUCENA, R. Markun disseca investigação que levou ao suicídio de reitor em SC. Tutaméia, 2021. Disponível em: https://tutameia.jor.br/markun-disseca-investigacao-que-levou-ao-suicidio-de-reitor-em-sc/. Acesso em: 10 out. 2021.
https://tutameia.jor.br/markun-disseca-i...
; Markun, 2021MARKUN, P. Recurso final. Rio de Janeiro: Objetiva, 2021.). O princípio da presunção de inocência, assegurado pelo inciso LVII, do Art. 5º da Constituição Federal (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.), foi sumariamente ignorado na quase totalidade das operações. Agrava ainda o fato de que os dirigentes das universidades acusadas sequer foram informados das investigações que ocorriam na Polícia Federal, como também jamais se negaram a prestar esclarecimentos sobre as acusações, o que justificaria o emprego da condução coercitiva.

As operações da Polícia Federal nas universidades ofereceram materialidade para os setores da mídia e da sociedade que vinham acusando as universidades públicas de ineficientes, perdulárias, corruptas e de esquerda. A cobertura feita pela mídia, predominantemente sensacionalista e acusatória, contribuiu para desgastar a imagem das instituições pela opinião pública.

Em outubro de 2018, um novo episódio revelou mais uma vez o incômodo que o princípio da autonomia universitária gera em determinados setores da sociedade. Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2018, inúmeras ações foram impetradas na Justiça Eleitoral requerendo a proibição de manifestações de apoio ou de reprovação a candidatos, nos espaços físicos e virtuais das universidades públicas. A Justiça Eleitoral de cinco estados do país1 1 As ações ajuizadas foram fundamentadas nos Arts. 24 e 37 da Lei nº 9.504/1997, que tratam das eleições, e foram ordenadas pela “17ª Zona Eleitoral de Campina Grande/PB, pelo Juízo da 20ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, pelo Juízo da 30ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte/MG, pelo Juízo da 199ª Zona Eleitoral de Niterói/RJ e pelo Juízo da 18ª Zona Eleitoral de Dourados/MS” (STF, 2020, p. 95-96). ordenaram ações judiciais e administrativas autorizando os agentes públicos (Polícia Militar, Civil ou Federal) a ingressar nas universidades2 2 As seguintes universidades foram alvo das operações policiais em 2018, a maioria delas públicas federais: Universidade Federal de Campina Grande, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal da Grande Dourados, Universidade Federal da Fronteira Sul, Universidade Federal de São João Del-Rei, UFRGS, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Uberlândia, Universidade Federal do Amazonas, Universidade Católica de Petrópolis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UFMG, Universidade Federal de Goiás, Universidade do Estado da Bahia, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Universidade Federal de Itajubá, Universidade Federal da Bahia e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (STF, 2020). com o propósito de recolher documentos, materiais impressos (cartazes, faixas) e equipamentos, assim como interromper aulas, debates, manifestações e eventos considerados de teor político-partidário.

Tendo em vista o expressivo número de juízes eleitorais que acolheram os pedidos, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a propositura de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548BRASIL. Advocacia-Geral da União. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548. Manifestação. Brasília, 2019a. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/agu-agentes-publicos-podem-entrar.pdf. Acesso em: 27 jul. 2021.
https://www.conjur.com.br/dl/agu-agentes...
, solicitando uma análise da legalidade das ações judiciais em execução nas universidades3 3 Como relatado pelo jornal Folha de S.Paulo em 26 de outubro de 2018, algumas ações policiais não possuíam ordem judicial. Na Universidade do Estado do Pará, por exemplo, o pai de uma aluna (policial portando pistola e fuzil) do curso de Ciências Sociais se deslocou até a universidade para prender um professor acusado – pela sua filha – de que estava questionando os estudantes que declaravam votos no candidato Jair Bolsonaro. . A ADPF 548 foi analisada em regime de urgência pela ministra Cármen Lúcia (um dia antes do segundo turno das eleições de 2018), que proferiu uma liminar reafirmando o princípio da autonomia universitária e o direito à livre e democrática manifestação de pensamento no espaço acadêmico. De acordo com a ministra, a liberdade de pensamento,

[...] não é concessão do Estado. É direito fundamental do indivíduo que a pode até mesmo contrapor ao Estado. Por isso não pode ser impedida, sob pena de substituir-se o indivíduo pelo ente estatal, o que se sabe bem onde vai dar. E onde vai dar não é o caminho do direito democrático, mas da ausência de direito e déficit democrático. [...]

