Open-access Considerações sobre o ceticismo contemporâneo a partir da ontologia e gnosiologia marxista

Considerations on contemporary scepticism from marxist ontology and gnosiology

Resumos

A fim de contribuir para a análise da nova onda cética que permeia a pesquisa educacional, investigo como Lênin e Lukács refutaram, em termos ontológico e gnosiológico, os ceticismos de sua época. Lênin elucida, no início do século xx, a suposta neutralidade empiriocriticista. Já Lukács analisa, na segunda metade desse mesmo século, o neopositivismo como auge dessa perspectiva. Vivemos uma ambiência ideológica cripto-positivista similar à diagnosticada pelos autores. Enquanto a tradição positivista desterrou nominalmente a ontologia, as correntes atuais a afirmam no intuito de negar a possibilidade de dizer algo sobre o mundo; instauram uma nova forma de exílio da ontologia. Com isso, fortalece-se uma ontologia velada, colada a uma prática imediata, conveniente aos interesses manipulatórios do capital. Para não ratificar essa retração teórica, o campo educacional enfrenta o desafio de combater os atuais ceticismos.

Marxismo; Ceticismo; Ontologia; Gnosiologia


In a contribution to the analysis of the new sceptical wave that has been pervading educational research, I investigate how Lenin and Lukács refuted, in ontological and gnosiological terms, the scepticism at their time. In the beginning of the 20th century, Lenin elucidated the supposed Empiric-critic neutrality. Later on, during the 20th century, Lukács, in his turn, analyzed neo-positivism as the highest point of this perspective. Nowadays, we live in a similar crypto-positivist atmosphere. While positivist tradition has nominally banished ontology, the current trends maintain it, in an attempt to deny the possibility of saying anything about the world; thus, they establish a new way of exiling ontology. With this, an underlying kind of ontology is strengthened, as connected to an immediate practice, ready to fit the interests of the ones who keep capital under control. To avoid ratifying this theoretical retraction, the educational field faces the challenge of opposing today's scepticism.

Marxism; Scepticism; Ontology; Gnosiology


DEBATES E POLÊMICAS

Considerações sobre o ceticismo contemporâneo a partir da ontologia e gnosiologia marxista*

Considerations on contemporary scepticism from marxist ontology and gnosiology

Sandra Soares Della Fonte

Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (ufsc) e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (ufes). E-mail: sdellafonte@uol.com.br

RESUMO

A fim de contribuir para a análise da nova onda cética que permeia a pesquisa educacional, investigo como Lênin e Lukács refutaram, em termos ontológico e gnosiológico, os ceticismos de sua época. Lênin elucida, no início do século xx, a suposta neutralidade empiriocriticista. Já Lukács analisa, na segunda metade desse mesmo século, o neopositivismo como auge dessa perspectiva. Vivemos uma ambiência ideológica cripto-positivista similar à diagnosticada pelos autores. Enquanto a tradição positivista desterrou nominalmente a ontologia, as correntes atuais a afirmam no intuito de negar a possibilidade de dizer algo sobre o mundo; instauram uma nova forma de exílio da ontologia. Com isso, fortalece-se uma ontologia velada, colada a uma prática imediata, conveniente aos interesses manipulatórios do capital. Para não ratificar essa retração teórica, o campo educacional enfrenta o desafio de combater os atuais ceticismos.

Palavras-chave: Marxismo. Ceticismo. Ontologia. Gnosiologia

ABSTRACT

In a contribution to the analysis of the new sceptical wave that has been pervading educational research, I investigate how Lenin and Lukács refuted, in ontological and gnosiological terms, the scepticism at their time. In the beginning of the 20th century, Lenin elucidated the supposed Empiric-critic neutrality. Later on, during the 20th century, Lukács, in his turn, analyzed neo-positivism as the highest point of this perspective. Nowadays, we live in a similar crypto-positivist atmosphere. While positivist tradition has nominally banished ontology, the current trends maintain it, in an attempt to deny the possibility of saying anything about the world; thus, they establish a new way of exiling ontology. With this, an underlying kind of ontology is strengthened, as connected to an immediate practice, ready to fit the interests of the ones who keep capital under control. To avoid ratifying this theoretical retraction, the educational field faces the challenge of opposing today's scepticism.

Key words: Marxism. Scepticism. Ontology. Gnosiology.

Introdução

Em nome da luta contra o positivismo, uma nova onda cética interpõe-se nas ciências humanas e na filosofia nos últimos anos e se traduz pela máxima de que a realidade é interna às convenções e aos esquemas culturais dos diversos grupos sociais (Duayer, 2003).

