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PROPONDO UMA DEFINIÇÃO DE PERSEGUIÇÃO A EDUCADORAS(ES) BASEADA NA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA

PROPONIENDO UNA DEFINICIÓN DE PERSECUCIÓN CONTRA EDUCADORES DESDE LA EDUCACIÓN DEMOCRÁTICA

RESUMO

Este artigo propõe uma definição do que é a perseguição contra educadoras(es) na educação básica brasileira. Para isso, aposta na educação democrática baseada na pedagogia crítica, delineando, assim, o que é a participação democrática desejável na construção de comunidades educativas. Por contraste a essa participação desejável, sugere-se a definição de uma ação como perseguição a educadoras(es) quando a análise desta, feita conforme quatro eixos, evidencia métodos e objetivos antidemocráticos e contrários à autonomia e à autoridade docente. Os eixos apontados são: o objeto que é alvo; o método empregado; a relação dos autores do ato com os espaços institucionais para a participação; e os objetivos e horizontes desses atos.

Palavras-chave
Educação democrática; Perseguição a educadoras; Discurso da doutrinação; Ódio aos professores; Escola sem Partido

RESUMEN

Este artículo propone una definición de lo que es persecución contra educadores en la educación básica brasileña. Para esto, parte de la apuesta por la educación democrática desde la pedagogía crítica, esbozando cuál sería la deseable participación democrática en la construcción de comunidades educativas. En contraste a esta participación deseable, definimos una acción como persecución de los docentes cuando su análisis, a partir de cuatro ejes, muestra métodos y objetivos antidemocráticos y contrarios a la autonomía y autoridad docente. Los ejes propuestos son: el objeto que es objetivo, el método empleado, la relación de los autores del acto con los espacios institucionales para la participación y los objetivos y horizontes de estos actos.

Palabras-clave
Educación democrática; Persecución de educadores; Discurso de Discurso de doctrinamiento; Odio a los docentes; Escuela sin partido

ABSTRACT

This article presents a proposal for defining what is persecution against educators in Brazilian basic education. To do so, it starts from the perspective of democratic education based on critical pedagogy, outlining what a desirable democratic participation is in the construction of educational communities. By contrast to this desirable participation, an action as persecution against teachers is defined when the analysis of it based on four criteria shows methods and objectives that are antidemocratic and contrary to educators’ autonomy and authority. The four proposed criteria are: the targeted object, the employed method, the relationship of the actors with institutional spaces for participation, and the objectives and horizons of these actions.

Keywords
Democratic education; Persecution against educators; Discourse of indoctrination; Hate against teachers; School without party

Introdução

Uma grave ameaça à garantia do direito à educação no Brasil vem se desenvolvendo e prejudicando o acesso dos estudantes a conhecimentos importantes para o seu pleno desenvolvimento: a perseguição sistemática a educadoras e educadores pelo simples exercício do seu ofício.

Quando educadoras(es) não se sentem seguras(os) para fazer o seu trabalho em sala de aula, o medo leva à exclusão de temáticas, abordagens e conteúdos do cotidiano escolar. Falamos até mesmo de temáticas obrigatórias por lei, como a história e a cultura afro-brasileira e indígena, e de temas clássicos do currículo escolar, como teoria da evolução e vacinação, que deixam de ser trabalhados em aula por causa de um clima de insegurança no qual educadoras(es) são efetivamente censuradas(os) e outras(os) se autocensuram – o que o mundo jurídico chama de chilling effect (Human Rights Watch, 2022HUMAN RIGHTS WATCH. “Tenho medo, esse era o objetivo deles”: esforços para proibir a educação sobre gênero e sexualidade no Brasil. Human Rights Watch, maio 2022. Disponível em: https://www.hrw.org/sites/default/files/media_2022/05/brazil_lgbt0522pt_web.pdf. Acesso em: 16 abr. 2023.
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). Educadoras(es) são gravemente afetadas(os) de maneira direta, seja em razão do sofrimento emocional causado pelo medo, seja pelos gastos financeiros de um processo judicial, enquanto estudantes são impedidas(os) de ter contato com temáticas e conteúdos importantes para formar seus conhecimentos de mundo e horizontes de vida. A liberdade de ensinar e a liberdade de aprender são interdependentes e constitutivas do direito à educação e, portanto, não podem ser atacadas sem assim pôr em perigo esse direito.

Todos aqueles que têm contato com o cotidiano de instituições escolares e/ou universitárias conhecem casos de educadoras(es) que foram perseguidas(os) apenas por fazer o seu trabalho de acordo com seus saberes profissionais (Tardif, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2014.), com o conhecimento científico e com a legislação educacional brasileira. Segundo a cartilha Educadoras são defensoras de direitos humanos (IFRJ, 2021INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO (IFRJ). Educadoras são defensoras de direitos humanos. Rio de Janeiro: IFRJ, 2021. Disponível em: https://portal.ifrj.edu.br/educadores-defensores/publicacoes. Acesso em: 16 abr. 2023.
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), entre janeiro de 2018 e agosto de 2021 houve 77 reportagens em jornais, websites, blogues e páginas em redes sociais sobre educadoras(es) perseguidas(os), adoecimento docente e censura de materiais didáticos. A cartilha apresenta também uma pesquisa – feita por formulário online disponível para ser respondido por 15 dias, no mês de outubro de 2021, com 837 respostas de educadoras(es) – na qual 82,1% das(os) respondentes declararam sentir-se ameaçadas(os) de alguma forma pelo cenário atual (IFRJ, 2021INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO (IFRJ). Educadoras são defensoras de direitos humanos. Rio de Janeiro: IFRJ, 2021. Disponível em: https://portal.ifrj.edu.br/educadores-defensores/publicacoes. Acesso em: 16 abr. 2023.
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, p. 22).

Descrições, análises e tipologias da perseguição aparecem igualmente no Manual de defesa contra a censura nas escolas (2022) e no relatório “Tenho medo, esse era o objetivo deles”: esforços para proibir a educação sobre gênero e sexualidade no Brasil, da Human Rights Watch (2022)HUMAN RIGHTS WATCH. “Tenho medo, esse era o objetivo deles”: esforços para proibir a educação sobre gênero e sexualidade no Brasil. Human Rights Watch, maio 2022. Disponível em: https://www.hrw.org/sites/default/files/media_2022/05/brazil_lgbt0522pt_web.pdf. Acesso em: 16 abr. 2023.
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. O referido relatório analisa o contexto amplo e diversos casos, com entrevistas com 32 educadoras(es) de oito estados do país, onde todas(os) relatam viver com medo e 20 delas(es) relataram já ter sofrido algum tipo de assédio.

Este texto busca sistematizar essas práticas que diminuem a densidade democrática das comunidades educativas extraindo delas uma definição de perseguição a educadoras(es). O Manual de defesa contra a censura nas escolas (2022), em nossa pesquisa, é um dos textos que melhor trata do tema – a sua seção “Casos” (p. 64-186) consiste em uma sistematização fundamental das formas desse fenômeno conhecidas até agora. Não obstante, embora tenhamos iniciativas significativas da sociedade civil como a cartilha, o relatório e o manual citados anteriormente, a falta dessa definição explícita torna mais difícil a produção de dados amplos sobre esse fenômeno, impede o reconhecimento da autocensura e da perseguição como violações e dificulta que essas práticas sejam objeto de políticas públicas para a retomada das autonomia e autoridade docentes e para reparação às(aos) educadoras(es) perseguidas(os). Dificulta também, infelizmente, que a gravidade dessas violações seja percebida mesmo entre as(os) próprias(os) educadoras(es).

Entendemos que a perseguição se tornou um fenômeno amplo e sistemático. Referimo-nos a um fenômeno, no singular, porque, apesar de serem múltiplas as práticas de intimidação de educadoras(es), existe nexo nessa multiplicidade de casos particulares, que parecem ter se tornado parte da rotina escolar. No esforço para compreender esse novo elemento do cotidiano docente da educação básica brasileira, o primeiro passo deve ser propor uma definição para o conceito. Uma possibilidade heurística promissora é começar diferenciando a perseguição do seu contrário: a participação desejável da comunidade na vida escolar necessária a uma educação democrática.

A primeira parte do texto busca propor uma definição para educação democrática e pensar a sua relação com a gestão democrática. Essa discussão é importante para a segunda parte do texto, na qual se procura elaborar uma definição para perseguição sistemática a educadoras(es), em contraposição à participação democrática no cotidiano de uma comunidade educativa. A segunda parte começa com uma breve revisão bibliográfica sobre o tema e termina com uma proposta de definição do conceito de perseguição sistemática. No presente texto, optamos por falar em educadoras e educadores por entender que, apesar de professores e professoras serem os principais alvos da perseguição, outros profissionais da educação (como coordenadores, diretores etc.) também são vítimas dessa forma de violência.

Uma Definição de Educação Democrática

Educação Democrática: Sentidos em Disputa

O termo “educação democrática” apresenta um enorme potencial hegemônico, pois quem seria contra a educação democrática? Precisamos fixar alguns sentidos deste termo que não estão abertos à negociação: uma educação que não se reduza à qualificação para o trabalho, combate às diferentes formas de opressão que levam à exclusão de muitos jovens do cotidiano escolar e a valorização do profissional da educação. No entanto, para reforçar o potencial hegemônico da bandeira “educação democrática”, é importante manter, em alguma medida, o caráter de significante vazio do termo. Defini-lo meticulosamente reduziria o seu poder de incorporar uma totalidade que o excede e articular diferentes lutas pela escola pública. A “educação democrática” não pode ser previamente definida por qualquer um que seja, porque esta definição estaria irremediavelmente vinculada ao seu contexto de produção. Cada sociedade precisa discutir constantemente quais devem ser os objetivos da educação escolar frente aos desafios colocados por cada contexto histórico

(Penna, 2018PENNA, F. A. Construindo estratégias para uma luta pela educação democrática. In: PENNA, F. A.; QUEIROZ, F.; FRIGOTTO, G. (org.). Educação democrática: antídoto ao Escola sem Partido. Rio de Janeiro: LPP Uerj, 2018. v. 1. p. 111-130., p. 128).

