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A “IDEOLOGIA FAMILISTA” NAS OFENSIVAS CONTRA GÊNERO NA EDUCAÇÃO: CONEXÕES CONSERVADORAS TRANSNACIONAIS

“FAMILIST IDEOLOGY” IN ANTI-GENDER ATTACKS IN EDUCATION: TRANSNATIONAL CONSERVATIVE CONNECTIONS

LA “IDEOLOGÍA FAMILISTA” EN LAS OFENSIVAS CONTRA EL GÉNERO EN LA EDUCACIÓN: CONEXIONES CONSERVADORAS TRANSNACIONALES

RESUMO

Com base em uma cartografia dos atores e ações políticas da ofensiva contra gênero no Brasil, analisamos como a categoria acusatória “ideologia de gênero” foi transportada para a gramática estatal com efeitos sobre a política educacional. Trata-se de uma estratégia de tradução que não é especificamente brasileira, pois tem sido propagada transnacionalmente por meio da circulação de “modelos bem-sucedidos de política pública”, modelos nos quais o fantasma do gênero como ameaça – elemento inequívoco dos processos de desdemocratização em curso no século 21 – se oculta sob o vocabulário, amplamente consagrado, de “proteção da criança” e dos “vínculos familiares”.

Palavras-chave
Ofensivas antigênero; Educação; Transnacionalização

ABSTRACT

Based on a cartography of actors and political actions of the offensive against gender in Brazil, we analyze how the accusatory category “gender ideology” has been transported to the state grammar with effects on educational policies. This translation strategy is not specific to Brazil, but propagated transnationally through the circulation of “successful models of public policy”. In these models, the phantasm of gender as a threat–an unequivocal element of the de-democratization processes underway in the 21st century–is concealed under the widely consecrated vocabulary of “child protection” and “family bonds”.

Keywords
Anti-gender politics; Education; Transnationalization

RESUMEN

A partir de una cartografía de actores y acciones políticas de la ofensiva contra el género en Brasil, analizamos como la categoría acusatoria “ideología de género” ha sido transportada a la gramática estatal com efectos sobre las políticas educacinales. Esa estrategia de traducción no es especificamente brasileña, sino que se propaga transnacionalmente a partir de la circulación de “modelos exitosos de políticas públicas”. Modelos em los cuales, el fantasma del género como amenaza - elemento inequívoco de los procesos de desdemocratización en curso en el siglo XXI- se oculta bajo el vocabulario ampliamente consagrado de la “protección de la infancia” y los “vínculos familiares”.

Palabras clave:
Ofensivas antigénero; Educación; Transnacionalización

Transnacionalidade da Ideologia Antigênero

Em março de 1995, veio a público uma ofensiva político-ideológica contra gênero que vinha sendo gestada no Vaticano desde a década anterior (Case, 2016CASE, M. A. The Role of the Popes in the invention of Complementarity and Vatican’s Anathematization of Gender. Religion & Gender, v. 6, n. 2, p. 155-172, 2016. https://doi.org/10.18352/rg.10124
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; Corrêa, 2018CORRÊA, S. A “política do gênero”: um comentário genealógico. Cadernos Pagu, n. 53, e185301, 2018. https://doi.org/10.1590/18094449201800530001
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). Na etapa final de preparação para a IV Conferência Mundial das Mulheres de Pequim, a Santa Sé e seus aliados da sociedade civil solicitaram a exclusão do termo do documento em negociação. Quase 20 anos depois, em 2003, o “problema de gênero” chegaria ao debate político brasileiro na voz do deputado Elimar Damasceno, do extinto Partido da Reedificação da Ordem Nacional, que, em discurso na Câmara Federal, afirmou que o gênero era um “eufemismo para ocultar má conduta sexual”1 1 Para o teor do discurso do deputado Elimar Damasceno na época, ver: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=147984. Acesso em: 11 jan. 2023. .

Quatro anos depois, na Conferência Episcopal Latino-Americana, realizada em Aparecida do Norte (SP), que contou com a presença de Bento XVI, foi aprovada uma diretriz de combate à “ideologia de gênero” na região. No Brasil essa campanha se desdobraria na tradução e difusão de argumentos contra os perigos do gênero, por meio de canais ultracatólicos, como o Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, herdeiro da Tradição, Família e Propriedade (TFP), e a Congregação Mariana.

Em 2008, a editora Canção Nova publicou uma versão resumida do livro A Agenda de Gênero, da estadunidense Dale O’Leary, que havia tido papel crucial no ataque ao gênero em 1995 (Corrêa, 2018CORRÊA, S. A “política do gênero”: um comentário genealógico. Cadernos Pagu, n. 53, e185301, 2018. https://doi.org/10.1590/18094449201800530001
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). Em 2013 no Brasil se deflagraria uma guerra aberta aos conteúdos de “gênero” e “ideologia” no Plano Nacional de Educação 2014–2024, mobilizada por forças católicas e evangélicas e pelo movimento Escola sem Partido. Mas esse não foi um fato isolado, pois ataques similares ocorreram em outros países (Miguel, 2016MIGUEL, L. F. Da “doutrinação marxista” à “ideologia de gênero”: Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Direito e Práxis, v. 7, n. 3, p. 590-621, 2016. https://doi.org/10.12957/dep.2016.25163
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; Prado; Corrêa, 2018PRADO, M. A. M.; CORRÊA, S. Retratos transnacionais e nacionais das cruzadas antigênero. Revista Psicologia Política, v. 18, n. 43, p. 444-448, 2018. em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300003&lng=pt&tlng=pt Acesso em: 19 maio 2023.
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).

Em 2012, no Paraguai, a perspectiva de gênero na educação básica foi atacada e, em 2013, o então presidente Rafael Correa, no Equador, fez um longo sermão contra a “falta de consistência científica do conceito de gênero”, em uma de suas sabatinas radiofônicas populares. No mesmo ano, na assembleia da Organização dos Estados Americanos, uma resolução que usava a terminologia gênero foi, pela primeira vez, desde 2008, objeto de grande controvérsia (Moragas, 2020MORAGAS, M. Políticas antigénero na América Latina: el caso de la Organización de los Estados Americanos (OEA). In: CORRÊA, S. (org.). Políticas antigênero na América Latina: resumo dos estudos de caso nacionais. Brasil: SPW; Abia, 2020. p. 12-27. Disponível em: https://sxpolitics.org/ptbr/estudos-de-caso-versoes-condensadas/12043. Acesso em: 7 maio 2023.
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; Corrêa, 2021CORRÊA, S. Políticas antigênero na América Latina: resumos dos estudos de casos nacionais. Tradução: Nana Soares. Rio de Janeiro: Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, 2021.). Na França, a Manif pour Tous encheu as ruas para protestar contra a “teoria de gênero” e repudiar o casamento igualitário (Paternotte; Kuhar, 2018PATERNOTTE, D.; KUHAR, R. “Ideologia de gênero” em movimento. Revista Psicologia Política, v. 18, n. 43, p. 503-523, 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300005&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 7 maio 2023.
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). Na Espanha, a organização não governamental ultracatólica HazteOir criou uma plataforma digital, a CitizenGO, cujas campanhas então iniciadas incluem passeios mundo afora de um ônibus laranja que contesta direitos de pessoas transexuais e o ensino de gênero na educação. No Brasil especificamente, a CitizenGO em 2017 articulou a campanha digital contra a presença da filósofa feminista Judith Butler.

Desde então, a política antigênero consolidou-se e amplificou-se, seja por efeito do espraiamento dos populismos de ultradireita – como no caso da Itália e de vários estados dos Estados Unidos da América –, seja porque foi integrada à pauta de governos autocráticos. Nesse cenário, a partir de 2019, com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, a ideologia antigênero foi transportada para a gramática do Estado, como já acontecia na Hungria, Polônia, Rússia e Turquia. O Brasil também se tornou um nodo e laboratório de conectividade da ultradireita, por intermédio do qual as trocas em torno da política antigênero foram decididamente significativas (Modelli, 2023MODELLI, L. Brasil é laboratório da extrema direita global, afirma historiador. Folha de S.Paulo, 13 jan. 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/01/brasil-e-laboratorio-da-extrema-direita-global-afirma-historiador.shtml. Acesso em: 4 jun. 2023.
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).

Portanto, a ofensiva ultraconservadora contra gênero no campo da educação estava em curso desde muito antes de 2019 (Junqueira, 2018JUNQUEIRA, R. D. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Revista Psicologia Política, v. 18, n. 43, p. 449-502, 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300004&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 19 maio 2023.
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; 2022JUNQUEIRA, R. D. A invenção da ideologia de gênero: um projeto reacionário de poder. Brasília: LetrasLivres, 2022.). É, contudo, notável a mudança de escala registrada de 2019 em diante à medida que a ideologia antigênero foi transportada para políticas públicas, novas proposições legislativas e práticas institucionais cotidianas, especialmente nos campos da educação, dos direitos humanos, além da política externa, saúde e segurança pública.