São vários os argumentos dos partidários desse ceticismo epistemológico. Em um extremo, Baudrillard (1996) assevera que há uma ilusão radical na crença de que a realidade existe, de que há um referente para o conhecimento. Em suas palavras (1996, p. 38), "porque é que há vontade em vez de não-vontade? Mas não há vontade. Não há real. Não há alguma coisa. Há nada. Quer dizer, a ilusão perpétua de um objecto não captável e do sujeito que crê captá-lo". A seu ver, o ser humano teima em se prender à ilusão metafísica do sujeito e do objeto, do verdadeiro e do falso e julga intolerável um mundo sem vontade. Diante disso, Baudrillard (1996, p. 139) não hesita em anunciar sua inevitável e drástica saída estetizante: "O que conta é a singularidade poética da análise. Só isso pode justificar escrever, e não a miserável objectividade crítica das idéias".

Rorty (1994) não chega a negar a existência da realidade, mas nega a possibilidade de a ela ter acesso fora do âmbito de descrições particulares. O autor afirma que a noção de um espelho da natureza desanuviado, de um ser humano que conhece o fato, é uma imagem de Deus. Para Rorty: "Assim como não há uma plataforma supracultural, um 'gancho celeste' a partir do qual se possa sair da própria cultura para contemplar o mundo 'lá fora', não pode haver, por conseguinte, um estado mental cujo conteúdo pudesse ser o 'espelho' deste mundo" (Duayer & Moraes, 1998, p. 67).

O historiador Patrick Joyce (1997, p. 347) destaca que "o que está em questão não é a existência do real, mas dado que o real só pode ser apreendido através de nossas categorias culturais que versão do real deve predominar". Ao reagir à epistemologia realista, ele (ibid., p. 351) acrescenta: "Este referente, o 'social', é ele próprio um produto 'discursivo' da história". Já Braun (1997, p. 421) explicita um dos desdobramentos mais diretos dessa discussão para a historiografia: "Assim, a 'realidade' passada não existe; no seu lugar, há um infinito número de realidades equivalentes aos vários julgamentos e pontos de vista que se pode encontrar no presente".

Como se percebe, o ceticismo epistemológico reinante sentencia o anti-realismo: a realidade é incognoscível, ou porque ela não existe ou porque ela não passa de uma descrição ou convenção de uma comunidade.

Meu objetivo é o de contribuir para essa discussão no sentido de investigar como alguns intelectuais da tradição marxista refutaram, do ponto de vista onto-gnosiológico, os ceticismos de sua época. Destaco, assim, o debate empreendido por Lênin contra o empiriocriticismo e por Lukács contra o neopositivismo. Cabe a priori averiguar até que ponto essa abordagem interessa à educação e o porquê da escolha desses intelectuais.

A meu ver, a explicitação do argumento onto-gnosiológico é uma exigência de toda pesquisa e, por conseguinte, da própria pesquisa educacional. Ao compor o universo da pesquisa científica, os pesquisadores da educação são interpelados a responder à questão que motiva a produção do conhecimento em geral: Como é possível conhecer? Por outro lado, num âmbito mais específico, somos convocados a explicar o que é a realidade particular que pretendemos conhecer o que é, afinal, a educação?

Essas questões não se justapõem, mas se entrelaçam organicamente, pois, como afirma Kosik (1995, p. 43) "O conhecimento da realidade, o modo e a possibilidade de conhecer a realidade dependem, afinal, de uma concepção da realidade, explícita ou implícita. A questão: como se pode conhecer a realidade? É sempre precedida por uma questão mais fundamental: que é a realidade?".

Se a produção do conhecimento sempre se faz por um horizonte ontológico de compreensão, a pergunta "como é possível conhecer a educação" traz consigo a indagação sobre o que é a prática educativa, ou seja, como os processos educativos se constituem como tal. A ontologia debruça-se sobre a constituição e a produção da realidade. Portanto, na investigação das suas diversas problemáticas, a pesquisa educacional não só apresenta caminhos para se conhecer, mas também maneiras de explicar e compreender os fios que tecem a prática social educativa.

A escolha da tradição marxista é motivada inicialmente pelo fato de grande parte das atuais posições céticas e anti-realistas serem dirigidas não só ao positivismo, mas também ao marxismo (Foster, 1999; Palmer, 1997). No seio da tradição marxista, o livro de Lênin, Materialismo e empiriocriticismo, e o de Lukács, Para uma ontologia do ser social (onde se encontra o capítulo "Neopositivismo"), ocupam um lugar de destaque por desenvolverem a vinculação entre ontologia e gnosiologia marxista. Por fim, acredito que investigar como Lênin e Lukács combateram o ceticismo epistemológico em seu tempo pode inspirar a pesquisa educacional a enfrentar os ceticismos e anti-realismos contemporâneos, sem cair na armadilha positivista de identificar objetividade e neutralidade ou desvencilhar a discussão onto-gnosiológica da política.

