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GRAMÁTICAS DO DIREITO EM TENSÃO: AS DISPUTAS PELA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

GRAMMARS OF LAW IN TENSION: DISPUTES OVER PUBLIC EDUCATION IN BRAZIL

RESUMO

A juridificação reativa é o eixo mais profundo de desconstrução da ideia de educação pública, gratuita, laica e de qualidade social como um direito universal e indisponível. Sua origem é a restauração (neo)conservadora na América Latina, uma reação transnacional que articula o ativismo cristão com atores políticos não religiosos em oposição aos avanços legais igualitários alcançados pelos movimentos feministas, LGBTQI+ e antirracistas. O artigo conceitua esse processo como uma arena de disputas jurídicas e simbólicas e como uma estratégia de coesão de diferentes movimentos conservadores que têm nos fundamentos do direito à educação um campo de ação privilegiado, como mostram os casos de juridificação analisados no Brasil.

Palavras-chave
Neoconservadorismo; Direito à educação; Direitos sexuais e reprodutivos; Plano Nacional de Educação; Programa Nacional do Livro Didático

ABSTRACT

Reactive juridification is the deepest axis of deconstruction of the idea of public, free, secular and social quality education as a universal and unavailable right. Its origin is the (neo)conservative restoration in Latin America, a transnational reaction that articulates Christian activism with non-religious political actors in opposition to the egalitarian legal advances achieved by feminist, LGBTQI and anti-racist movements. The article conceptualises this process as an arena of legal and symbolic disputes and as a cohesion strategy of different neoconservative movements that have in the foundations of the right to education a privileged field of action, as shown by the cases of juridification analysed in Brazil.

Keywords
Neoconservatism; Right to Education; Sexual and Reproductive Rights; National Education Plan; National Textbook Program

RESUMEN

La juridificación reactiva en Brasil tiene como uno de sus principales ejes desarmar la idea de educación pública, gratuita, laica y de calidad social como un derecho universal e indisponible. El origen de esta juridificación radica en la consolidación del activismo (neo)conservador en América Latina, una reacción de carácter transnacional que articula actores religiosos y políticos en oposición a los avances legales obtenidos por los movimientos feministas, LGBTQI y antirracistas. El artículo analiza esta juridificación a través del considerar al derecho como una arena de disputas legales y simbólicas y como una estrategia conservadora para desmantelar diversos derechos vinculados a la educación.

Palabras-clave
Neoconservadurismo; Derecho a la educación; Derechos sexuales y reproductivos; Plan Nacional de Educación (PNE); Programa Nacional del Libro Didáctico (PNLD)

Introdução

Estudos recentes analisaram o fenômeno da restauração conservadora na América Latina, compreendida como uma reação de caráter transnacional que articula o ativismo cristão e atores políticos não religiosos em oposição aos avanços legais igualitários obtidos pelos movimentos feministas, antirracistas e LGBTQI+ a níveis nacional e internacional (Corrêa; Paternotte; Kuhar, 2018CORRÊA, S.; PATERNOTTE, D.; KUHAR, R. The globalisation of anti-gender campaigns. International Politics and Society, v. 31, n. 5, 2018.; Biroli; Caminotti, 2020BIROLI, F.; CAMINOTTI, M. The conservative backlash against gender in Latin America. Politics & Gender, v. 16, n. 1, p. E1, 2020. https://doi.org/10.1017/S1743923X20000045
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; Zaremberg; Tabbush; Friedman, 2021ZAREMBERG, G.; TABBUSH, C.; FRIEDMAN, E. J. Feminism(s) and anti-gender backlash: lessons from Latin America. International Feminist Journal of Politics, v. 23, n. 4, p. 527-534, 2021. https://doi.org/10.1080/14616742.2021.1956093
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). As singularidades desse processo são destacadas no conceito de neoconservadorismo, relacionando-o com movimentos políticos de desdemocratização e de restrição de direitos (Biroli; Vaggione; Machado, 2020BIROLI, F.; VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. D. D. C. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020.; Brown, 2019BROWN, W. In the ruins of neoliberalism. West Sussex: Columbia University Press, 2019. https://doi.org/10.7312/brow19384
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). Essa reação conservadora tem efeitos concretos no direito à educação (Viñao Frago, 2012; Cunha, 2016CUNHA, L. A. O projeto reacionário de educação. 2016. Disponível em: http://www.luizantoniocunha.pro.br/uploads/independente/1-EduReacionaria.pdf. Acesso em: 4 maio 2023.
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; 2023; Feldfeber, 2020FELDFEBER, M. La restauración conservadora en Argentina: políticas educativas y cambio cultural durante el gobierno de Macri (2015-2019). Revista Temas em Educação, João Pessoa, v. 29, n. 3, p. 135-154, 2020. https://doi.org/10.22478/ufpb.2359-7003.2020v29n3.56388
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; Gluz; Rodrigues; Elias, 2021; Carreira; Lopes, 2022CARREIRA, D.; LOPES, B. Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022.; Corrêa; Ximenes, 2022CORRÊA, S.; XIMENES, S. B. Laicidad y secularidad en Brasil: erosión gradual y límites de las normas jurídicas. In: DÁVILA CONTRERAS, M. X.; CHAPARRO GONZÁLEZ, N. (org.). Estrategias de resistencia para defender y reflexionar sobre la laicidad en América Latina. Bogotá: Dejusticia, 2022. p. 74-109.; Oliveira, 2020OLIVEIRA, D. A. Regressão conservadora e ameaças às políticas públicas em educação na América Latina. Revista Temas em Educação, João Pessoa, v. 29, n. 3, p. 181-204, 2020. https://doi.org/10.22478/ufpb.2359-7003.2021v30n1.56014
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).

Vaggione (2005)VAGGIONE, J. M. Reactive politicization and religious dissidence: the political mutations of the religious. Social Theory and Practice, Charlottesville, v. 31, n. 2, p. 233-255, 2005. https://doi.org/10.5840/soctheorpract200531210
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coloca a origem do neoconservadorismo na politização reativa em resposta à mudança paradigmática conduzida pela reinvindicação e pelo reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos (DSeR). Essa mudança supõe, entre outros aspectos, aprofundar o deslocamento entre normas estatais e doutrina religiosa (secularização do direito). Segundo o autor, tal deslocamento mobiliza como resposta a juridificação reativa em defesa de uma moral assumida como natural e universal (Vaggione, 2011VAGGIONE, J. M. Sexualidad, religión y política en América Latina. In: CORRÊA, S.; PARKER, R. (org.). Observatório de Sexualidad y Política. Rio de Janeiro: Abia, 2011. p. 286-336.; 2020VAGGIONE, J. M. A restauração legal: o neoconservadorismo e o direito na América Latina. In: VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. D. C.; BIROLI, F. (org.). Gênero, neoconservadorismo e democracia. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 41-82.). O direito torna-se uma arena de debate sobre a ordem moral e uma estratégia em defesa de um regime sexual heteronormatizado.

Em muitos países da região, o movimento neoconservador teve impacto nas estruturas do Estado e nos poderes executivo, legislativo e judiciário em níveis local e nacional, bem como influenciou nos processos políticos e eleitorais (Corrêa, 2021CORRÊA, S. Políticas antigênero na América Latina: resumos dos estudos de casos nacionais. Rio de Janeiro: Abia, 2021.). Existem estratégias e agendas comuns: a difusão do pânico moral, o desmantelamento das políticas estatais de igualdade de gênero, as campanhas de lobby legislativo e a judicialização conservadora (Campana, 2015CAMPANA, M. N. Mutaciones normativas en el campo jurídico argentino: su rol en el diseño e implementación de campañas de litigio estratégico. Córdoba: Anuario del CIJS, 2015.; Ruibal, 2015RUIBAL, A. M. Movilización y contra-movilización legal: Propuesta para su análisis en América Latina. Política y Gobierno, México, v. 22, n. 1, p. 175-198, 2015.; Monte; Vaggione, 2018MONTE, M. E.; VAGGIONE, J. M. Cortes irrumpidas: la judicialización conservadora del aborto en Argentina. Revista Rupturas, San Pedro, v. 9, n. 1, p. 104-122, 2018. https://doi.org/10.22458/rr.v9i1.2231
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). Os impactos nas políticas públicas variam em cada contexto, dependendo de fatores como a consolidação e a tradição secular das instituições democráticas1 1 Nas seguintes seções abordamos a usual distinção entre laico e secular para destacar os limites da noção de laicidade para a compreensão do fenômeno estudado. , o nível de reconhecimento de direitos, a correlação de forças no âmbito religioso e a resistência dos movimentos feministas, de direitos LGBTQI+ e de seus aliados na cidadania (Biroli; Vaggione; Machado, 2020BIROLI, F.; VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. D. D. C. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020.; Zaremberg; Tabbush; Friedman, 2021ZAREMBERG, G.; TABBUSH, C.; FRIEDMAN, E. J. Feminism(s) and anti-gender backlash: lessons from Latin America. International Feminist Journal of Politics, v. 23, n. 4, p. 527-534, 2021. https://doi.org/10.1080/14616742.2021.1956093
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). Apesar da diversidade de casos, diferentes trabalhos destacam a centralidade da noção de ideologia de gênero como estratégia transnacional que permite a articulação de coalisões conservadoras, com papel central nas mobilizações antigênero e no campo educacional (Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, R.; CAMPANA, M. “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-748, 2017. https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3203008
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; Corrêa, 2018CORRÊA, S. A “política do gênero”: um comentário genealógico. Cadernos Pagu, Campinas, n. 53, e185301, 2018. https://doi.org/10.1590/18094449201800530001
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; Corrêa; Prado, 2022CORRÊA, S.; PRADO, M. A. M. Ideologia antigênero nas políticas educacionais brasileiras: estatização e transnacionalidade. In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 45-52.; Junqueira, 2022JUNQUEIRA, R. A invenção da ideologia de gênero. Brasília: Letras Livres, 2022.).

