Resumos
Este artigo apresenta resultados da pesquisa Democratizando o conhecimento: o estado da arte sobre gênero e educação formal como subsídio para a formulação de agendas e ações de políticas governamentais e não governamentais. Desenvolvida entre 2006 e 2007, teve por objetivo atualizar, sistematizar e difundir o conhecimento acumulado na produção acadêmica nacional sobre a educação formal em seu cruzamento com as temáticas de gênero, mulheres e/ou sexualidade. Organizou-se um banco de dados com 1.213 títulos e resumos de dissertações, teses e artigos. Aqui destacamos os desafios de caráter teórico, voltados para uma melhor compreensão dos conceitos perseguidos pelo levantamento, e os de caráter metodológico, tais como a definição dos descritores e de fontes a serem investigadas. Concluímos com a apresentação de tabelas e gráficos que traçam um retrato inicial do material disponível na base e indicam que as temáticas foram objeto de interesse crescente dentro do período estudado.
gênero; sexualidade; educação formal; levantamento bibliográfico
Cet article présente les résultats de la recherche Démocratisation de la connaissance: recherche de pointe sur le genre et l'éducation formelle comme soutien pour formuler des agendas et des actions de politiques gouvernementales et non gouvernementales. Développée entre 2006 et 2007, elle visait à met re à jour, systématiser et diffuser la connaissance accumulée dans la production universitaire brésilienne sur les liens entre l'éducation formelle et les thématiques du genre, des femmes et/ou de la sexualité. Une banque de données contenant le titre et le résumé de 1 213 dissertations, thèses et articles a été constituée. Nous soulignons autant les défis théoriques, concernant une meilleure compréhension des concepts étudiés par cete enquête, que les défis méthodologique, comme la définition des descripteurs et des sources devant être examinées. Sa conclusion présente des tableaux et graphiques qui tracent un portrait initial des documents disponibles dans la base de données et indiquent que ces thématiques ont été l'objet d'un intérêt croissant sur la période étudiée.
Genre; Sexualité; Éducation formelle; Étude bibliographique
This paper refers to the results of a research called Democratizing knowledge: the state-of-the-art about gender and formal education as a resource to formulate governmental and nongovernmental agendas and political actions. Conducted through 2006-2007, it was meant to analyze, systematize and divulge the knowledge accumulated by the Brazilian academic production on the relationship between formal education and the themes of gender, women, and/or sexuality. It organized a database with the titles and abstracts of 1.213 dissertations, thesis, or papers. The present text highlights both the theoretical challenges, related to understanding the concepts pursued by the survey, and the methodological ones, such as descriptor definition and the sources to be investigated. It finally presents tables and graphics that draws an initial picture of the material available on the database and indicates the growing interest for these themes within the period studied.
Gender; Sexuality; Formal education; Bibliographic survey
REVISÃO & SÍNTESE
Gênero, sexualidade e educação formal no Brasil: uma análise preliminar da produção acadêmica entre 1990 e 2006
Gender, sexuality and formal education in Brazil: a preliminary analysis of the academic production between 1990 and 2006
Genré, sexualité et éducation formelle au Brésil: une analyse préliminaire de la production universitaire entre 1990 et 2006
Claudia Pereira ViannaI; Marilia Pinto de CarvalhoII; Flavia Ines SchillingIII; Maria de Fatima Salum MoreiraIV
IDoutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). E-mail: cpvianna@usp.br
IIDoutora em Educação e professora associada da Faculdade de Educação da USP. E-mail: marilia_carvalho@uol.com.br
IIIDoutora em Sociologia e professora da Faculdade de Educação da USP. E-mail: oak1@uol.com.br
IVDoutora em História Social e professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual Paulista (UNESP, Presidente Prudente). E-mail: fatimasalum@gmail.com
RESUMO
Este artigo apresenta resultados da pesquisa Democratizando o conhecimento: o estado da arte sobre gênero e educação formal como subsídio para a formulação de agendas e ações de políticas governamentais e não governamentais. Desenvolvida entre 2006 e 2007, teve por objetivo atualizar, sistematizar e difundir o conhecimento acumulado na produção acadêmica nacional sobre a educação formal em seu cruzamento com as temáticas de gênero, mulheres e/ou sexualidade. Organizou-se um banco de dados com 1.213 títulos e resumos de dissertações, teses e artigos. Aqui destacamos os desafios de caráter teórico, voltados para uma melhor compreensão dos conceitos perseguidos pelo levantamento, e os de caráter metodológico, tais como a definição dos descritores e de fontes a serem investigadas. Concluímos com a apresentação de tabelas e gráficos que traçam um retrato inicial do material disponível na base e indicam que as temáticas foram objeto de interesse crescente dentro do período estudado.
Palavras-chave: gênero, sexualidade, educação formal, levantamento bibliográfico.
ABSTRACT
This paper refers to the results of a research called Democratizing knowledge: the state-of-the-art about gender and formal education as a resource to formulate governmental and nongovernmental agendas and political actions. Conducted through 2006-2007, it was meant to analyze, systematize and divulge the knowledge accumulated by the Brazilian academic production on the relationship between formal education and the themes of gender, women, and/or sexuality. It organized a database with the titles and abstracts of 1.213 dissertations, thesis, or papers. The present text highlights both the theoretical challenges, related to understanding the concepts pursued by the survey, and the methodological ones, such as descriptor definition and the sources to be investigated. It finally presents tables and graphics that draws an initial picture of the material available on the database and indicates the growing interest for these themes within the period studied.