Contra o ceticismo dos empiriocriticistas russos

Lênin escreveu Materialismo e empiriocriticismo em 1908, quando estava no exílio em Genebra e Londres, e o publicou no ano seguinte. Tanto sua elaboração quanto sua publicação se deram sob uma atmosfera de derrota da Revolução Russa de 1905-1907 pelo regime czarista, de descrédito do marxismo e de domínio de filosofias idealistas e de diversos misticismos religiosos na Rússia.

A atenção de Lênin nessa obra volta-se para quatro livros publicados em 1908 por autores russos que se consideravam marxistas e se atribuíam a tarefa de rever essa tradição com base numa variante do positivismo o empiriocriticismo de Richard Avenarius e Ernst Mach. A delicadeza do empreendimento de Lênin está no fato de que sua análise não se dirige aos machistas russos declaradamente adversários do marxismo, mas para aqueles (como Valentinov, Iuchkévitch, Bogdánov, Bazárov, Lunatchárski) que se assumiam marxistas e buscavam defender a compatibilidade entre o empiriocriticismo e o materialismo histórico e dialético.

No prefácio à primeira edição, Lênin (1982, p. 14) esclarece seu objetivo: "nas presentes notas coloquei a mim próprio a tarefa de descobrir onde é que se desencaminharam as pessoas que nos oferecem sob a aparência de marxismo, algo de incrivelmente embrulhado, confuso e reaccionário". Para tanto, Lênin analisou inicialmente a filosofia de Avenarius e Mach e, com isso, desenvolveu e aprofundou várias questões de fundo ontológico e gnosiológico.

Avenarius (1843-1896) cunhou o termo empiriocriticismo para indicar uma teoria da experiência pura que precede a distinção entre o físico e o psíquico e, por isso, não poderia ser explicada nem pelo materialismo nem pelo idealismo. O físico Mach (1838-1916) desenvolveu suas reflexões em proximidade com as de Avenarius, de tal forma que também sua filosofia se inscreve sob o nome de empiriocriticismo.

Em geral, Mach e Avenarius defendem a economia de pensamento para a teoria do conhecimento, ou seja, uma representação simples do factual, com base na idéia de que o mundo, as coisas, os corpos são complexos de sensações. Assim, só as sensações podem ser concebidas como existentes, elementos do que Avenarius considerava ser a experiência pura. A coisa em si, que existe independentemente do sujeito, é impensável e incognoscível, pois está fora da experiência. O conteúdo das sensações não é o mundo objetivo. Nas palavras de Mach (apud Lênin, 1982, p. 30), "A 'coisa' é antes um símbolo mental para um complexo de sensações que possui uma relativa estabilidade. Não são as coisas (os corpos), mas sim as cores, os sons, as pressões, os espaços, os tempos (o que nós chamamos habitualmente sensações), que são os verdadeiros elementos do mundo".

Bazárov atestava que o princípio do 'menor esforço' de Mach e Avenarius como base da teoria do conhecimento seria a tendência marxista em gnosiologia. Bogdánov, que se irritava em ser chamado de machista, explicava que somente tomara da filosofia de Mach a noção de experiência.

No intuito de fugir daquilo que para ele era metafísico, Mach (apud Lênin, 1982, p. 104) afirma: "não tem qualquer sentido, do ponto de vista científico, a questão freqüentemente discutida de se o mundo existirá realmente ou é apenas uma ilusão nossa, nada mais do que um sonho. Mas mesmo o sonho mais incoerente é um facto como qualquer outro". A posição agnóstica do empiriocriticismo afirma não saber se existe uma realidade objetiva e declara ser impossível sabê-lo, pois isso implicaria transcender a experiência. As coisas são o que se sente e não algo misterioso por trás da sensação: essa é a defesa do realismo ingênuo por Avenarius e Mach.

Um dos primeiros aspectos para o qual Lênin chama a atenção é o de que os argumentos machistas não são novos, pois têm como fonte a filosofia de Berkeley.1 Para Lênin, os argumentos machistas contra o materialismo reproduziram os do bispo irlandês. Por isso, assinala Lênin, "as 'novas' descobertas dos machistas são o resultado de sua ignorância assombrosa da história das principais correntes filosóficas" (Lênin, 1982, p. 20).