Os enfrentamentos em torno do conteúdo do direito à educação e da configuração das políticas educacionais foram convertidos em terrenos prioritários para o ativismo moral conservador. Por meio do uso da noção de ideologia de gênero, mencionados grupos conseguiram obter vetos à curricularização do enfoque de gênero e ao reconhecimento dos direitos fundamentais da população LGBTQI+. Para isso, recorrem à noção naturalista de primazia da família sobre o Estado em matéria de moral e de sexualidade (Faur, 2020FAUR, E. Educación sexual integral e “ideología de género”en la Argentina. Dossier: las ofensivas antigénero en América Latina. LASAForum, v. 51, n. 2, p. 57-61, 2020.).

Com esse propósito, em 2016 surgiu no Peru o movimento Con Mis Hijos no te Metas, que se estendeu a vários países do continente (Nouet, 2020NOUET, L. “Con mis hijos no te metas”: la avanzada neoconservadora y el derecho a la educación sexual integral. 75f. 2020. Tese (Licenciatura em Trabalho Social) – Facultad de Ciencia Política y Relaciones Internacionales, Universidad Nacional de Rosario, Rosario, 2020. http://hdl.handle.net/2133/20891.). No Brasil, em 2010 surgiram movimentos contra o Programa Escola sem Homofobia, pela eliminação do enfoque de gênero no Plano Nacional de Educação e nos planos estaduais e municipais aprovados entre 2014 e 2016. O Movimento Escola sem Partido promove o veto desses temas nas diretrizes curriculares, nos planos didáticos, nas práticas pedagógicas e em políticas locais, medidas difundidas pelo ativismo religioso antigênero. Também sob o símbolo de uma luta contra a ideologia de gênero, é estabelecida uma rotina de perseguição aos professores (Ação Educativa, 2018AÇÃO EDUCATIVA. Manual de defesa contra a censura nas escolas. São Paulo: Ação Educativa, 2018. Disponível em: https://manualdedefesadasescolas.org.br/. Acesso em: 5 maio 2023.
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), impedindo a disseminação de programas de educação sexual, o reconhecimento da identidade de gênero ou a adoção de linguagem inclusiva nas escolas (Junqueira, 2018JUNQUEIRA, R. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Revista Psicología Política, Florianópolis, v. 18, n. 43, p. 449-502, 2018.).

No Brasil, tem sobressaído nos últimos anos a forte presença de bancadas religiosas no parlamento, com hegemonia evangélica conservadora e capacidade de veto de novas leis e políticas. Por isso, as demandas pelos direitos sexuais e reprodutivos são encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar dos notórios avanços em assuntos como as pesquisas com células-tronco embrionárias, o aborto de fetos anencéfalos ou a união homoafetiva, é necessário mencionar o caráter disruptivo da laicidade refletido em recentes decisões, como a sentença que sustentou a constitucionalidade do ensino religioso católico e de outras confissões em escolas públicas (Almeida; Ximenes, 2018ALMEIDA, E. M.; XIMENES, S. B. Constituição e interpretação na delimitação jurídica da laicidade. In: D’AVILA-LEVY, C. M.; CUNHA, L. A. (org.). Embates em torno do Estado laico. São Paulo: SBPC, 2018. p. 53-82.; Cunha, 2018aCUNHA, L. A. Três décadas de conflitos em torno do ensino público: laico ou religioso? Educação & Sociedade, Campinas, v. 39, n. 145, p. 890-907, 2018a. https://doi.org/10.1590/es0101-73302018196128
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; 2018bCUNHA, L. A. Panorama dos conflitos recentes envolvendo a laicidade do Estado no Brasil. In: D’AVILA-LEVY, C. M.; CUNHA, L. A. (org.). Embates em torno do Estado Laico. São Paulo: SBPC, 2018b. p. 183-282.; Corrêa; Ximenes, 2022CORRÊA, S.; XIMENES, S. B. Laicidad y secularidad en Brasil: erosión gradual y límites de las normas jurídicas. In: DÁVILA CONTRERAS, M. X.; CHAPARRO GONZÁLEZ, N. (org.). Estrategias de resistencia para defender y reflexionar sobre la laicidad en América Latina. Bogotá: Dejusticia, 2022. p. 74-109.), obrigação registrada no acordo com a Santa Sé de 2010 (Cunha, 2009CUNHA, L. A. Brasil: país laico ou concordatário. Rio de Janeiro: Observatório da Laicidade do Estado, 2009. Disponível em: https://patrimonio.uff.br/wp-content/uploads/sites/600/2019/06/textoconcordataole.pdf. Acesso em: 22 julho 2024.
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; Fischmann, 2009aFISCHMANN, R. A proposta de concordata com a Santa Sé e o debate na Câmara Federal. Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 107, p. 563-583, 2009a. https://doi.org/10.1590/S0101-73302009000200013
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; 2012FISCHMANN, R. Estado laico, educação, tolerância e cidadania: para uma análise da concordata Brasil-Santa Sé. São Paulo: CEMOrOc, 2012.).

No caso de maior destaque sobre os limites da autoridade parental na educação, por ocasião da análise da constitucionalidade do ensino domiciliar (homeschooling), o STF decidiu relativizar a obrigatoriedade de frequência às escolas (Oliveira; Barbosa, 2017OLIVEIRA, R. L. P.; BARBOSA, L. M. R. O neoliberalismo como um dos fundamentos da educação domiciliar. Pro-posições, Campinas, v. 28, n. 2, p. 193-212, 2017. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2016-0097
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) a favor da doutrina católica em educação, o princípio da subsidiariedade do Estado diante dos direitos naturais da família (Cury, 2017CURY, C. R. J. Homeschooling: entre dois jusnaturalismos? Pro-posições, Campinas, v. 28, n. 2, p. 104-121, 2017. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2016-0006
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; Junqueira, 2022JUNQUEIRA, R. A invenção da ideologia de gênero. Brasília: Letras Livres, 2022.). Dessa forma, o tribunal abriu espaço para a regulamentação legal do homeschooling e relativizou o direito que crianças e adolescentes têm de frequentar a escola como direito próprio e indisponível (Ximenes; Moura, 2021XIMENES, S. B.; MOURA, F. Homeschooling prova que Bolsonaro tem projeto para a educação. UOL/Entendendo Bolsonaro, 2021. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/coluna-entendendo-bolsonaro/2021/05/31/homeschooling-prova-que-bolsonaro-tem-projeto-para-a-educacao.htm. Acesso em: 5 maio 2023.
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; Ximenes, 2022XIMENES, S. B.; SENA, F. V.; MOREIRA, M. A. Educadores/as sob ataque: direito à educação e inconstitucionalidades dos projetos de censura. In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 72-90.). Entre as razões consideradas aceitáveis pelo STF para o ensino domiciliar estão “a questão religiosa, do bullying, das drogas nas escolas, da violência” (Brasil, 2018BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 888.815/RS: Inteiro Teor do Acórdão. Tribunal Pleno. Relator: Alexandre de Moraes. Brasil: Supremo Tribunal Federal, 2018., p. 70).

No contexto recente do governo Bolsonaro (2019–2022), o ativismo conservador obteve avanços institucionais no legislativo, como, por exemplo, a aprovação em 2022 do projeto de lei de regulamentação do ensino domiciliar (homeschooling) na Câmara dos Deputados; e no executivo, por meio de vetos à abordagem sobre direitos sexuais, reprodutivos e cidadania LGBTQI+ no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), do reconhecimento da ideologia de gênero como causa de violação de direitos humanos que poderia ser mencionada nos canais de denúncia existentes, como o Disque 100, e de diferentes medidas administrativas (Corrêa; Prado, 2022CORRÊA, S.; PRADO, M. A. M. Ideologia antigênero nas políticas educacionais brasileiras: estatização e transnacionalidade. In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 45-52.; Santos; Vick, 2022SANTOS, L. M.; VICK, F. A disputa da sociedade civil na política do livro didático pós-2018: aspectos jurídicos da contenção da agenda reacionária. In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 45-52.).

Como se verifica nesses exemplos, o direito torna-se um discurso público privilegiado na defesa da moral sexual cristã e uma arena na qual se produzem as principais disputas relacionadas às práticas sexuais e reprodutivas. Essas reações jurídicas (ou juridificação reativa) colocam em pauta uma série de argumentos e estratégias legais que têm como principal objetivo a defesa de uma ordem legal incorporada à moral cristã enquanto moral universal (Vaggione, 2011VAGGIONE, J. M. Sexualidad, religión y política en América Latina. In: CORRÊA, S.; PARKER, R. (org.). Observatório de Sexualidad y Política. Rio de Janeiro: Abia, 2011. p. 286-336.; 2020VAGGIONE, J. M. A restauração legal: o neoconservadorismo e o direito na América Latina. In: VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. D. C.; BIROLI, F. (org.). Gênero, neoconservadorismo e democracia. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 41-82.). Além do seu papel na produção de normativas, a juridificação reativa impulsiona a articulação e coesão dos operadores jurídicos de diferentes confissões e ideologias, neoconservadores e neoliberais, contra a ideologia de gênero e em defesa da prevalência da autoridade parental e da família sobre a educação (Campana, 2015CAMPANA, M. N. Mutaciones normativas en el campo jurídico argentino: su rol en el diseño e implementación de campañas de litigio estratégico. Córdoba: Anuario del CIJS, 2015.; Ruibal, 2015RUIBAL, A. M. Movilización y contra-movilización legal: Propuesta para su análisis en América Latina. Política y Gobierno, México, v. 22, n. 1, p. 175-198, 2015.; Monte; Vaggione, 2018MONTE, M. E.; VAGGIONE, J. M. Cortes irrumpidas: la judicialización conservadora del aborto en Argentina. Revista Rupturas, San Pedro, v. 9, n. 1, p. 104-122, 2018. https://doi.org/10.22458/rr.v9i1.2231
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).