Pensamento único é para ditadores. Verdade absoluta é para tiranos. A democracia é plural em sua essência. E é esse princípio que assegura a igualdade de direitos individuais na diversidade dos indivíduos.

[...] Toda forma de autoritarismo é iníqua. Pior quando parte do Estado. Por isso os atos que não se compatibilizem com os princípios democráticos e não garantam, antes restrinjam, o direito de livremente expressar pensamentos e divulgar ideias são insubsistentes juridicamente por conterem vício de inconstitucionalidade

(apud STF, 2018SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548. Liminar proferida pela Ministra Carmém Lúcia. Brasília, 2018. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adpf548liminar.pdf. Acesso em: 19 abr. 2020.
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/notici...
, p. 12-14).

De acordo com a ministra, as manifestações políticas no interior das universidades estavam resguardadas pelo princípio constitucional da autonomia universitária. Segundo ela, a autonomia é a essência da instituição universitária, ou seja, um espaço de,

[...] discricionariedade deixado constitucionalmente à atuação normativa infralegal de cada universidade para o excelente desempenho de suas funções constitucionais.

[...] A única força legitimada a invadir a universidade é a das ideias livres e plurais [...].

Qualquer outra que ali ingresse sem causa jurídica válida é tirana, e tirania é o exato contrário da democracia

(apud STF, 2018SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548. Liminar proferida pela Ministra Carmém Lúcia. Brasília, 2018. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adpf548liminar.pdf. Acesso em: 19 abr. 2020.
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/notici...
, p. 13-14).

A liminar da ministra teve efeito imediato, pondo fim às ações impetradas pelos juizados eleitorais. Em 2019, o então advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça, defendeu a legalidade das ações policiais nas universidades e solicitou ao STF reconsiderar a decisão monocrática da ministra Cármen Lúcia. O parecer final sobre a matéria foi proferido pelo pleno do STF em maio de 2020, ocasião em que os ministros se manifestaram, de forma unânime, pela aprovação da liminar expedida pela ministra Cármen Lúcia em 2018. A esse respeito, o pleno do STF declarou inconstitucional os atos judiciais ou administrativos que autorizavam o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas para o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes universitários (STF, 2020, p. 96). Por meio dessa decisão, o STF anulou as decisões dos juizados eleitorais, negou as ações impetradas pela Advocacia-Geral da União e reafirmou o princípio da autonomia universitária.

O Uso do Ordenamento Legislativo e Jurídico para Legitimar as Investidas Contra a Autonomia Universitária

A campanha presidencial de 2018 evidenciou que as políticas de educação superior estavam em disputa. As universidades públicas federais, particularmente, foram inseridas no centro de uma disputa eleitoral altamente polarizada. O candidato Jair Bolsonaro defendeu a necessidade de intervir nas universidades federais com os propósitos de romper com uma suposta hegemonia ideológica da esquerda, combater o chamado “marxismo cultural” e reduzir os investimentos em ciência e tecnologia, sobretudo os recursos destinados às ciências humanas4 4 Por meio da Portaria nº 34, de 9 de março de 2020, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil, 2020c) alterou as regras de distribuição de bolsas em programas de pós-graduação de notas 3 e 4. De acordo com a portaria, cursos avaliados com essas notas não serão prioridade para concessão de bolsas. Na sequência, a Portaria nº 1.122, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, editada em 19 de março de 2020 (Brasil, 2020b), estabeleceu como prioridade apenas cinco áreas de tecnologia, classificadas como estratégicas, para captação de recursos financeiros em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovações. . Durante a campanha, Bolsonaro deixou claro que, se eleito, uma de suas primeiras medidas seria adotar critérios políticos para a escolha e nomeação de reitores e dirigentes das Ifes (Estadão Conteúdo, 2018ESTADÃO CONTEÚDO. Equipe de Bolsonaro planeja escolher reitores das universidades federais. Exame, 2018. https://exame.com/brasil/equipe-de-bolsonaro-planeja-escolher-reitores-das-universidades-federais/. Acesso em: 21 ago. 2021.
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).