Ademais, ele (1982, p. 130) observa: "De facto, se não se reconhecer a realidade objectiva que nos é dada nas sensações, onde iremos buscar o 'princípio da economia' senão ao sujeito?". Se o mundo é apenas uma produção humana, a existência de outros seres humanos se coloca como um problema. Se a admissão da realidade objetiva, existente independentemente de nós, é oca, resta apenas o Eu nu, o caminho do solipsismo. Por mais que admita que Mach e Avenarius fazem concessões ao materialismo e acabem gerando um ecletismo, Lênin reconhece que, no geral, prevalece no empiriocriticismo um idealismo subjetivista.

Lênin faz ver que os machistas proclamam uma abstração: sensação sem matéria, pensamento sem cérebro. Para explicar sua concepção de primado da natureza sobre o espírito, por exemplo, Bogdánov configura uma escada que parte do caos das sensações (elementos), passa para a experiência psíquica dos homens, depois para a experiência física e, por fim, chega ao conhecimento. Os fenômenos psíquicos são, para ele, complexos imediatos: "O 'homem' é, em primeiro lugar, um complexo determinado de 'experiências imediatas'. (...) Depois, no desenvolvimento ulterior da experiência, o 'homem' torna-se para si e para os outros um corpo físico entre os outros corpos físicos" (Bogdánov apud Lênin, 1982, p. 173). A premissa é a de que a natureza física é um derivado dos complexos de caráter imediato. Desta forma, Bogdánov explica a substituição universal de toda natureza física pela psíquica, ou seja, ele afirma uma experiência imediata sem corpo físico. Bogdánov não escapa, assim, de uma noção de um psíquico abstrato e de fundo fideísta:

Não há sensações (humanas) sem o homem. Quer dizer, o primeiro degrau é uma abstracção idealista morta. Na verdade, não temos aqui as sensações humanas habituais e conhecidas de todos, mas sensações imaginárias, sensações de ninguém, sensações em geral, sensações divinas, tal como a idéia humana comum se tornou divina em Hegel logo que separada do homem e do cérebro humano. (Lênin, 1982, p. 172)

Conclui Lênin (1982, p. 172): "Este 'psíquico' primordial revela-se sempre, portanto, uma abstracção morta que esconde uma teologia diluída". As portas do fideísmo se abrem, apesar das intenções contrárias de Bogdánov.

Lênin responde que o primado da natureza sobre o espírito significa que o mundo físico existiu antes de ter aparecido o psíquico; este é "um produto superior das formas superiores da matéria orgânica" (Lênin, 1982, p. 172). Dessa forma, "a sensação é realmente a ligação directa da consciência com o mundo exterior, é a transformação da energia da excitação exterior em facto da consciência" (Lênin, 1982, p. 38). Por isso, "as nossas sensações, a nossa consciência, são apenas a imagem do mundo exterior, e é evidente que o reflexo não pode existir sem o reflectido, mas o reflectido existe independentemente daquilo que o reflecte" (Lênin, 1982, p. 52). Seguindo Feuerbach, Lênin explica que a sensação é uma imagem subjetiva do mundo objetivo.

Ao contrário, com base na compreensão de que as sensações são os elementos primários, Mach e Avenarius atestam a dissolução do sujeito e do objeto, da coisa e da consciência. Para Lênin, aí se encontra a essência do empiriocriticismo e essa característica fundamental está presente no revisionismo dos machistas russos. Para corrigir e desenvolver Marx, Bogdánov (apud Lênin, 1982, p. 244) defende: "a vida social em todas as suas manifestações é uma vida psíquica consciente (...). A socialidade é inseparável da consciência. O ser social e a consciência social são, no sentido exacto destas palavras, idênticos".

Nessa perspectiva, cabe perguntar como ficam as questões da objetividade e da verdade para os machistas. Bogdánov entende que a verdade é uma forma ideológica, uma forma organizadora da experiência humana, e o caráter objetivo do mundo físico consiste em ter um significado definido para todos: "A objectidade da série física é o seu significado universal" (Bogdánov apud Lênin, 1982, p. 93). Em outros termos, a objetividade é estabelecida na base da verificação mútua e da concordância das opiniões de diferentes pessoas. Se a verdade depende do sujeito, se ela é uma forma organizadora da experiência, a verdade é estabelecida socialmente, pela concordância de opiniões e não remete a nenhuma objetividade.