Outra manifestação importante dessa juridificação reativa é o uso estratégico da judicialização. A juridificação engloba a noção de judicialização, porém não se limita a ela (Ximenes; Silveira, 2019XIMENES, S. B.; SILVEIRA, A. D. Judicialização da educação: caracterização e crítica. In: OLIVEIRA, V. E. (org.). Judicialização de políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2019. p. 309-332. https://doi.org/10.7476/9786557080733
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). O ativismo conservador intensificou o uso do litígio como caminho para evitar e/ou reverter os direitos sexuais e reprodutivos e, ao fazer isso, sofisticou o uso de argumentos legais em defesa de determinados valores morais. A ampliação da legitimidade ativa para litigar culminou em um crescente número de organizações da sociedade civil, entre elas as que conformam o neoconservadorismo, que canalizam as suas demandas por meio do poder judiciário, seja diretamente em demandas coletivas, seja indiretamente, apresentando-se como amicus curiae em casos emblemáticos.

A noção de juridificação e, particularmente, aquela que caracteriza o ativismo moral conservador, isto é, a juridificação reativa, são fundamentais para a análise que aprofundamos neste ensaio, motivo pelo qual apresentamos seus significados e origens nas próximas seções.

A seguir, são analisados os aspectos específicos do processo de juridificação reativa do direito à educação no contexto nacional brasileiro da última década (2013–2022). A hipótese é que a juridificação conservadora da educação sexual influenciou a produção do conteúdo do direito à educação no contexto brasileiro (direito como arena), impulsionando o ativismo jurídico conservador a causar impacto no campo educacional (direito como estratégia). A juridificação reativa da educação busca uma proibição legal, e principalmente simbólica, de temas como o gênero, a sexualidade, a raça e a crítica às desigualdades sociais, em articulação com a nova hierarquização dos direitos da família sobre as escolas. A eficácia simbólica da censura opera igualmente quando não há uma lei ou regulamento aprovado, pelo efeito inibidor que deriva do próprio debate legislativo e dos casos de judicialização das relações escolares por parte da maquinaria jurídica conservadora (Hayes, 2007HAYES, A. F. Exploring the forms of self-censorship: on the spiral of silence and the use of opinion expression avoidance strategies. Journal of Communication, v. 57, n. 4, p. 785-802, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1460-2466.2007.00368.x
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; Cook; Heilmann, 2012COOK, P.; HEILMANN, C. Censorship and Two Types of Self-Censorship. Political Studies, v. 61, n. 1, p. 178-196, 2012. https://doi.org/10.1111/j.1467-9248.2012.00957.x
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; Dora; Varella, 2022DORA, D.; VARELLA, L. Padrões internacionais e regionais de direitos humanos sobre liberdade de expressão e liberdade de cátedra e sua importância para o exercício democrático. In: CARREIRA, D.; LOPES, B. (org.). Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022. p. 91-98.).

Na segunda parte, o texto analisa a interpretação dos conteúdos jurídicos e dos argumentos legais produzidos em duas frentes da juridificação reativa que avançaram nos últimos anos: os debates legislativos em torno dos planos decenais de educação e os retrocessos obtidos no PNLD pelo ativismo conservador. O objetivo do artigo é compreender esse arsenal de medidas legais e jurídicas como parte da juridificação reativa anteriormente mencionada, afastando-nos de percepções de senso comum ainda muito correntes que tendem a ver nas agendas conservadoras expressões de disputas secundárias no âmbito educacional ou cortinas de fumaça para desviar a atenção do que de fato importa. A juridificação reativa da educação é, pelo contrário, o eixo mais profundo de desconstrução da ideia de educação pública, gratuita, laica e de qualidade social como um direito universal e indisponível.

Juridificação para Mais ou para Menos Direitos

Em termos gerais, por juridificação se deve entender a disseminação da regulação jurídica sobre diferentes aspectos da vida social, como a família, a reprodução e a educação (Neves, 2011NEVES, M. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2011.). Fenômenos antes regulados informalmente nas esferas privadas, comunitárias e religiosas passaram a ser definidos por normas gerais objetivas, universais e vinculantes com o surgimento dos Estados nação, que exerciam, em seus territórios, o monopólio da produção jurídica na modernidade ocidental. O Estado nação moderno encarregou-se de regular impessoalmente a comunidade política de cidadãos portadores de igualdade jurídica de direitos e deveres, o que pressupõe separar-se do religioso mediante a secularização do direito, fenômeno mais amplo que a própria laicidade estatal, visto que alguns estados ocidentais persistiram formalmente vinculados a denominações religiosas (Fischmann, 2009bFISCHMANN, R. Estado laico. Sao Paulo: Memorial da America Latina, 2009b.; Cury, 2018CURY, C. R. J. Por uma concepção do Estado laico. In: D’AVILA-LEVY, C. M.; CUNHA, L. A. (org.). Embates em torno do Estado laico. São Paulo: SBPC, 2018. p. 41-52.).

Essa tendência à secularização e ao aumento do direito escrito que caracteriza a modernidade jurídica tem origem nos primeiros influxos de juridificação dos Estados modernos, acelerando-se com a emergência do que Habermas (1999)HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa. Madri: Taurus, 1999. categorizou como o quarto influxo de juridificação: a construção do Estado social e democrático de direito e dos direitos sociais em meados do século XX, como o trabalho e a educação. Nesse contexto, a multiplicação do direito escrito opera em dois sentidos complementares: “entre a extensão do direito, quer dizer, a regulação jurídica de novos assuntos sociais regulados até então de maneira informal, e a condensação do direito, quer dizer, o detalhamento de uma matéria jurídica global em várias matérias particulares” (Habermas, 1999HABERMAS, J. Teoría de la acción comunicativa. Madri: Taurus, 1999., p. 504).

Surgiu assim, com a conformação do Estado nação moderno, o instituto da educação escolar obrigatória, sendo a frequência à instituição escola uma exigência estatal em detrimento de uma liberdade familiar que se assentava na mera ausência de regulação (Horta, 1998HORTA, J. S. B. Direito à educação e obrigatoriedade escolar. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 104, p. 5-34, 1998.). A frequência à escola e o ensino na língua nacional passaram a ser regulados no âmbito da construção do monopólio estatal sobre a produção de normas jurídicas em matéria de educação. Posteriormente, sobretudo com a expansão do Estado social e democrático de direito, emergiu o detalhamento do direito educacional, ou seja, a juridificação da educação escolar e do direito à educação, com o estabelecimento cada vez mais pormenorizado de rígidas condições de funcionamento, requisitos profissionais, carga horária mínima, normas curriculares etc. (Ximenes, 2014XIMENES, S. B. Direito à qualidade na educação básica: teoria e crítica. São Paulo: Quartier Latin, 2014.). É esse o campo de expansão normativa (extensão e condensação) em que entram em disputa movimentos sociais de distintas origens e ideologias, com os feminismos, movimentos LGBTQI+ e movimento negro de um lado e as reações conservadoras de outro, ou seja, disputas entre gramáticas juridificantes opostas, expansivas de direitos ou reativas e limitadoras.

O Direito como Cenário de Conflitos Morais

O processo de ampliação do jurídico no Estado ocidental moderno se construiu sobre a narrativa, em grande medida mítica, de sua separação do religioso. Tratava-se da formalização do interesse nacional, ou do interesse público, ou mesmo da igualdade jurídica entre os cidadãos, não da reprodução de princípios religiosos específicos.

Tal narrativa, no entanto, oculta os próprios limites normativos da laicidade estatal como critério de interpretação do conteúdo das normas produzidas, sobretudo daquelas que regulam a família, a sexualidade e a reprodução. É necessário, portanto, complexificar a análise a respeito da construção formalmente laica do direito ocidental, assentada sobre o mito da oposição binária entre normas religiosas e normas jurídicas, e alcançar uma compreensão material do conteúdo propriamente dito das normas, âmbito no qual religião e direito se entrelaçam e desentrelaçam em um processo dinâmico, não linear e contínuo (Vaggione, 2020VAGGIONE, J. M. A restauração legal: o neoconservadorismo e o direito na América Latina. In: VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. D. C.; BIROLI, F. (org.). Gênero, neoconservadorismo e democracia. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 41-82.).

Sem desconhecer a importância da laicidade para entender as temáticas aqui discutidas, interessa-nos centrar a análise no/desde o direito como arena que tem suas próprias lógicas e dinâmicas, que permitem compreender que mais que a retirada do religioso existe “uma persistência, transformação e, às vezes, fragmentação e dispersão da religião por debaixo do que ainda se pode denominar dinâmicas ‘secularizadoras’” (Sullivan; Yelle; Taussig-Rubbo, 2011SULLIVAN, W. F.; YELLE, R. A.; TAUSSIG-RUBBO, M. After secular law. Redwood City: Stanford University Press, 2011., p. 12, tradução própria).

O fato de o religioso estar juridicamente subordinado à regulação do Estado moderno não significou, necessariamente, desimbricar o direito dos princípios religiosos. Em muitos casos ocorreu o oposto, ou seja, a incorporação da norma religiosa no direito estatal formalmente secularizado, naturalizando o religioso como princípio universal. Essa absorção do religioso se apresenta com maior frequência nas formas de regulação da ordem sexual. O direito, ao menos no momento da construção do Estado nação, tem coletado na moral católica os temas vinculados à sexualidade, ao parentesco ou à reprodução. O que queremos destacar é que essa juridificação invisibiliza o registro religioso já que este se metaboliza e naturaliza como direito secular.

Nos países da América Latina tal fenômeno se vincula à presença política e cultural, em geral hegemônica, da Igreja Católica. Assim, o que em sua origem eram princípios morais religiosos que ordenavam a hierarquia sexual foram incorporados ao direito nacional, transmutados em normas jurídicas gerais e abstratas, potencializando sua circulação como elementos da cultura e da moral nacional e, consequentemente, apagando suas origens confessionais.