A vitória de Jair Bolsonaro em 2018 criou as condições para a implementação de políticas educacionais conservadoras e neoliberais. A disposição do novo governo de travar uma permanente disputa ideológica no interior das Ifes ficou clara desde a escolha do primeiro ministro da Educação, nomeado em 1º de janeiro de 2019. Os quatro ministros escolhidos por Jair Bolsonaro – Ricardo Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub, Carlos Alberto Decotelli (nomeado, mas que não tomou posse) e Milton Ribeiro – tinham em comum a defesa de princípios e valores da direita conservadora. O perfil e a atuação dos referidos ministros tensionaram permanentemente o ambiente universitário e a comunidade científica.

As promessas de campanha foram sendo materializadas desde o início do governo. O uso de critérios políticos para a escolha e nomeação de reitores e dirigentes das Ifes não tardou a ocorrer. No exercício de seu mandato, o presidente Bolsonaro utilizou a prerrogativa da discricionariedade, assegurada pelo Art. 1º do Decreto nº 1.916, de 23 de maio de 1996 (Brasil, 1996BRASIL. Decreto nº 1.916, de 23 de maio de 1996. Brasília, 1996a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1916.htm. Acesso em: 26 ago. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
), para romper com uma tradição praticada desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 (Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
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). Desde a redemocratização do país, todos os presidentes da República, com raríssimas exceções5 5 Em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso nomeou para o cargo de reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro o professor José Henrique Vilhena, que na consulta interna havia ficado em terceiro lugar. O vencedor fora o professor Aloísio Teixeira, como pode ser consultado no sítio Folha de S.Paulo de 9 de julho de 1998 (Free-lance para a Folha, 1998). , nomearam o primeiro colocado da lista tríplice, respaldando os resultados das consultas públicas realizadas pelas Ifes. Em vez de observar as listas tríplices6 6 As listas tríplices são elaboradas pelas universidades de acordo com seus regimentos específicos em observância ao que estabelece o Art. 1º do Decreto nº 1.916, de 23 de maio de 1996. , Bolsonaro decidiu nomear reitores e dirigentes conforme suas preferências pessoais e ideológicas.

Em 11 de julho de 2019, durante um café da manhã com a bancada evangélica no Palácio do Planalto, o então presidente da República apresentou algumas razões para as escolhas. Afirmou que estava evitando nomear reitores que tivessem relação com partidos de esquerda. De acordo com ele, de algumas listas tríplices, constavam apenas “nomes do PT, do [Partido Comunista do Brasil] PCdoB e do [Partido Socialismo e Liberdade] PSOL e não tem como fugir! Aquilo virou terra deles. Agora, o que puder fugir, logicamente, pode ter um voto só na eleição, mas estamos optando por essa questão” (Uribe, 2019URIBE, G. “Coisas absurdas têm acontecido dada a autonomia das universidades”, diz Bolsonaro. Folha de S.Paulo, 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/07/coisas-absurdas-tem-acontecido-dado-a-autonomia-das-universidades-diz-bolsonaro.shtml. Acesso em: 14 maio 2020.
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2...
). Nessa mesma perspectiva, o então deputado federal Bibo Nunes (PSL/RS) afirmou: “Quem quiser nomear o reitor que faça cinquenta e oito milhões de votos!” (Estadão Conteúdo, 2020ESTADÃO CONTEÚDO. Bolsonaro nomeia candidato com apenas 3 votos para reitoria da UFRGS. IstoÉ, 2020. Disponível em: https://istoe.com.br/bolsonaro-poe-3o-de-lista-triplice-como-reitor-da-ufrgs/amp. Acesso em: 17 mar. 2023.
https://istoe.com.br/bolsonaro-poe-3o-de...
). A afirmação foi feita uma semana antes da nomeação do professor Carlos André Bulhões Mendes no Diário Oficial da União para o cargo de reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O reitor nomeado recebeu apenas três votos no Conselho Universitário da UFRGS, ocupando a terceira posição na lista tríplice (Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
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).