Um dos objetivos do presente trabalho é propor uma definição para educação democrática, de maneira que se possa definir perseguição a educadoras e educadores em contraposição às práticas democráticas que atravessam as comunidades educativas.

Primeiramente, ao falar de educação democrática, referimo-nos a um conceito acadêmico ou a uma bandeira política? Se operarmos com a teoria política do discurso elaborada por Chantal Mouffe e Ernesto Laclau (2015)LACLAU, E.; MOUFFE, C. Pós-marxismo sem pedido de desculpas. In: CASIMIRO LOPES, A.; MENDONÇA, D. (org.). A teoria do discurso de Ernesto Laclau: ensaios críticos e entrevistas. São Paulo: Annablume, 2015. p. 35-72., podemos dizer que a educação democrática é um significante cujo significado está em disputa por diferentes discursos que tentam fixá-lo. O discurso acadêmico opera com o seu rigor metodológico e o seu compromisso com uma verdade provisória fundamentada cientificamente, e o discurso político trabalha com a urgência das disputas por direitos que podem resultar na preservação da vida ou no gerenciamento da morte. Penna (2018)PENNA, F. A. Construindo estratégias para uma luta pela educação democrática. In: PENNA, F. A.; QUEIROZ, F.; FRIGOTTO, G. (org.). Educação democrática: antídoto ao Escola sem Partido. Rio de Janeiro: LPP Uerj, 2018. v. 1. p. 111-130., usando a teoria política do discurso, pensa a educação democrática como um significante com grande potencial hegemônico (quem seria contra?), mas que precisa manter o seu caráter vazio e aberto à incorporação de novas pautas. Podemos pensar educação democrática também como um significante flutuante, com seus sentidos em constante disputa pelos discursos educacionais.

A escolha do significante educação democrática é importante, mas tão importante quanto é o sentido que se tenta fixar a ele na disputa. A citação reproduzida anteriormente destaca três elementos. O primeiro deles remete à necessidade de compreender a complexidade do fenômeno educacional, em oposição a projetos de escolarização que buscam destruir a sua dimensão educacional, reduzindo a atividade docente a uma instrução voltada para a transmissão de conhecimento. O terceiro diz respeito à valorização dos profissionais da educação, em oposição à campanha de ódio às(aos) educadoras(es) levada adiante por movimentos reacionários, além da precarização do trabalho docente. O segundo constitui o elemento central da nossa concepção de educação democrática: “Combate às diferentes formas de opressão que levam à exclusão de muitos jovens do cotidiano escolar” (Penna, 2018PENNA, F. A. Construindo estratégias para uma luta pela educação democrática. In: PENNA, F. A.; QUEIROZ, F.; FRIGOTTO, G. (org.). Educação democrática: antídoto ao Escola sem Partido. Rio de Janeiro: LPP Uerj, 2018. v. 1. p. 111-130., p. 128). O reconhecimento do caráter estrutural de relações de desigualdade social para pensar qualquer prática pedagógica que objetive a transformação social é um aspecto inegociável da nossa apropriação do conceito. Essa é a característica que define o que constitui para nós educação democrática.

No campo do discurso acadêmico, muitas pesquisas não usam o termo educação democrática, mas estão, de fato, discutindo a democratização da escola e da sociedade nesse sentido. Basta imaginar a produção sobre educação antirracista, educação popular, educação de jovens e adultos, inclusão e acessibilidade, entre outros. Esses são os muitos nomes para aquilo que nós chamamos de educação democrática.

O Núcleo de Estudos em Educação Democrática da Universidade Federal Fluminense tem buscado elaborar a sua apropriação (sempre provisória) do conceito, mediante a exploração da bibliografia voltada ao tema e levantamento dos diferentes campos de pesquisa que contribuem com a área, embora não usem o termo educação democrática. Nessa etapa da nossa atuação, o trabalho da pesquisadora Edda Sant (2019)SANT, E. Democratic education: a theoretical review (2006–2017). Review of Educational Research, v. 89, n. 5, p. 655-696, 2019. https://doi.org/10.3102/0034654319862493
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é de extrema importância. Ela se propôs a fazer uma revisão de literatura sobre os diferentes usos do conceito de educação democrática, com a seguinte abordagem:

Discursos são construídos em torno de pontos nodais ou signos (Laclau & Mouffe, 2001LACLAU, E. Emancipação e diferença. Rio de Janeiro: Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2011.), lugares de chegada de vários discursos (Mannion et al., 2011, p. 444). Alguns destes pontos nodais operam como “significantes flutuantes” (Laclau, 2007LACLAU, E. Emancipação e diferença. Rio de Janeiro: Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2011.) ou “horizontes” críticos mas contestados: signos aspiracionais “que diferentes discursos disputam para investi-los com sentido de suas formas peculiares” (Jorgensen & Phillips, 2002GANDIN, L. A.; APPLE, M. Thin versus thick democracy in education: Porto Alegre and the creation of alternatives to neo-liberalism. International Studies in Sociology of Education, v. 12, n. 2, p. 99-116, 2002. https://doi.org/10.1080/09620210200200085
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, p. 28). Por exemplo, dentro do campo político, “democracia” opera como um significante flutuante de diferentes discursos políticos. Apesar da democracia liberal ser a versão dominante na política democrática ocidental, o sentido da democracia não está fixado e existem outros discursos disputando para ganhar predominância (i.e., hegemonia), apresentando a sua versão de democracia como a “real” (Laclau & Mouffe, 2001LACLAU, E. Emancipação e diferença. Rio de Janeiro: Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2011.). Esta revisão começa com a pressuposição que educação democrática funciona como um significante flutuante na produção acadêmica do campo educacional, recebendo pressão estrutural de projetos rivais. Conceitualizar educação democrática nestes termos nos oferece as ferramentas teóricas e metodológicas para examinar a educação democrática como uma aspiração moral ampla, mas contestada

(Sant, 2019SANT, E. Democratic education: a theoretical review (2006–2017). Review of Educational Research, v. 89, n. 5, p. 655-696, 2019. https://doi.org/10.3102/0034654319862493
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, p. 658).

A revisão bibliográfica elaborada por Sant (2019)SANT, E. Democratic education: a theoretical review (2006–2017). Review of Educational Research, v. 89, n. 5, p. 655-696, 2019. https://doi.org/10.3102/0034654319862493
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trabalha com os artigos que utilizaram o termo educação democrática no título, nas palavras-chave ou no resumo e foram publicados em periódicos de língua inglesa com revisão por pares entre os anos de 2006 e 2017. O referencial teórico empregado foi a teoria política do discurso proposta por Laclau e Mouffe (2015)LACLAU, E.; MOUFFE, C. Pós-marxismo sem pedido de desculpas. In: CASIMIRO LOPES, A.; MENDONÇA, D. (org.). A teoria do discurso de Ernesto Laclau: ensaios críticos e entrevistas. São Paulo: Annablume, 2015. p. 35-72., entendendo o termo educação democrática como um significante flutuante. Os artigos foram analisados de acordo com quatro categorias (projeto político, pressupostos filosóficos, política pública e prática), e, dessa análise, emergiram oito versões, cada uma delas associada a um distinto discurso político. Entre essas oito versões, seis são a favor da educação democrática (liberal, deliberativa, participativa, multicultural, crítica e agonística) e duas são contrárias (elitista e neoliberal).

Em publicação posterior, Sant (2021)SANT, E. Political education in times of populism. Cham: Palgrave MacMillan, 2021. optou por: excluir o discurso elitista, por sua existência ser mínima nas democracias liberais ocidentais; substituir o multiculturalismo pelo discurso decolonial, por causa da relevância dessa perspectiva para a sua argumentação; e renomear o discurso “agonístico” como “radical”, por compreender que essa segunda nomenclatura engloba melhor os autores dessa perspectiva. A concepção de educação democrática que tem no seu cerne o aspecto indicado é aquela defendida pela pedagogia crítica. Eis a descrição inicial elaborada por Edda Sant (2019)SANT, E. Democratic education: a theoretical review (2006–2017). Review of Educational Research, v. 89, n. 5, p. 655-696, 2019. https://doi.org/10.3102/0034654319862493
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de “educação democrática crítica”:

Educadores críticos buscam a igualdade e a transformação social. Democratas críticos são preocupados com os déficits dos sistemas agregativo e liberal por reproduzirem a desigualdade e as relações de poder existentes. A maior parte das democracias existentes, eles argumentam, funcionam como versões pouco densas da democracia nas quais a sociedade é atomizada em indivíduos cujas vozes são confinadas ao sistema de mercado, limitando as possibilidades para mudanças sociais reais (Carr, 2008AÇÃO EDUCATIVA; CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, CULTURA E AÇÃO COMUNITÁRIA (CENPEC); CENTRO DE ESTUDOS E OPINIÃO PÚBLICA/UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (CESOP/UNICAMP). Pesquisa Educação, valores e direitos: achados do estudo quantitativo. In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito humano à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 61-70.; Lim, 2011LIMA, L. C. A gestão democrática das escolas: do autogoverno à ascensão de uma pós-democracia gestionária? Educação & Sociedade, v. 35, n. 129, p. 1067-1083, out. 2014. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014142170
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; Menashy, 2007; Veugelers, 2007). Contra essa democracia pouco densa definida em termos de escolhas, individualismo e pelo status quo, democratas críticos defendem uma democracia normativa densa na qual todos humanos têm oportunidades iguais e reais de ser agentes da transformação social (Carr, 2008AÇÃO EDUCATIVA; CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO, CULTURA E AÇÃO COMUNITÁRIA (CENPEC); CENTRO DE ESTUDOS E OPINIÃO PÚBLICA/UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (CESOP/UNICAMP). Pesquisa Educação, valores e direitos: achados do estudo quantitativo. In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito humano à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 61-70.; Hatzoloulos, 2015; Lim, 2011). A transformação social não é concebida como neutra, mas, ao contrário, como comprometida com o valor da igualdade que sustenta as demandas éticas do educador democrático crítico

(Sant, 2019SANT, E. Democratic education: a theoretical review (2006–2017). Review of Educational Research, v. 89, n. 5, p. 655-696, 2019. https://doi.org/10.3102/0034654319862493
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, p. 674-675).