Ante tal entrelaçamento, a secularização do direito tem duas dinâmicas relativamente autônomas: uma funcional, relacionada ao monopólio estatal e formalmente laico da produção jurídica; e outra material, vinculada ao conteúdo da regulação jurídica produzida2 2 Ver Arlettaz (2015) para um estudo sobre essas dinâmicas relacionadas à forma de regular o matrimônio na Argentina. . Ou seja, o momento da separação funcional, o da absorção pelo Estado de funções outrora em mãos da Igreja Católica, não implicou necessariamente que o direito se esvaziasse do conteúdo moral religioso. Seria mesmo possível pensar que o momento da separação funcional ocorreu pela recepção das normas morais religiosas como parte do direito estatal. A Igreja delegou ao Estado a custódia de suas normas morais. Essa combinação de separação funcional e imbricação material foi a que imperou no momento de regular-se a família, o parentesco ou a reprodução. A separação, como dinâmica de laicização, articulou-se com a delegação para o Estado da proteção dos princípios morais católicos.

A incorporação dos princípios morais religiosos ao direito estatal não é surpreendente numa região onde a Igreja deteve influência hegemônica sobre a moral, particularmente nas formas de regulação da família, da sexualidade ou da reprodução. Portanto, qualquer reforma legal que procura distanciar as normas jurídicas das normas morais supostamente universais confronta diretamente a Igreja Católica. Questões como o divórcio ou, mais recentemente, o casamento de casais do mesmo sexo ou a legalização do aborto, entre outras, procuram aprofundar a distância entre ambas as normas. Esses temas tornam visíveis os limites da separação entre o religioso e o secular na produção jurídica (ou a crítica aos limites da laicidade estatal) e demonstram o papel do direito moderno na invisibilização de determinados princípios religiosos (Montero, 2009MONTERO, P. Secularização e espaço público: a reinvenção do pluralismo religioso no Brasil. Revista Etnográfica, Lisboa, v. 13, n. 1, p. 7-16, 2009. https://doi.org/10.4000/etnografica.1195
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).

Os movimentos em defesa dos DSeR politizam como religiosos valores que, uma vez juridificados, circulam como naturais, objetivos e universais. Ao buscar modificar o direito, esses movimentos politizam, como herança religiosa, aspectos protegidos pela lei e, ao fazê-lo, propõem uma nova articulação entre direito, ética e moral sexual, oposta à postura oficial da Igreja Católica e à sua apelação a concepções biologizantes e naturalistas da sexualidade. Essa postura, inscrita no direito, legitima hierarquizações e opressões nos campos do gênero e da sexualidade, mas também a naturalização das relações hierárquicas e de domínio entre adultos e crianças, mediante a reprodução da ideia de primazia dos poderes familiares em matéria de educação.

Por isso, em grande parte o impacto dos movimentos feministas e LGBTQI+, bem como as reações que gera, deve ser analisado no direito enquanto cenário do conflito moral. Não sem tensões ou desacordos, esses movimentos juridificaram suas demandas e priorizaram o ativismo legal para a ação política. O uso estratégico do litígio e a elaboração de argumentos jurídicos são caminhos para desmantelar os resquícios heteropatriarcais marcados no direito. Para além das notáveis diferenças entre os países da região, os DSeR entram nos debates públicos e inauguram outra temporalidade sobre o papel do Estado na regulação da ordem sexual.

Ao juridificar as suas demandas, esses movimentos ampliam a noção de sujeitos de direitos vinculados às decisões sexuais e reprodutivas e pluralizam a própria noção de cidadania. Pessoas que pareciam estar apenas sujeitas ao direito em função das suas práticas ilegais ou mesmo criminosas são transformadas em sujeitos de direitos com reconhecimento estatal. As pessoas trans, por exemplo, cuja existência corpórea se limitava à ilegalidade, buscam ser reconhecidas como sujeitxs e, para tanto, portadorxs de direito à identidade de gênero autopercebida. Os casais do mesmo sexo saem da invisibilidade como forma de sobrevivência para reclamar, entre outros, direitos patrimoniais. A esses exemplos, é acrescentada a incorporação de crianças e adolescentes e, também, das pessoas consideradas incapazes, como sujeitos de DSeR. Essas pessoas, que ficavam à mercê de regimes tutelares, são consideradas igualmente como portadoras de direito em temas vinculados à sexualidade e à reprodução, que devem ser protegidos pelo Estado, como o direito à educação sexual e às políticas de saúde específicas adequadas. Precisamente, o reconhecimento da capacidade progressiva de pessoas cuja autonomia de decisão era negada implica ainda uma mudança fundamental na construção da ordem familiar e, consequentemente, dos princípios educacionais.

No e desde o direito, esses movimentos discutem algo mais do que regras formais, já que também colocam em tensão o alicerce que estrutura a ordem sexual. O paradigma dos DSeR busca democratizar essa ordem por meio do desmonte das hierarquias sustentadas por uma engrenagem de discursos morais, religiosos e científicos. Particularmente, criticam os principais valores sobre os quais têm se sustentado os andaimes legais ao longo das últimas décadas, tais como a complementaridade entre homens e mulheres ou a articulação essencial entre sexualidade e reprodução. Em troca, é proposta uma série de princípios valorativos que devem ser protegidos pelo Estado, tais como a autonomia, a liberdade ou o desejo.

As modificações jurídicas propostas desafiam a hipermoralização que caracteriza a ordem sexual. Por meio do direito, é legitimado um pluralismo ético em oposição à existência de uma moral única que, ancorada na natureza, deve ser reconhecida pelo Estado. Essa juridificação busca desmontar o excesso de moral carregado pelo direito secular. Não apenas se busca uma autonomia funcional, de diferenciação de papéis e responsabilidades, mas também uma construção do direito que se autonomize da defesa de valores morais ancorados na herança católica. Esses valores, outrora assumidos como universais, buscam ser reinscritos em sua particularidade para dar lugar a outra concepção do jurídico. O direito serve também como canal para a expansão de normatividades éticas que extrapolam a doutrina católica.

Não surpreende, portanto, a forte reação de diferentes setores diante da inclusão na agenda pública dos DSeR, reação que amalgama atores e argumentos tanto religiosos quanto não religiosos. Esses atores consideram que está em jogo uma forma de pensar e habitar o mundo na qual o direito tem uma função simbólica e material determinante, e não apenas determinada tradição religiosa. Nessas reações conservadoras, busca-se potencializar a função do direito como hierarquizador da ordem sexual, que permite diferenciar entre o proibido e o permitido ou entre o bom e o mau. Sem essa hierarquia, a família, a liberdade e mesmo a sociedade correriam risco de fragilização.

Para esses atores, o direito torna-se uma arena privilegiada na busca por conservar valores morais considerados sob ameaça. Esse ativismo moral conservador rejuridifica a defesa da vida, da família, da liberdade diante dos avanços dos movimentos feministas e LGBTQI+ por meio da renovação das formas de intervenção pública. O processo de juridificação reativa põe em funcionamento uma maquinaria que, apesar de guardar relação com os usos conservadores do direito, inaugura formas de ativismo legal e judicial. O direito é uma arena em defesa da moral e também funciona como uma estratégia para juntar grupos políticos neoconservadores, religiosos ou não, com o objetivo de recuperar ou não perder a influência interrompida pelos feminismos e pelos movimentos LGBTQI+. Assim, conseguem unificar uma maquinaria legal neoconservadora que, atuando nos âmbitos legislativo e judiciário, com renovadas táticas de lobby e litígio, nega os avanços normativos e a vigência prática dos DSeR nos diferentes campos de políticas públicas, como o educacional.

Uma Renovada Dogmática Jurídica Conservadora dos Direitos

O êxito da operação de juridificação reativa vincula-se à capacidade que alcançam os atores jurídicos neoconservadores (juristas, organizações civis religiosas ou não, universidades – especialmente as confessionais, autoridades judiciais etc.) de produzir argumentos jurídicos que, praticados, compartilhados e consolidados em livros, pareceres legais, decisões judiciais e leis, constituem uma renovada dogmática jurídica conservadora dos direitos.

Nesse processo, a proteção jurídica da vida desde a concepção é uma das principais facetas da juridificação reativa em sua luta contra a cultura da morte. Produziu-se um processo de cidadanização do feto por meio de novas estratégias jurídicas que buscam ampliar o reconhecimento formal do embrião como pessoa humana (Vaggione, 2020VAGGIONE, J. M. A restauração legal: o neoconservadorismo e o direito na América Latina. In: VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. D. C.; BIROLI, F. (org.). Gênero, neoconservadorismo e democracia. São Paulo: Boitempo, 2020. p. 41-82.). Os certificados de óbito ou a adoção, para citar alguns exemplos, são ressignificados mediante a incorporação do feto como pessoa humana. O outro eixo relevante é a proteção da família natural diante do avanço da ideologia de gênero. Em resposta às tentativas de incluir uma definição ampla e plural de família, o ativismo conservador mobiliza-se para sustentar uma ordem matrimonial baseada na complementariedade entre homem e mulher.

Outra estratégia jurídica que caracteriza a reação conservadora é a defesa da liberdade como valor violado. Em razão do objetivo deste trabalho, interessa-nos levantar algumas das formas como a liberdade é instrumentalizada para confrontar o reconhecimento dos DSeR e a sua implementação nos diferentes campos de políticas públicas. Particularmente, a defesa da liberdade adquire sua importância como forma de resistir à denominada ideologia de gênero enquanto eufemismo para nomear os movimentos feministas e LGBTQI+ e as suas demandas. O ativismo moral neoconservador considera essa ideologia como parte de um projeto que não apenas mina a família e a vida, mas também a liberdade como valor fundante da sociedade. Sem desconsiderar que a defesa da liberdade se inscreve de diferentes formas de acordo com os atores, os momentos e as temáticas em debate, pela sua conexão com as definições do direito à educação, analisamos brevemente três facetas da liberdade que são parte da juridificação reativa: a liberdade religiosa, a liberdade de consciência e a liberdade dos progenitores (Vaggione, 2022VAGGIONE, J. M. Derecho y religión: la instrumentalización neoconservadora de la libertad. Ciencias Sociales Y Religión, Campinas, v. 24, e022023, 2022. https://doi.org/10.20396/csr.v24i00.8671843
https://doi.org/10.20396/csr.v24i00.8671...
).