Key words: Gender. Sexuality. Formal education. Bibliographic survey.
RÉSUMÉ
Cet article présente les résultats de la recherche Démocratisation de la connaissance: recherche de pointe sur le genre et l'éducation formelle comme soutien pour formuler des agendas et des actions de politiques gouvernementales et non gouvernementales. Développée entre 2006 et 2007, elle visait à met re à jour, systématiser et diffuser la connaissance accumulée dans la production universitaire brésilienne sur les liens entre l'éducation formelle et les thématiques du genre, des femmes et/ou de la sexualité. Une banque de données contenant le titre et le résumé de 1 213 dissertations, thèses et articles a été constituée. Nous soulignons autant les défis théoriques, concernant une meilleure compréhension des concepts étudiés par cete enquête, que les défis méthodologique, comme la définition des descripteurs et des sources devant être examinées. Sa conclusion présente des tableaux et graphiques qui tracent un portrait initial des documents disponibles dans la base de données et indiquent que ces thématiques ont été l'objet d'un intérêt croissant sur la période étudiée.
Mots-clés: Genre. Sexualité. Éducation formelle. Étude bibliographique.
Nos últimos anos, foi exponencial o crescimento da produção acadêmica brasileira, seja de teses e dissertações, seja de artigos. Apenas a título de exemplo, uma busca na Base de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) realizada em novembro de 2009, a partir do "assunto" educação, localizou apenas 356 teses e dissertações em 1990, ao passo que em 2006 o resultado foi de 3.695 trabalhos. Se este é um fenômeno positivo, vem colocando aos pesquisadores e elaboradores de políticas públicas desafios cada vez maiores para tomar contato com o conjunto desta produção e valer-se dos conhecimentos que ela eventualmente tenha acumulado. Esta tarefa é particularmente difícil em temáticas multidisciplinares como os estudos de gênero e de sexualidade, dispersos entre diferentes áreas do conhecimento que raramente dialogam entre si.
Embora presentes de forma significativa pelo menos desde os anos de 1970, após a Constituição de 1988 as temáticas de gênero e sexualidade ganharam força no debate nacional sobre direitos sociais e na produção acadêmica. Na área da Educação, em particular, essa retomada se deu de forma mais intensa a partir de 1995, com o crescimento dos movimentos sociais e com as sucessivas respostas do governo de Fernando Henrique Cardoso aos compromissos internacionais relativos a uma agenda de gênero e sexualidade destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, juntamente com as Metas do Milênio e da Conferência de Dacar. Em 2000, o Brasil foi um dos 155 governos signatários da Declaração de Jomtien, elaborada na Conferência Mundial de Educação para Todos (Tailândia) e ratificada na Cúpula Mundial Educação para Todos, em Dacar (Senegal). A terceira meta do Projeto Milênio refere-se à promoção da igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres, prevista como medida necessária para a melhoria das condições de vida pela ONU.
É também em meados dos anos de 1990 que um importante foco de produção de pesquisas sobre mulheres e relações de gênero no Brasil, os Concursos de Dotações para Pesquisas nesta temática, organizados pela Fundação Carlos Chagas, passa a apoiar deliberadamente uma cota de pesquisas especificamente voltadas para a educação (Rosemberg, 2002).
Nesse contexto supúnhamos encontrar avanços na produção de conhecimento na área que articula gênero, sexualidade e educação no período de 1990 a 2006, e pretendíamos verificar se houvera ampliação das temáticas sobre educação da mulher, sexualidades e relações de gênero.
Apresentamos neste artigo alguns dos resultados da pesquisa intitulada Democratizando o conhecimento: o estado da arte sobre gênero e educação formal como subsídio para a formulação de agendas e ações de políticas governamentais e não governamentais. Desenvolvida entre 2006 e 2007, essa investigação teve por objetivo central atualizar, sistematizar e difundir o conhecimento acumulado na produção acadêmica nacional sobre a educação formal em seu cruzamento com as temáticas de gênero, mulheres e/ou sexualidade.
Para tal, organizou-se um banco nacional de dados com 1.213 títulos e resumos de dissertações, teses e artigos disponibilizados virtualmente, com a finalidade de fornecer informações que possam subsidiar a elaboração de novas pesquisas e a formulação de políticas públicas voltadas para a superação das desigualdades de gênero na educação.1 1 . A base está disponível para consultas no site da Fundação Carlos Chagas: < http://www.fcc.org.br/institucional/>
Foram muitos os desafios. Entre eles, cabe destacar os de caráter teórico, voltados para uma melhor compreensão dos conceitos perseguidos pelo levantamento; e os de caráter metodológico, a começar pela definição dos descritores em um contexto investigativo que já indicava a ausência de indicadores precisos para a indexação de títulos, fruto da dispersão e da frágil integração entre os trabalhos.