Ao articular educação democrática e pedagogia crítica, posicionamo-nos na disputa de sentidos sobre democracia. Um primeiro aspecto importante é notar que essa concepção de democracia se define na oposição à apropriação neoliberal do termo, baseada no modelo agregativo. Nas sociedades em que o neoliberalismo é hegemônico, a democracia é pouco densa e caracterizada pela atomização (individualismo), pela naturalização da desigualdade social (status quo) e pela limitação das possibilidades de mudanças sociais reais. A definição da democracia de alta densidade passa necessariamente pela crítica das relações estruturais de desigualdade e pelo compromisso ético com a transformação social.

Nossa proposta é que a preocupação do campo de pesquisa em educação democrática tenha como foco a redução ou ampliação de densidade democrática. Um dos autores mais citados como referência para se falar sobre densidade democrática no campo da pedagogia crítica é o professor Michael Apple, especialmente no seu trabalho com Gandin (Gandin; Apple, 2002GANDIN, L. A.; APPLE, M. Thin versus thick democracy in education: Porto Alegre and the creation of alternatives to neo-liberalism. International Studies in Sociology of Education, v. 12, n. 2, p. 99-116, 2002. https://doi.org/10.1080/09620210200200085
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). O próprio Apple (2011)APPLE, M. Democratic education in neoliberal and neoconservative times. International Studies in Sociology of Education, v. 21, n. 1, p. 21-31, 2011. https://doi.org/10.1080/09620214.2011.543850
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, em um artigo intitulado “Educação democrática em tempos neoliberais e neoconservadores”, no entanto, tece uma dura crítica a alguns dos líderes acadêmicos do movimento da pedagogia crítica, que “não têm se conectado suficientemente com as realidades das escolas e das salas de aula” (Apple, 2011APPLE, M. Democratic education in neoliberal and neoconservative times. International Studies in Sociology of Education, v. 21, n. 1, p. 21-31, 2011. https://doi.org/10.1080/09620214.2011.543850
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, tradução nossa, p. 24), e defende que “existe a necessidade poderosa de conectar as abordagens e teorias educacionais críticas às formas pelas quais elas podem estar e estão presentes em salas de aula reais e outros espaços educativos” (Apple, 2011APPLE, M. Democratic education in neoliberal and neoconservative times. International Studies in Sociology of Education, v. 21, n. 1, p. 21-31, 2011. https://doi.org/10.1080/09620214.2011.543850
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, tradução nossa, p. 24).

Ao falar de “outros espaços educativos”, Apple (2011)APPLE, M. Democratic education in neoliberal and neoconservative times. International Studies in Sociology of Education, v. 21, n. 1, p. 21-31, 2011. https://doi.org/10.1080/09620214.2011.543850
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amplia o debate para além do aspecto institucional, um caminho que também seguimos aqui: adotamos a noção de comunidade, elaborada no campo da pedagogia crítica, por ela destacar a relação entre os sujeitos que compõem os espaços educativos. A produção da intelectual bell hooks (2022)HOOKS, B. Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança. São Paulo: Elefante, 2022. é estratégica nessa discussão pelo seu trabalho com o termo “comunidades de aprendizagem”, porém a palavra aprendizagem recentemente tem sido apropriada por um discurso que tenta apagar a dimensão do ensino, negando a dimensão propriamente educacional da relação entre estudantes e educadoras(es) (Biesta, 2012BIESTA, G. Boa educação na era da mensuração. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 42, n. 147, p. 808-825, dez. 2012. https://doi.org/10.1590/S0100-15742012000300009
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). Por isso, falamos de comunidades educativas.

Consideramos potente esse foco para o campo de estudos em educação democrática – o trabalho com as práticas que aumentam ou diminuem a densidade democrática –, porque ele evita o caráter normativo de preestabelecer uma lista de práticas a serem seguidas e foca na realidade cotidiana das comunidades educativas; insiste na importância de compreender também as práticas antidemocráticas para melhor combatê-las; e, ao trabalhar com a noção de comunidades educativas, abre espaço para a discussão de experiências não institucionalizadas e a abordagem tanto da educação básica como da educação superior. Não obstante, dito isso, no presente artigo focamos na perseguição sistemática a educadoras(es) na educação básica.

Gestão Democrática e Educação Democrática

Existem várias maneiras de pensar a relação entre a gestão democrática e a educação democrática. Os termos podem ser trabalhados quase como sinônimos, mas nossa proposta é diferenciar os dois entendendo educação democrática como um fenômeno mais amplo, que engloba a gestão democrática. Este último constituiria uma das práticas que ampliam a densidade democrática de uma comunidade educativa, talvez uma das mais importantes, por abrir espaço e possibilitar a institucionalização de outras práticas democráticas e refrear práticas antidemocráticas.

Licínio Lima (2014, p. 1071-1073)LIMA, L. C. A gestão democrática das escolas: do autogoverno à ascensão de uma pós-democracia gestionária? Educação & Sociedade, v. 35, n. 129, p. 1067-1083, out. 2014. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014142170
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aponta três dimensões básicas associadas à gestão democrática de escolas: a eleição para a escolha de membros de órgãos diretivos e representantes, a colegialidade e a participação nas decisões. Importa destacar que o termo gestão democrática, assim como vimos com educação democrática, também é alvo de disputas e pode ser concebido de várias formas. O pensamento neoliberal caracteriza-o como uma gestão irracional que sofre de déficit de liderança e, portanto, é ineficiente. Alguns tentam neutralizar o poder transformador da gestão democrática reduzindo-a a estruturas e processos democráticos já instituídos, quando o verdadeiro poder de decisão foi deslocado novamente (ou nunca saiu) para algum tradicional centro político administrativo. Quando o poder de decisão é efetivamente descentralizado e se encontra no interior de cada escola, existe a possibilidade da instauração de um autogoverno democrático:

Nesse contexto, os órgãos colegiados, democraticamente eleitos e democraticamente escrutinados, exercem uma autonomia assente na participação ativa, no debate e no diálogo, em práticas de democracia direta, sempre que possível e adequado, e em práticas de democracia representativa, assim reforçando o autogoverno escolar e a autogestão pedagógica, inscrevendo-se numa política e num sistema escolar nacional, mas favorecendo a diversidade de práticas e os processos de deslocação do poder para as escolas. No contexto de uma gestão democrática instituinte, a escola é organizacionalmente interpretável de formas diversas, incluindo a de sistema ou arena política, onde coexistem interesses e agendas diversas, mas também a de comunidade educativa capaz de dirimir democraticamente os seus conflitos, exigindo do Estado o cumprimento dos seus deveres, abrindo-se à comunidade local e aos não-especialistas, até como forma de ampliar e reforçar politicamente os discursos pedagógicos e as vozes de educadores e educandos, no quadro de relações de poder que são, tradicionalmente, bastante assimétricas e em desfavor das escolas e dos seus membros

(Lima, 2014LIMA, L. C. A gestão democrática das escolas: do autogoverno à ascensão de uma pós-democracia gestionária? Educação & Sociedade, v. 35, n. 129, p. 1067-1083, out. 2014. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014142170
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, p. 1074, grifo nosso).

Em uma gestão democrática instituinte na qual a escola pode ser compreendida como uma comunidade educativa, são criados espaços institucionais para a participação ativa e questionamentos das mais diferentes naturezas e com os mais variados objetos. Espaços institucionais de participação e questionamento são extremamente importantes para a democracia na escola, porque a atuação dos diferentes membros da comunidade educativa pode ser questionada.

Especialmente quando falamos das(os) educadoras(es) (não apenas professoras[es]), precisamos considerar que elas(es) possuem saberes profissionais que as(os) capacitam a planejar intervenções pedagógicas (Tardif, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2014.). Essa autoridade profissional não pode de maneira nenhuma converter-se em autoritarismo e deve sempre estar aberta aos questionamentos, considerando-os mesmo como oportunidades pedagógicas. A sala de aula deve ser um espaço aberto para os questionamentos dos estudantes, e a gestão, um espaço aberto para os questionamentos vindos de pais e membros externos da comunidade. Uma responsabilidade corresponde a essa autoridade profissional: à(ao) professora(or) cabe a responsabilidade pelas suas opções pedagógicas, e às(os) gestoras(es), a responsabilidade pela defesa das conquistas democráticas da instituição e do respeito às(os) membras(os) da comunidade.

A forma de pensar cientificamente tem muito a contribuir com a vida das(os) estudantes, e as(os) educadoras(es) detêm um saber profissional que as(os) capacita a orientar esse processo de construção do conhecimento escolar. Além disso, os saberes construídos com as(os) alunas(os) na educação básica são condições de possibilidade para elas(es) acessarem seus outros direitos fundamentais (Cury, 2006CURY, C. R. J. A educação escolar no Brasil: o público e o privado. Trabalho, Educação e Saúde, v. 4, n. 1, p. 143-158, mar. 2006. https://doi.org/10.1590/S1981-77462006000100009
https://doi.org/10.1590/S1981-7746200600...
). Nesse sentido, a participação legítima e salutar à educação democrática é aquela que busca os espaços existentes na gestão escolar para participar das decisões sobre a vida da escola e, quando estes não existem, busca instituí-los por meio do diálogo. Quando a gestão não é democrática, mas a demanda o é, nada mais legítimo que a luta política para democratizar a instituição e criar espaços para participar das decisões. Tanto essa luta política como essa participação respeitam e valorizam o conhecimento científico, os saberes profissionais das(os) educadoras(es), o debate de ideias e, acima de tudo, a presença da diferença na cultura escolar (importância da representatividade).