A verdade vista como convenção nos remete a outro tema tratado pelos machistas: a teoria dos símbolos. Berkeley já falara das coisas como marcas ou signos usados pela divindade para tocar o espírito humano. Concepção semelhante aparece em Mach e se prolonga em teóricos da ciência como Le Roy, Poincaré e Duhem. Entre os machistas russos, a abordagem desse tema toma dois caminhos. Um deles é trilhado por Iuchkévitch, que considerou a teoria simbolista da ciência uma grande novidade, a última palavra em termos de positivismo moderno. Lênin não deixa de registrar o que considera ser duvidoso nessa teoria: esses sinais aparecem como convenções sociais construídas diante de algumas sensações e sem relações com a realidade exterior, fato que ratifica a incognoscibilidade da realidade. Por essa razão, Lênin (1982, p. 179) concorda com a opinião de Rau, discípulo de Feuerbach, para quem "o 'sinal convencional', o símbolo, o hieróglifo, são conceitos que introduzem um elemento completamente desnecessário de agnosticismo". Conhecer algo fora de nós se torna impossível, assim como fica problemática a distinção entre uma teoria científica e uma outra arbitrária, puramente convencional. Para um domínio da atividade humana, a religião adquire um valor tão real quanto tem a ciência para outro campo de atividade. Logo, "a ciência 'simbolista', machista, não tem o direito de negar a teologia (Lênin, 1982, p. 221).

A outra posição dos machistas em relação ao simbolismo vem de Bazárov que, ao se contrapor à teoria hieroglífica de Plekhanov, afirma:

(...) Nos limites em que na prática temos relações com as coisas, as representações do objecto e das suas qualidades coincidem com a realidade que existe fora de nós. 'Coincidir' não é bem o mesmo que ser um 'hieróglifo'. Coincidem significa: nos limites dados, a representação sensorial é (itálico de Bazárov) precisamente a realidade que existe fora de nós (...). (Bazárov apud Lênin, 1982, p. 85)

Nesse ponto, encontra-se um dos aspectos mais desenvolvidos por Lênin em seu debate com os machistas russos: ele combate a idéia de representação como identificação e propõe a teoria do reflexo. Lênin (1982, p. 245) entende que o conhecimento é um reflexo da realidade: "O reflexo pode ser a cópia aproximadamente fiel do reflectido, mas é absurdo falar aqui de identidade". Contra Bazárov, Lênin (1982, p. 86) explica que a representação sensorial não é precisamente a realidade que existe fora de nós, mas a sua imagem: "Quer agarrar-se à ambigüidade da palavra russa coincidir? Quer fazer crer ao leitor mal informado que 'coincidir' significa aqui 'ser idêntico' e não 'corresponder'?". Nas palavras e nas representações, o ser humano traduz as coisas da natureza. Certamente existe um caráter arbitrário na escolha das palavras, mas isso não significa que elas sejam privadas de conteúdo objetivo. O ser humano traduz, para a sua língua e de forma aproximada, a objetividade.

Por que o caráter aproximativo do reflexo? Para Lênin, os objetos de nossas representações e as nossas representações diferem, porque esta última reflete uma parte ou um aspecto de realidade, sempre infinita e inesgotável. Nesse sentido, Lênin (1982, p. 199) expõe sua compreensão acerca da relatividade do conhecimento.

A "essência" das coisas ou a "substância" são também relativas; elas exprimem apenas o aprofundamento do conhecimento humano dos objectos, e se ontem este aprofundamento não ia além do átomo e hoje não vai além do electrão ou do éter, o materialismo dialéctico insiste no carácter temporário, relativo, aproximativo, de todos estes marcos do conhecimento da natureza pela ciência humana em progresso. O electrão é tão inesgotável como o átomo, a natureza é infinita, mas ela existe infinitamente, e este reconhecimento, o único categórico, o único incondicional, da sua existência fora da consciência e da sensação do homem é que distingue o materialismo dialéctico do agnosticismo relativista e do idealismo.

Lênin (ibid., p. 103) admite a relatividade de nossos conhecimentos, não no sentido de negar a verdade objetiva, mas sim de reconhecer "a condicionalidade histórica dos limites da aproximação dos nossos conhecimentos em relação a esta verdade", o mundo como matéria sempre em movimento e o permanente desenvolvimento da própria consciência humana. Essa posição se diferencia do relativismo dos machistas, eivado de ceticismo.

Porque colocar o relativismo na base da teoria do conhecimento significa condenar-se inevitavelmente ao cepticismo absoluto, ao agnosticismo e à sofística, ou ao subjectivismo. O relativismo, como base da teoria do conhecimento, é não somente o reconhecimento da relatividade dos nossos conhecimentos, mas é também a negação de qualquer medida ou modelo objetivo, existente independente da humanidade, do qual se aproxima o nosso conhecimento relativo. (Idem, ibid., p. 103)

Por isso, Lênin corrobora a compreensão de Engels. O pensamento humano é, ao mesmo tempo, soberano e não soberano, assim como nossa capacidade cognoscitiva é ilimitada e limitada. Soberano e absoluto enquanto possibilidade (desde que a humanidade subsista, desde que não se produzam mudanças nem nos órgãos ou nos objetos que limitem esse conhecimento). Mas não soberano e limitado quanto à sua condicionalidade histórica. Os indivíduos isolados pensam limitadamente; essa limitação se supera pelas sucessivas gerações humanas, em um processo infindável.