Sobre os conceitos de gênero e sexualidade
Uma das lacunas apontadas com frequência nas análises da área de interface entre gênero e educação é a falta de diálogo, tanto dos estudos educacionais com os estudos feministas quanto da área de estudos de gênero com o campo educacional. Em 2001, Fúlvia Rosemberg constatava que, entre 1990 e 1998, em três revistas feministas (Cadernos Pagu, Revista Estudos Feministas e Caderno Espaço Feminino), num total de mais de 300 artigos publicados, apenas 14 versavam sobre educação, sendo 3 deles de autoras(es) estrangeiras(os). Quanto aos estudos educacionais, o mais comum é que o crescimento verificado na temática "mulheres", "feminização" ou "sexualidade" não se reflita num correspondente aprofundamento teórico sobre o conceito de gênero. Mesmo quando se menciona a intenção de fazer "um estudo de gênero", muitas vezes trata-se apenas de incorporar sujeitos de sexo feminino à pesquisa, estudando, por exemplo, colégios femininos, mulheres professoras ou alunas de determinado curso.
De toda forma, para nosso levantamento, seria empobrecedora a definição por um único conceito de gênero, uma vez que se trata de tema polêmico e em constante mutação. Ainda que se pudesse viabilizar tal escolha e efetuar uma seleção de trabalhos com base nela, isso não nos permitiria uma visão de conjunto do campo estudado. Assim, buscamos descritores que fossem suficientemente abrangentes para incluir as mais diversas abordagens, sejam as amparadas em alguma definição analítica de gênero, ou as meramente descritivas de experiências de sujeitos de sexo feminino ou masculino.2 2 . Incluímos trabalhos que falavam de sujeitos do sexo masculino apenas quando essa opção era explícita e fazia parte do recorte proposto. Dada a história dos próprios estudos feministas, que se originaram da busca em dar visibilidade às experiências e "vozes" das mulheres, e que só com seu próprio desenvolvimento teórico vêm sendo capazes de produzir estudos sobre homens e masculinidades, foi importante incluir os estudos sobre "educação feminina" e "mulheres na educação", vertente ainda marcante no campo.
Em segundo lugar, por que incluir os estudos sobre sexualidade? Ora, no âmbito dessas pesquisas também encontramos tanto trabalhos que consideram a incorporação de um conceito de gênero como imprescindível quanto aqueles que entendem a sexualidade humana de forma isolada dos debates do campo feminista, seja por um viés da Biologia, seja por meio da abordagem psicológica em seus diferentes matizes. Todavia, é inegável a proximidade entre os estudos de gênero e as temáticas próprias à sexualidade.
Em nossa concepção, a cultura, o conhecimento e as relações sociais de gênero, estabelecidos em uma determinada sociedade e em um momento histórico específico, são os elementos que nos permitem dizer algo sobre o corpo. Em nossa cultura, as relações sociais de gênero, baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos, são construídas sobre um corpo sexuado, sendo muito estreitas as analogias entre gênero e sexualidade (Scott , 1990).
Nas instituições escolares, as relações sociais de gênero expressam-se de inúmeras maneiras: na distribuição de direitos e deveres entre alunas e alunos, nas posições de mando e obediência, em imagens e significados expressos nos livros didáticos, nas trajetórias de desempenho escolar de meninos e meninas e também no acolhimento e/ou na negação de algumas expressões da sexualidade em seu interior, sendo até mesmo muitas vezes confundidas e sobrepostas as menções ao gênero e à sexualidade, tanto no âmbito das escolas como entre formuladores de políticas públicas da área.
Na agenda política nacional, a retomada dessa temática se deu juntamente com os movimentos sociais que se propunham, com a abertura política, a repensar o papel da escola e dos conteúdos por ela trabalhados, provavelmente em função do amplo processo de questionamento de valores e formas de organização social, expresso em mobilizações populares, juvenis e nos movimentos feministas em várias partes do mundo. No Brasil, esse debate começou a fazer eco na área de Educação e a partir de 1995, sob coordenação do então Ministério da Educação e Cultura (MEC), quando teve início o processo de elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em substituição ao antigo currículo mínimo comum (Altmann, 2001; Vianna & Unbehaum, 2004; 2006). Em contrapartida, no decorrer dos anos de 1990, a luta contra a AIDS trouxe a público o debate sobre a diversidade de práticas sexuais (Parker, 1991). Esse processo foi acompanhado pelas iniciativas do movimento GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) em trabalhar a questão da diversidade sexual nas escolas e pela conquista de espaços junto ao Poder Público. Em 2004, o governo federal lançou um programa de âmbito nacional chamado "Brasil sem Homofobia", do qual as ações ligadas à área de Educação constituem uma das faces.
Por isso nos parece fundamental destacar a presença de discussões no âmbito da educação formal brasileira sobre sexualidade (em suas diferentes abordagens). A inclusão destes estudos à base permite uma visão mais precisa do que vem sendo produzido, na qualidade de pesquisa, na interface entre gênero, políticas públicas e práticas da educação formal. Tanto quanto no caso dos estudos sobre mulheres e relações de gênero, anteriormente mencionados, somente a incorporação ampla de estudos sobre sexualidade, em todas as suas abordagens, permitiria que um levantamento posterior analisasse em profundidade se há alguma apropriação de conceitos de gênero, quais enfoques são predominantes e quais autores e autoras são mais frequentemente utilizadas(os) como apoio.