Uma Definição de Perseguição Sistemática a Educadoras(es)

Subteorização da Perseguição a Educadoras(es)

Este texto busca elaborar uma definição para perseguição contra educadoras(es) entendendo-a como um fenômeno social sistemático, isto é, como uma ação com uma estrutura própria que se repete em diversos lugares e momentos com traços em comum o bastante para ter direito a um conceito próprio. Primeiramente, por que fazer isso?

Como discutimos na sequência, a bibliografia que trata desse tema ainda não construiu uma categorização para nomear esse tipo de violência que é cometido contra educadoras(es), violência à qual nos referimos aqui como perseguição. A ausência desse nome leva à ausência de produção de conhecimento detalhado sobre esses atos e, nos médio e longo prazos, também à dificuldade de compreender que horizontes essa prática está criando. A falta de uma definição para o que é e para o que não é perseguição contra um(a) educador(a) é significativa. Ela evidencia uma lacuna em nosso pensamento e em nossas perguntas.

Curiosamente, enquanto na academia se produziu muito sobre o Escola sem Partido, a perseguição contra educadoras(es) se normalizou ao mesmo tempo que o significante escola sem partido perdeu força entre a parte da população brasileira que concorda com suas ideias principais (Ação Educativa; Cenpec; Cesop/Unicamp, 2022). Por isso tudo, argumentamos que os processos de perseguição devem ter status de objeto de conhecimento em si, deixando de ser subsumidos ao Escola sem Partido. Essa subsunção de um fenômeno sistemático inteiro sob um significante é muito bem ilustrada por Luana Pommé Ferreira da Silva (2021, p. 25)SILVA, L. P. F. Escola sem Partido: estratégia para a construção de consenso ou censura? Um estudo em Alagoas. 211f. 2021. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48139/tde-25062021-112827/. Acesso em: 27 set. 2022.
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, no primeiro capítulo de sua dissertação:

É importante salientar o percurso pelo qual a expressão “Escola Sem Partido” [...] nomeará e tomará diversas formas denominadas por seus defensores, ora como um movimento de sujeitos “autônomos” da sociedade civil, ora como organização/entidade jurídica que dá apoio a estes sujeitos, ora como o nome de um “Programa” para as escolas, ora como nome atribuído aos Projetos de Lei (PL) com o objetivo de implantar o programa nas escolas. Importa, portanto, ressaltar que utilizaremos a expressão “Escola Sem Partido”, em todas essas formas, a depender do contexto, mas sobretudo como programa ou movimento que se articula em torno de uma determinada concepção de educação.

A autora reconhece o colapso de objetos que se dá em meio à força gravitacional do significante escola sem partido, realizada mesmo pelos seus defensores. A sua decisão por utilizar Escola sem Partido em todas as suas formas, como ela diz, parece também ter sido tomada por boa parte da bibliografia sobre o tema, mas talvez de forma menos deliberada.

Parece ter havido um colapso entre os significantes Escola sem Partido e perseguição, censura, ataques à autonomia docente, entre outros termos que remetem ao silenciamento e ao impedimento do ofício (ver a revisão sistemática de Alves, 2022ALVES, V. P. C. Políticas nacionais: análise da produção acadêmica sobre o Escola sem Partido. 32f. Monografia (Licenciatura) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2022.).

O Escola sem Partido, stricto sensu, é um grupo específico fundado em 2004, com redes sociais sob seu próprio nome, presidido por um indivíduo chamado Miguel Nagib. Ao longo do tempo, a bibliografia caminhou, corretamente, para indicar que as ideias do grupo se difundiram de tal forma que foram adotadas por muitos indivíduos e grupos e em vários espaços, gerando uma multiplicidade grande de estratégias políticas e organizativas para fazer a luta política em seu nome. Não obstante, esse colapso de sentidos impede de ver que uma dessas estratégias se autonomizou ante o empreendimento Escola sem Partido e ganhou vida própria, tornando-se tanto o modus operandi de figuras dispostas a lucrar por meio da guerra cultural (Castro Rocha, 2021CASTRO ROCHA, J. C. Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político. São Paulo: Caminhos, 2021.) como também uma prática estabelecida na cultura política de pais, mães e tutores que consomem conteúdos da extrema-direita de vilanização de educadoras(es).

Isto é, a perseguição tornou-se algo capilarizado e difundido que pode ser feito tanto de maneira profissional pelos empreendedores políticos, como faz o deputado Gustavo Gayer (Partido Liberal-GO), ou de modo espontâneo, como fazem familiares que se mobilizam por meio de grupos de WhatsApp escolares para intimidar educadoras(es), como tem acontecido com as profissionais da educação Daniela Abreu (RJ) e Juliana Andozio (SC) no ano de 2023. Tudo isso independe de qualquer citação ao “escola sem partido” por parte dos agentes da perseguição. O que se hegemonizou foi a ideia de doutrinação, donde a nossa argumentação na direção de pensar agora um “discurso da doutrinação” em que a pesquisadora Silva (2021)SILVA, L. P. F. Escola sem Partido: estratégia para a construção de consenso ou censura? Um estudo em Alagoas. 211f. 2021. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48139/tde-25062021-112827/. Acesso em: 27 set. 2022.
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falou de “escola sem partido”.

Outra evidência da subteorização do fenômeno, além da falta de uma categoria estabelecida para ela, é a escassez de trabalhos encontrados que usam a palavra-chave perseguição para nomear as situações de censura, ataques, ameaças etc. Entre os estudos acerca do discurso da doutrinação e do empreendimento Escola sem Partido, há vários que versam consideravelmente sobre perseguição e não trazem esse dado como palavra-chave do texto.

A dissertação O professor de história no fio da navalha: o Escola sem Partido no cotidiano do trabalho educativo, de Felipe Dias de Oliveira Silva (2020)SILVA, F. D. O. O professor de história no fio da navalha: o Escola sem Partido no cotidiano do trabalho educativo. 163f. 2020. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2020. https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/12308
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, tem como palavras-chave: Escola sem Partido, ensino de história, trabalho educativo, práticas docentes. Apesar disso, o trabalho tem um subcapítulo chamado “Perseguição aos professores: entre ausências e denúncias”, em que o autor fala explicitamente que o Escola sem Partido elaborou “uma série de medidas capazes de instaurar uma perseguição sistemática aos professores e sua exposição pública” (Silva, 2020SILVA, F. D. O. O professor de história no fio da navalha: o Escola sem Partido no cotidiano do trabalho educativo. 163f. 2020. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2020. https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/12308
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, p. 116). Nesse capítulo, o autor analisa e descreve uma série de situações e ações que demonstram a autocensura e a perseguição contra educadoras(es) cometidas não por representantes estabelecidos do Escola sem Partido, mas por diversos membros das comunidades escolares.

O trabalho de Sartori (2021)SARTORI, B. Onda conservadora na educação pública: (auto)censura e resistência entre os profissionais do magistério do município de São Paulo. 176f. 2021. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) – Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo, 2021. Disponível em: http://biblioteca.ufabc.edu.br/index.php?codigo_sophia=122493
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Onda conservadora na educação pública: (auto)censura e resistência entre os profissionais do magistério do Município de São Paulo tem como palavras-chave: ideias pedagógicas, práticas pedagógicas, políticas educacionais, “escola sem partido”, Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Não obstante a ausência de referências à perseguição contra educadoras(es) nessas etiquetas, esse trabalho é um dos mais detalhados que encontramos sobre como se dá a perseguição pensada de maneira ampla. Nele encontramos a preocupação em listar quem em geral são os agentes que perseguem, a forma da perseguição e os temas perseguidos (Sartori, 2021SARTORI, B. Onda conservadora na educação pública: (auto)censura e resistência entre os profissionais do magistério do município de São Paulo. 176f. 2021. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) – Universidade Federal do ABC, São Bernardo do Campo, 2021. Disponível em: http://biblioteca.ufabc.edu.br/index.php?codigo_sophia=122493
http://biblioteca.ufabc.edu.br/index.php...
, p. 133-135).

Importante ressalvar que muito dessa discussão aqui se fundamenta no conhecimento do campo de estudos sobre o empreendimento Escola sem Partido das autoras e autor do presente texto. Vários trabalhos citados neste artigo foram encontrados no decorrer habitual das nossas pesquisas.

Quando se busca por perseguição de professores (sem aspas) no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o retorno é de 33 resultados, enquanto no Portal de Periódicos da Capes retornam 49 resultados. Quando se faz a busca com aspas, “perseguição de professores”, no Catálogo de Teses, retorna um resultado; “perseguição a docentes”, dois resultados; “ameaças contra professores”, um; e “ódio aos professores”, três. Nas buscas sem aspas ainda no catálogo, com refinamento dos resultados para as grandes áreas Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes e Ciências Sociais Aplicadas: ódio aos professores gera 35 resultados; perseguição de professoras, 18 (com nove que não se encaixam no nosso tema); perseguição a docentes, 14 resultados; e ameaças contra professores, 94. Enquanto isso, no Portal de Periódicos da Capes1 1 Como as pesquisas com aspas apagam vários resultados que são coerentes com o nosso tema, os resultados apresentados a seguir se referem a pesquisas feitas sem as aspas. , a busca por perseguição a professores retornou 53 resultados, com vários fora do tema; ódio aos professores, 49 resultados; e ameaças a professores, 191.

Em artigo sobre o estado da arte dos estudos sobre o Escola sem Partido publicados entre 2016 e 2018, Guimarães Rossi e Fernandes Pátaro (2020, p. 3, grifo nosso) dizem:

Para organizar o material no presente artigo, optamos por não apresentar cada trabalho de maneira individual, mas agrupá-los em torno das temáticas comuns abordadas pelas/os diferentes autoras/es. Assim sendo, e a partir das discussões presentes na literatura científica com a qual entramos em contato, foram pensadas categorias que agrupam os trabalhos em torno de quatro temáticas: “Currículo escolar”, “Ideologia e neutralidade”, “Ideologia de gênero” e “Implicações do [Escola sem Partido] ESP para docentes e discentes”. Consideramos importante destacar que as categorias não foram pensadas previamente e emergiram de sucessivas leituras e releituras do material coletado, o que permitiu a identificação das facetas que têm recebido maior ênfase na produção acadêmica em torno do ESP.