Essa difusão institucional não pode ser interpretada, de maneira estreita, como uma política das moralidades, pois esteve desde sempre vinculada à racionalidade ultraneoliberal predatória que caracterizou o governo Bolsonaro. Concomitantemente se estabeleceram circuitos de troca com o campo ultraconservador transnacional em torno de modelos de política pública de “proteção da infância” e “fortalecimento familiar”. Um traço forte dessas dinâmicas cruzadas é sua produtividade (Brown, 2021BROWN, W. O Frankenstein do neoliberalismo: liberdade autoritária nas “democracias” do século XXI. In: ALBINO, C.; OLIVEIRA, J. (org.). Neoliberalismo, neoconservadorismo e crise em tempos sombrios. Recife: Seriguela, 2021. p. 91-152.). Ou seja, estamos enfrentando não apenas uma reação ou backlash, mas sim um Juggernaut político e ideológico que produz novos sentidos e realidades.

Neste artigo descrevemos e analisamos duas linhas de política governamental da era Bolsonaro para mapear seus efeitos e também as conexões e ressonâncias transnacionais da ofensiva antigênero nas políticas públicas da educação e de direitos humanos no Brasil. São elas: a política de fortalecimento da família sob gestão da Secretaria Nacional da Família (SNF) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH); e os programas associados Família na Escola e Educação e Família, implementados com base em uma parceria entre o MMFDH e o Ministério da Educação e Cultura (MEC).

Essa escolha deve-se porque a parceria entre o MMFDH e o MEC foi um polo propulsor e articulador muito importante do combate a “ideologia de gênero” e seus fantasmas. Além disso, esse conjunto de políticas permite visibilizar e analisar tanto os trânsitos transnacionais de repertórios e vocabulários quanto a compenetração entre o ultraconservadorismo “moral” e a racionalidade neoliberal que viceja no cerne do projeto político da ultradireita atual.

Como sublinhamos em artigo anterior (Corrêa; Prado, 2022CORRÊA, S.; PRADO, M. A. M. Ideologia antigênero nas políticas educacionais brasileiras: estatização e transnacionalidade. In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 45-52.), digitais da política antigênero também são identificadas nas novas modalidades de educação priorizadas pelo governo Bolsonaro; tanto o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares quanto a educação domiciliar devem ser lidos como desdobramentos alargados da guerra contra o gênero na educação. No caso da educação familiar, particularmente, as propostas de educação nessa perspectiva buscam legitimar, em termos políticos e jurídicos, a tutela (definida como direito) de genitores sobre a educação, para que possam exercer seu poder disciplinar mais “livremente” sobre a prole, fazendo recurso até mesmo, como revelou matéria recente do Open Democracy (Cariboni, 2022CARIBONI, D. Os principais defensores do ensino doméstico nos EUA dizem que os pais têm “direito” a infligir dor. Open Democracy, 2022.), à punição física, assim como para proteger crianças e adolescentes dos “riscos ideológicos e morais” a que estariam expostas no ambiente escolar (aqui, inclui-se a “doutrinação do gênero”). Os desdobramentos ocorridos no âmbito da educação domiciliar entre 2019 e 2022 foram analisados por Aquino e Moura (2022)AQUINO, R.; MOURA, F. Breve histórico das leis de censura na educação: os projetos Escola sem Partido e antigênero (2014-2020). In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 39-45. e, embora sejam muito relevantes para a análise desenvolvida neste artigo, por razões de espaço esse aspecto não será examinado em detalhes.

Traduzindo a Ideologia Antigênero para a Gramática Estatal

Em 2019, com a chegada de Bolsonaro à presidência da república, a ofensiva antigênero transportou-se para a lógica de gestão estatal. Como vimos, desde meados dos anos 2000, o repúdio ao “gênero” vinha propagando-se na sociedade, com maior intensidade no campo dos debates educacionais a partir de 2013 e, com especial vigor, no processo eleitoral de 2018. Concomitantemente, propostas legislativas para suprimir a “perspectiva de gênero” na educação proliferavam, de maneira incessante, em estados, municípios e no Congresso Nacional (Aragusuku, 2020ARAGUSUKU, H. A. O percurso histórico da “ideologia de gênero” na Câmara dos Deputados: uma renovação das direitas nas políticas sexuais. Agenda Política, v. 8, n. 1, p. 106-130, 2020. https://doi.org/10.31990/10.31990/agenda.ano.volume.numero
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; Aquino; Moura, 2022AQUINO, R.; MOURA, F. Breve histórico das leis de censura na educação: os projetos Escola sem Partido e antigênero (2014-2020). In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 39-45.).

O alcance e o impacto dessa propagação mudaram de escala a partir do momento em que Bolsonaro anunciou no discurso de posse que o combate à ideologia de gênero seria uma das prioridades de seu governo2 2 Ver a íntegra do discurso de posse no Congresso Nacional em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/leia-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-cerimonia-de-posse-no-congresso.shtml. Acesso em: 11 jan. 2023. . A institucionalização não só alterou a dinâmica espacial e temporal da ofensiva, como, sobretudo, impactou o desenho e a implementação de políticas públicas particularmente nos campos de direitos humanos, educação e política externa.

Entre 2019 e 2022, o deslocamento da ofensiva antigênero para o aparato estatal foi implementado mediante nodos de articulação política envolvendo atores e forças muito heterogêneas, as mesmas que sempre orbitavam nas mobilizações sociais antigênero deflagradas em 2013: ultracatólicos, evangélicos fundamentalistas, tradicionalistas olavistas3 3 Em referência aos seguidores do pensamento de Olavo de Carvalho. e ultraneoliberais. A análise de Connolly (2005)CONNOLLY, W. E. The evangelical-capitalist resonance machine. Political Theory, v. 33, n. 6, p. 869-886, 2005. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/30038467. Acesso em: 5 jul. 2023.
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sobre a articulação entre grupos bastante heterogêneos – como religiosos evangélicos, capitalistas do agronegócio, setores da mídia e republicanos – para fazer pressões ultraconservadoras sobre o Estado norte-americano oferece uma boa pista para entender como isso se deu no Brasil. Segundo o autor, essa confluência, aparentemente insólita, produziu uma “caixa de ressonância” pela qual as diferenças ideológicas entre essa pletora de atores seriam superadas:

Os principais coletivos desta máquina nem sempre compartilham as mesmas doutrinas religiosas e econômicas. Afinidades de sensibilidade também os conectam através de vínculos e diferenças na doutrina formal. O complexo se torna uma máquina poderosa à medida que as sensibilidades evangélicas e corporativas ressoam juntas, atraindo cada uma delas para um movimento maior que amortece a importância das diferenças doutrinais entre elas. No início, as partes sentem afinidades preliminares de sensibilidade; eventualmente provocam umas às outras para transformar essas afinidades em uma máquina política de massa. E a máquina então fomenta novas intensidades de solidariedade entre estes coletivos4 4 “The major constituencies in this machine do not always share the same religious and economic doctrines. Affinities of sensibility also connect them across links and differences in formal doctrine. The complex becomes a powerful machine as evangelical and corporate sensibilities resonate together, drawing each into a larger movement that dampens the importance of doctrinal differences between them. At first, the parties sense preliminary affinities of sensibility; eventually they provoke each other to transduct those affinities into a massive political machine. And the machine then foments new intensities of solidarity between these constituencies” (Connolly, 2005, p. 871).

(Connolly, 2005CONNOLLY, W. E. The evangelical-capitalist resonance machine. Political Theory, v. 33, n. 6, p. 869-886, 2005. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/30038467. Acesso em: 5 jul. 2023.
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, p. 871).

No caso da ofensiva antigênero no Brasil, essa caixa de ressonância que vinha sendo montada desde antes de 2019, ao ser transportada para o aparato estatal, rapidamente ganhou musculatura. Isso porque o Estado é em si mesmo uma caixa de ressonância (Connolly, 2005CONNOLLY, W. E. The evangelical-capitalist resonance machine. Political Theory, v. 33, n. 6, p. 869-886, 2005. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/30038467. Acesso em: 5 jul. 2023.
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), pois absorção de qualquer pauta pela gestão governamental implica necessariamente ações coordenadas e espraia esse ideário, induzindo capilaridade ampliada.

Examinamos, de maneira breve, como se deu essa dinâmica de transposição por meio de enquadramentos complementares. Analisamos as características e o significado da ocupação estratégica do aparato estatal que favoreceu a penetração da ideologia antigênero na gramática das políticas de direitos humanos e educação. Em seguida, averiguamos a tradução da ideologia antigênero para o vocabulário de fortalecimento familiar e proteção das crianças e sua capilaridade. Finalmente, exploramos as convergências entre essa dinâmica de institucionalização e outros processos de sedimentação da ultradireita pelo mundo.