Em 21 de setembro de 2020, o Partido Verde ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.565) no STF com os propósitos de questionar a constitucionalidade das nomeações e requisitar a suspensão de todas as nomeações que estavam em desacordo com a hierarquia estabelecida pelas listas tríplices elaboradas pelas universidades. A ADI 6.565 questionou o uso que vinha sendo feito do poder discricionário, alegando que o presidente da República vinha servindo-se desse preceito legal para nomear reitores alinhados com a agenda política e ideológica do governo federal (STF, 2021a).

A relatoria da ADI 6.565 foi de competência do ministro Edson Fachin, que julgou o pedido procedente em partes. Em seu voto7 7 Os ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello acompanharam o voto do relator. Os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber discordaram da relatoria, declarando improcedente a ADI 6.565. , o ministro esclareceu que a prerrogativa do presidente da República de nomear reitores das Ifes deve ser interpretada como um poder-dever8 8 O poder-dever é um poder condicionante e inseparável do poder discricionário. Trata-se de uma condição legalmente conferida à administração pública como instrumento de exercício da sua função administrativa em defesa do interesse público. É um dever agir e ao mesmo tempo uma obrigação do administrador público que o exerce de forma irrenunciável. , que não o afasta da tarefa de observar os critérios nem os princípios de legalidade e da legitimidade das listas tríplices. Segundo ele, “a nomeação de reitores e vice-reitores não pode ser interpretada como dispositivo para o desenvolvimento de agendas políticas, ou como mecanismo de fiscalização” (apud STF, 2021aSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.565. Voto do Relator. Brasília, 2021a. Disponível em: https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2020/10/5185127.pdf. Acesso em: 26 ago. 2021.
https://static.congressoemfoco.uol.com.b...
, p. 19).

Nessa mesma perspectiva, em 4 de novembro de 2020 a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou uma ADPF (759) no STF solicitando a anulação de todas as nomeações cujos nomes não constassem entre os primeiros das listas tríplices. A OAB alegou que o presidente da República estava violando a autonomia (Art. 207 da Constituição Federal) e os princípios da gestão democrática (Art. 206 da Constituição Federal), do republicanismo e da pluralidade política (Art. 1º da Constituição Federal), assegurada pelo Constituição Federal (OAB, 2020ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). OAB, 2020. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2020/11/acao-oab-lista-universidades.pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.
https://static.poder360.com.br/2020/11/a...
). De acordo com a OAB (2020)ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). OAB, 2020. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2020/11/acao-oab-lista-universidades.pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.
https://static.poder360.com.br/2020/11/a...
, os critérios que o governo federal vinha usando para a escolha e nomeação dos reitores (Quadro 2) criavam as condições para tornar as universidades “policialescas, persecutórias e distantes da sua missão historicamente construída e redefinida” (OAB, 2020, p. 11). O STF julgou a ADPF 759 como improcedente, sob o argumento de que a limitação do poder discricionário do presidente da República, obrigando-o a nomear apenas o mais votado da lista tríplice, “encontra obstáculo, aliás, na própria existência da lista, que perderia, assim, sua razão de ser” (STF, 2021bSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 759. Brasília, 2021b. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15346159054&ext=.pdf. Acesso em: 26 ago. 2021.
http://portal.stf.jus.br/processos/downl...
, p. 59).

Quadro 2
Nomeações para o cargo de reitor das instituições federais de educação superior feitas pelo governo Bolsonaro (2019–2022).