Em primeiro lugar, existe uma acentuada politização da liberdade religiosa como princípio violado diante dos avanços dos direitos sexuais e reprodutivos. Considera-se que esses direitos mascaram um posicionamento antirreligioso que lesa o direito dos indivíduos a manifestar-se e a agir com base em suas crenças religiosas. O conservadorismo moral utiliza termos como secularismo radical, ideologia secular ou cristofobia para explicitar que não se trata apenas de uma reforma legal, mas sim que por meio do direito é violada também a liberdade religiosa. Se em algum momento eram os privilégios da Igreja Católica os que lesionavam a liberdade religiosa, no processo de juridificação reativa o risco advém dos feminismos e setores LGBTQI+ e da sua ideologia antirreligiosa. Isso permite que conservadorismos católicos e evangélicos possam postergar as suas diferenças diante da ideologia de gênero como ameaça compartilhada e mobilizar-se juridicamente a favor de expandir a defesa da liberdade religiosa. Busca-se, assim, ampliar os direitos religiosos como contrapartida aos DSeR.

A defesa da liberdade de consciência é o outro instituto jurídico que se instrumentaliza de formas renovadas como muralha legal diante dos direitos sexuais e reprodutivos. Ao não conseguir evitar a sanção desses direitos, a estratégia jurídica é esvaziá-los de eficácia por meio da generalização e expansão do uso da liberdade de consciência. Nesse aspecto, as leis que reconhecem o aborto e os direitos dos casais do mesmo sexo são ilegítimas, e, portanto, a objeção é considerada mais uma obrigação moral do que um direito (Juan Pablo II, 1995JUAN PABLO II. Carta Encíclica Evangelium Vitae. Valor e inviolabilidad de la vida humana. Vaticano, 1995. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangelium-vitae_sp.html. Acesso em: 5 maio 2023.
http://www.vatican.va/holy_father/john_p...
). Funcionários públicos, trabalhadores da saúde ou mesmo instituições médicas são considerados como sujeitos cuja liberdade de consciência poderia ser lesada se não reconhecido um amplo direito à objeção que, em geral, colide com o acesso aos direitos sexuais e reprodutivos. No âmbito educacional, por exemplo, sustenta-se:

[…] nenhum aluno ou professor, sob o pretexto de combater ou prevenir o bullying homofóbico, pode ser obrigado a utilizar conceitos e ideias das teorias de gênero, seja em atividades, dinâmicas, avaliações ou nas classes ministradas, que firam suas convicções religiosas e morais

(Anajure, 2020ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS (ANAJURE). Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.668. Pedido de ingresso como amicus curiae. Brasília: Anajure, 2020. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5148159. Acesso em: 2 nov. 2023.
https://redir.stf.jus.br/estfvisualizado...
, p. 26).

Finalmente, a outra estratégia jurídica é sustentar que a ampliação de direitos impulsionada pelos movimentos feministas e LGBTQI+ viola e elimina a liberdade dos progenitores de tomar decisões em relação aos seus filhos e filhas. Como mencionamos anteriormente, existem diferentes campanhas na região em defesa do papel dos progenitores nas decisões das crianças e adolescentes ou, apresentadas de outra maneira, campanhas que consideram que a família está sendo suplantada pela expansão de direitos e pela intromissão do Estado. O acesso de crianças e adolescentes a direitos, tais como a educação sexual baseada no reconhecimento da autonomia progressiva, é considerado como uma doutrinação em ideologia de gênero. A defesa da família, ou pelo menos da sua concepção adultocêntrica, por meio do fortalecimento da autoridade parental, é outra forma pela qual a juridificação reativa busca defender uma cosmovisão moral em crise.

A Juridificação Reativa no Direito à Educação no Brasil

Carreira (2017)CARREIRA, D. Igualdade e diferenças nas políticas educacionais: a agenda das diversidades nos governos Lula e Dilma. São Paulo: Ação Educativa, 2017. analisa em detalhe o processo de inscrição das demandas por direitos sexuais e reprodutivos no campo das políticas educacionais brasileiras durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003–2010) e de Dilma Rousseff (2011–2016). Para a autora, inicialmente os movimentos feministas e LGBTQI+, juntamente com outros movimentos tidos como “identitários”, encontraram uma fronteira entre suas proposições para a educação e as propostas do Partido dos Trabalhadores (PT), situação que começou a modificar-se em termos institucionais com a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), no Ministério da Educação3 3 Em 2011, a Secad incorporou a Secretaria de Educação Especial e transformou-se em Secadi. Em 2019, a Secadi foi extinta nos primeiros dias do governo Bolsonaro. .

Ao mesmo tempo que tal institucionalidade se desenhava, uma arena importante de mobilizações e deliberações se constituiu nos processos de conferências nacionais de educação, com crescente presença dos movimentos sociais feministas, LGBTQI+, antirracistas, entre outros. A primeira Conferência Nacional da Educação Básica (Coneb) foi realizada em 2008 e organizou-se em cinco eixos. Entre estes, o eixo IV, “Inclusão e diversidade na educação básica”, condensava as agendas da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) e da Secretaria de Educação Especial daquele momento (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Educação. Conferência Nacional de Educação Básica: documento final. Brasília: Ministério da Educação, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/conferencia/documentos/doc_final.pdf. Acesso em: 5 maio 2023.
http://portal.mec.gov.br/arquivos/confer...
). Segundo os registros, o eixo IV foi o que mobilizou a participação do maior número de delegados presentes à conferência. A Coneb marcou a entrada de novos sujeitos políticos nos fóruns de deliberação da política educacional nacional, especialmente os movimentos LGBTQI+. Com a grande mobilização impulsionada pelas plenárias do eixo IV, fortaleceu-se a agenda da diversidade no âmbito do Ministério da Educação (Daniliauskas, 2011DANILIAUSKAS, M. Relações de gênero, diversidade sexual e políticas públicas de educação: uma análise do Programa Brasil Sem Homofobia. 161f. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. https://doi.org/10.11606/D.48.2011.tde-06072011-095913
https://doi.org/10.11606/D.48.2011.tde-0...
; Carreira, 2017CARREIRA, D. Igualdade e diferenças nas políticas educacionais: a agenda das diversidades nos governos Lula e Dilma. São Paulo: Ação Educativa, 2017.).

A agenda de direitos impulsionada por feministas e movimentos LGBTQI+ aparece no documento final da Coneb 2008, destacando: a necessidade de construção de normas educacionais, diretrizes curriculares e políticas públicas que promovam a cultura do reconhecimento da diversidade de gênero, identidade de gênero e orientação sexual; a inclusão de estudos de gênero e de diversidade sexual nos cursos de formação de professores da educação básica; a superação de abordagens discriminatórias; e a valorização da diversidade no conteúdo dos livros didáticos (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Educação. Conferência Nacional de Educação Básica: documento final. Brasília: Ministério da Educação, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/conferencia/documentos/doc_final.pdf. Acesso em: 5 maio 2023.
http://portal.mec.gov.br/arquivos/confer...
).

Em 2010, realizou-se a 1ª Conferência Nacional de Educação (Conae) tendo como objetivo oficial extrair subsídios para a construção do Plano Nacional de Educação (PNE) que seria enviado à deliberação do Congresso Nacional. Nessa conferência, Carreira (2017)CARREIRA, D. Igualdade e diferenças nas políticas educacionais: a agenda das diversidades nos governos Lula e Dilma. São Paulo: Ação Educativa, 2017. registra um maior diálogo e articulação entre os segmentos que compunham o eixo 6, “Justiça social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade”, e maior disseminação, ao menos formalmente, das demandas por valorização e reconhecimento da diversidade nos demais eixos da conferência.

No eixo VI da Conae foram aprovadas 25 propostas de políticas públicas sobre “gênero e diversidade sexual”. Entre elas, estão a incorporação da abordagem de gênero em todos os programas de formação de professores, bem como em programas de pós-graduação e em organismos de financiamento à investigação; a garantia dos recursos orçamentários necessários à implementação do Programa Escola sem Homofobia em todo o país e das políticas públicas de educação presentes no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT, lançado em maio de 2009; a inserção de critérios eliminatórios para obras que transmitam discriminações sociais, étnico-raciais, de gênero, de identidade de gênero, de orientação sexual e outras formas de preconceito, no âmbito do PNLD e programas similares; a construção nacional de uma proposta pedagógica sobre gênero e diversidade sexual, com a participação de entidades da área educacional; o desenvolvimento de programas voltados à ampliação do acesso e à permanência e ao combate à evasão na educação de grupos específicos, como travestis e transexuais, e a superação da linguagem sexista nos próprios documentos da Conae (Brasil, 2010aBRASIL. Ministério da Educação. Construindo o sistema nacional articulado de educação: o Plano Nacional de Educação, diretrizes e estratégias de ação. Brasília: Ministério da Educação, 2010a. Disponível em: http://pne.mec.gov.br/images/pdf/CONAE2010_doc_final.pdf. Acesso em: 5 maio 2023.
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).

Todavia, o projeto de lei do PNE enviado ao legislativo nos últimos dias do segundo governo Lula foi criticado pelas organizações participantes da Conae por desconsiderar, e em muitos trechos opor-se a, as deliberações aprovadas na conferência realizada meses antes. Essa crítica foi recorrente até a sanção da Lei nº 13.005/2014, já no último ano do primeiro mandato de Dilma, às vésperas da reeleição e da 2ª Conae (Gomes; Britto, 2015GOMES, A. V. A.; BRITTO, T. F. Plano Nacional de Educação: construção e perspectivas. Brasília: Edições Câmara, 2015.).