Retórica Estatal, Coerção e Eficácia Burocrática

Um passo crucial para a penetração da ideologia antigênero na política estatal foi a instalação de figuras-chave do campo ultraconservador no aparato de gestão federal. As nomeações de Damares Alves para o MMFDH, de Ricardo Vélez para o MEC e de Ernesto Araújo para o Ministério das Relações Exteriores, em 2019, são icônicas nesse sentido, já que incrustaram na alta burocracia representantes das principais correntes do combate ao “gênero”5 5 O evangelismo fundamentalista, o campo ultracatólico e o tradicionalismo-olavismo. . Desde um primeiro momento, a retórica pública agressiva contra a “ideologia de gênero” adotada por essas personagens, assim como pelo próprio presidente, passou a compor o arsenal da “guerra permanente” que caracterizou o método bolsonarista de governar6 6 A substituição do chanceler em abril de 2021 alterou a semântica pública do Itamaraty, mas no caso do MEC essa retórica não arrefeceu com a mudança de ministro. Embora mais discreta, Cristiane Britto não é uma voz menos antigênero que sua antecessora, Damares Alves. .

No MMFDH e no MEC, a posição abertamente antigênero das autoridades máximas foi complementada pela indicação de nomes para segundo escalão com visões alinhadas a essa posição, a maioria com afiliação religiosa explícita, assegurando a convergência das ações necessárias para sustentar a tradução e a sedimentação desse repúdio nas diretrizes de política. Embora não tenhamos evidência específica, é razoável supor que, para persuadir o corpo funcional desses ministérios a implementar sem questionamentos essas diretrizes, tenha ocorrido coerção burocrática, nos termos descritos por Lotta, Silveira e Fernandez (2023)LOTTA, G.; SILVEIRA, M. C.; FERNANDEZ, M. Ações e reações: mecanismos de opressão à burocracia e suas diferentes estratégias de reação. In: GOMIDE, A. A.; SILVA, M. M. S.; LEOPOLDI, M. A. (org.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: IPEA; INCT/PPED, 2023. p. 501-526. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11939/1/Desmonte_e_Reconfiguracao.pdf. Acesso em: 12 ago. 2023.
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: vigilância física, coerção sobre rotinas e procedimentos administrativos; coação moral e social; e silenciamento das vozes dissidentes7 7 Um sintoma flagrante desse clima de coerção é a realização sistemática de cultos religiosos no MMFDH e também no MEC durante a gestão do pastor Milton Ribeiro. .

Não menos importante, como mostram Tokarski et al. (2023)TOKARSKI, C. P.; MATIAS, K. A.; PINHEIRO, L. S.; CORREA, R. M. S. De política pública à ideologia de gênero: o processo de (des)institucionalização de políticas para mulheres de 2003 a 2020. In: GOMIDE, A. A.; SILVA, M. M. S.; LEOPOLDI, M. A. (org.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: Ipea; INCT/PPED, 2023. p. 321-356. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11939/1/Desmonte_e_Reconfiguracao.pdf. Acesso em: 12 abr. 2023.
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, na análise do desmonte das políticas públicas para mulheres, o drástico giro antigênero dos anos 2019–2022 foi decididamente facilitado pela fragilidade institucional e debilidade orçamentária das diretrizes de transversalidade de gênero que precedeu ao furacão eleitoral de 2018. É também possível perceber que indicações para o terceiro escalão tanto no MMFDH como no MEC foram feitas de maneira estratégica, pensando na gestão favorável a uma política que seria implementada. Foi o caso, por exemplo, das secretarias executiva e adjunta do MMFDH e, igualmente, de algumas secretarias e diretorias do MEC, indicadas minuciosamente para assumir a Secretaria Nacional de Alfabetização e a diretoria do Programa Nacional do Livro Didático.

Essa, contudo, é apenas a face visível das modalidades de devastação produzida pela administração de Bolsonaro nas áreas ministeriais aqui examinadas. Para além desse proscênio, havia uma dinâmica menos visível. A despeito da atmosfera histriônica que marcou a performance desses ministérios, sua dinâmica de gestão também recorreu e se beneficiou da competência de burocratas que já eram, de antemão, leais às pautas ideológicas instaladas após 2019, ou então a elas se alinharam rapidamente.

Os dados coletados por Lotta, Silveira e Fernandez (2023)LOTTA, G.; SILVEIRA, M. C.; FERNANDEZ, M. Ações e reações: mecanismos de opressão à burocracia e suas diferentes estratégias de reação. In: GOMIDE, A. A.; SILVA, M. M. S.; LEOPOLDI, M. A. (org.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: IPEA; INCT/PPED, 2023. p. 501-526. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11939/1/Desmonte_e_Reconfiguracao.pdf. Acesso em: 12 ago. 2023.
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de servidores federais mostram que a coerção imposta pelos gestores bolsonaristas foi, com muita frequência, respondida com variadas formas de resistência. Nossas observações, embora menos sistemáticas, sugerem, no entanto, que pessoas-chave ocupando postos de segundo e terceiro escalão – que não eram funcionários públicos de carreira – puderam contar com a colaboração de gestores e gestoras da carreira pública cuja expertise fora crucial para induzir o giro antigênero registrado entre 2019 e 2022 no MMFDH e no MEC (Prado, 2023PRADO, M. A. M. Ideologia antigênero como gramática estatal e política pública no Brasil. In: CARTOGRAFANDO E RESISTINDO AO FANTASMA “DO GÊNERO” NA AMÉRICA LATINA: GEOGRAFIAS DOS MOVIMENTOS ANTIGÊNERO, Rio de Janeiro, 2023. Conferência. Rio de Janeiro, 2023.). Esse corpo burocrático não apenas legitimou institucionalmente as novas diretrizes adotadas, como também detinha conhecimento para gerir orçamentos, mudar procedimentos e alterar o sentido dos vocabulários consagrados da política pública para servir aos objetivos da “abolição do gênero”8 8 É o caso da secretária executiva e da secretária adjunta do MMFDH Tatiana Alvarenga e Viviane Petinelli. .

A Política Semântica da Direita: Higienização de Linguagem e Instrumentalização de Vocabulários Consagrados

A política semântica antigênero foi implementada desde o início dessa passagem da ofensiva para a gestão do Estado. Nos primeiros dias de governo, a reestruturação dos ministérios já sinalizou para um giro semântico expressivo: o próprio nome do novo Ministério de Direitos Humanos passou a ser Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Essa mudança não é trivial, uma vez que focaliza a mulher como primeira política de atenção, sobretudo no âmbito do combate à violência, indicando apropriação da pauta já legitimada por visões progressistas sobre a violência de gênero e consensual no plano social. Mas, ao mesmo tempo, atribui ao ministério políticas da “família”, ecoando dinâmicas de outros governos ultraconservadores, e situa direitos humanos como última referência, rompendo com a centralidade que antes existia. Família, sempre no singular, que passou a nomear o MMFDH, se traduziria em políticas públicas familistas de cunho conservador e heterocentrado (Abia, 2021OBSERVATÓRIO DE POLÍTICAS DE SEXUALIDADE (ABIA). Ofensivas antigênero no Brasil: políticas de Estado, legislação e mobilização social. Relatório submetido ao mandato do perito independente das Nações Unidas sobre Orientação Sexual e Identidade de Gênero e Direitos Humanos. Brasil: Abia, 2021. Disponível em: https://sxpolitics.org/ptbr/wp-content/uploads/sites/2/2021/10/E-book-SOGI-21102021.pdf. Acesso em: 13 maio 2023.
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).

A nova política implementada sob coordenação de Ângela Gandra na SNF, teve como meta centralizar a família como um modelo de cuidado, de prevenção diante dos “perigos” da sociedade, da cultura e da tecnologia, bem como de promoção dos direitos familiares, da unidade familiar centrada na heteronormatividade e em um reposicionamento jurídico da família (Cooper, 2021COOPER, M. Valores familiares do neoliberalismo: bem-estar social, capital humano e parentesco. In: ALBINO, C.; OLIVEIRA, J. (org.). Neoliberalismo, neoconservadorismo e crise em tempos sombrios. Recife: Seriguela, 2021. p. 33-90.). O repetido jargão dos grupos conservadores – a família é a base da nação e vem antes do Estado (Martins, 2011MARTINS, I. G. S. Família é aquela que perpetua sociedade. Consultor Jurídico, 2011. Diponível em: https://www.conjur.com.br/2011-mai-12/constituinte-familia-aquela-gera-descendendes-sociedade. Acesso em: 23 maio 2023.
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) – foi transformado em uma série de conjuntos de ações de políticas públicas durante o governo Bolsonaro, inúmeras vezes indicado como o antídoto à “ideologia de gênero”.

O familismo assenta-se, agora, não mais na ausência total do Estado, na responsabilidade de provisões aos cidadãos, como foi durante todo o período pré-Constituição de 1988 e nos anos do neoliberalismo, nos anos 1990. O familismo adentra o funcionamento das políticas sociais e metamorfoseia-se na formulação de suas bases. O Familismo não é mais o oposto do Estado interventor, mas uma das condições de existência das políticas sociais contemporâneas no Estado capitalista. Do interior do funcionamento dessas políticas, de modo geral, e da assistência social, de modo particular, é que surgem os entrelaçamentos e as relações sutis, mas precisas, entre os entes responsáveis pela manutenção das ações de proteção social. O familismo deixa de ser o reflexo da ausência do Estado para se emoldurar em um prisma complexo de políticas sociais que dependem da presença da família. O familismo não é mais apenas um espírito conservador que orienta as políticas sociais; na verdade, ele emerge e se sustenta em um circuito complexo de avanços e retrocessos, na expansão da política de assistência social atual

(Santos, 2017SANTOS, W. R. O circuito familista na política de assistência social. Textos & Contextos, v. 16, n. 2, p. 388-402, 2017. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/24250. Acesso em: 19 maio 2023.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
, p. 398).