O desenvolvimento da consciência de cada indivíduo humano em separado e o desenvolvimento dos conhecimentos colectivos de toda a humanidade mostram-nos a cada passo a transformação da "coisa em si" não conhecida em "coisa para nós" conhecida, a transformação da necessidade cega, não conhecida, da "necessidade em si", em "necessidade para nós" conhecida. (Lênin, 1982, p. 143)

Os limites da verdade podem ser alargados ou restringidos com o desenvolvimento do conhecimento. É historicamente condicional nossa aproximação em relação à verdade objetiva, mas é de modo incondicional que dela nos aproximamos. Em cada verdade relativa, encontra-se um elemento de verdade absoluta.

Lênin também encontra na literatura machista ou sobre o machismo referências à nova física, ou mais precisamente, a uma corrente da física contemporânea. Enquanto Bogdánov se embaralha com a derivação do físico em relação ao psíquico, Valentínov seguiu os "novos físicos" e defendeu o "fim da matéria". Lênin afirma que certa corrente da nova física vincula-se ao machismo e a outras variedades do idealismo. Ele reconhece que esse tipo de veleidade reacionária é engendrado pelo próprio progresso científico e que os novos físicos, ao negarem a imutabilidade da matéria, repudiaram a existência da própria matéria; ao refutarem o caráter absoluto das leis, rejeitaram qualquer lei objetiva e declaram que a lei científica é uma simples convenção; ao proclamarem o relativismo, negaram a possibilidade de o conhecimento refletir o objeto de forma aproximadamente verdadeira.

Por fim, Lênin considera que somente uma ignorância absoluta do materialismo filosófico e do caráter reacionário do empiriocriticismo permite falar em uma união entre machismo e marxismo. O resultado dessa infeliz tentativa pelos machistas russos foi a geração de deturpações teóricas do marxismo.

Naturalmente, qualquer cidadão, e particularmente qualquer intelectual, tem o sagrado direito de seguir o reaccionário ideológico que quiser. Mas se homens que romperam radicalmente com os próprios fundamentos do marxismo em filosofia começam depois a andar às voltas, a embrulhar as coisas, a usar rodeios, a assegurar que "também" são marxistas em filosofia, que estão "quase" de acordo com Marx e que apenas o "completaram" um bocadinho isto já é um espetáculo perfeitamente desagradável. (Lênin, 1982, p. 155)

No fundo, há na análise de Lênin não apenas o esforço de investigar as desventuras dos machistas russos, mas também um tom de lástima por suas incoerências: "Bogdánov, pessoalmente, é um inimigo jurado de toda a reacção burguesa em particular. A 'substituição' e a teoria da 'identidade do ser social e da consciência social' de Bogdánov servem esta reacção. É um facto deplorável, mas é um facto" (Lênin, 1982, p. 247).

Contra o ceticismo dos neopositivistas

O texto "Neopositivismo" corresponde à primeira seção do primeiro capítulo Neopositivismo e existencialismo da obra de Lukács Para uma ontologia do ser social, escrita durante a década de 1960 e publicada na década de 1970.

Após acontecimentos como os das duas guerras mundiais, da Revolução Russa de 1917, do fascismo, do desenvolvimento do stalinismo, da Guerra Fria, do terror atômico, da criação de novos métodos de manipulação da vida política e social no fascismo e na luta contra ele, Lukács indica que a economia do capitalismo experimentou importantes transformações. No bojo dessas mudanças, observa-se que a ciência moderna não é mais um objeto do desenvolvimento social no sentido de uma manipulação generalizada, mas participa, aperfeiçoa e difunde, generalizadamente, essa manipulação. Para o autor, essa tendência extremou-se com o positivismo do início do século xx, mas já era perceptível na gnosiologia de Avenarius que excluía a efetividade existente em si e contra a qual Lênin polemizou.

No desenvolvimento da filosofia, o positivismo e o neopositivismo ocupam um lugar específico pela sua pretensão de perfeita neutralidade, de suspender o ontológico e de excluir da investigação questões relativas à concepção de mundo. Para Lukács, com isso, resgata-se a herança do idealismo subjetivo que apresenta a concreticidade da realidade dada como produto da subjetividade cognoscente, ficando o em-si como um incognoscível que só a fé pode atingir.