Em outro trabalho de estado da arte a respeito desse mesmo objeto de estudo, o Escola sem Partido, compreendendo trabalhos publicados entre 2018 e 2020, Alves (2022)ALVES, V. P. C. Políticas nacionais: análise da produção acadêmica sobre o Escola sem Partido. 32f. Monografia (Licenciatura) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2022. criou a etiqueta “Trabalho docente” para catalogar uma parte dos trabalhos. Esses dois estudos (Guimarães Rossi e Fernandes Pátaro, 2020GUIMARÃES ROSSI, J. P.; FERNANDES PÁTARO, R. A “lei da mordaça” na literatura científica: um estado da arte sobre o movimento Escola sem Partido. Educação em Revista, v. 36, n. 1, e221565, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-4698221565
https://doi.org/10.1590/0102-4698221565...
; Alves, 2022ALVES, V. P. C. Políticas nacionais: análise da produção acadêmica sobre o Escola sem Partido. 32f. Monografia (Licenciatura) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2022.), do tipo estado da arte, contribuem para nossa avaliação sobre os caminhos que a bibliografia do tema tomou.

O artigo de Picoli, Radaelli e Tedesco (2020)PICOLI, B. A.; RADAELLI, S. M.; TEDESCO, A. L. Anti-intelectualismo, neoconservadorismo e reacionarismo no Brasil contemporâneo: o movimento Escola sem Partido e a perseguição aos professores. Revista da Faeeba: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 29, n. 58, p. 48-66, abr. 2020. https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n58.p48-66
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, “Anti-intelectualismo, neoconservadorismo e reacionarismo no Brasil contemporâneo: o movimento Escola sem Partido e a perseguição aos professores”, é um dos poucos que teorizam o processo de perseguição contra professoras(es). Consideramos que ele chega a começar esse movimento de teorização porque discute a forma de organização do anti-intelectualismo do Escola sem Partido, um tipo de organização cujo método é a perseguição. O texto cita alguns métodos e como eles intimidam professores e empoderam pais conservadores para cometer censura. Não obstante, a perseguição não é definida diretamente; ela tem seu sentido construído com base na sua equivalência a sinônimos de perseguição e significantes para as suas consequências: “criminalizar” (Picoli; Radaelli; Tedesco, 2020PICOLI, B. A.; RADAELLI, S. M.; TEDESCO, A. L. Anti-intelectualismo, neoconservadorismo e reacionarismo no Brasil contemporâneo: o movimento Escola sem Partido e a perseguição aos professores. Revista da Faeeba: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 29, n. 58, p. 48-66, abr. 2020. https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n58.p48-66
https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194...
, p. 60), professores tratados como inimigos (Picoli; Radaelli; Tedesco, 2020PICOLI, B. A.; RADAELLI, S. M.; TEDESCO, A. L. Anti-intelectualismo, neoconservadorismo e reacionarismo no Brasil contemporâneo: o movimento Escola sem Partido e a perseguição aos professores. Revista da Faeeba: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 29, n. 58, p. 48-66, abr. 2020. https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n58.p48-66
https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194...
, p. 60), “promover censura” (Picoli; Radaelli; Tedesco, 2020PICOLI, B. A.; RADAELLI, S. M.; TEDESCO, A. L. Anti-intelectualismo, neoconservadorismo e reacionarismo no Brasil contemporâneo: o movimento Escola sem Partido e a perseguição aos professores. Revista da Faeeba: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 29, n. 58, p. 48-66, abr. 2020. https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2020.v29.n58.p48-66
https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194...
, p. 61).

A dissertação de Luana Pommé Ferreira da Silva (2021)SILVA, L. P. F. Escola sem Partido: estratégia para a construção de consenso ou censura? Um estudo em Alagoas. 211f. 2021. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48139/tde-25062021-112827/. Acesso em: 27 set. 2022.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, citada anteriormente, intitulada Escola sem Partido: estratégia para a construção de consenso ou censura? Um estudo em Alagoas, tem como palavras-chave: Escola sem Partido, política educacional, opinião de professores, Estado integral, censura. Por meio de referencial teórico gramsciano, o trabalho estudou o Escola sem Partido incluindo em sua metodologia uma pesquisa de campo com professores em Alagoas, para captar a opinião da categoria e a incidência do movimento sobre a práxis docente. Como o foco do estudo é o Escola sem Partido enquanto parte de um Estado integral com papel importante na reprodução capitalista, a perseguição aparece subsumida na ideia de consensos produzidos pelo movimento, entre os quais o de que professores são doutrinadores. Não há elaboração mais detalhada a respeito das práticas persecutórias geradas por esse consenso; a perseguição, parece, é tida como evidente nas demandas do Escola sem Partido por censura.

Os trabalhos que avançam uma discussão sobre a perseguição propriamente dita são essenciais para conhecermos os meandros do fenômeno. Ariane Rebouças Araújo (2023)ARAÚJO, A. R. Professores de história em tempos de autoritarismo: experiências de resistências à perseguição nas redes pública e privada do ensino médio em Fortaleza-Ceará (2014-2022). 175f. Dissertação (Mestrado Acadêmico Interdisciplinar História e Letras) – Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central, Universidade Estadual do Ceará, Quixadá, 2023., em sua dissertação de mestrado, Professores de história em tempos de autoritarismo: experiências de resistências à perseguição nas redes pública e privada do ensino médio em Fortaleza-Ceará (2014-2022), incorpora as ideias de violência simbólica e traz empiria fundamental para o tema, como a documentação de processos oficiais contra docentes no Ceará. Seu olhar, focado na perseguição, alcança conclusões importantíssimas para pensar e combater o fenômeno: a de que a rede de ensino particular se configura como um espaço de violência simbólica contra educadoras(es); a perseguição como uma estratégia de campanha eleitoral; e os impactos de médio e longo prazos sobre a profissão e a saúde das(os) educadoras(es). Não obstante, tampouco essa dissertação tem perseguição ou qualquer sinônimo em suas palavras-chave, que são: extrema-direita, ensino de história, experiências docentes, tempo presente.

Trabalhos anteriores dos autores deste texto também não teorizaram a respeito da perseguição como o fazemos aqui, dando-a como subentendida, uma vez que seu significado nos textos é construído pela sua equiparação com outros significantes de atos violentos (censura, criminalização, ataques). Os textos anteriores de Penna (2016PENNA, F. A. O ódio aos professores. In: AÇÃO EDUCATIVA ASSESSORIA, PESQUISA E INFORMAÇÃO (org.). A ideologia do movimento Escola sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: Ação Educativa, 2016. v. 1. p. 93-100.; 2017PENNA, F. A. “Escola sem Partido” como ameaça à educação democrática: fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola. In: MACHADO, A. R. A.; TOLEDO, M. R. A. (org.). Golpes na história e na escola. São Paulo: Cortez/Anpuh-SP, 2017. v. 1. p. 247-260.; 2021)PENNA, F. A. Understanding the hate against teachers in Brazil. In: VERMA, R.; APPLE, M. W. (org.). Disrupting hate in education: teacher activists, democracy, and global pedagogies of interruption. Nova York: Routledge, 2021. p. 153-173. sobre ódio aos professores analisam esse discurso de ódio, que, como queremos tratar aqui, é o método utilizado pela perseguição sistemática contra educadoras(es). Trabalhos anteriores de Aquino e Moura, em parceria com outras(os) pesquisadoras(es), igualmente fazem aproximações ao objeto perseguição sem defini-lo em detalhes (Moura, 2018MOURA, F. Quem nasceu primeiro? O “Escola sem Partido” e a eleição de Jair Bolsonaro. Esquerda Online, 2 nov. 2018. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2018/11/02/quem-nasceu-primeiro-oescola-sem-partido-e-a-eleicao-de-jair-bolsonaro/. Acesso em: 27 set. 2022.
https://esquerdaonline.com.br/2018/11/02...
; Salles; Silva, 2018SALLES, D.; SILVA, R. C. A. O Escola sem Partido na desdemocratização brasileira. In: PENNA, F.; QUEIROZ, F.; FRIGOTTO, G. (org.). Educação democrática: antídoto ao Escola sem Partido. Rio de Janeiro: LPP Uerj, 2018. p. 153-173.; Mendonça; Moura, 2021MENDONÇA, A.; MOURA, F. Mais empoderada que eu? Antifeminismo e desdemocratização no Brasil atual. Communitas, v. 5, n. 9, p. 9-23, 2021.; Aquino; Moura, 2022AQUINO, R.; MOURA, F. Breve histórico das leis de censura na educação: os projetos Escola sem Partido e antigênero (2014-2020). In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito humano à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 38-44.).

A perseguição contra educadoras(es) carece de esforços densos de sistematização do seu funcionamento, das suas dinâmicas específicas, de mais iniciativas de produção de dados sobre ela. Precisamos responder a várias questões: por que a perseguição se tornou algo tão comum? Ela tem antecedentes históricos? Para que tipo de futuro ela aponta? Por que a categoria docente é tão vulnerável a esses processos? Qual é o papel das instituições nesse fenômeno? A perseguição acontece mais na rede pública ou na privada, e por quê? Quem comete a perseguição? Como a perseguição se organiza? Ela é organizada de maneira centralizada ou difusa? Quais são os temas mais perseguidos? Existe diferença de grau de perseguição entre o ensino fundamental e o ensino médio? Os marcadores sociais da diferença das(os) educadoras(es) impactam a frequência e o grau de gravidade dos processos de perseguição? Em que ambientes se organizam aqueles que cometem atos de perseguição, isto é, que vão até uma escola, ou que expõem docentes nas redes sociais? Quais são os principais agentes da perseguição em termos de quantidade e de gravidade dos atos de perseguição? Em que casos a perseguição se torna mais grave e em que casos ela é interrompida em respeito à liberdade de cátedra das(os) educadoras(es)?