Essa lógica de desfiguração da política pública dos direitos humanos (Maracci; Prado, 2022MARACCI, J.; PRADO, M. A. Ofensivas antigênero e depuração dos direitos humanos como políticas de estado no Brasil. Revista Estudos e Pesquisa em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 22, n. esp., p. 1372-1392, 2022. https://doi.org/10.12957/epp.2022.71643
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) para ressignificar seus sentidos foi uma das dimensões mais produtivas da ofensiva quando traduzida para a gramática de Estado. Essa capacidade de transmutar uma política de Estado já existente é também o que garante sua legitimidade e permanência. Além disso, recorreu à gramática já conhecida e de forte dimensão afetiva como laços familiares e proteção a crianças, o que facilitou a instalação desse “novo paradigma”. O deslocamento de um ideal familista para o centro das políticas públicas de direitos humanos, assistência e educação esteve desde sempre vinculado ao combate contra “ideologia de gênero”. Como afirmado pela Secretária Nacional da Família no evento da plataforma transnacional conservadora Political Network for Values:

Estamos trabalhando muito nas políticas públicas contra a “ideologia de gênero”. Desde o primeiro momento, tiramos todas as cartilhas que tínhamos onde os pais eram preparados a ajudar seus filhos desde os dois anos [de idade] a escolher seu sexo. Como estamos fazendo? Em primeiro lugar, com um projeto que se chama “Famílias Fortes”. É um programa que estamos levando a todos os municípios do Brasil, que trata do fortalecimento de vínculos familiares. Porque muito acontece pelos abusos que há na família, a pedofilia e tudo, que depois as pessoas se confundem e vão para outro caminho. Pensamos que isso é a prevenção da prevenção: a família forte

(Chade; Trevisan, 2021CHADE, J.; TREVISAN, M. C. Governo usa “família” para combater o que chama de “ideologia de gênero”. Uol, 2021. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/04/17/governo-usa-familia-para-impor-politicas-contra-ideologia-de-genero.htm. Acesso em: 10 maio 2023.
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).

Essa ressignificação, iniciada pela alteração semântica, se converteria em uma estratégia bem demarcada de políticas públicas que, a partir de 2019, transversalizou o “combate ao gênero” para o âmbito da articulação entre o MMFDH e o MEC com base na centralidade do familismo, mas guardando conexões com políticas de proteção das mulheres e da infância. Essa transversalidade implicou um sequestro de vocábulos consagrados nas políticas públicas que eram amplamente usados em cursos virtuais para professores e agentes públicos de prefeituras. O objetivo dessas formações era reforçar a presença da família na escola como mecanismo de controle moral e social, por meio dos programas Família na Escola e Educação e Família, anunciados como antídotos para supostas violências institucionais e doutrinações.

O seminário promovido pelo MMFDH, no mês de abril de 2021, por exemplo, tratou da “ideologia de gênero” como “violência institucional”, que estaria sendo materializada na educação pública em conteúdos abordados nas escolas. Nessa ocasião foi feita uma associação explícita entre informações sobre gênero e sexualidade, sobretudo quando relacionadas ao campo da infância e juventude, e violação de direitos humanos, qualificado como “violência institucional”. No Fórum Nacional sobre Violência Institucional contra Crianças e Adolescentes, que ocorreu em 26 e 27 de abril de 2021, essa violência institucional foi definida por representantes do MMFDH mediante a conjunção espúria entre algumas normativas legais existentes.

A primeira dessas normas é a Lei nº 13.431, promulgada em abril de 2017, que normatiza os critérios de escuta especializada e depoimento especial para crianças e adolescentes vítimas de violência (Brasil, 2021aBRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Fórum Nacional sobre Violência Institucional Contra Crianças e Adolescentes. YouTube, 2021a. Disponível em: https://www.youtube.com/live/PXW5S9lD_M4?si=RmKtXXcwJNVxtcIW. Acesso em: 12 ago. 2023.
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). No artigo 4, o documento legal delimita os tipos de violência a que se refere: violências física, psicológica, sexual e, por fim, institucional. Esta última, no texto da lei, é “entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização” (Brasil, 2017BRASIL. Presidência da República. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, 2017.). A tipificação jurídica é estendida, nos termos do ministério da época, à doutrina da proteção integral referente ao Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual “crianças e adolescentes são vistos como sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento e com prioridade absoluta” (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.). Ou seja, fez então uma transposição inaceitável de conteúdos relativos a procedimentos judiciários para o campo educacional.

Essa “inovação” foi transportada para o conteúdo do Manual da Taxonomia de Direitos Humanos, divulgado em abril de 2021, quando “violência institucional” foi definida como indicador de agravante de violações. Dado o investimento prioritário feito nessa categoria “violência institucional”, é importante atentar para o fato de que essa distorção produziu um instrumento cabal de combate ideológico ao gênero no campo educacional. Em nome da proteção dos direitos de crianças e jovens, converteu-se em política de vigilância, tutela e patrulhamento ideológico na qual a violência institucional estaria diretamente relacionada à “ideologia de gênero” (Maracci; Prado, 2022MARACCI, J.; PRADO, M. A. Ofensivas antigênero e depuração dos direitos humanos como políticas de estado no Brasil. Revista Estudos e Pesquisa em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 22, n. esp., p. 1372-1392, 2022. https://doi.org/10.12957/epp.2022.71643
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).

Esse conjunto de políticas estava em consonância com a proposta ideológica da SNF para o MEC, que considerou a definição constitucional do papel da família na educação de crianças e jovens totalmente ressignificada9 9 A leitura da ofensiva sobre o artigo 205 da Constituição Federal, que diz: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1988), é a de que a responsabilidade total pela educação é da família e o Estado não pode passar valores que estejam em dissonância com os valores da família. Portanto, fundamental passa a ser o controle familiar da educação ofertada pelo Estado. Tal estratégia também pode ser notada na leitura que fazem do Plano Nacional de Educação no que diz respeito à estratégia 2.9. . Um exame mais cuidadoso permite observar que as “novas premissas” então adotadas estavam a contrapelo do papel da família na educação de crianças e jovens, tal como estabelecido no Artigo 205 da Constituição Federal, que enfatiza o compromisso compartilhado entre família, Estado e sociedade.

Capilaridade Ampliada

Outra dimensão da transição para a gramática estatal foi a capilaridade na distribuição das ações então desenhadas (Martins; Cerqueira; Matos, 2015MARTINS, A.; CERQUEIRA, D.; MATOS, M. A institucionalização das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. Brasil: Ipea, 2015. (Nota técnica, n. 13.) Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/5711. Acesso em: 12 jul. 2023.
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). A partir do momento que a nova lógica antigênero e familista se instala na arquitetura das políticas públicas, ela apoia-se na capilaridade e intersetorialidade do Estado para dispersar mais amplamente seus efeitos. Tanto a capilaridade quanto a intersetorialidade estatal são elementos fundamentais das políticas públicas. Como apontam Martins, Cerqueira e Matos (2015)MARTINS, A.; CERQUEIRA, D.; MATOS, M. A institucionalização das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. Brasil: Ipea, 2015. (Nota técnica, n. 13.) Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/5711. Acesso em: 12 jul. 2023.
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, desde que instalado num aparato de produção de políticas públicas, qualquer ideário poderá alcançar um vasto contingente populacional, ultrapassando os nichos em que foi gestado ou circulava antes dessa institucionalização e superando as usuais barreiras setoriais especializadas da política estatal.

Nos casos que estamos examinando, essa capilaridade ampliada foi obtida por meio de estratégias combinadas. A semântica e as diretrizes da política pública que concebia “família” como lócus heteronormativo a ser protegido e fortalecido foram amplamente propagadas por protocolos de convênios, produção de molduras jurídico-infralegais e programas de treinamento para conselhos tutelares e professores/profissionais. Há um relatório encomendado pelo MMFDH e produzido pela Universidade Federal de São Paulo e Universidade Federal do Ceará que, conjuntamente, avalia essa política como uma “política de sucesso” e de baixo custo ao Estado (Sanchez, 2022SANCHEZ, Z. (coord.). Avaliação da efetividade do Programa Famílias Fortes. São Paulo, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2022/dezembro/estudo-revela-potencial-de-reducao-de-60-no-estilo-parental-negligente-em-participantes-do-programa-familias-fortes/Brochura_ilustrada_FamiliasFortes_6_meses_vf.pdf. Acesso em: 19 maio 2023.
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). O estímulo à presença da família na escola como mecanismo de supervisão moral e social, ensejado pelos programas Família na Escola e Educação e Família, foi outro instrumento vigoroso dessa capilarização. Essa capilaridade sustentou-se também por normas infralegais, como o Decreto nº 10.570/2020BRASIL. Decreto nº 10.570, de 9 de dezembro de 2020. Diário Oficial da União, Seção 1, p. 11, 2020., que, tal como vimos, definiu e legitimou a estratégia nacional de fortalecimento de vínculos familiares10 10 Ver para tal enquadramento o vídeo de lançamento do Programa Família e Escola em: https://www.youtube.com/live/pQmXj9lk7tI?feature=share. Acesso em: 9 jul. 2023. . Vale dizer que o conteúdo e as diretrizes dessa estratégia não foram discutidos com a academia ou organizações da sociedade civil que atuam no campo educacional.