O surgimento de uma corrente idealista no positivismo se dirige contra o materialismo e o idealismo, criando, assim, um pretenso terreno gnosiológico neutro do qual resulta um conhecimento puro. Lukács observa que os momentos iniciais dessa tendência remontam a Mach, Avenarius, Poincaré, entre outros. A pretensão era a de construir uma filosofia científica vazia de ontologia: "Deste modo, todo o campo da ontologia, e não apenas a religiosa, é excluído da filosofia científica, qualificado como assunto privado" (Lukács, s/d, p. 7). O neopositivismo, segundo o autor, deriva sua linguagem da lógica matemática e, desta forma, amplia o terreno neutro de Mach-Avenarius, conferindo-lhe aparência de objetividade, mas sem abandonar o horizonte idealista-subjetivo do antigo positivismo (as sensações, os elementos). A unidade da ciência, para o neopositivismo, é a unidade da linguagem científica segundo o modelo da física moderna. Qualquer referência a uma realidade efetiva soa, para essa perspectiva, insignificante em termos científicos. A ciência trata dos fenômenos como fórmulas matemáticas ideais, sujeitas à manipulação, sem considerar o caráter ontológico dos mesmos. Como não se interessam pela interpretação físico-real dos enunciados físico-matemáticos, os neopositivistas remetem essa discussão para o âmbito da convenção científica.

Essa tendência é, segundo o autor, a forma mais pura da gnosiologia fundada sobre si própria. Por um longo tempo, a gnosiologia foi um complemento para a ontologia. Isso significava que sua finalidade era o conhecimento da efetividade e o critério de um enunciado correto era a concordância com o real. A quebra dessa relação é explicada por Lukács (s/d, p. 9):

Somente quando o em-si é considerado teoricamente inabordável a gnosiologia torna-se autônoma, devendo-se classificar os enunciados como corretos ou falsos independentemente de tal correspondência com o objeto: ela se funda unilateralmente sobre a forma do enunciado, sobre o papel produtivo que nela desempenha o sujeito para encontrar os critérios autônomos, imanentes à consciência, de verdadeiro e falso.

O neopositivismo se apresenta como uma regulação lingüística para a filosofia científica. Denuncia-se aí um problema: mesmo com métodos aparentemente tão exatos, a questão ontológica não pode ser excluída das ciências exatas.

O autor registra que concessões ao materialismo são raras, mas ao se ler os escritos neopositivistas, pode-se encontrar passagens que tomam como referência para determinar a correção, falsidade ou absurdidade de um enunciado, a sua correspondência com a efetividade existente em si. Um exemplo é a reflexão de Carnap sobre a função propositiva cidade na Alemanha; a proposição é correta quando se compõe com Hamburgo; é falsa com Paris e é absurda com a lua. Nessa avaliação de Carnap, Lukács identifica que o fundamento determinativo dessas funções proposicionais é o existente em si, mesmo que se evite enunciados metafísicos. Os neopositivistas podem contra-argumentar que o que guiou a avaliação das proposições foi o fato empírico, que em nada se relaciona com a metafísica. No entanto, afirma o autor, isso é um auto-engano dos neopositivistas e de todas as correntes que adotam uma orientação exclusivamente gnosiológica; esse auto-engano deriva

(...) do fato de que ignoram por completo a neutralidade ontológica do ser em si em relação às categorias, diferentemente dimensionadas, do universal, do particular e do singular. Os objetos, as relações, etc., são em si ou aparecem em um espelhamento independentemente de serem singulares, particulares ou universais. (Lukács, s/d, p. 10)

Para Lukács (ibid.), o neopositivismo cai nesse erro por supervalorizar e, em parte, deformar a participação do sujeito cognoscente no espelhamento do universal no pensamento: "Não obstante, é destas circunstâncias que surge a ilusão de que o universal não é nada senão um produto da consciência cognoscente, e não uma categoria objetiva da efetividade existente em si".

Também ao analisar o singular, o neopositivismo ignora a história da filosofia, a dialética entre imediaticidade e mediaticidade; logo, indica o autor, "não compreende que o singular é em si tanto quanto o universal, não sendo menos mediado do que este e que, por essa razão, para conhecer o singular se faz necessária uma atividade mental do sujeito, tal como ocorre com o universal" (idem, ibid.). Lukács (p. 11) complementa: "se trata de uma ilusão crer, como quer o neopositivismo, que a dadicidade dos objetos singulares não levanta questões ontológicas".

Na compreensão de Lukács, o neopositivismo leva adiante, da forma mais coerente, a unilateralidade da orientação exclusivamente gnosiológica e lógica em relação à efetividade. Com isso, ele cancela a distinção entre a própria efetividade e suas representações.