A decisão do STF não estabeleceu restrições legais para a nomeação de qualquer um dos nomes das listas tríplices. Baseado nessa decisão, o presidente da República continuou fazendo uso do poder discricionário para nomear os nomes de sua preferência. Além disso, prosseguiu trabalhando para alterar os marcos regulatórios referentes à escolha e nomeação de reitores, vice-reitores e diretores de unidades das Ifes. Utilizando a prerrogativa constitucional de edição de medidas provisórias9 9 A edição de MP encontra guarida no Art. 62 da Constituição Federal de 1988. A MP é um instrumento com força de lei, privativo do presidente da República e que deve ser usado em casos de relevância e urgência. A edição de MP produz efeitos imediatos. Para que se torne lei, necessita de aprovação da Câmara e do Senado no prazo máximo de 120 dias. , o governo federal empreendeu várias tentativas no sentido de alterar as diretrizes para nomeação dos dirigentes das Ifes.

Medida Provisória nº 914/19

Com o propósito de alterar a forma de escolha dos dirigentes das Ifes e do Colégio Pedro II, em 24 de dezembro de 2019, um dia após o início do recesso parlamentar, o governo editou a Medida Provisória (MP) nº 914/19BRASIL. Medida Provisória nº 914, de 24 de dezembro de 2019. Brasília, 2019b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv914.htm. Acesso em: 10 ago. 2021.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
. A MP estabeleceu que a lista tríplice para escolha dos reitores deveria ser aprovada, em primeira instância, pelo ministro da Educação e, em seguida, pelo presidente da República. Determinava ainda que os diretores de campi e diretores de unidade seriam nomeados pelo reitor sem a necessidade de eleição para escolha de diretor-geral de campus e diretores de unidade. A referida MP vedava também a nomeação de dirigentes (reitor, diretor-geral de campus ou diretor de unidade) enquadrados na Lei Complementar nº 135/10 (Lei da Ficha Limpa). Além disso, proibia a reeleição de professores que substituíram o reitor por mais de um ano no mandato anterior e condicionava a nomeação de reitores dos institutos federais por meio da elaboração de listas tríplices10 10 Os institutos federais não possuem a exigência da elaboração de listas tríplices. A nomeação do reitor segue o disposto no Art. 12 da Lei nº 11.892/08. . A MP não foi analisada pelo Congresso Nacional no tempo regimental, razão pela qual perdeu sua validade em 2 de junho de 2020.

Medida Provisória nº 979/20

Uma semana após a MP nº 914/19 perder a eficácia, o governo federal editou, em 9 de junho de 2020, uma nova MP (nº 979/20) (Brasil, 2020aBRASIL. Medida Provisória nº 979, de 9 de junho de 2020. Brasília, 2020a. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv979.htm. Acesso em: 10 jul. 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
) dessa vez para atribuir ao Ministério da Educação a competência para indicar reitores, em caráter pro tempore, para as Ifes que tivessem seus mandatos encerrados durante o período da emergência de saúde pública instituída pela Lei nº 13.979/2020 (Covid-19). Além disso, proibia as Ifes de reunirem seus conselhos superiores – durante a pandemia – para a formação das listas tríplices e garantia aos reitores o poder de indicar, em caráter pro tempore, os dirigentes dos campi e os diretores das unidades.