Temporalidade e Afetos

Por último, queremos chamar atenção para as implicações do transporte da ofensiva para a gramática do Estado no que diz respeito à temporalidade. Isso porque vários analistas têm mostrado, de maneira contundente, que nos países onde líderes da ultradireita chegaram ao poder por via democrática se instalaram novas dinâmicas e lógicas de governabilidade cujo objetivo é desidratar, gradativamente, a arquitetura democrática por dentro (Mounk, 2019MOUNK, Y. O povo contra a democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.). Esse processo paulatino de autocratização requer mandatos consecutivos, e cada novo mandato prepara o terreno para alargar e aprofundar a erosão da democracia em câmera lenta (El País, 2021EL PAÍS. O método Bolsonaro: um assalto à democracia em câmera lenta. El País, 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-18/o-metodo-bolsonaro-um-assalto-a-democracia-em-camera-lenta.html. Acesso em: 22 jul. 2023.
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).

O mesmo se aplica às ofensivas antigênero como um componente nodal dessas dinâmicas de autocratização paulatinas. Também nesse caso, dá-se uma desidratação gradual, com base em novas normas infralegais que vão alterando políticas de Estado até então consideradas imunes a mudanças de governo. Ao nosso ver, traços e elementos que identificamos no processo de deslocamento da ideologia antigênero do plano das mobilizações sociais para o arcabouço estatal, durante o governo Bolsonaro, cumpriam essa função de preparar o terreno para novas etapas de alargamento do projeto ultraconservador de organização social, política e legal do gênero e da sexualidade no Brasil.

Importante sublinhar esse traço cumulativo, pois, quando as políticas antigênero são lidas com base em parâmetros convencionais de medida de consistência e efeito, elas podem parecer débeis ou limitadas. No entanto, se pensadas como atividades preparatórias ou experimentos a serem ampliados e consolidados em eventuais segundos mandatos, elas adquirem outro significado. Nesse sentido, tampouco é trivial observar que se, entre 2013 e 2019, a agitação política contra a “ideologia de gênero” esteve ancorada na incitação do medo e da incerteza, quando estatizada a ofensiva passou a acionar afetos associados à necessidade ou ao desejo de proteção ou tutela num registro que possivelmente visava sedimentar docilidade diante de lógicas autocráticas de governabilidade da vida social e privada.

Tecnologias Familistas Articuladas ao Campo Educacional

O giro familista da gestão federal foi desenhado, articulado e implementado pela SNF, uma das oito unidades estratégicas do MMFDH11 11 Sendo as demais secretarias: Políticas para Mulheres, Direitos das Crianças e Adolescentes, Proteção Global de Direitos Humanos, Juventude, Promoção da Igualdade Racial, Direitos das Pessoas com Deficiência, Promoção e Defesa de Direitos das Pessoas Idosas. . Embora o espectro de direitos humanos e grupos populacionais coberto pelo mandato do ministério fosse amplo e plural, a SNF e, mais especialmente, a secretária Ângela Gandra rapidamente ganharam proeminência na esfera federal. Essa capacidade de articulação e visibilidade foi fundamental para nutrir a capilaridade expandida antes mencionada e para consolidar a “caixa de ressonância” (Connolly, 2005CONNOLLY, W. E. The evangelical-capitalist resonance machine. Political Theory, v. 33, n. 6, p. 869-886, 2005. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/30038467. Acesso em: 5 jul. 2023.
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) instalada no aparato federal. Sobretudo, sustentou e ampliou as conexões transnacionais que desde sempre estavam entremeadas na ofensiva antigênero brasileira, mas que a partir de 2019 estiveram centradas em intercâmbio em torno das “políticas da família”. Nesta seção examinamos dois programas implementados pela SNF: Famílias Fortes e Família da Escola.

Famílias Fortes

Segundo definição estabelecida pelo MMFDH em 2020:

O Programa Famílias Fortes (PFF-BR 10-14) é uma adaptação à realidade brasileira do Strengthening Families Programme (SFP-UK), elaborado no Reino Unido pela Oxford Brookes University. É uma metodologia de sete encontros semanais para famílias com filhos entre 10 e 14 anos que visa promover o bem-estar dos membros da família, fortalecendo os processos de proteção e construção de resiliência familiar e reduzindo os riscos relacionados a comportamentos problemáticos

(Brasil, 2021bBRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Projeto Família na Escola. Brasil: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 2021b. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/familia/acoes-e-programas/projeto-familia-na-escola. Acesso em: 21 jul. 2023.
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).

Embora essa definição não esclareça quais são os “comportamentos problemáticos” a serem dirimidos, a motivação original do Strengthening Families Programme foi de fato a prevenção do abuso de substâncias químicas. O modelo foi criado, originalmente, nos Estados Unidos da América, em 1982, como intervenção para reprogramar condutas de pais e mães com crianças entre 7–17 anos que eram usuários de álcool e outras substâncias. Ou seja, trata-se de um instrumento de engenharia comportamental da era Reagan, momento seminal de instalação do neoliberalismo nos Estados Unidos e também do auge da política de “guerra contra drogas”12 12 O Strengthening Families Program foi desenvolvido em 1982 pela doutora Karol Kumpfer com financiamento do National Institute of Drug Abuse (Instituto Nacional de Abuso de Drogas). Seu objetivo primário é habilitar pais para “criar filhos e filhas, desenvolver relacionamentos familiares mais felizes, melhorar a saúde mental, diminuir o uso de álcool e drogas, a violência e o comportamento delinquente dos jovens”. São aulas em versão vídeo que explicam como “o cérebro funciona”, e são oferecidas 11 lições de 30 minutos cada uma que treinam para essas habilidades e medidas de prevenção. . Várias fontes que informam sobre o programa enfatizam seu “baixo custo”.

As premissas do Programa Famílias Fortes promoveram, por conseguinte, uma concepção privatista da “família”, disseminando tecnologias de remodelagem de esquemas perceptivos, padrões de ação e modos de comunicação para, supostamente, sedimentar relações intrafamiliares (positivas), conter ameaças e promover a felicidade familiar (Cabanas; Illouz, 2022CABANAS, E.; ILLOUZ, E. Happycracia: fabricando cidadãos felizes. São Paulo: Ubu, 2022.). Suas ideias-mestra são um “eu” (supostamente) autêntico, a força de vontade individual e ajustes comunicacionais, tributárias portanto do paradigma que reitera a subjetividade neoliberal e desconsidera laços e condições sociopolíticas que extrapolam a “família” (Cabanas; Illouz, 2022CABANAS, E.; ILLOUZ, E. Happycracia: fabricando cidadãos felizes. São Paulo: Ubu, 2022.). Escapam dessa moldura tanto as desigualdades estruturais quanto as hierarquias e os diferenciais de poder que caracterizam as relações intrafamiliares, descartando-se assim os “empecilhos da felicidade” que não podem ser resolvidos por intervenções comportamentais de baixo custo. Cabe perguntar se a aplicação desse programa no Brasil dos anos de 2020 responderia a contento às múltiplas necessidades e crises das famílias. Para retomar a reflexão desenvolvida por Alves (2021)ALVES, A. M. Um ministério para uma família: distopia e “familismo 2.0”. Sexual Policy Watch, 2021. Disponível em: https://sxpolitics.org/ptbr/um-ministerio-para-uma-familia-distopia-e-familismo-2-0/12369. Acesso em: 5 jun. 2023.
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:

O que será que pensam (desse modelo) as mulheres que ao procurar auxílio na rede de enfrentamento à violência se deparam com serviços inexistentes? O que será que pensam as mães e pais que tiveram que resolver, de acordo com suas próprias possibilidades materiais, se mandavam ou não os filhos para a escola, no meio de uma pandemia, sem que o Ministério da Educação garantisse uma saída coletiva e responsável para esse dilema? O que pensam as famílias que observam uma queda brutal de sua renda, a ausência de trabalho digno? [...] O que pensam os idosos, cuja renda proveniente da aposentadoria sustenta com dificuldade lares inteiros, ao serem tratados como corpos descartáveis durante a pandemia? [...] Famílias são feitas por pessoas concretas em relação umas com as outras. Não são abstrações para justificar um modelo idealizado e uma política de desresponsabilização do Estado.

A segunda diretriz do Programa Famílias Fortes, gestado no âmbito da SNF, se dirigia ao “equacionamento do desequilíbrio trabalho-família” decorrente do crescente envolvimento das mulheres no mercado de trabalho. Com base no mesmo paradigma, esse subprograma, Equilíbrio Trabalho-Família, investiu em articulações com federações empresariais para persuadir as empresas a adotarem medidas de fortalecimento dos vínculos familiares de modo que o trabalho remunerado das mulheres não comprometesse seu papel materno nem as demais responsabilidades com o lar. Estava organizado em três linhas:

  • Ações em educação para equilíbrio trabalho e família;

  • Prêmio melhores práticas de equilíbrio trabalho e família;

  • Selo empresa amiga da família.