Sobre a "educação formal" e a dificuldade de delimitar fronteiras
Uma característica apontada por Fúlvia Rosemberg no estudo já mencionado foi o fato de que, no âmbito de programas de pós-graduação em Educação, muitas dissertações e teses defendidas tratavam na verdade da "condição feminina" em geral. Pouco mais da metade delas mantinha "laços frouxos com a disciplina Educação" (2001, p. 57). Para a autora, essa seria uma característica surgida ou pelo menos acentuada na produção da década de 1990, e ela chega a caracterizar a área de Educação como um verdadeiro "útero de aluguel" (idem, ibid.) para temas que poderiam ser igualmente desenvolvidos em programas de História, Sociologia, Antropologia ou Psicologia. Uma primeira preocupação foi, portanto, delimitar um campo que seria próprio à Educação.
Frequentemente, isso se traduz em demarcar estudos sobre "educação escolar", como, por exemplo, no levantamento que resultou na dissertação de mestrado de Justina Sponchiado (1997). Essa opção, contudo, também nos pareceu inadequada, pois reconhecemos a presença e a intencionalidade de processos formativos e educacionais em diferentes instituições que não apenas a escola, tais como organizações não governamentais (ONGs), movimentos sociais etc. Porém, as experiências formativas realizadas nessas instituições são, por elas próprias, denominadas como educação não formal, certamente por pretenderem uma diferenciação ante a educação escolar e também por, na maioria das vezes, não apresentarem o grau de sistematização desta instituição. Este é um exemplo da fluidez deste conceito. A construção de algumas fronteiras que pudessem delimitá-lo foi um dos trabalhos de construção desta pesquisa, pois outra abordagem reconhecida é dada pela prevalência, em diversos centros bastante profícuos em estudos sobre "gênero e educação", de uma concepção de "pedagogias culturais" derivada do lastro teórico dos autodenominados "estudos culturais", que incluem todos os tipos e veículos de socialização. Ora, sem negar o papel socializador e formativo dessas diferentes instâncias, parece-nos central retomar a importância de estudar a presença das relações de gênero nas instituições educacionais.
Dessa maneira, reunir numa base de dados todo um acervo sobre educação formal, sexualidade e gênero tem também o sentido político de resgatar a relevância e a atualidade desse debate para as questões decisivas do campo educacional e para a análise dos fenômenos educacionais, em especial a escola em seus diferentes níveis (da Educação Infantil à pós-graduação), modalidades (do ensino profissionalizante aos cursinhos pré-vestibular), contextos (das políticas educacionais às relações entre família e escola) e efeitos (tais como letramento, analfabetismo ou diversos graus de certificação).
Entretanto, foi-se evidenciando, durante o levantamento, a presença de um vasto campo de práticas educativas intencionais e com grau de formalização muito variado. Transitavam entre a socialização difusa, de um lado (por meio de diferentes produtos culturais e mídias, vivências de todos os tipos como o universo do trabalho, o cuidado com a saúde, entre outros), e, de outro lado, a escola e os processos de escolarização. Como exemplo dessas situações intermediárias, pode-se pensar nas ações educativas realizadas pelas igrejas, pelas políticas de saúde ou por meio de cursos e oficinas organizados por ONGs, empresas, clubes, movimentos sociais, centros de lazer e esporte, entre outros. Particularmente, ao incluirmos a temática da sexualidade, essas diferentes práticas educativas vieram à tona, pois têm sido estudadas em muitas teses e dissertações.
Pode-se até mesmo constatar que há um crescimento desse tipo de práticas nas sociedades contemporâneas, uma crescente expansão da "forma escolar", entendida como maneira mais adequada de socialização em diferentes instituições para além da escola, tais como a família, os serviços de saúde, os locais de trabalho, os espaços de esporte e lazer, entre outros, como apontam Vincent, Lahire e Thin (2001). Em nosso país, essa tendência se evidencia mais claramente nas ações educativas em torno da preservação do meio ambiente, na educação para o trânsito ou a cidadania, nos cuidados com a saúde, nas práticas culturais (dirigidas à terceira idade ou à juventude). E chamamos essas práticas de "educativas" num sentido muito específico, pois são planejadas, organizadas e avaliadas em torno de objetivos definidos a priori e se realizam por meio de metodologias delimitadas. O eventual crescimento dessas ações e seu significado de governo, controle e resistência são em si um objeto de estudo que escapa a nossos propósitos. Reconhecer sua presença, porém, é importante para nós, pois nos obriga a estabelecer mais claramente uma linha de corte dentro do contínuo que percebemos entre a educação estritamente escolar e a socialização: onde começa e onde termina o que estamos denominando como "educação formal"?
Conforme já se indicou, ela teria lugar em instituições nas quais a natureza dos processos formativos é entendida como de ordem intencional e fundamentada em um sistema organizacional especificamente voltado para o exercício da educação. A proposta que norteou este levantamento foi a de que a referência às "instituições educativas" seria o nosso norte. Isto é, embora reconheçamos como prática educativa, por exemplo, a ação de enfermeiras que promovem encontros sistemáticos sobre sexualidade num posto de saúde ou a promoção de oficinas sobre sexualidade para jovens numa ONG, não foram incluídos estudos sobre essas práticas em nossa base. Em contrapartida, foram inseridas quando tais oficinas ou cursos estavam organizados por uma instituição com fins educativos explícitos ou estavam dirigidos aos seus educadores. É claro que uma "creche domiciliar", por exemplo, tem um nível de formalização institucional muito menor que uma escola regular, portanto não se trata de reduzir-nos aos estudos sobre escola e escolarização, mas de tomar esse polo como referência e em torno dele nuclear os temas por nós levantados. Quanto mais distante do sistema escolar, em toda sua diversidade e variabilidade, menos nos interessou o objeto.