A MP foi duramente criticada pelas universidades, associações acadêmicas e científicas, sobretudo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, e pelo Congresso Nacional. O Partido Democrático Trabalhista (PDT) protocolou no STF a ADI 6.458 (STF, 2020aSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.458. Brasília, 2020a. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343562955&ext=.pdf. Acesso em: 19 ago. 2021.
http://portal.stf.jus.br/processos/downl...
), alegando que a MP visava interferir na autonomia, aniquilar o pluralismo de ideias e promover patrulhamento ideológico no interior da Ifes. A repercussão negativa da MP levou o então presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre, a devolver a referida MP ao Palácio do Planalto. A devolução, assinada três dias após a promulgação, tornou a MP sem efeito. Em seu despacho, o presidente do Congresso afirmou que a MP nº 979 viola “os princípios constitucionais da autonomia e da gestão democrática das universidades […] cabe a mim [...] não deixar tramitar proposições que violem a Constituição Federal. O Parlamento permanece vigilante na defesa das instituições e no avanço da ciência” (apud Baptista, 2020BAPTISTA, R. Davi Alcolumbre anuncia devolução de MP que autoriza Weintraub a nomear reitores. Senado Notícias, Brasília, 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/06/12/davi-alcolumbre-anuncia-devolucao-de-mp-que-autoriza-weintraub-a-nomear-reitores. Acesso em: 14 jun. 2023.
https://www12.senado.leg.br/noticias/mat...
).

Na história recente do país, entre 1988 e 2023, apenas quatro MPs foram devolvidas, nos governos de José Sarney (MP nº 33/1989), Luiz Inácio Lula da Silva (MP nº 446/2008), Dilma Rousseff (MP nº 669/2015) e Jair Bolsonaro (MP nº 979/20) (Trevisol; Garmus, 2021TREVISOL, J. V.; GARMUS, R. O princípio da autonomia na universidade brasileira: sentidos em disputa. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 37, n. 1, p. 307-326, jan./abr. 2021. https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105947
https://doi.org/10.21573/vol37n12021.105...
).

O Projeto Future-se e as Ameaças à Autonomia Financeira das Ifes

Após meses de trabalho, em 17 de maio de 2020 o Ministério da Educação enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3.076/2020 (Brasil, 2020dBRASIL. Projeto de Lei nº 3.076/2020. Brasília, 2020d. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2254321. Acesso em: 15 jul. 2024.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
). O Projeto Future-se expressa a concepção neoliberal da nova direita sobre a educação superior. Em tramitação no Congresso Nacional, ele propõe mudanças significativas no regime de financiamento e na autonomia de gestão financeira e patrimonial das Ifes mantidas pela União. Com o propósito de fomentar o empreendedorismo, a inovação e a captação de recursos privados, o projeto divide a responsabilidade pelo financiamento entre União e as Ifes. De acordo com o projeto de lei proposto, as Ifes podem obter financiamentos com o setor privado por meio do desenvolvimento de projetos em parceria e alocação de espaços, prédios, laboratórios, áreas experimentais etc.

De acordo com Giolo (2020)GIOLO, J. O Future-se sem futuro. Revista Direitos, Trabalho e Política Social, Cuiabá, v. 6, n. 10, p. 261-350, jan./jun. 2020. e Sguissardi (2020)SGUISSARDI, V. Future-se: ataque à autonomia das instituições federais de educação superior e sua sujeição ao mercado. São Carlos: Diagrama, 2020., o projeto de lei reduz a obrigatoriedade do financiamento público e altera a concepção de autonomia de gestão financeira11 11 A autonomia de gestão financeira garante às Ifes a gestão autônoma dos recursos garantidos pela União. prevista no Art. 207 da Constituição Federal de 1988, substituindo-a pelo conceito de autonomia financeira. Com essa mudança, as Ifes são incumbidas da responsabilidade de complementar, por meio de outras fontes de receita, os recursos provenientes do Tesouro Nacional. De acordo com Sguissardi (2020, p. 172)SGUISSARDI, V. Future-se: ataque à autonomia das instituições federais de educação superior e sua sujeição ao mercado. São Carlos: Diagrama, 2020., o projeto prevê a livre adesão das Ifes, porém alerta que, ao aderir ao programa, as Ifes “não se ocupariam mais exclusivamente do cumprimento de suas atividades-fim associadas de ensino, pesquisa e extensão, mas teriam que se ocupar da busca parcial ou complementar [...] de recursos públicos ou privados para sua própria manutenção” (Sguissardi, 2020SGUISSARDI, V. Future-se: ataque à autonomia das instituições federais de educação superior e sua sujeição ao mercado. São Carlos: Diagrama, 2020., p. 172).