Foram quase quatro anos em que movimentos sociais e organizações educativas atuaram para resgatar as deliberações da Conae e inscrevê-las na lei do PNE. Diferentemente dos demais setores que obtiveram muitas alterações ampliando as metas e estratégias do PNE, para o campo dos direitos sexuais e reprodutivos o resultado foi negativo. O longo período de discussão do PNE no Congresso Nacional entre 2011 e 2014, ao qual se somam os processos de aprovação dos planos estaduais e municipais de educação entre 2014 e 2016, constituiu um contexto político fundamental para a articulação neoconservadora em oposição explícita às formulações e demandas de direitos sexuais e reprodutivos que começavam a ser afirmadas de forma orgânica e articulada na política educacional.

Neutralização das Desigualdades e Cidadania Confessional: a Proibiçãode Gênero no Plano Nacional de Educação (PNE)

O envio oficial do projeto de lei do PNE e sua tramitação inicial foram influenciados pelas eleições de 2010, durante a qual foi mobilizado o pânico moral contra o aborto, os DSeR e o Programa Escola sem Homofobia. Esse programa foi lançado pelo Ministério da Educação em 2008, no contexto do programa interministerial Brasil sem Homofobia (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Educação. Conferência Nacional de Educação Básica: documento final. Brasília: Ministério da Educação, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/conferencia/documentos/doc_final.pdf. Acesso em: 5 maio 2023.
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), e, executado em parceria com organizações da sociedade civil, consistia em pesquisas de opinião, orientações aos gestores educacionais e ações de formação direcionadas a educadores. Em seu âmbito, foi produzida uma coleção de materiais educativos composta de manuais impressos e material audiovisual que viriam a ter suas reprodução e distribuição suspensas em 2011, por ordem da presidenta Dilma. Essa suspensão foi uma resposta à mobilização política neoconservadora do Congresso, que tinha no então deputado federal Jair Bolsonaro (Partido Progressistas – PP-RJ) um destacado porta-voz. Desde então, o programa está interrompido e foi qualificado pejorativamente como “kit gay” (Vianna; Bortolini, 2020VIANNA, C.; BORTOLINI, A. Discurso antigênero e agendas feministas e LGBT nos planos estaduais de educação: tensões e disputas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 46, e221756, 2020. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046221756
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).

Nesse contexto, a única menção a gênero e sexualidade no projeto oficial do PNE de 2010 estava na estratégia 3.9, vinculada à meta de ampliação do acesso escolar da população de 15 a 17 anos ao ensino médio: “3.9) Implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão” (Brasil, 2010bBRASIL. Projeto de Lei nº 8.035, de 20 de dezembro de 2010. Aprova o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011–2020 e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2010b. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490116. Acesso em: 5 maio 2023.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
).

Durante a tramitação na Câmara Federal, no entanto, dezenas de emendas parlamentares foram apresentadas com o intuito de ampliar as agendas de gênero e os direitos sexuais e reprodutivos no PNE. Entre as propostas de políticas públicas incorporadas no plano decenal, estavam o incentivo à participação de mulheres em programas de pós-graduação em áreas majoritariamente ocupadas por homens; a prevenção e combate à violência doméstica e sexual e sua detecção; a educação sexual voltada a prevenir a gravidez precoce, em conjunto com o monitoramento da frequência à escola de gestantes; a incorporação da linguagem inclusiva em todo o texto; e a ênfase incorporada às diretrizes gerais do artigo 2º do PNE: “III – superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual” (Brasil, 2010cBRASIL. Redação Final: Projeto de Lei nº 8.035-B de 2010. Aprova o Plano Nacional de Educação – PND e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2010c. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1033265&filename=Tramitacao-PL%208035/2010. Acesso em: 5 maio 2023.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
). Essa emenda ao artigo 2º, III, do PNE foi a que mobilizou e aglutinou os grupos neoconservadores que atuaram na segunda etapa de tramitação do projeto legislativo no Senado Federal, entre 2013 e 2014 (Martins, 2014MARTINS, P. S. A história do PNE e os desafios da nova lei. Brasília: Edições Câmara, 2014.; Carreira, 2017CARREIRA, D. Igualdade e diferenças nas políticas educacionais: a agenda das diversidades nos governos Lula e Dilma. São Paulo: Ação Educativa, 2017.).

No Senado, todas as menções a gênero e sexualidade foram excluídas, incluindo a estratégia 3.9, que constava do projeto original. O inciso III do artigo 2º ganhou sua redação definitiva e aparentemente neutra, que apaga a referência à raça, ao gênero e à orientação sexual: “Com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação” (Brasil, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 5 maio 2023.
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).

Adicionalmente, no Senado, aprovou-se a qualificação da cidadania ao adicionar-se uma ênfase à redação original da diretriz do inciso V do mesmo artigo: “V – formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade” (Brasil, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 5 maio 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
). Assim, apropriando-se da estratégia de especificação jurídica inaugurada pelos feminismos e movimentos LGBTQI+ na tramitação inicial do PNE, o ativismo neoconservador, na fase final de aprovação do projeto de lei, conseguiu restabelecer a ordem natural: discriminação como um conceito aparentemente neutro em termos políticos e cidadania como um conceito aparentemente laico, mas impregnado de valores unívocos e inquestionáveis para a sociedade, como mandam os princípios antipluralistas do campo religioso hegemônico.

Diferentemente das estratégias do PNE aprovadas na Câmara Federal que direcionavam políticas públicas específicas nos campos de gênero e sexualidade e que foram simplesmente silenciadas no Senado, a estrutura de princípio jurídico4 4 Para Alexy (2008), princípio é uma norma jurídica que, diferentemente das regras usuais do direito positivo que prescrevem obrigações diretas e sanções aplicáveis ao descumprimento, aponta uma direção a seguir, um comando de otimização por meio do direito cujo cumprimento pode vir a adotar diferentes formas de juridificação. Nessa concepção, a inclusão da “promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual” como princípio jurídico tem o efeito jurídico de indicar um rumo para as políticas públicas, embora não gere de imediato nenhuma obrigação jurídica específica nesse domínio, ao contrário, por exemplo, do que acontecia na estratégia 3.9, já mencionada. presente nas diretrizes dos incisos III e V do artigo 2º do PNE tem sido ativamente instrumentalizada pela coalização conservadora desde então. Enquanto os movimentos proponentes das alterações na Câmara indicavam, por meio da inscrição de um princípio jurídico, a necessidade de seguir produzindo uma série de políticas transversais, ações afirmativas e indicadores específicos, os grupos neoconservadores interpretaram essa formulação como uma tentativa de impor a ideologia de gênero a todo o PNE e a toda a educação.

O confronto aberto entre tais visões na tramitação final do PNE e a vitória das posturas conservadoras foram instrumentalizados em uma nova interpretação jurídica. Segundo a interpretação inaugurada na discussão do PNE, ao excluir a ênfase em gênero e em orientação sexual, por um lado, e ao afirmar os valores morais e éticos da cidadania, por outro, a lei do PNE enfim aprovada estaria tacitamente proibindo a difusão da ideologia de gênero na educação brasileira5 5 Essa interpretação é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.668, no STF. .

Essa interpretação está explicitada no denominado Parecer Técnico-Jurídico da [Associação Nacional de Juristas Evangélicos] Anajure sobre os Planos Estaduais e Municipais de Educação. Segundo o documento, o artigo 8º da Lei nº 13.005/2014 determina que os planos locais devem ser aprovados “em consonância com as diretrizes, objetivos e estratégias previstas neste PNE” (Brasil, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 5 maio 2023.
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). Dessa maneira,

[…] tal teoria [de gênero] não foi aprovada e contemplada na Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, versão final que aprovou o Plano Nacional de Educação, por expressa vontade do Congresso Nacional, como já comentamos anteriormente aqui, de modo que, pelo princípio da hierarquia das leis e tendo em vista o fundamento constitucional e legal de validade dos planos estaduais e municipais de educação estes não podem aprovar diretrizes, metas e estratégias, no tocante a isso, diferentes do PNE

(Anajure, 2015ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS (ANAJURE). Parecer Técnico-Jurídico da Anajure sobre os Planos Estaduais e Municipais de Educação. Brasília: Anajure, 2015. Disponível em: https://anajure.org.br/wp-content/uploads/2015/06/Parecer.PNE_.PEE_.PME_.Final-2-1.pdf. Acesso em: 5 maio 2023.
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, p. 20).

Com base nisso, a Anajure orientou grupos legislativos e juristas a atuarem para que os planos educacionais fossem aprovados de acordo com o PNE, com o devido respeito aos “valores morais e éticos” e “sem a nefasta ideologia de gênero em seus textos, em respeito à primazia constitucional e infraconstitucional conferida à família no que concerne à educação moral dos filhos e com vistas à preservação da dignidade da pessoa humana das crianças e adolescentes” (Anajure, 2015ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS (ANAJURE). Parecer Técnico-Jurídico da Anajure sobre os Planos Estaduais e Municipais de Educação. Brasília: Anajure, 2015. Disponível em: https://anajure.org.br/wp-content/uploads/2015/06/Parecer.PNE_.PEE_.PME_.Final-2-1.pdf. Acesso em: 5 maio 2023.
https://anajure.org.br/wp-content/upload...
, p. 33).

No caso do não cumprimento desse preceito, a Anajure iniciava processos de judicialização da legislação aprovada.

Apesar de tecnicamente questionáveis, essas teses jurídicas produzidas na discussão do PNE se aplicaram amplamente nas mobilizações neoconservadoras que se estenderam por todo o país, acompanhando a formulação e aprovação legislativa dos planos educacionais estaduais e municipais. Nesse momento, de ideia de proibição tácita ao gênero, começaram a surgir propostas de proibição legal expressa.