Mais exemplos: foram incluídos estudos sobre mulheres leitoras e escritoras com base na ideia de que o letramento, em nossa sociedade, está intensamente articulado à escolarização; também incluímos avaliação de práticas de educação sexual por profissionais de saúde dentro de escolas; ou investigações sobre as expectativas de famílias quanto à escolarização de suas filhas. Em contrapartida, mulheres estudando a Bíblia ou grupos de discussão sobre sexualidade com jovens mães de periferia, assim como a formação sindical de trabalhadoras, mesmo que em grupos sistemáticos, não foram considerados; finalmente, masculinidades forjadas em seminários de exclusiva formação religiosa, colégios militares e outros foram considerados exemplos de educação formal masculina.
Definindo descritores
A única rede de descritores e informações bibliográficas no campo dos estudos de gênero é o Tesauro para Estudos de Gênero e sobre mulheres - TEG (1998), principal referência para a busca de indicadores de gênero no país. Na área da educação não possuímos nenhum tesauro que inclua a perspectiva de gênero. Desse modo, procuramos incluir os descritores sugeridos pelo TEG e suas indicações, ainda que não exaustivas, no âmbito da Educação. De um lado, como explicitado anteriormente, optamos por estudos que enfocassem tanto as relações de gênero quanto as mulheres e a sexualidade, e de outro, que tratassem destes recortes no âmbito de algum dos níveis ou das modalidades da educação formal. Ou seja, excluímos todas as produções que, embora tratassem de escola e educação formal, não abordavam, de alguma perspectiva, temáticas concernentes a mulher, gênero ou sexualidade.
Organizamos listas de descritores a partir das fontes pesquisadas e essas listas foram intensamente discutidas em reuniões conjuntas. Este foi um momento importante da pesquisa, pois uma adequada escolha de descritores serviria para a delimitação do levantamento e para a demarcação do objeto. A partir desta verificação, formulamos o conjunto de descritores e palavras-chave utilizado.
Portanto, em termos práticos, buscamos montar uma grade de descritores que garantisse, em primeiro lugar, que todos os estudos incluídos abordassem "gênero", "mulheres" ou "sexualidade". Uma segunda lista de descritores garantiu que o texto selecionado tratasse destes temas no âmbito da educação formal, como definida anteriormente. No momento da busca, os descritores utilizados procuraram garantir a inserção do estudo selecionado em ambos os filtros, exigindo a presença de dois deles (por exemplo: creche e gênero; educadores e sexualidade; SAEB e sexo; letramento e mulheres). Assim, as palavras-chave dirigidas para a educação formal foram necessariamente cruzadas com gênero, mulheres, meninas, homens, professoras, alunas, feminilidade, masculinidade, sexualidade, entre outras. Segue a Tabela I com os descritores utilizados nas buscas:
As palavras destacadas em negrito são aquelas que serviram como "rede" para suas derivadas: qualquer entrada com a palavra "escolar", por exemplo, serviu para detectar os textos que traziam referências a "educação escolar", "formação escolar" ou "fracasso escolar". Na lista de descritores mantivemos as derivadas para controle dos pesquisadores.
Os descritores foram testados inicialmente na Base CAPES, eleita para a primeira busca. Ao dar início a esse trabalho, novas questões colocaram-se: há trabalhos sobre escola (ou outras experiências de educação formal) que se referem muito levemente a questões de gênero ou sexualidade, mas não derivam consequências destas questões para a prática educacional - estes textos foram mantidos; há estudos sobre sexualidade que levantam apenas como um horizonte as questões educacionais, sem mútuas implicações - este tipo de trabalho não foi incluído; finalmente, há trabalhos realizados em escolas, com estudantes, por exemplo, que os tomam apenas como sujeitos de uma pesquisa sem que isso signifique uma reflexão sobre as práticas que se desenvolvem nas escolas - categoria de investigação que também não incluímos na base.
Fontes da pesquisa
Uma definição inicial foi a de que o levantamento seria feito exclusivamente por meio de buscas virtuais em bases de dados e sítios disponíveis na rede mundial de computadores, o que significa que não se coletaram os textos integrais, trabalhando apenas com títulos e resumos. Mesmo conscientes das limitações desse tipo de busca, em especial no que se refere aos resumos, verificamos que, dentro dos prazos e com os recursos disponíveis, não seria possível outro caminho.3 3 . Tivemos a assessoria de Maria da Graça Vieira - diretora da Biblioteca Ana Maria Poppovic (BAMP), da Fundação Carlos Chagas, para todo o processo de elaboração, inserção, formatação e conferência da base de dados.
A pesquisa iniciou-se com o levantamento dos resumos de dissertações e teses realizadas em universidades de todas as regiões do país, fornecidos pelo Banco de Teses e Dissertações do Portal CAPES. Esta é uma base de referência para pesquisas sobre o chamado "estado da arte" em diferentes campos, apesar de sua relativa desatualização, uma vez que forneceu dados somente até 2005, no momento da pesquisa.