Em sintonia com a Emenda Constitucional nº 95/2016, o projeto de lei nº 3.076/2020 busca reduzir o papel do Estado enquanto financiador da educação superior pública. Ao estimular a complementação orçamentária do setor privado, o referido projeto de lei introduz mecanismos que podem fragilizar os fins da universidade pública, especialmente o princípio da gratuidade e a gestão democrática.

Considerações Finais

O estudo revelou que, após três décadas da promulgação da Constituição Federal de 1988, o princípio da autonomia universitária, estabelecido pelo Art. 207, segue incômodo para determinados setores da sociedade, sobretudo para os grupos sociais e políticos que se identificam com as agendas neoconservadoras e autoritárias e as defendem. Nos últimos anos, os pilares centrais da autonomia universitária – a liberdade de cátedra, o direito ao exercício livre da pesquisa e do pensamento crítico, a gestão democrática, o direito da comunidade universitária de escolher os seus representantes e de ser dirigida por eles – passaram a ser questionados por alguns grupos políticos e agentes públicos sob o argumento de que criavam as condições para o acobertamento da corrupção e a propagação do “marxismo cultural” no interior das universidades. Defensor dessa perspectiva, o governo Bolsonaro procurou estabelecer novos marcos regulatórios para a escolha e a nomeação dos reitores; alterar o regime de financiamento das universidades públicas; e cercear a liberdade de cátedra e a livre manifestação dos pesquisadores.

No âmago dos diferentes ataques estava um projeto político claramente autoritário. De maneira similar ao que fizeram todos os governos autoritários anteriores, sobretudo Getúlio Vargas (1937–1945) e os militares (1964–1985), o governo Bolsonaro atuou deliberadamente para ampliar a tutela e o controle das universidades, submetendo-as a um contínuo processo de fragilização institucional. A deslegitimação e o desmonte das universidades federais foram implementados com o objetivo de fragilizar as instituições que ofereciam resistência intelectual e política. O esfacelamento da autonomia universitária foi conduzido com o propósito de abrir as universidades para as interferências externas.

A pesquisa evidenciou, por fim, que a autonomia universitária continua sendo um dos alvos prediletos dos setores que defendem projetos autoritários. A vitalidade desse princípio no interior das instituições depende diretamente da existência do Estado democrático de direito e da observância de seus princípios e regras. O ordenamento democrático é indispensável para que as universidades disponham de legitimação social e das condições legais e institucionais para o desenvolvimento de suas funções. A autonomia e o vigor das instituições dependem diretamente da intensidade da democracia.