Todas essas perguntas, fundamentais, somente poderão ser respondidas adequadamente, tanto para a produção de conhecimento como para a produção de políticas públicas, quando tivermos uma definição para perseguição. Conforme demonstramos, diversos trabalhos aproximam-se desse movimento de definição, mas não o concluem. Parece-nos que essa carência se deu por causa de uma convergência excessiva entre significantes que nomeiam os impactos e as ações do pânico moral e do “combate à doutrinação”. Por isso, argumentamos que a solução necessária é definir o que é perseguição não conforme as ações do empreendimento Escola sem Partido, mas pela contraposição aos nossos horizontes políticos concretos: uma educação e uma gestão democráticas.

A Perseguição de Educadoras(es) como Ameaça à Educação Democrática

A proposta da presente seção é apresentar uma definição preliminar, ainda sujeita a mudanças em resposta a novas pesquisas, do conceito perseguição sistemática a educadoras(es). Propor essa definição é importante por dois motivos: para que o termo possa agrupar, como palavra-chave, uma série de estudos que já estão sendo produzidos e que, infelizmente, não dialogam de forma significativa entre si; e para que esse diálogo possa acontecer de acordo com uma definição mínima do fenômeno. A definição proposta aqui é desenhada segundo quatro eixos, que entendemos estarem presentes formalmente em todas as manifestações particulares do fenômeno. A perseguição sistemática pode ser definida pelo objeto que é o seu alvo, pelo método empregado, pela relação com os espaços institucionais para a participação e por seus objetivos e horizontes.

O Objeto: As(Os) Educadoras(es) São o Alvo

Tratamos aqui de uma forma de violência contra a educação, ou, melhor dizendo, contra a dimensão educacional das escolas (e das universidades). O discurso reacionário de defesa de uma “escola sem partido” defendia que “professor não é educador”, que a educação é responsabilidade exclusiva da família e da religião e os professores devem limitar-se a transmitir conteúdo neutro, sem mobilizar valores ou falar da realidade dos alunos. É um ataque à dimensão educacional e, portanto, política das escolas e a todas as práticas que visam ampliar a densidade democrática das comunidades educativas. Estudantes e suas famílias também são alvo da violência quando lutam pela democratização das escolas, mas os profissionais da educação são lidos como o alvo perfeito para a perseguição. Em primeiro lugar, por sua posição estratégica como atores dessa luta pela democratização e também por uma estratégia metonímica por parte dos agentes da perseguição: ao atacar as(os) educadoras(es), está se atacando todo um projeto de educação que elas(es) representam.

As(os) educadoras(ores) são indissociáveis dos saberes que encarnam em sala de aula e de um corpo investido de características e de uma forma de estar no mundo que são sempre lidos socialmente. Em sala de aula, educadoras(es) encarnam os saberes científicos, os saberes curriculares e os saberes da experiência (Tardif, 2014TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2014.). Essa relação entre um corpo e um saber nele corporificado explica como o negacionismo científico e as tentativas de abolir dos currículos temas que até agora são obrigatórios são motores da perseguição de educadoras(es); trata-se de uma negação de toda a experiência acumulada pelas(os) educadoras(es).

Esses saberes são encarnados por um corpo interpretado socialmente conforme os seus marcadores sociais – um(a) educador(a) pode ter seus saberes questionados simplesmente por ser quem ele(a) é –, um corpo ao qual o perseguidor não reconhece a posse de saberes legítimos. Por isso a interseccionalidade é importante, não apenas para pensar como a desigualdade social se converte em exclusão das(os) estudantes, mas também para pensar a vulnerabilidade diferenciada das(os) educadoras(es) ante a perseguição:

A interseccionalidade investiga como as relações interseccionais de poder influenciam as relações sociais em sociedades marcadas pela diversidade, bem como as experiências individuais na vida cotidiana. Como ferramenta analítica, a interseccionalidade considera que as categorias de raça, classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade, capacidade, etnia e faixa etária – entre outras – são inter-relacionadas e moldam-se mutuamente. A interseccionalidade é uma forma de entender e explicar a complexidade do mundo, das pessoas e das experiências humanas

(Collins; Bilge, 2021COLLINS, P. H.; BILGE, S. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021., p. 15-16).

Nossa hipótese é a de que a vulnerabilidade das(os) educadoras(es) à perseguição é diferenciada. Dependendo da orientação sexual, da identidade de gênero, do tipo de vínculo com a instituição onde trabalha, da religião que professa ou da ausência de crença, da ideologia que a(o) move etc., determinadas(os) educadoras(es) podem ser mais perseguidas(os) do que outras(os). Essa hipótese é coerente com a proposta de Patricia Hill Collins (2022)COLLINS, P. H. Bem mais que ideias: a interseccionalidade como teoria social crítica. São Paulo: Boitempo, 2022. de compreender a violência como um espaço saturado de relações interseccionais de poder. Esses espaços saturados “agrupam práticas, instituições sociais, representações e padrões de interação social cotidiana que aparecem e reaparecem em sistemas de opressão aparentemente separados” (Collins, 2022COLLINS, P. H. Bem mais que ideias: a interseccionalidade como teoria social crítica. São Paulo: Boitempo, 2022., p. 328). Essa é uma das questões a ser mais bem investigadas sobre a perseguição sistemática, entendendo-a como uma das formas de violência contra educadoras(es).

O Método: O Discurso de Ódio Contra as(os) Educadoras(es)

Em princípio, o discurso se dirige contra um indivíduo, não porque esse indivíduo tenha causado um dano ao falante, mas porque goza de um traço que o inclui em um determinado coletivo. [...] Uma segunda característica dos crimes de ódio é que se estigmatiza e difama um coletivo atribuindo atos que são prejudiciais à sociedade, ainda que seja difícil de comprová-los, se não impossível, porque certas ocasiões remetem a uma história remota que foi gerando preconceito ou se formam através de murmúrios e fofocas. [...] Em terceiro lugar, situa-se o coletivo na mira do ódio precisamente porque lendas obscuras pretendem justificar a incitação ao desprezo que a sociedade deveria sentir de determinado coletivo, segundo os inventores destas lendas. [...] Em quarto lugar, a pessoa que pronuncia o discurso de ódio ou que comete o crime de ódio está convencida de que existe uma desigualdade estrutural entre a vítima e ela, acredita que se encontra em uma posição de superioridade. [...] Por último, outra das características do discurso de ódio, levando ou não a incitar a violência, é a sua escassa ou nula argumentação, porque na realidade não pretende dar argumentos, mas expressar desprezo e incitar que isso seja compartilhado

Cortina, 2020CORTINA, A. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. São Paulo: Contracorrente, 2020.).

Se o objeto da perseguição sistemática é a(o) educadora(or), o seu método tem como base o discurso de ódio. Na definição proposta por Adela Cortina (2020)CORTINA, A. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. São Paulo: Contracorrente, 2020., reproduzida anteriormente, o discurso de ódio dirige-se contra um indivíduo não por algo que ele tenha feito, mas por identificar nele uma característica que o inclua em um grupo. Uma vez que um(a) educador(a) realize uma atividade ou discuta determinada temática que contrarie o agente da perseguição, não importa tanto o que foi feito ou dito, e sim representá-lo como uma ameaça aos seus valores. Essa primeira característica do discurso de ódio estabelecida por Cortina (2020)CORTINA, A. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. São Paulo: Contracorrente, 2020. está fortemente vinculada à última; o foco do discurso de ódio às(aos) educadoras(es) não é argumentativo (posicionar-se de maneira democrática em um debate sobre certa prática), mas sim retórico: expressar e incitar o ódio, para que ele seja compartilhado, e levar potencialmente a outras formas de violência mais brutais.

A disseminação de um discurso de ódio contra educadoras(es), por meio do significante doutrinação, transformou o(a) educador(a) em uma figura facilmente atacável. O significante doutrinação tornou-se um código para demarcar uma fronteira entre amigo e inimigo, invertendo as dinâmicas de confiança necessárias à construção de comunidades educativas, interrompendo práticas de construção, manutenção e aumento da densidade democrática das escolas. Seu estabelecimento nos debates públicos serviu de incentivo à perseguição, criando condições de possibilidade para ela, reenquadrando como doutrinação práticas escolares cotidianas e previstas em legislação, pondo em perigo as(os) educadoras(es) como um todo nos médio e longo prazos; e também de forma da perseguição, uma vez que o significante nomeia uma violação pela qual educadoras(es) devem ser denunciadas(os) em redes sociais às instituições e até em plataformas específicas, a despeito da legislação brasileira2 2 Ver o Projeto de Lei nº 1.411/2015, de Rogerio Marinho (2015), então deputado pelo Partido da Social Democracia Brasileira-RN, que pretendia criar o crime de “assédio ideológico” e que por anos tramitou apensado aos projetos Escola sem Partido e antigênero. .

É importante apreender a dimensão desse fato: perseguir educadoras(es) tornou-se lucrativo politicamente, uma vez que apelar para o medo da “ideologia de gênero” e do “professor doutrinador” se transformou em uma forma efetiva de atrair atenção para si (Aquino; Moura, 2022AQUINO, R.; MOURA, F. Breve histórico das leis de censura na educação: os projetos Escola sem Partido e antigênero (2014-2020). In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito humano à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 38-44.) e de potencialmente convertê-la em lucro financeiro e/ou político.

Relação com os Espaços de Participação: O Enfraquecimento da Densidade Democrática das Comunidades Educativas

Entre as inúmeras formas possíveis para definir perseguição, por que fazê-lo conforme o contraste com a educação democrática? A gestão democrática cria canais de diálogo institucionais para a participação da comunidade no cotidiano escolar. A existência desses canais, de maneira mais ou menos robusta, estabelece formas não só legítimas, mas salutares para essa participação. Assim, se um estudante discorda de algo dito por um(a) educador(a), mas reconhece nele(a) um(a) profissional detentor(a) de conhecimentos técnicos e o(a) questiona de maneira respeitosa, esse questionamento torna-se uma oportunidade pedagógica para fortalecer o diálogo.