A SNF produziu materiais e impulsou campanhas com gestores empresariais sobre a importância da família, deu prêmios para empresas que implementassem práticas de fortalecimento de vínculos familiares e criou um selo para locais de trabalho comprometidos com o fortalecimento dos familiares. Segundo a Portaria nº 2.904/2020, que instituiu essa linha, seu objetivo era “realizar as expectativas relacionadas tanto ao seu papel de profissional quanto de membro participativo de uma família, sendo essas expectativas negociadas e compartilhadas com seus parceiros nos domínios do trabalho e da família” (MMFDH, 2020MINISTÉRIO DA MULHER, FAMÍLIA E DIREITOS HUMANOS (MMFDH). Portaria nº 2.904, de 13 de novembro de 2020. Diário Oficial da União, edição 218, seção 1, p. 97, 2020.).

Já a terceira área de trabalho foi operacionalizada em duas linhas de intervenção em parceria com o MEC. A primeira delas, no âmbito da formação educacional e comportamental, ofereceu cursos e oficinas virtuais que aconteceram no ambiente virtual de aprendizagem do MEC (Avamec). A segunda linha apoiou políticas públicas locais, por meio de editais periódicos que convidavam os municípios a aderirem ao Programa Famílias Fortes. A contrapartida era um repasse financeiro do governo federal13 13 No edital do ano de 2022 foram previstos R$ 1.160.000 a serem divididos entre as propostas aprovadas de adesão. Ver: Brasil (2021). para a formação de gestores e a disseminação de material pedagógico produzido pela SNF por intermédio de convênios firmados com entidades profissionais e universidades. O site do Programa Famílias Fortes, em 2022, informava que mais de 100 municípios haviam aderido ao programa e mais de 4.400 profissionais concluíram o curso virtual do Programa Famílias Fortes (Brasil, 2022BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Mais quatro municípios aderem ao Programa Famílias Fortes. Brasil: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/novembro/mais-quatro-municipios-aderem-ao-programa-familias-fortes. Acesso em: 12 jan. 2023.
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).

Vale notar que o Programa Famílias Fortes se sobrepôs a uma política pública já existente: as diretrizes de assistência social do Sistema Único de Assistência Social, de que um dos programas é o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). Por um lado, isso significa que, antes de 2019, o Estado já investia no fortalecimento de vínculos para apoiar famílias sem, contudo, centrar atenção exclusiva nas relações intrafamiliares. A criação do Programa Famílias Fortes em 2020 e sua capilarização significou um primeiro passo no sentido da reconfiguração do SCFV com base em concepções familistas.

Essa estratégia de reconfiguração das políticas públicas existentes com vistas a ressignificar seus sentidos em uma direção ultraconservadora foi uma marca dos processos de instalação da ofensiva antigênero na política estatal, implicando mudanças semânticas que, embora parciais, legitimaram pautas conservadoras combinando gramáticas reconhecidas (nesse caso, “fortalecimento de vínculos”) e conteúdos antigênero. Esse tipo de torção, ora ressignificando, ora higienizando/depurando conteúdos e políticas que já existiam, foi o pilar da transmutação da ofensiva contra gênero em políticas de Estado (Maracci; Prado, 2022MARACCI, J.; PRADO, M. A. Ofensivas antigênero e depuração dos direitos humanos como políticas de estado no Brasil. Revista Estudos e Pesquisa em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 22, n. esp., p. 1372-1392, 2022. https://doi.org/10.12957/epp.2022.71643
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).

Educação e Família e Família na Escola

O Programa Educação e Família foi criado em agosto de 2021, por meio da Portaria nº 571/2021, para ser implementado diretamente pelo MEC14 14 Ver o site do programa em: Brasil (2023). . Ancorou-se no Programa Dinheiro Direto na Escola, estabelecido nos anos 1990 com o objetivo de envolver as famílias no controle de recursos financeiros transferidos diretamente à rede escolar, para cobrir alguns custos específicos com o planejamento e a implementação de projetos pedagógicos, reparos e consertos em prédios, compra de materiais escolares e móveis, como também a aquisição de produtos de higiene e alimentícios. Sua principal linha de atuação foi o fomento e a qualificação da participação das famílias na totalidade da vida escolar (e já não apenas com relação a aspectos orçamentários), por meio de atividades de formação nas escolas, conselhos escolares e outros projetos que mobilizam a participação familiar na vida escolar. Essas formações faziam-se com base em materiais pedagógicos cujo conteúdo estava plenamente alinhado com o arcabouço ideológico da SNF.

A característica mais marcante do Programa Educação e Família foi criar mecanismos de participação familiar direta no ambiente escolar. Esse giro contou com vários recursos, como a expansão do aplicativo Clique Escola15 15 O Clique Escola é um aplicativo que visa agilizar e democratizar o acesso às informações educacionais e financeiras de aproximadamente 180 mil escolas. Além disso, ele fortalece espaços colaborativos para diretores e permite o compartilhamento de boas práticas pelas escolas e pode ser baixado de forma gratuita por qualquer interessado, nas principais lojas de aplicativos. , criado para ampliar a colaboração entre as escolas e as comunidades.

O Programa Educação e Família visou financiar ações monitoradas pelo MEC para “qualificar a participação da família na escola”. Seu eixo principal era assegurar que os planos de atividade escolar sempre incluíssem a participação da família e ações voltadas para o desenvolvimento de habilidades pessoais, fortalecimento dos vínculos familiares e, sobretudo, “controle do conteúdo ensinado”, conforme indicado no site do programa. As ações principais desenvolvidas foram oficinas, atividades familiares da escola, cursos virtuais de formação que reproduziam conteúdos sobre vínculos familiares e a importância do controle do conteúdo ensinado. A plataforma digital do programa oferecia modelos de formação que poderiam ser utilizados nos Famílias Fortes e Reconecte.

O MMFDH transversalizou a política familiar no âmbito da educação, conectando as pautas da SNF à política educacional do MEC, pelo Avamec, que assegurou sua capilarização para muitas escolas pelo país. Importante notar que, embora não existam indicadores sobre os impactos concretos do Programa Educação e Família, ele favoreceu uma ampla disseminação da mesma ideologia da SNF acerca do lugar jurídico e social da família no âmbito da formação educacional.

O Programa Família na Escola, por sua vez, buscava ser a contrapartida da formação de pais e mães para atuarem nas escolas e tinha três objetivos:

  • Sensibilizar genitores para o bom desempenho das funções familiares;

  • Promover relações positivas na família;

  • Fortalecer o envolvimento da família na escola para gerar unidade entre esses dois espaços.

Esses objetivos, tal como definido no site do programa, buscavam:

[...] fomenta ações conjuntas para promoção da parceria família e escola, através da formação das habilidades parentais, das garantias de direitos da criança e do acompanhamento pedagógico, a fim de garantir o desenvolvimento integral da criança e o fortalecimento dos vínculos familiares

(Brasil, 2021bBRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Projeto Família na Escola. Brasil: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 2021b. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/familia/acoes-e-programas/projeto-familia-na-escola. Acesso em: 21 jul. 2023.
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).

O Programa Família na Escola pode e deve ser entendido, portanto, como complementar ao Programa Educação e Família, por um lado, e ao Programa Famílias Fortes, por outro. No site do Programa Família na Escola no MMFDH, afirma-se reiteradamente: “As habilidades para a formação de crianças e jovens não são adquiridas de maneira intuitiva, é necessário que elas façam parte de um processo de formação de pais e educadores, em parceria com o Estado” (Brasil, 2021bBRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Projeto Família na Escola. Brasil: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 2021b. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/familia/acoes-e-programas/projeto-familia-na-escola. Acesso em: 21 jul. 2023.
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por...
).

No lançamento desses programas, a ex-ministra Damares Alves e o ex-ministro Milton Ribeiro (ambos pastores) confirmaram, unissonamente, a relevância da presença das famílias no “interior das escolas”, usando repetidamente o jargão “essa é uma nação que cuida da família”. Ou seja, a SNF do MMFDH foi de fato um nodo fomentador de ações transversais de disseminação ideológica do reposicionamento da ideologia familista para o controle das políticas de gênero (Rocha, 2023ROCHA, L. T. Adolescente demais para ser travesti ou travesti demais para ser acolhida? Acolhimento institucional de jovens trans no município de Belo Horizonte. 2023. 254 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2023. http://hdl.handle.net/1843/52901
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). Todo material disseminado pela secretaria era consoante com o objetivo de reposicionar a família como espaço de investimento para assegurar proteção e segurança social, formação de capital humano e, sobretudo, controlar a exposição de crianças e jovens aos perigos da vida coletiva.