Notas

  • 1
    As ações ajuizadas foram fundamentadas nos Arts. 24 e 37 da Lei nº 9.504/1997, que tratam das eleições, e foram ordenadas pela “17ª Zona Eleitoral de Campina Grande/PB, pelo Juízo da 20ª Zona Eleitoral do Rio Grande do Sul, pelo Juízo da 30ª Zona Eleitoral de Belo Horizonte/MG, pelo Juízo da 199ª Zona Eleitoral de Niterói/RJ e pelo Juízo da 18ª Zona Eleitoral de Dourados/MS” (STF, 2020SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.458. Brasília, 2020a. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343562955&ext=.pdf. Acesso em: 19 ago. 2021.
    http://portal.stf.jus.br/processos/downl...
    , p. 95-96).
  • 2
    As seguintes universidades foram alvo das operações policiais em 2018, a maioria delas públicas federais: Universidade Federal de Campina Grande, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal da Grande Dourados, Universidade Federal da Fronteira Sul, Universidade Federal de São João Del-Rei, UFRGS, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Uberlândia, Universidade Federal do Amazonas, Universidade Católica de Petrópolis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UFMG, Universidade Federal de Goiás, Universidade do Estado da Bahia, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, Universidade Federal de Itajubá, Universidade Federal da Bahia e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (STF, 2020SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548. Acórdão. Brasília, 2020b. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752896813. Acesso em: 27 jul. 2021.
    https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pa...
    ).
  • 3
    Como relatado pelo jornal Folha de S.Paulo em 26 de outubro de 2018FOLHA DE S.PAULO. Veja repercussão da comunidade acadêmica sobre ações em universidades. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/10/veja-repercussao-da-comunidade-academica-sobre-acoes-em-universidades.shtml. Acesso em: 15 jul. 2024.
    https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
    , algumas ações policiais não possuíam ordem judicial. Na Universidade do Estado do Pará, por exemplo, o pai de uma aluna (policial portando pistola e fuzil) do curso de Ciências Sociais se deslocou até a universidade para prender um professor acusado – pela sua filha – de que estava questionando os estudantes que declaravam votos no candidato Jair Bolsonaro.
  • 4
    Por meio da Portaria nº 34, de 9 de março de 2020, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil, 2020cBRASIL. Portaria nº 34, de 9 de março de 2020. Brasília, 2020c. Disponível em: https://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=3443. Acesso em: 15 jul. 2024.
    https://cad.capes.gov.br/ato-administrat...
    ) alterou as regras de distribuição de bolsas em programas de pós-graduação de notas 3 e 4. De acordo com a portaria, cursos avaliados com essas notas não serão prioridade para concessão de bolsas. Na sequência, a Portaria nº 1.122, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, editada em 19 de março de 2020 (Brasil, 2020bBRASIL. Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Portaria nº 1.122, de 19 de março de 2020. Brasília, 2020b. Disponível em: https://antigo.mctic.gov.br/mctic/opencms/legislacao/portarias/Portaria_MCTIC_n_1122_de_19032020.html. Acesso em: 15 jul. 2024.
    https://antigo.mctic.gov.br/mctic/opencm...
    ), estabeleceu como prioridade apenas cinco áreas de tecnologia, classificadas como estratégicas, para captação de recursos financeiros em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovações.
  • 5
    Em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso nomeou para o cargo de reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro o professor José Henrique Vilhena, que na consulta interna havia ficado em terceiro lugar. O vencedor fora o professor Aloísio Teixeira, como pode ser consultado no sítio Folha de S.Paulo de 9 de julho de 1998 (Free-lance para a Folha, 1998FREE-LANCE PARA A FOLHA. Professor é indicado para o cargo pelo presidente FHC: Reitoria da UFRJ é invadida em protesto contra novo reitor. Folha de S.Paulo, São Paulo, 1998. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff09079824.htm. Acesso em: 3 ago. 2021.
    https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidi...
    ).
  • 6
    As listas tríplices são elaboradas pelas universidades de acordo com seus regimentos específicos em observância ao que estabelece o Art. 1º do Decreto nº 1.916, de 23 de maio de 1996.
  • 7
    Os ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello acompanharam o voto do relator. Os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber discordaram da relatoria, declarando improcedente a ADI 6.565.
  • 8
    O poder-dever é um poder condicionante e inseparável do poder discricionário. Trata-se de uma condição legalmente conferida à administração pública como instrumento de exercício da sua função administrativa em defesa do interesse público. É um dever agir e ao mesmo tempo uma obrigação do administrador público que o exerce de forma irrenunciável.
  • 9
    A edição de MP encontra guarida no Art. 62 da Constituição Federal de 1988. A MP é um instrumento com força de lei, privativo do presidente da República e que deve ser usado em casos de relevância e urgência. A edição de MP produz efeitos imediatos. Para que se torne lei, necessita de aprovação da Câmara e do Senado no prazo máximo de 120 dias.
  • 10
    Os institutos federais não possuem a exigência da elaboração de listas tríplices. A nomeação do reitor segue o disposto no Art. 12 da Lei nº 11.892/08.
  • 11
    A autonomia de gestão financeira garante às Ifes a gestão autônoma dos recursos garantidos pela União.

Referências

Editora de seção: Carmen Sylvia V. Moraes https://orcid.org/0000-0002-3059-2102

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2023
  • Aceito
    18 Jul 2024
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