Quando esse questionamento não surte efeito no diálogo interno da sala de aula, ele assume a forma da denúncia: leva-se o questionamento a uma instância superior na própria escola. A denúncia pode ser importante para a educação democrática. Quando a gestão escolar é democrática, a denúncia (apresentada nos canais institucionais) pode revelar uma violência que acontece na escola e reafirmar o compromisso institucional de combate a esse tipo de comportamento. Quando a gestão escolar não é democrática nem cria espaços para a participação ou canais para a apresentação de reclamações, a denúncia serve como um meio de pressão política pela democratização do espaço escolar. A denúncia que inicia a perseguição, por sua vez, não possui essas características. Pelo contrário, ela funciona como uma interrupção à educação democrática.

Um elemento importante para caracterizar a perseguição sistemática a educadoras(es) é a forma como uma denúncia se relaciona com os espaços institucionais para a participação. Para que um tema seja discutido ou a instituição lide com uma denúncia e a pessoa acusada tenha seu pleno direito de defesa garantido, é necessário tempo para que o devido processo deliberativo ou disciplinar administrativo seja instaurado e chegue a um bom termo. A denúncia que inicia a perseguição não visa estabelecer o diálogo sobre as práticas escolares de maneira respeitosa, mas parte da certeza da razão da sua acusação e realiza uma denúncia em busca de causar dano ao acusado e/ou proveito próprio ao acusador. Quando um(a) educador(a) atua de acordo com o seu saber profissional, e não é sequer questionado(a) diretamente, esse ato torna-se uma acusação agressiva direcionada a um(a) profissional que pode ser acompanhada de exposição indevida e causar os mais variados danos a ele(a).

A perseguição sistemática pode não mobilizar os espaços institucionais de debate e questionamento – quando o(a) educador(a) é exposto em redes sociais ou alvo de um processo judicial –, ou mobilizá-los de maneira apenas formal para subvertê-los (desdemocratização). De qualquer maneira, a consequência mais provável da perseguição é a redução da densidade democrática das comunidades educativas.

O Objetivo: O Medo e a (Auto)Censura

A perseguição sistemática – que tem como alvo os(as) educadores(as), recorre a um discurso de ódio contra esse grupo e não mobiliza de maneira democrática os espaços de participação política nas comunidades educativas – visa silenciar educadores(as), seja por meio de atos de censura explícita, seja pelo clima de medo que leva à autocensura. Tal perseguição foi naturalizada e normalizada, configurando-se como uma forma de violência incontestada, livre para difundir medo e insegurança entre as(os) educadoras(es). Se o método é o discurso de ódio, o objetivo é o medo que leva à autocensura. Esse método foi normalizado por atores políticos que estimularam essa prática e a tornaram lucrativa para outros que quisessem também utilizar essa plataforma para captação de atenção.

A atuação do empreendimento3 3 Categorizamos o Escola sem Partido enquanto um empreendimento, diferentemente do que fizemos em trabalhos anteriores, para elaborar num conceito características dele que ficaram mais proeminentes após o seu hiato e cinzento retorno em 2022 e 2023 quando suas contas no Twitter e no Instagram foram reativadas. A primeira característica é a de que não há evidências de que o Escola sem Partido tenha se organizado enquanto um movimento social. Ao contrário disso, a representação dele foi feita praticamente em toda a sua existência por um único indivíduo, o advogado Miguel Nagib, com participações pontuais e passageiras de outras figuras (Orley José da Silva, Bráulio Porto de Matos, Bia Kicis, Ruth Kicis – esta última esposa de Nagib e administradora da página do Facebook do Escola sem Partido em 2019). As ações realizadas pelo Escola sem Partido consistiram principalmente na divulgação de ferramentas de censura, manutenção de site e redes sociais, entre outros que não demandam estruturas financeiras grandes – é notório que a web 2.0 barateia a ação política de variadas formas, e vê-se que o Escola sem Partido se beneficiou disso. A segunda característica consiste na adoção do “combate à doutrinação” como plataforma de autopromoção por parte de diversos empreendedores políticos, tendo sido estabelecido um ciclo em que essas figuras ganhavam capital social e político por se venderem como “defensores da família”, e o Escola sem Partido difundia-se em plataformas de comunicação na lógica da influência, o que amplia a adesão às suas ideias. Essa é uma característica marcante da formação do bolsonarismo (ver citação a Nunes, 2022). Escola sem Partido serve como um fio que articula a análise. A mobilização de ódio às(os) educadoras(es) foi central para a ascensão do grupo que colheu o lucro político do pós-2013 e que esteve no poder entre 2019 e 2022. O Escola sem Partido, e mais especificamente a formação discursiva à qual ele dá nome, foi central para articular grupos diversos da direita que foram parte da base política de Jair Bolsonaro e que avançaram no processo de desdemocratização do país (Miguel, 2016MIGUEL, L. F. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero”: Escola sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p. 590-621, 2016. https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163
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; Kalil, 2018KALIL, I. (coord.). Relatório Quem são e no que acreditam os eleitores de Jair Bolsonaro. São Paulo: Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, 2018. Disponível em: https://www.fespsp.org.br/upload/usersfiles/2018/Relat%C3%B3rio%20para%20Site%20FESPSP.pdf. Acesso em: 16 abr. 2023.
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; Salles; Silva, 2018SALLES, D.; SILVA, R. C. A. O Escola sem Partido na desdemocratização brasileira. In: PENNA, F.; QUEIROZ, F.; FRIGOTTO, G. (org.). Educação democrática: antídoto ao Escola sem Partido. Rio de Janeiro: LPP Uerj, 2018. p. 153-173.; Cesarino, 2021CESARINO, L. Pós-verdade e a crise do sistema de peritos: uma explicação cibernética. Ilha: Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 73-96, 2021. https://doi.org/10.5007/2175-8034.2021.e75630
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; 2022CESARINO, L. O mundo do avesso. São Paulo: Ubu, 2022.; Mendonça; Moura, 2021MENDONÇA, A.; MOURA, F. Mais empoderada que eu? Antifeminismo e desdemocratização no Brasil atual. Communitas, v. 5, n. 9, p. 9-23, 2021.), na medida em que construiu doutrinação como significante lucrativo politicamente. Essa movimentação pela censura também intensificou de maneira considerável a juridificação do campo educacional.

Para avançar na teorização da perseguição, como indicamos em seção anterior deste texto, diferenciamos aqui formação discursiva daquilo que nomeamos como o empreendimento Escola sem Partido, geralmente referido na literatura como movimento. Entendemos por discurso – ou formação discursiva (Laclau; Mouffe, 2015LACLAU, E.; MOUFFE, C. Pós-marxismo sem pedido de desculpas. In: CASIMIRO LOPES, A.; MENDONÇA, D. (org.). A teoria do discurso de Ernesto Laclau: ensaios críticos e entrevistas. São Paulo: Annablume, 2015. p. 35-72.) – Escola sem Partido aquele caracterizado pelo significante doutrinação como ponto nodal (Laclau, 2011LACLAU, E. Emancipação e diferença. Rio de Janeiro: Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2011.), de forma que preferimos nomeá-lo como discurso da doutrinação. É a centralidade desse termo nesse discurso que desenha as suas fronteiras e que, assim, determina também os sentidos que serão designados para o currículo e o ambiente escolar, desenvolvendo uma concepção propriamente conservadora de educação (Salles, 2017SALLES, D. A concepção pedagógica e o projeto educacional conservador e reacionário do movimento Escola sem Partido: uma crítica a partir da função de subjetivação do processo de ensino-aprendizado. RevistAleph, v. XIV, n. 28, p. 64-87, 2017. Disponivel em: https://periodicos.uff.br/revistaleph/article/view/39186. Acesso em: 23 mar. 2023.
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), por meio de uma retórica reacionária (Penna; Salles, 2017PENNA, F.; SALLES, D. C. A dupla certidão de nascimento do Escola Sem Partido: analisando as referências intelectuais de uma retórica reacionária. In: OLIVEIRA, C. F.; FARIAS, C. M.; MIRANDA, A. R. A.; MUNIZ, A. C.; LEAL, T. B. (org.). Arquivos, documentos e ensino de história: desafios contemporâneos. Fortaleza: EdUECE, 2017. p. 11-35.).

Essa concepção de educação reenquadra a educação escolar como uma constante doutrinação em potencial. Tal reenquadramento gerou enorme pânico moral em torno da “ideologia de gênero” (Junqueira, 2022JUNQUEIRA, R. A invenção da “ideologia de gênero”: um projeto reacionário de poder. Brasília: Letras Livres, 2022.) nos anos 2010 no Brasil e 237 projetos de lei de censura até 2020 (Aquino; Moura, 2022AQUINO, R.; MOURA, F. Breve histórico das leis de censura na educação: os projetos Escola sem Partido e antigênero (2014-2020). In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito humano à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 38-44.), transformou educadoras(es) em alvos de ódio (Penna, 2016PENNA, F. A. O ódio aos professores. In: AÇÃO EDUCATIVA ASSESSORIA, PESQUISA E INFORMAÇÃO (org.). A ideologia do movimento Escola sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: Ação Educativa, 2016. v. 1. p. 93-100.; 2017PENNA, F. A. “Escola sem Partido” como ameaça à educação democrática: fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola. In: MACHADO, A. R. A.; TOLEDO, M. R. A. (org.). Golpes na história e na escola. São Paulo: Cortez/Anpuh-SP, 2017. v. 1. p. 247-260.; 2021PENNA, F. A. Understanding the hate against teachers in Brazil. In: VERMA, R.; APPLE, M. W. (org.). Disrupting hate in education: teacher activists, democracy, and global pedagogies of interruption. Nova York: Routledge, 2021. p. 153-173.) e chegou, por fim, a um cenário de perseguição sistemática de educadoras(es) no ensino básico (Human Rights Watch, 2022HUMAN RIGHTS WATCH. “Tenho medo, esse era o objetivo deles”: esforços para proibir a educação sobre gênero e sexualidade no Brasil. Human Rights Watch, maio 2022. Disponível em: https://www.hrw.org/sites/default/files/media_2022/05/brazil_lgbt0522pt_web.pdf. Acesso em: 16 abr. 2023.
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; IFRJ, 2021INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO DE JANEIRO (IFRJ). Educadoras são defensoras de direitos humanos. Rio de Janeiro: IFRJ, 2021. Disponível em: https://portal.ifrj.edu.br/educadores-defensores/publicacoes. Acesso em: 16 abr. 2023.
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; Manual, 2022ABEH. Manual de defesa contra a censura nas escolas. Edição atualizada, 2022. Disponível em: https://www.manualdedefesadasescolas.org.br/. Acesso em: 16 abr. 2023.
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).