Estabeleceu-se uma dinâmica de trabalho para a primeira grande coleta de dados baseada nos tipos de busca possível na Base CAPES, que consistiu na divisão da equipe por tipo de trabalho acadêmico (teses e dissertações) e ano (de 1990 a 2005 - ano final desta base naquele momento). Não houve qualquer restrição à área de origem da tese ou dissertação, incluindo estudos provenientes de todos os programas cadastrados na Base CAPES. Cada grupo de trabalho contou com supervisão de uma das professoras pesquisadoras e teve de enfrentar dificuldades diante da própria configuração da Base CAPES. Resumos cortados, palavras-chave incompletas ou muito abreviadas, ausência de identificação da cidade, da faculdade, da instituição ou da área ou linha de pesquisa, ou até mesmo a indefinição do tipo de produção (lato ou stricto sensu, monografia, dissertação ou tese).
Como alertam outros autores e autoras envolvidos na elaboração de levantamentos e estados da arte (Ferreira, 2002; Vermelho & Areu, 2005), devemos considerar o resumo como um gênero literário de características próprias e interpretá-lo como tal, sabendo que as informações nele presentes podem não coincidir com a obra completa. É comum encontrarem-se resumos diferentes da mesma obra em bases diferentes ou produzidos em épocas e contextos diversificados, o que torna a análise das obras completas fonte indispensável para elaborações mais conclusivas. Ainda assim, consideramos enriquecedor indicar aqui os principais desafios que encontramos na delimitação da Base Ariadne e no levantamento, assim como algumas características preliminares do conjunto de obras incluídas em nosso levantamento, na expectativa de provocar novas questões e pesquisas.
Levantando artigos em periódicos
O acervo da Biblioteca Ana Maria Poppovic (BAMP), da Fundação Carlos Chagas, foi de fundamental importância para o levantamento dos artigos publicados em periódicos. Organizando em seu sítio a produção de todas as revistas acadêmicas de educação indexadas entre as 50 primeiras consideradas relevantes na área, conforme listagem fornecida pelo Programa Qualis da CAPES, este acervo se tornou nossa principal referência para o levantamento de artigos, apesar de termos adicionado a ele outras produções coletadas em outros sítios eletrônicos disponibilizados pelas universidades públicas e particulares, pelos institutos e centros de pesquisa, pela base fornecida pelo Google Acadêmico, pela biblioteca eletrônica SCIELO (Scientific Electronic Library Online), pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e pela biblioteca digital de teses e dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT).
O critério utilizado para a seleção foi incluir apenas textos em português e sobre pesquisas realizadas no ou sobre o Brasil. Incluímos ainda artigos de brasileiros sobre o Brasil, publicados em revistas portuguesas. Artigos de autoras(es) estrangeiras(os), mesmo traduzidos em revistas nacionais, quando não tratavam especificamente de pesquisas ou temas brasileiros, foram excluídos.
As lacunas observadas na Base CAPES colocaram-nos a necessidade de complementar o levantamento, tanto no que se refere a sua atualização quanto por reconhecer que não há ainda uma dinâmica por parte das universidades de envio sistemático de dados sobre sua produção acadêmica. Para tanto, organizaram-se equipes que pudessem atuar no tratamento de dados considerando a sua grande dispersão: a busca direta nas bases disponibilizadas pelas bibliotecas das universidades federais, estaduais e particulares de todo o país, agora privilegiando os programas de pós-graduação em Educação.
Foi pesquisado especialmente o sítio da Faculdade de Educação da USP - pelo sistema DEDALUS -, que fornece as referências da produção não só da própria Universidade de São Paulo, mas de todo o acervo lá contido, incluindo outras instituições.4 4 . Para este trabalho foi de fundamental importância a participação da diretora da Biblioteca da FEUSP, Lina Flexa. Além disso, houve uma busca sistemática no sítio da UNICAMP; uma busca específica foi realizada no sistema de bibliotecas da UNESP (como a Base Geral "Athena", das Bibliotecas UNESP, mostrou-se incompleta, a pesquisa também foi realizada nos sites dos programas de pós-graduação em Educação de cinco campi - Marília, Araraquara, Bauru, Rio Claro e Presidente Prudente). Para pesquisar os acervos de faculdades e universidades que possuem cursos de pós-graduação em Educação, utilizamos registros de três fontes: CAPES, FORPRED (Fórum Nacional de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em Educação) e IBICT. Utilizamos a CAPES como fonte mais completa, pois tem a listagem de mestrados e doutorados reconhecidos, com um total de 118 cursos de pós-graduação em Educação no país.
A organização desta segunda fase da coleta foi desafiadora diante da dispersão e da grande repetição de informações, já esperada. Montou-se uma equipe de centralização responsável pela inserção de dados na base que utilizou o programa win-isis,5 5 . Trata-se de um programa específico para montagem de bases de dados, de acesso livre, preparado pela UNESCO. verificando a qualidade das informações e a presença de incongruências ou repetições. Foi assim que conseguimos registros mais atuais, de 2006 e 2007, de teses e dissertações que compõem a presente Base de Dados Ariadne.