Trocas Transnacionais em Torno da Ideologia do Familismo e Educação

A ofensiva antigênero brasileira foi sempre alimentada por repertórios gestados fora do país. Por exemplo, a associação entre “ideologia de gênero” e marxismo, que circula com intensidade desde 2018, vem da literatura produzida em inglês, francês e espanhol desde os anos 199016 16 Ver os verbetes “marxismo cultural” e “ ideologia de gênero” no Termos ambíguos do debate política atual: pequeno dicionário que você não sabia que existia, editado por Sonia Corrêa e Rodrigo Borba (2022). .

A partir dos anos 2000, definições teológicas foram amplamente disseminadas pelos canais católicos oficiais. Desde 2019, assistimos à estatização da retórica e das imagens dos meninos que vestem azul e meninas que vestem rosa inventadas pela Manif pour Tous na França em 2013. A pauta da educação domiciliar, propagada desde o começo dos anos 2010 – que culminaria com a aprovação do projeto substitutivo do Projeto de Lei nº 3.179/2012, em maio de 2022 – veio diretamente dos Estados Unidos da América pelos canais evangélicos (Aquino; Moura, 2022AQUINO, R.; MOURA, F. Breve histórico das leis de censura na educação: os projetos Escola sem Partido e antigênero (2014-2020). In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 39-45.; Cariboni, 2022CARIBONI, D. Os principais defensores do ensino doméstico nos EUA dizem que os pais têm “direito” a infligir dor. Open Democracy, 2022.). E, como se viu, o Programa Famílias Fortes desembarcou no Brasil depois de uma longa migração iniciada 40 anos atrás também nos Estados Unidos.

Contudo, ao analisar o estado de situação da “revolução ultraconservadora” em curso nas Américas e na Europa, leituras esquemáticas pensam o Brasil, ou mesmo a América Latina, apenas como alvo ou repositório do que se gesta para além das fronteiras. Essa leitura não capta a complexidade dessa circulação, que é longeva e de mão dupla. Como revela o minucioso estudo histórico de Benjamin Cowan (2021)COWAN, B. Moral majorities across the Americas: Brazil, the United States, and the creation of the religious right. Carolina do Norte: University North Carolina Press, 2021. sobre o campo do ultraconservadorismo religioso, sobretudo católico, desde os anos 1960 havia uma via de mão dupla conectando o Brasil e os Estados Unidos, nela tendo sido central a figura de Plínio Corrêa de Oliveira, o fundador da TFP (Mezzabora, 2021MEZZABORA, G. Benjamin A. Cowan: o Brasil e a nova direita. Entrevista. Revista da Fapesp, n. 305, jul. 2021. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/benjamin-a-cowan-o-brasil-e-a-nova-direita/. Acesso em: 13 jul. 2023.
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). Datta (2021)DATTA, N. Restoring the natural order: the religious extremists’ vision to mobilize European societies against human rights on sexuality and reproduction. European Parliamnetarian Forum for Sexual and Reproductive Rights, 2021. Disponível em: https://www.epfweb.org/node/175. Acesso em: 26 jul. 2023.
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, por sua vez, ao analisar o cenário atual das políticas antiaborto e antigênero na Europa, oferece evidências densas sobre o lugar fulcral que nele ocupa a rede TFP europeia, especialmente seu braço polonês, o Instituto Ordo Iuris, estabelecido em 201317 17 O Instituto Ordo Iuris é uma organização jurídica independente incorporada como fundação na Polônia que reúne acadêmicos e profissionais do direito. .

É, portanto, produtivo pensar nessas trocas como multidirecionais, uma trama rizomática com muitos circuitos na qual alguns entroncamentos podem ser mais relevantes do que outros e em momentos diferentes. Entre 2019 e 2022, o Brasil foi um desses entroncamentos, e nele intercâmbios em torno do familismo e de sua vinculação com a política educacional foram constantes. Um exemplo flagrante foi o papel do Brasil na chamada Declaração do Consenso de Genebra, plataforma lançada em outubro de 2020 que repudia definições consagradas em relação à saúde e aos direitos reprodutivos, além de promover a ideologia familista (Lobo; Cardoso, 2021LOBO, A.; CARDOSO, M. E. “Em nome da família brasileira”: sobre políticas de governo, (re)produção de elites e disputas narrativas. Revista Antropolítica, Niterói, n. 53, p. 53-82, set.-dez. 2021. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/50111. Acesso em: 19 maio de 2023.
https://periodicos.uff.br/antropolitica/...
).

A chamada Declaração do Consenso de Genebra teve imediata adesão do governo Bolsonaro, que, com a derrota de Donald Trump, assumiria a coordenação da iniciativa, que foi basicamente gerenciada pela SNF do MMFDH. Sobretudo, após a exoneração de Ernesto Araújo do governo de então, em abril de 2021, Ângela Gandra implementaria o que foi descrito por jornalistas e especialistas em relações internacionais como uma diplomacia paralela focalizada no campo conservador (Chade, 2021CHADE, J. País faz diplomacia paralela com extrema-direita, Opus Dei e negacionistas. Uol, 2021. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/09/29/diplomacia-paralela-do-brasil-mira-extrema-direita-opus-e-negacionistas.htm. Acesso em: 10 maio 2023.
https://noticias.uol.com.br/colunas/jami...
). Um minucioso roteiro dessas conexões internacionais realizadas pela secretária Nacional da Família pode ser conhecido no documento que apresenta uma cronologia desses périplos (Conectas Direitos Humanos, 2022CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Igualdade e não discriminação: políticas de gênero e direitos sexuais e reprodutivos no Brasil, 2022. Apresentação conjunta à Revisão Periódica Universal da ONU. Brasil: Conectas Direitos Humanos, 2022.).

Alguns acontecimentos listados na cronologia são especialmente significativos do ponto de vista das questões aqui analisadas, pois extrapolam os circuitos religiosos ultraconservadores latino-americanos nos quais Ângela Gandra já tinha muita conexão. Em maio de 2022, aconteceu em Budapeste o já mencionado IV Transatlantic Summit: Freedom at Stake, organizado pela plataforma ultraconservadora Political Network for Values em parceria com a plataforma CitizenGO (Espanha) e The Heritage Foundation (Estados Unidos) e apoiado pelo governo de Viktor Orbán. Contou com a representação de mais de 100 países: parlamentares, ministras/os, secretárias/os de Estado, líderes de grandes organizações conservadoras, acadêmicos e grupos jovens.

A ex-secretária Ângela Gandra, segundo a programação do evento em Budapeste, estava representando oficialmente o Brasil. Em sua conferência relatou como, sob o governo Bolsonaro, o MMFDH estava convertendo as políticas de direitos humanos em políticas voltadas à família (heteronormativa e cristã) e descreveu os programas desenvolvidos pela secretaria nos seguintes termos:

Temos também um programa chamado Família na Escola. A família tem que participar da escola, saber como as crianças estão sendo tratadas, e principalmente saber os conteúdos que eles estão recebendo. Como diz o nosso presidente no Brasil, nem o aborto nem a ideologia de gênero jamais prevaleceram no nosso país

(Gandra, 2022GANDRA, A. Committed to freedom and human dignity. In: TRANSATLANTIC SUMMIT: FREEDOM AT STAKE. Budapeste, 4., 2022. YouTube, 2022. Disponível em: https://youtu.be/KpREMBEsLfA. Acesso em: 19 jul. 2023.
https://youtu.be/KpREMBEsLfA...
).

Efeitos e Significados das Tecnologias Familistas como Políticas Públicas

As políticas desenhadas pela SNF estavam fundadas em uma concepção que coloca as famílias como unidades fechadas em si mesmas, voltadas para a manutenção de relações idealizadas e que se organizam em torno da autoridade centrada nos adultos produtivos da rede familiar. Um dos efeitos mais contundentes da transposição da ideologia antigênero para o aparato estatal foi, portanto, a instalação desse ideário que reposicionou a família nas políticas públicas de direitos humanos e educação como provedora do bem-estar social e antídoto para todo e qualquer desequilíbrio ou ameaça. A outra face desse familismo é um Estado que abdica de suas responsabilidades à proteção social.

Como apontou Cooper (2021)COOPER, M. Valores familiares do neoliberalismo: bem-estar social, capital humano e parentesco. In: ALBINO, C.; OLIVEIRA, J. (org.). Neoliberalismo, neoconservadorismo e crise em tempos sombrios. Recife: Seriguela, 2021. p. 33-90., o aprofundamento do neoliberalismo recentralizou na família as funções do bem-estar social e responsabilidade pelo cuidado com as gerações futuras e sua habilitação para o incremento do “capital humano”, tal como definido por Schultz (1961)SCHULTZ, T. W. Investment in Human Capital. The American Economic Review, v. 51, n. 1, p. 1-17, 1961.. Não surpreende, então, que, nas palavras da ex-secretária Nacional da Família (2019–2022), centralizar a política familista “diminui o gasto público em apagar incêndios com tanto sofrimento humano, ao oferecer as condições para que as famílias se autoestruturem, solucionando os problemas a partir da raiz” (Gandra, 2021GANDRA, A. Um ministério da família: da utopia à realidade. Folha de S.Paulo, 7 dez. 2021.).