Durante a tramitação dos planos educacionais em níveis estaduais e municipais, concretizou-se a aliança entre o neoconservadorismo religioso, com crescente influência na bancada evangélica do Congresso Nacional, e os grupos conservadores já existentes, supostamente laicos, como o Escola sem Partido, que até esse momento era uma coalizão de pouca relevância no debate legislativo e jurídico (Ação Educativa, 2016AÇÃO EDUCATIVA. A ideologia do movimento Escola sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: Ação Educativa, 2016.).

Foi também nessa fase da discussão que a hierarquia da Igreja Católica se pronunciou oficialmente sobre os planos educacionais e se juntou às mobilizações. Em junho de 2015, o cardeal-arcebispo de São Paulo publicou o artigo “Educação e questão de gênero” (Scherer, 2015SCHERER, O. Educação e questão de gênero. Estadão, 2015. Disponível em: https://www.estadao.com.br/opiniao/educacao-e--questao-de-genero/. Acesso em: 5 maio 2023.
https://www.estadao.com.br/opiniao/educa...
), e dias depois foi divulgada uma nota oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (2015)CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Nota da CNBB sobre a inclusão da ideologia de gênero nos planos de educação. Brasília: CNBB, 2015. Disponível em: https://www.cnbb.org.br/cnbb-divulga-nota-sobre-a-inclusao-da-ideologia-de-genero-nos-planos-de-educacao/. Acesso em: 5 maio 2023.
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.

Ao analisar o conteúdo de gênero em 25 planos estaduais e distrital aprovados após o PNE, entre 2014 e 2016, Vianna e Bortolini (2020)VIANNA, C.; BORTOLINI, A. Discurso antigênero e agendas feministas e LGBT nos planos estaduais de educação: tensões e disputas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 46, e221756, 2020. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046221756
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agrupam tais planos em quatro tipos: em um único caso há veto expresso; em outros três estados há omissão do termo gênero e de qualquer conceito a ele relacionado; na maioria dos estados (14) há incorporação parcial e “restrita, por vezes reiterando perspectivas binárias, por vezes evocando a precedência da família sobre a escola. Em nenhum destes planos aparecem referências às demandas LGBT” (Vianna; Bortolini, 2020VIANNA, C.; BORTOLINI, A. Discurso antigênero e agendas feministas e LGBT nos planos estaduais de educação: tensões e disputas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 46, e221756, 2020. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046221756
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046...
, p. 9); e, finalmente, em outros sete estados são explicitados os temas gênero e sexualidade desde uma perspectiva de igualdade, tal como é proposto no documento final da 2ª Conae (Brasil, 2015BRASIL. Fórum Nacional de Educação. Conferência Nacional de Educação 2014: documento final. Brasília: Ministério da Educação, 2015. Disponível em: http://fne.mec.gov.br/images/DocumentoFinal29012015.pdf. Acesso em: 5 maio 2023.
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), que analisamos a seguir.

Luna (2017)LUNA, N. A criminalização da “ideologia de gênero”: uma análise do debate sobre diversidade sexual na Câmara dos Deputados em 2015. Cadernos Pagu, Campinas, n. 50, e175018, 2017. https://doi.org/10.1590/18094449201700500018
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destaca que em 2015 foram difundidas no Congresso Nacional propostas legislativas com o objetivo de proibir expressamente o debate sobre gênero nas escolas. Conforme a autora, tais proposições têm em comum a crítica à “insubordinação às diretrizes estabelecidas pelas duas casas legislativas ao coibirem o debate sobre gênero e sexualidade nos programas escolares, no entanto, enfrentaram resistência dos educadores” (Luna, 2017LUNA, N. A criminalização da “ideologia de gênero”: uma análise do debate sobre diversidade sexual na Câmara dos Deputados em 2015. Cadernos Pagu, Campinas, n. 50, e175018, 2017. https://doi.org/10.1590/18094449201700500018
https://doi.org/10.1590/1809444920170050...
, p. 28). O debate no âmbito federal se reproduz nas legislaturas locais, o que leva à aprovação de uma série de leis que censuram o debate sobre gênero nas escolas, normas que seriam, em parte, declaradas inconstitucionais pelo STF (Carreira; Lopes, 2022CARREIRA, D.; LOPES, B. Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022.; Ximenes; Sena; Moreira, 2022XIMENES, S. B. Com uma tacada, homeschooling abala dois pilares da educação brasileira. UOL/Entendendo Bolsonaro, 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/coluna-entendendo-bolsonaro/2022/05/19/com-uma-tacada-homeschooling-abala-dois-pilares-da-educacao-brasileira.htm. Acesso em: 5 maio 2023.
https://noticias.uol.com.br/colunas/colu...
).

O Desmantelamento de Direitos Antidiscriminatórios no ProgramaNacional do Livro e do Material Didático

Poucos meses após a aprovação do PNE e em seguida ao processo eleitoral que reelegeu Dilma, realizou-se a 2ª Conae, outro momento marcante de incidência política e articulação entre os movimentos feministas, LGBTQI+, antirracistas e do campo educacional. Nessa ocasião, os movimentos sociais do campo da diversidade participaram também dos espaços de organização da Conae, como o Fórum Nacional de Educação e a comissão organizadora a ele vinculada. Além disso, todas as etapas anteriores do Conae (conferências municipais, regionais, estaduais e livres) foram realizadas durante o período de grandes debates em torno da elaboração do PNE, fato que reforçou no campo da educação a visibilidade das demandas por DSeR.

Nesse ambiente, iniciou-se um processo de articulação formal do chamado campo da diversidade, que viria a desaguar no Grupo Tranças das Diversidades na Educação, sintetizando suas demandas em um manifesto público lançado em 2014 na 2ª Conae (Tranças das Diversidades na Educação, 2014TRANÇAS DAS DIVERSIDADES NA EDUCAÇÃO: grupo de diálogos sobre direitos humanos, diversidade, inclusão e sustentabilidade. Manifesto Político. Nova York: Mimeo, 2014. Disponível em: https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/11/manifesto_tranca_atualizadofinal.pdf. Acesso em: 5 maio 2023.
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). Além dessa agenda comum, as organizações que compunham o grupo também mobilizaram propostas próprias, como foi o caso da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, que aprovou moções em favor da liberação dos materiais educativos do Programa Escola sem Homofobia e da inclusão, no calendário escolar, de 17 de maio como o dia de combate à homofobia (Carreira, 2017CARREIRA, D. Igualdade e diferenças nas políticas educacionais: a agenda das diversidades nos governos Lula e Dilma. São Paulo: Ação Educativa, 2017.).

Vê-se, portanto, que os movimentos sociais igualitários mobilizados em torno dos direitos sexuais e reprodutivos também foram impactados em sua organização pela necessidade de enfrentar a coalizão neoconservadora e sua crescente capacidade de incidência nos espaços institucionais. A estratégia comum foi continuar com o processo de juridificação de direitos, estendendo proteções a grupos e situações antes não reguladas, ou densificando diretrizes e princípios gerais em políticas públicas.

Em 2015 e, sobretudo, 2016, com o golpe parlamentar que retirou Dilma da presidência, fecharam-se os espaços institucionais de produção de políticas antidiscriminatórias, e iniciou-se uma agenda de desconstrução de DSeR nos poderes executivo, legislativo e judiciário (Carreira; Lopes, 2022CARREIRA, D.; LOPES, B. Gênero e educação: ofensivas reacionárias, resistências democráticas e anúncios pelo direito à educação. São Paulo: Ação Educativa, 2022.).

Uma das demandas originadas nos movimentos feministas e LGBTQI+ cada vez mais presentes nos debates das conferências e nos manifestos políticos (como o do Grupo Tranças) mirava o PNLD. Essa demanda consistiu na eliminação de preconceitos de gênero, raça, orientação e identidade sexual existentes nos materiais didáticos que eram aprovados pelo programa, combinada ao incentivo para a incorporação de enfoques positivos de diversidade de raça e de gênero, críticas às desigualdades e aos conteúdos de educação sexual. Esses elementos passaram a pontuar positivamente na avaliação das obras submetidas ao Ministério da Educação.

No PNLD, as editoras registradas apresentam as obras didáticas e literárias para uma avaliação coordenada pelo Ministério da Educação, com a assessoria de especialistas vinculados às universidades. As obras são avaliadas conforme critérios de idoneidade técnica e os objetivos do programa e, após a sua aprovação, ficam disponíveis para escolha pelas escolas públicas de todo o país. As escolas recebem as obras selecionadas gratuitamente e entregam-nas para estudantes por meio de financiamento do governo federal. Desde 2013, os anúncios de licitação do programa incluem cláusulas que eliminam as obras que violam os direitos humanos. No entanto, na licitação de 2021, a primeira formulada completamente pelo governo Bolsonaro, tais cláusulas de eliminação foram retiradas, e as diretrizes referentes à promoção afirmativa da igualdade de gênero e de raça, neutralizadas. O Quadro 1 compara as principais mudanças entre os editais de 2017 e 2021.

Quadro 1
Comparativo entre cláusulas equivalentes no âmbito da avaliação de obras submetidas ao Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD): trechos selecionados (2017 e 2021).

Vick (2022)VICK, F. O caso do PNLD 2023: a técnica jurídica da ofensiva antigênero no material didático. In: SEMINÁRIO CORPO, GÊNERO E SEXUALIDADE, 8., SEMINÁRIO INTERNACIONAL CORPO, GÊNERO E SEXUALIDADE, 4., E LUSO-BRASILEIRO EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADE, GÊNERO, SAÚDE E SUSTENTABILIDADE, 4., 2022, Campina Grande. Anais […]. Campina Grande: Realize, 2022. Disponível em: https://mail.editorarealize.com.br/artigo/visualizar/87651. Acesso em: 5 maio 2023.
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aponta que o PNLD 2021 representa a ocupação da burocracia do Ministério da Educação por setores neoconservadores, operando uma inversão da técnica de avaliação de obras com o efeito de deixar para a discricionaridade dos avaliadores a ponderação de possíveis conteúdos discriminatórios ou contrários aos direitos humanos nos materiais didáticos.