Alguns resultados preliminares 6 6 . Os quadros apresentados trabalham com totalizações distintas. Há, no total de 1.213 registros da base, 3, por exemplo, que não discriminam o tipo de produção, se dissertação ou tese. Esses registros não foram considerados no quadro da totalização do tipo de produção. Foram encontrados registros que não discriminam o tipo de instituição, ou a instituição onde a dissertação/tese foi defendida, ou a referência é à instituição financiadora da pesquisa. São grandes as imprecisões e dificuldades da pesquisa em bases virtuais no país, bases de recente implantação e sem a necessária homogeneidade da informação.
Nas Figuras 1 e 2 apresentamos a distribuição do material por regiões e unidades da Federação. Mantém-se, como já constatado em inúmeros estudos (Campos & Fávero, 1994; Velloso, 1999), o predomínio da produção no Sudeste, seguida da Região Sul. É, contudo, interessante constatar a crescente presença de produções nas universidades do Nordeste, especialmente as federais, sugerindo que investigações futuras poderão verificar o perfil dessa expansão e se apresentam temas próprios e originais.
As Figuras 3 e 4 mostram as instituições com maior presença na temática de gênero, sexualidade e educação formal, em dissertações, teses e livres-docências e a distribuição do material conforme o caráter dessas instituições: público (federais, estaduais e municipais), particular e, como um item específico, dado seu destaque, as universidades católicas. No quadro demonstrativo das instituições que mais apresentam estudos sobre gênero e sexualidade na educação formal (Figura 3), destacam-se a USP e a UFRGS. Paralelamente, um papel importante nesse debate cabe às PUCs e Católicas, que, somadas, alcançam uma produção extremamente significativa (Figura 4).
A Tabela II seguinte mostra as áreas do conhecimento nas quais foram produzidas as teses e dissertações (excluídas as duas únicas teses de livre-docência). A fonte para definição destas áreas foi os nomes dos programas de pós-graduação conforme constavam nas bases pesquisadas e esta nomenclatura não é padronizada, o que nos levou a construir alguns agrupamentos.7 7 . Do total de 1.039 teses e dissertações, apenas 956 constam da tabela, pois os resumos das demais não apresentavam o nome do programa no qual foram produzidas. Dessa forma, estão reunidos dentro da grande área "Educação" tanto os programas assim denominados quanto aqueles que tratam de "Ensino de/para Ciências", "Ensino de Ciências e Matemática", "Educação Matemática", "Educação Ambiental" e "Ensino Agrícola". A única área próxima mantida separadamente foi a "Educação Física" (à qual agregamos os programas cujo nome gira em torno da "motricidade humana"), pela sua tradição em pesquisas na área de educação formal, sexualidade e relações de gênero, realizadas em instituições diferenciadas dos programas de Educação. Em outros campos do conhecimento, agrupamos, por exemplo, programas de pós-graduação em Linguística, Letras e Teoria Literária; ou Saúde Coletiva, Saúde Pública e Epidemiologia. Mesmo efetuando esses agrupamentos, a dispersão verificada é bastante acentuada.
A área de Educação foi responsável pela produção de quase 65% de todas as teses e dissertações, seguida pela de Psicologia, com 10%. Cada uma das demais responde por menos de 5% do total da produção discente, sendo que em 11 delas localizamos apenas um estudo. Essa predominância da área de Educação pode ter sido reforçada pelo fato de, na segunda etapa de buscas, termos nos dirigido apenas às instituições que possuíam programas de pós-graduação em Educação. Contudo, a concentração nesta área já se verificava anteriormente e é tão grande que acreditamos poder afirmar a pequena relevância desta eventual distorção. Esse quadro nos parece derivado do fato de que a educação formal tem sido objeto de estudo especialmente pelos programas de Educação, conseguindo atenção bem menor em outras áreas, mesmo no campo das Ciências Humanas, como Psicologia, Ciências Sociais e História. A inclusão na base de dados dos estudos sobre sexualidade foi a principal responsável pela incorporação de número significativo de trabalhos provenientes dos programas ligados à saúde, que produziram 58 teses e dissertações no período investigado, correspondendo a 7,1% do total.
A presença de estudos sobre gênero, sexualidade e educação formal em tão variadas áreas do conhecimento é, a nosso ver, decorrência do caráter interdisciplinar da temática e deve ser saudada como positiva para o avanço do conhecimento. Em contrapartida, a dispersão verificada, com 16 áreas produzindo 4 ou menos estudos num período de tempo tão alongado (1990-2006), indica a eventualidade da escolha da temática, certamente não vinculada à existência de grupos de pesquisa e de uma investigação sistemática. Mesmo no interior da área de Educação, somente um estudo mais detalhado poderá localizar a existência de grupos de pesquisa e de orientadores que venham se dedicando de forma constante ao tema, pois, como visto anteriormente, o número de instituições envolvidas é bastante expressivo. Se, por um lado, a eventual presença desses grupos de pesquisa e de orientações sistemáticas não deve ser tomada como garantia de aprofundamento ou qualidade da produção, nem deve substituir a possibilidade de emergência relativamente autônoma de questões a partir do interesse isolado de mestrandos e doutorandos, por outro lado, como afirma Brandão (2005), a excessiva fragmentação em geral conduz à superficialidade e à dificuldade de acumulação de conhecimentos.