Nessa dimensão, o discurso da doutrinação está de acordo com outras linhas de força políticas (como a teologia da prosperidade, o estouro dos coaches e da autoajuda) que se uniram sob Jair Bolsonaro. Segundo Rodrigo Nunes (2022)NUNES, R. Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu, 2022., o bolsonarismo pode ser compreendido “como um fenômeno empreendedorístico em si mesmo” (Nunes, 2022NUNES, R. Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu, 2022., p. 84), uma vez que “‘ser de direita’ (e, gradualmente, de extrema direita) tornou-se uma opção de carreira para uma série de pessoas” (Nunes, 2022NUNES, R. Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu, 2022., p. 84), dado que com as possibilidades técnicas das redes sociais e do YouTube se tornou possível converter em capital financeiro e político a atenção recebida por meio de visualizações e curtidas.

O atual deputado federal Carlos Jordy (Partido Liberal-RJ) ganhou proeminência no estado do Rio de Janeiro quando expôs em suas páginas oficiais, ele que era então vereador de Niterói (RJ), uma professora de história da rede pública. Já autor de um projeto de lei sobre o Escola sem Partido na câmara daquele município, Jordy utilizou sua projeção nesse caso para aproximar-se da família Bolsonaro (Redação, 2018REDAÇÃO. Carlos Jordy, o filhote de Bolsonaro, se filia ao PSL-Niterói. Cidade de Niterói, Niterói, 6 abr. 2018. Disponível em: https://cidadedeniteroi.com/2018/04/06/carlos-jordy-o-filhote-de-bolsonaro-se-filia-ao-psl-niteroi/. Acesso em: 23 mar. 2023.
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) e acumular maior atenção. A professora relatou à imprensa pouco tempo depois ter recebido ameaças de morte e à sua família, além de ter adoecido psicologicamente (Salas, 2020SALAS, P. Depois do esculacho do Escola Sem Partido, como fica a vida? Nova Escola, São Paulo, 2 mar. 2020. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/11638/depois-do-esculacho-do-escola-sem-partido-como-fica-a-vida. Acesso em: 23 mar. 2023.
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).

Também a atual deputada estadual Ana Maria Campagnolo (Partido Liberal-SC) tem uma trajetória típica dos empreendedores políticos bolsonaristas: ganhou proeminência por ser uma mulher antifeminista que perseguiu insistentemente sua orientadora no mestrado (Portal Catarinas, 2021PORTAL CATARINAS. “Não posso orientar quem não acredita naquilo que estuda”, afirma Marlene de Faveri. Catarinas, Florianópolis, 8 out. 2021. Disponível em: https://catarinas.info/nao-posso-orientar-quem-nao-acredita-naquilo-que-estuda-afirma-marlene-de-faveri/. Acesso em: 23 mar. 2023.
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) e, ao se tornar deputada estadual, usou a projeção de seu nome, e a eleição de Jair Bolsonaro, para incentivar a filmagem e exposição de professoras(es), o que o Supremo Tribunal Federal e o sistema de justiça atuaram para coibir (Redação, 2019REDAÇÃO. Fachin impede deputada de SC de divulgar canal de denúncia contra professores. Migalhas, São Paulo, 6 jun. 2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/296066/fachin-impede-deputada-de-sc-de-divulgar-canal-de-denuncia-contra-professores/. Acesso em: 23 mar. 2023.
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).

A família Bolsonaro, por sua vez, foi a parteira da ideia de colocar em projeto de lei os ideais do empreendimento Escola sem Partido e colheu grande lucro político – atenção nas mídias, novas relações, novos contatos – com o crescimento do discurso da doutrinação (Moura, 2018MOURA, F. Quem nasceu primeiro? O “Escola sem Partido” e a eleição de Jair Bolsonaro. Esquerda Online, 2 nov. 2018. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2018/11/02/quem-nasceu-primeiro-oescola-sem-partido-e-a-eleicao-de-jair-bolsonaro/. Acesso em: 27 set. 2022.
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).

Considerações Finais

A bibliografia que tratou da perseguição contra educadoras(es), consideravelmente menor, ou pelo menos mais difícil de encontrar do que a bibliografia sobre o Escola sem Partido, pensou o fenômeno com base no referido movimento. Isto é, perseguição foi definida basicamente como aquilo que o Escola sem Partido faz, que é sinônimo de censura e ataques a educadoras(es). Como buscamos demonstrar, essa forma de pensar parece ter limitado a reflexão acerca do tema. Por isso, ensaiamos aqui outro encaminhamento para a questão; propomos pensar a perseguição com base nela mesma – o que talvez nos leve até a redimensionar o empreendimento Escola sem Partido em uma história mais longa da desconfiança das(os) educadoras(es), típica do anticomunismo no Brasil.

Em nosso próprio percurso de pesquisa, ficou explícito que focar o olhar nos casos de perseguição revela camadas do fenômeno que o foco no empreendimento Escola sem Partido até agora havia dificultado que emergissem. Por exemplo, a atenção em como as perseguições se iniciam, frequentemente nas redes sociais, indica a necessidade de incorporar os estudos sobre digitalização da política e produção de verdades no mundo contemporâneo, porque se faz nítida a relação entre a perseguição contra educadoras(es) e a ascensão da pós-verdade (Cesarino, 2021CESARINO, L. Pós-verdade e a crise do sistema de peritos: uma explicação cibernética. Ilha: Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 73-96, 2021. https://doi.org/10.5007/2175-8034.2021.e75630
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; 2022CESARINO, L. O mundo do avesso. São Paulo: Ubu, 2022.). Defendemos, assim, a importância de estudar detalhadamente os processos de perseguição, para desvelar camadas pouco discutidas até hoje. Uma vez que se pensa o fenômeno como sistemático, mudam as necessidades de análise: agora há padrões de quem persegue, de quem é perseguido, da gravidade da situação e afins que carecem ser investigados.

Perguntarmo-nos acerca do que é perseguição levantou imediatamente a questão: o que não é perseguição? Essas perguntas colocaram-nos no lugar de teorizar, finalmente, não mais sobre o que combatemos, mas a respeito do projeto político que defendemos: para definir o que é censura, precisamos definir o que é liberdade. Pudemos, então, pensar um futuro aberto e delinear aquilo que queremos e que a censura impede que aconteça: a educação democrática.

Foi necessário decompor os casos de perseguição e pensar o que é atacado, como e com quais objetivos. A descrição detalhada da perseguição dá a ver como o gesto metonímico que violenta educadoras(es) serve ao projeto político da extrema-direita, utilizando como matéria-prima o sofrimento individual de cada profissional da educação que é perseguida(o) e que se isola no curso desse processo. Com essa proposta de definição, esperamos que surjam outros problemas de pesquisa e que se amplie o nosso imaginário político no que se trata das vidas dos(as) educadores(as) do país.

Notas

  • 1
    Como as pesquisas com aspas apagam vários resultados que são coerentes com o nosso tema, os resultados apresentados a seguir se referem a pesquisas feitas sem as aspas.
  • 2
    Ver o Projeto de Lei nº 1.411/2015, de Rogerio Marinho (2015)MARINHO, R. Projeto de Lei nº 1411/2015. Tipifica o crime de Assédio Ideológico e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1229808. Acesso em: 16 abr. 2023.
    https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
    , então deputado pelo Partido da Social Democracia Brasileira-RN, que pretendia criar o crime de “assédio ideológico” e que por anos tramitou apensado aos projetos Escola sem Partido e antigênero.
  • 3
    Categorizamos o Escola sem Partido enquanto um empreendimento, diferentemente do que fizemos em trabalhos anteriores, para elaborar num conceito características dele que ficaram mais proeminentes após o seu hiato e cinzento retorno em 2022 e 2023 quando suas contas no Twitter e no Instagram foram reativadas. A primeira característica é a de que não há evidências de que o Escola sem Partido tenha se organizado enquanto um movimento social. Ao contrário disso, a representação dele foi feita praticamente em toda a sua existência por um único indivíduo, o advogado Miguel Nagib, com participações pontuais e passageiras de outras figuras (Orley José da Silva, Bráulio Porto de Matos, Bia Kicis, Ruth Kicis – esta última esposa de Nagib e administradora da página do Facebook do Escola sem Partido em 2019). As ações realizadas pelo Escola sem Partido consistiram principalmente na divulgação de ferramentas de censura, manutenção de site e redes sociais, entre outros que não demandam estruturas financeiras grandes – é notório que a web 2.0 barateia a ação política de variadas formas, e vê-se que o Escola sem Partido se beneficiou disso. A segunda característica consiste na adoção do “combate à doutrinação” como plataforma de autopromoção por parte de diversos empreendedores políticos, tendo sido estabelecido um ciclo em que essas figuras ganhavam capital social e político por se venderem como “defensores da família”, e o Escola sem Partido difundia-se em plataformas de comunicação na lógica da influência, o que amplia a adesão às suas ideias. Essa é uma característica marcante da formação do bolsonarismo (ver citação a Nunes, 2022NUNES, R. Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu, 2022.).

Referências

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Editor de seção: Salomão Ximenes https://orcid.org/0000-0002-3672-6781

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2023
  • Aceito
    17 Out 2023
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