Ao analisar comparativamente o conteúdo das disposições dos editais do PNLD sob a luz do sentido da juridificação reativa, o enfoque deve ser centrado não apenas na legislação revogada e nos direitos igualitários com ela silenciados, mas sim no significado da juridificação em substituição. O caso da convocatória PNLD 2021 apresenta, nesse sentido, uma riqueza incomparável de detalhes sobre princípios de direito do dogma conservador aplicados à educação.

No lugar da proibição da discriminação em virtude de gênero, orientação sexual, raça etc., são propostas as ideias de respeito a todos em uma tentativa de neutralizar a luta contra as desigualdades e a violência, orientando a ação do Estado em direção à promoção de valores considerados universais, como o patriotismo e a cidadania. No lugar da proibição da doutrinação religiosa e da afirmação da separação entre Igreja e educação pública, propõe-se o respeito às liberdades ressignificadas pelo neoconservadorismo (Vaggione, 2022VAGGIONE, J. M. Derecho y religión: la instrumentalización neoconservadora de la libertad. Ciencias Sociales Y Religión, Campinas, v. 24, e022023, 2022. https://doi.org/10.20396/csr.v24i00.8671843
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): a prevalência do sentimento religioso sobre o Estado laico e da liberdade das famílias na educação.

As orientações afirmativas a favor das mulheres, dos negros e dos povos originários, assim como a cultura e a história afro-brasileira e indígena, foram neutralizadas em favor de “homens e mulheres” e das “matrizes culturais do Brasil”, consideradas equivalentes em termos de objetivos curriculares. No lugar da proteção do enfoque de gênero contra os discursos sexistas, homofóbicos e transfóbicos e da não violência contra as mulheres, prevaleceu a sutil afirmação de que essas agendas não cabem no PNLD, programa que teria a função de concretizar o direito à educação dos estudantes em uma excelente relação com as famílias. Em vez de proteger o tratamento curricular das relações étnico-raciais, é reafirmada a velha diversidade cultural herdeira da ideologia da democracia racial. No lugar da valorização da diversidade em outros âmbitos, é sustentada a ideia de respeito às diferenças.

Em última análise, ao extrair o efeito eliminatório das ações contrárias aos direitos humanos, o neoconservadorismo (re)afirma, em termos práticos, que nos campos da família, da sexualidade e da reprodução não existe espaço para os direitos humanos, mas apenas para a mera reprodução dos direitos naturais da família e da ordem sexual. É gerada, dessa forma, uma legislação formalmente laica e materialmente confessional.

Conclusões

Os movimentos feministas e LGBTQI+ politizaram diferentes decisões vinculadas à sexualidade, à família e à reprodução, antes confinadas à esfera privada, quando não proibidas ou criminalizadas. Particularmente, o avanço dos direitos sexuais e reprodutivos habilitou um novo paradigma que, entre outras questões, amplia a distância entre as regulações legais e as religiosas, de modo especial a católica, sobre o corpo sexuado. Essa onda de juridificação das decisões sexuais e reprodutivas implicou, de maneira mais ou menos direta, o desmonte da herança católica naturalizada como fundamento do direito estatal.

Nas últimas décadas, esses movimentos impactaram no desenho das políticas educacionais, abrindo um grande leque de conflitos em um campo no qual a normatividade religiosa, elevada à norma cultural, desempenha papel central. A educação e a família (sua regulação e suas formas de articulação) são duas temáticas nas quais a Igreja Católica manteve a sua influência sobre o Estado; ou, poderíamos dizer, duas temáticas nas quais as normas morais, religiosas e estatais se entrelaçaram no momento da construção do direito. A naturalização da relação tutelar pais-alunos; a presunção de uma organização sexual binária, complementar e excludente; a reprodução dos papéis de gênero nas tarefas escolares cotidianas de educar e cuidar, entre outras, foram recebidas e mantidas por meio da regulação da educação. Ou seja, o momento da separação Estado e Igreja é um momento no qual certas temáticas, ao serem regulamentadas legalmente, são reguladas em sintonia com a doutrina católica, em um pacto de delegação implícita pelo qual o Estado se encarrega de proteger publicamente a moral cidadã e a Igreja abocanha os crentes.

Essa estrutura educacional desestabiliza-se pela crescente reinvindicação dos direitos sexuais e reprodutivos na educação, reinvindicação que se materializa cada vez mais em um conjunto articulado de demandas com os propósitos de reconhecer e proteger grupos até então excluídos ou silenciados (extensão do direito), ou para materializar princípios jurídicos e compromissos políticos gerais em políticas públicas antidiscriminatórias e de ação afirmativa na educação (condensação do direito). Não sem contradições, esse fenômeno é bastante visível na crescente participação dos setores feministas e LGBTQI+ nas políticas educacionais brasileiras dos governos do PT. Assim, propostas de políticas como a educação sexual integral e a educação antirracista e antidiscriminatória implicam formas de desmonte e críticas a uma concepção tradicional de educação.

Diante das mudanças pretendidas no desenho da educação, intensificou-se uma reação conservadora em defesa de suas concepções morais como fundamento para as políticas educacionais. Essa reação transformou o direito em uma arena prioritária para evitar e/ou desmantelar a inclusão de novas regulações sobre as práticas educacionais. A defesa da família e a luta contra a ideologia de gênero são dois pilares da política educacional neoconservadora. Os artigos analisados do PNE permitem ver uma reafirmação do pacto de delegação Estado-Igreja em um movimento duplo: a exclusão do gênero (e dos direitos sexuais e reprodutivos) é acompanhada da afirmação estatal de uma cidadania compatível com os princípios religiosos, “com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade” (Brasil, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 5 maio 2023.
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).

A permanente ação legislativa do ativismo jurídico conservador, a sua capacidade de produção de agendas e de ação organizada nos tribunais, a perseguição de professores e agentes públicos são fatos que se apresentam com notável virulência no Brasil. Essa juridificação reativa coloca em circulação novos argumentos e estratégias jurídicas com o propósito de remoralizar a política educacional. Com a revisão dos parâmetros legais do PNLD em 2021, esse maquinário jurídico conservador consegue impor a sua gramática por meio da estrutura burocrática do executivo federal.

A ação coordenada do maquinário jurídico conservador vai mais além de um mero movimento desjuridificador, ou seja, de retirar direitos ou suprimir proteções a grupos discriminados e explorados – dimensão em si mesma relevante tanto jurídica quanto simbolicamente –, mas supõe uma intensa juridificação reativa em substituição de direitos reconhecidos ou reivindicados. Sendo assim, mais do que suprimir direitos fundamentais construídos sob a gramática pluralista, democrática e materialmente laica dos direitos sexuais e reprodutivos, trata-se de inscrever direitos fundamentais que haviam sido relativizados e que, segundo a gramática neoconservadora, nunca teriam perdido vigência, pois seriam direitos inerentes à própria condição humana, em um claro movimento dogmático de renaturalização do jurídico (Vaggione, 2018VAGGIONE, J. M. The catholic church’s legal strategies: the re-naturalization of law and the religious embedding of citizenship. Rio de Janeiro: Sexuality Policy Watch, 2018.; 2021VAGGIONE, J. M. Juridificación reactiva: la re-cristianización a través del derecho. Centro de Estudios Latinoamericanos Avanzados; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2021.).

As formas como o direito constrói e implementa as políticas públicas em educação se converteram em um campo de conflito no qual posturas em tensão, incluindo em oposição, se mobilizam para fazer valer a sua cosmovisão política e moral. Esse conflito é sobre a ordem sexual, mas também evidencia fortes desacordos acerca das maneiras de entender o papel do Estado, da família e da escola em um sistema democrático.

Notas

  • 1
    Nas seguintes seções abordamos a usual distinção entre laico e secular para destacar os limites da noção de laicidade para a compreensão do fenômeno estudado.
  • 2
    Ver Arlettaz (2015)ARLETTAZ, F. Matrimonio homosexual y secularización. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2015. para um estudo sobre essas dinâmicas relacionadas à forma de regular o matrimônio na Argentina.
  • 3
    Em 2011, a Secad incorporou a Secretaria de Educação Especial e transformou-se em Secadi. Em 2019, a Secadi foi extinta nos primeiros dias do governo Bolsonaro.
  • 4
    Para Alexy (2008)ALEXY, R. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008., princípio é uma norma jurídica que, diferentemente das regras usuais do direito positivo que prescrevem obrigações diretas e sanções aplicáveis ao descumprimento, aponta uma direção a seguir, um comando de otimização por meio do direito cujo cumprimento pode vir a adotar diferentes formas de juridificação. Nessa concepção, a inclusão da “promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual” como princípio jurídico tem o efeito jurídico de indicar um rumo para as políticas públicas, embora não gere de imediato nenhuma obrigação jurídica específica nesse domínio, ao contrário, por exemplo, do que acontecia na estratégia 3.9, já mencionada.
  • 5
    Essa interpretação é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.668, no STF.
  • Trabalho desenvolvido com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Brasil), no âmbito do Edital nº 9/2022, e do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Tecnológicas (Argentina).

Referências

  • AÇÃO EDUCATIVA. A ideologia do movimento Escola sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: Ação Educativa, 2016.
  • AÇÃO EDUCATIVA. Manual de defesa contra a censura nas escolas São Paulo: Ação Educativa, 2018. Disponível em: https://manualdedefesadasescolas.org.br/ Acesso em: 5 maio 2023.
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Editor de seção: Vicente Sisto https://orcid.org/0000-0003-4510-4041

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2023
  • Aceito
    04 Set 2023
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