Quando se trata dos tipos de produção mais evidentes, a Figura 5 ressalta a prevalência das dissertações sobre as teses:8 8 . O pequeno número de teses de livre-docência deve ser colocado no contexto de sua inexistência no quadro de carreira das universidades federais. os mestrados correspondem a 78,8% da produção discente.
Essa tendência parece corresponder à configuração mais geral da pós-graduação, em especial no campo predominante, a Educação, no qual se tem verificado uma ampliação muito mais significativa dos cursos de mestrado que de doutorado. Segundo Sposito (2009), no período entre 1999 e 2006, na área de Educação como um todo as teses representaram 18,9% da produção discente. No que tange às pesquisas dentro da temática de gênero, sexualidade e educação formal, nos programas de Educação as teses corresponderam a 19,5% da produção no período estudado (1990-2006), porcentual ligeiramente mais elevado. Considerando-se as três outras áreas com produção mais significativa na temática enfocada: em programas de Psicologia as teses produzidas representam 25,7% do total de estudos sobre gênero, sexualidade e educação formal; na área de Educação Física, apenas 9% deles são doutorados; e nas Ciências Sociais, 33,3% - variações que parecem corresponder ao perfil de cada área. Se lembramos o crescente aligeiramento dos cursos de mestrado, acometidos nos últimos anos, particularmente nas áreas de humanas, por uma intensa pressão pela redução de prazos, ao lado do isolamento e da fragmentação já apontados, essa baixa proporção de teses pode representar o predomínio de pesquisas ainda pouco maduras e teoricamente frágeis.
Em contrapartida, chama a atenção o fato de que há muito poucas publicações sobre os resultados das pesquisas, pois o número de artigos (169) representa 16,2% do total de teses e dissertações. Pode-se ponderar que a busca por artigos concentrou-se, embora sem exclusividade, nas revistas da área de Educação e que o pesquisador, mesmo quando estuda temas de interface, tende a publicar em revistas de sua própria área. Ainda assim, considerando apenas as 615 teses e dissertações originárias de programas de pós-graduação em Educação e supondo que todos os artigos localizados descrevam resultados de pesquisas desta produção discente, eles representariam apenas 27,5%. As demais teses e dissertações (72,5% do total) permaneceriam apenas na forma original, nas estantes das bibliotecas de suas instituições e nos bancos virtuais de teses. Esse quadro (que não é novidade no campo educacional, como já indicavam Campos & Fávero em 1994) só vem reforçar a importância de levantamentos como este, de forma a dar visibilidade e divulgação aos resultados de todo esse trabalho de investigação e permitir que o avanço na construção do conhecimento se faça por meio do diálogo com a produção já existente.
A Figura 6 destaca a distribuição do material por ano de produção. Lembramos que os valores encontrados para 2005 e 2006 não devem ser lidos, necessariamente, como um decréscimo do interesse sobre o tema. A Base CAPES oferecia dados até 2005 (mesmo com relação a esse ano, não há como avaliar se os dados estavam completos) e os trabalhos de 2006 foram coletados nos sítios das bibliotecas. Caso fosse atualizada, a base poderia apresentar outros resultados, de forma a verificar se há uma manutenção do tema na agenda das teses e dissertações ou se houve algum tipo de deslocamento.9 9 . Na figura em questão temos dez registros que não informam o ano da produção e dois registros de 2007.
É importante também colocar esse crescimento no contexto da ampliação geral da produção discente no país. Tomando como referência a produção total localizada na Base CAPES com o assunto "educação" nos anos de 1990 e 200410 10 . Busca feita em novembro de 2009. (último ano para o qual dispomos de informações completas), o crescimento foi de 356 para 2.996 teses e dissertações, uma ampliação da ordem de pouco mais de oito vezes. Na temática de gênero, sexualidade e educação formal, o crescimento foi de 16 estudos localizados em 1990 para 193 em 2004, o que representa 12 vezes mais. Isso nos permite afirmar que não apenas houve um crescimento numérico na produção sobre a temática em foco, mas também que ela ganhou espaço no conjunto da produção discente dentro do período estudado.
Esse é um primeiro retrato do material disponível na Base Ariadne. Cabe mencionar que a base pode ser consultada livremente e a pesquisa pode ser feita por tipo de instituição, assunto, região, cidade, tipo de produção, autor, orientador e ano, dando acesso aos resumos dos trabalhos. Com isso, pretendemos contribuir para que outros pesquisadores possam elaborar estudos quanto ao modo como têm sido exploradas as temáticas de sexualidade e gênero quando envolvidas com a política e a organização escolar, seu funcionamento, currículos, resultados, entre outros. Alguns trabalhos vêm sendo desenvolvidos por membros da própria equipe inicial, utilizando-se de recortes temáticos específicos11 11 . Políticas públicas de educação, por Cláudia Vianna; Escola e sexualidade, por Maria de Fátima S. Moreira; e Desempenho escolar, por Marília P. Carvalho. e esperamos que estes resultados também possam contribuir na consolidação da temática de gênero, sexualidade e educação formal como um campo de pesquisa.
Notas
Recebido em dezembro de 2009.
Aprovado em fevereiro de 2011.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Ago 2011 -
Data do Fascículo
Jun 2011
Histórico
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Recebido
Dez 2009 -
Aceito
Fev 2011