A ancoragem de um projeto de política familista de corte ultraconservador e neoliberal, além de impor sua visão ideológica flagrantemente antigênero, corrói o acesso à educação como direito inegociável de cidadania (Corrêa; Prado, 2022CORRÊA, S.; PRADO, M. A. M. Ideologia antigênero nas políticas educacionais brasileiras: estatização e transnacionalidade. In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 45-52.), bem como ameaça os pilares de uma política educacional democrática. Entre 2019 e 2022, os ataques ao gênero nas políticas desenhadas pela ofensiva oxidaram paulatinamente o acesso universal à educação como garantia de direito constitucional, minimizaram a prática do respeito à pluralidade e formação da cidadania e igualmente abriram mão de seu aspecto social de alta funcionalidade, que é combater a desigualdade social em uma sociedade desigual.

Antes do governo Bolsonaro, a semântica da família já estava presente no vocabulário das políticas sociais. Um exemplo é a mudança do nome do programa de transferência de renda, que nos anos 1990 se denominava Bolsa Escola, para Bolsa Família, quando de sua ampliação no começo dos anos 2000. Contudo, nas políticas sociais anteriores ao ano de 2019, a família era concebida, de um lado, como unidade redistributiva e de consumo e, de outro, como indutora de cuidados de saúde e escolarização (as condicionalidades das políticas de transferência de renda). Em contraste, as tecnologias familistas desenhadas e implementadas pelo MMFDH, por meio das ações da SNF, durante o governo Bolsonaro, delegaram às unidades familiares tripla função: gerir o bem-estar pessoal e social de seus membros na formação de capital humano, incorporar habilidades de gestão comportamental diante da ideia de comportamentos indesejáveis e de riscos (embora sem definição por parte do Estado) e fazer a vigilância de valores morais na formação escolar.

Essa breve cartografia também evidencia como a semântica acusatória “ideologia de gênero” ao ser transportada para o Estado sofreu mutações. Se antes o espantalho tinha a função de incitar fantasias de que a família estava sendo ameaçada pelo “gênero”, nessa transposição se instalou a promoção sistemática de um modelo de família fechada em si mesma e que teria primazia sobre o Estado e a sociedade. Nesse trânsito, o termo gênero, no seu sentido positivo, foi sendo abolido da linguagem estatal e, ao mesmo tempo, se cristalizava, perversamente, como categoria de violação de direitos humanos. Todavia, isso não foi facilmente percebido, porque, ao ser institucionalizada, a ideologia antigênero adotou um vocabulário consagrado de políticas publicas que soa neutro a ouvidos mais desavisados.

Faz-se importante mencionar que esse estratagema não é peculiarmente brasileiro. Espelha os cenários húngaro e polonês analisados pelas feministas Weronika Grzebalska e Andrea Peto (2018)GRZEBALSKA, W.; PETO, A. The gendered modus operandi of the illiberal transformation in Hungary and Poland. Women’s Studies International Forum, v. 68, p. 164-172, 2018. https://doi.org/10.1016/j.wsif.2017.12.001
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. Ao examinar os efeitos das políticas antigênero nesses países, as autoras descrevem esse tipo de mutação como um padrão fúngico de políticas públicas (polypore state policies) cuja função principal é corroer por dentro a linguagem e a arquitetura democrática dos Estados, mas que, ao mesmo tempo, gera modelos de ação estatal que, como os códigos ideológicos analisados por Smith (1993)SMITH, D. E. The Standard North American Family: SNAF as an Ideological Code. Journal of Family Issues, v. 14, n. 1, p. 50-65, 1993. https://doi.org/10.1177/0192513X93014001005
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, se replicam pelas teias transnacionais de intercâmbio da ultradireita nas quais o Brasil, como já referido, entre 2019 e 2022, consistiu em um nodo vigoroso.

Notas

  • 1
    Para o teor do discurso do deputado Elimar Damasceno na época, ver: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=147984. Acesso em: 11 jan. 2023.
  • 2
    Ver a íntegra do discurso de posse no Congresso Nacional em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/leia-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-cerimonia-de-posse-no-congresso.shtml. Acesso em: 11 jan. 2023.
  • 3
    Em referência aos seguidores do pensamento de Olavo de Carvalho.
  • 4
    “The major constituencies in this machine do not always share the same religious and economic doctrines. Affinities of sensibility also connect them across links and differences in formal doctrine. The complex becomes a powerful machine as evangelical and corporate sensibilities resonate together, drawing each into a larger movement that dampens the importance of doctrinal differences between them. At first, the parties sense preliminary affinities of sensibility; eventually they provoke each other to transduct those affinities into a massive political machine. And the machine then foments new intensities of solidarity between these constituencies” (Connolly, 2005CONNOLLY, W. E. The evangelical-capitalist resonance machine. Political Theory, v. 33, n. 6, p. 869-886, 2005. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/30038467. Acesso em: 5 jul. 2023.
    http://www.jstor.org/stable/30038467...
    , p. 871).
  • 5
    O evangelismo fundamentalista, o campo ultracatólico e o tradicionalismo-olavismo.
  • 6
    A substituição do chanceler em abril de 2021 alterou a semântica pública do Itamaraty, mas no caso do MEC essa retórica não arrefeceu com a mudança de ministro. Embora mais discreta, Cristiane Britto não é uma voz menos antigênero que sua antecessora, Damares Alves.
  • 7
    Um sintoma flagrante desse clima de coerção é a realização sistemática de cultos religiosos no MMFDH e também no MEC durante a gestão do pastor Milton Ribeiro.
  • 8
    É o caso da secretária executiva e da secretária adjunta do MMFDH Tatiana Alvarenga e Viviane Petinelli.
  • 9
    A leitura da ofensiva sobre o artigo 205 da Constituição Federal, que diz: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 2 fev. 2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
    ), é a de que a responsabilidade total pela educação é da família e o Estado não pode passar valores que estejam em dissonância com os valores da família. Portanto, fundamental passa a ser o controle familiar da educação ofertada pelo Estado. Tal estratégia também pode ser notada na leitura que fazem do Plano Nacional de Educação no que diz respeito à estratégia 2.9.
  • 10
    Ver para tal enquadramento o vídeo de lançamento do Programa Família e Escola em: https://www.youtube.com/live/pQmXj9lk7tI?feature=share. Acesso em: 9 jul. 2023.
  • 11
    Sendo as demais secretarias: Políticas para Mulheres, Direitos das Crianças e Adolescentes, Proteção Global de Direitos Humanos, Juventude, Promoção da Igualdade Racial, Direitos das Pessoas com Deficiência, Promoção e Defesa de Direitos das Pessoas Idosas.
  • 12
    O Strengthening Families Program foi desenvolvido em 1982 pela doutora Karol Kumpfer com financiamento do National Institute of Drug Abuse (Instituto Nacional de Abuso de Drogas). Seu objetivo primário é habilitar pais para “criar filhos e filhas, desenvolver relacionamentos familiares mais felizes, melhorar a saúde mental, diminuir o uso de álcool e drogas, a violência e o comportamento delinquente dos jovens”. São aulas em versão vídeo que explicam como “o cérebro funciona”, e são oferecidas 11 lições de 30 minutos cada uma que treinam para essas habilidades e medidas de prevenção.
  • 13
    No edital do ano de 2022 foram previstos R$ 1.160.000 a serem divididos entre as propostas aprovadas de adesão. Ver: Brasil (2021)BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 2 fev. 2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
    .
  • 14
    Ver o site do programa em: Brasil (2023)BRASIL. Ministério da Educação. PDDE Educação e Família – Ciclo 2021. Brasil: Ministério da Educação, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/secretarias/secretaria-de-educacao-basica/programas-e-acoes/programa-educacao-e-familia/copy2_of_pdde-educacao-e-familia. Acesso em: 25 maio 2023.
    https://www.gov.br/mec/pt-br/acesso-a-in...
    .
  • 15
    O Clique Escola é um aplicativo que visa agilizar e democratizar o acesso às informações educacionais e financeiras de aproximadamente 180 mil escolas. Além disso, ele fortalece espaços colaborativos para diretores e permite o compartilhamento de boas práticas pelas escolas e pode ser baixado de forma gratuita por qualquer interessado, nas principais lojas de aplicativos.
  • 16
    Ver os verbetes “marxismo cultural” e “ ideologia de gênero” no Termos ambíguos do debate política atual: pequeno dicionário que você não sabia que existia, editado por Sonia Corrêa e Rodrigo Borba (2022)CORRÊA, S.; BORBA, R. (org.). Termos ambíguos do debate política atual: pequeno dicionário que você não sabia que existia. Rio de Janeiro: Abia, 2022..
  • 17
    O Instituto Ordo Iuris é uma organização jurídica independente incorporada como fundação na Polônia que reúne acadêmicos e profissionais do direito.
  • Pesquisa financiada com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Processo no: 313554/2021-8

Referências

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  • BRASIL. Decreto nº 10.570, de 9 de dezembro de 2020. Diário Oficial da União, Seção 1, p. 11, 2020.
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Editor de seção: Salomão Ximenes https://orcid.org/0000-0002-3672-6781

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2023
  • Aceito
    09 Ago 2023
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