Quando se trata de inquirir o caráter da efetividade e não sua mera manipulação, assegura o autor, a filosofia pode distinguir a própria efetividade e seus espelhamentos usados com fins cognoscitivos. Para Lukács, o espelhamento trabalha com abstrações razoáveis de aspectos da efetividade. A matemática, por exemplo, baseia-se no espelhamento de caráter quantitativo das coisas e isso implica abstrações de seus aspectos qualitativos. Por essa razão, afirma o autor, a geometria e a matemática são espelhamentos e não constituem partes ou elementos da efetividade física. Ao espelhar momentos importantes e fundamentais dessa realidade, elas se tornam instrumentos valiosos para se conhecer a efetividade. Porém, Lukács (s/d, p. 4) pontua:

Mas a despeito de todos estes brilhantes resultados não se deve esquecer a verdade, muito simples, de que tais formas de espelhamento podem espelhar somente determinados momentos da efetividade, enquanto que a efetividade existente em si possui uma infinidade de outros componentes.

Quando a ciência abdica de sua função de espelhamento da efetividade, cria-se uma ampla margem para a religião interpretar o mundo. Firma-se um acordo espiritual-científico no sentido de diluir a oposição entre a ciência natural moderna e o mundo. Para Lukács, essa conexão essencial não pode ser vista como direta ou intencional, pois o neopositivismo não considera diretamente as necessidades religiosas; sua tendência é ignorar o que não encontra expressão na linguagem científica. Com esse procedimento, não emite opinião sobre as necessidades religiosas. Por sua vez, autoridades religiosas também podem utilizar resultados científicos, sem necessariamente concordar ou não com eles.

O autor mostra que uma das decorrências desse movimento é a negação de que da totalidade das ciências possa surgir um espelhamento correspondente da realidade existente, ou seja, uma imagem do mundo. Lukács lembra que essa posição não é nova na filosofia; a separação entre ontologia bíblico-religiosa e a ciência era defendida pelo nominalismo medieval com a idéia da dupla verdade. Esse era o apelo do cardeal Bellarmino, pois, desta forma, mantinha-se intacta a imagem bíblico-cristã. O neopositivismo também renuncia, voluntariamente, à perspectiva de que ciência possa oferecer elementos constitutivos de uma visão de mundo. Entretanto, isso não acontece para ceder lugar a uma outra visão de mundo, mas para simplesmente negar a relação entre ciência e efetividade existente em si. É claro, observa o autor, que entre o nominalismo medieval e o neopositivismo existe uma semelhança relativa, mas também diferenças fundamentais. Na Idade Média, a investigação científica era pouco evoluída e a ontologia religiosa gozava de uma posição privilegiada; a teoria da dupla verdade garantia a livre investigação religiosa. A filosofia e a religião, mesmo que limitadas, uniam-se para restringir o espaço da ontologia religiosa. Atualmente, isso se inverteu. A separação defendida pelos neopositivistas entre a ciência e a metafísica retoma a teoria da dupla verdade, mas a eliminação da problemática ontológica do âmbito científico, no entanto, deixa a religião livre.

Lukács aponta para o fato de que o princípio da manipulação está implícito à concepção da dupla verdade do cardeal Bellarmino. Pois, se a ciência não se dirige para o conhecimento mais adequado possível da efetividade existente em si, sua atividade se limita em última análise a sustentar a práxis no sentido imediato, sua atividade torna-se uma manipulação dos fatos que interessam aos homens e mulheres na prática.

O positivismo elegeu a manipulação como o eixo central do conhecimento científico; com base nisso, o seu contemporâneo e aparentado pragmatismo construiu sua teoria da verdade. Nesse processo, consumou-se o estreitamento do conceito de práxis. Por isso, Lukács concebe o neopositivismo como herdeiro do pragmatismo.

O próprio desenvolvimento das relações sociais capitalistas implicou a dupla necessidade de valorizar e usar ilimitadamente as aquisições científicas na economia e manter ativa a necessidade religiosa entre as massas. O autor (s/d, p. 6) reconhece que esse tema deveria ser analisado com mais profundidade e apenas sugere que "para cada visão de mundo religiosa, também para cada ontologia religiosa concreta, a importância não reside meramente no próprio ontológico, mas muito mais naquelas conseqüências prático-morais que nele buscam e encontram sua base, sua realização última".

Esse fato exige uma análise no quadro de uma ética. Por isso, Para uma ontologia do ser social se constituía apenas em uma introdução para um projeto de discussão ética, projeto que infelizmente a morte de Lukács interrompeu.

Considerações finais

Enquanto Lênin elucida, no início do século xx, a suposta neutralidade do empiriocriticismo em termos ontológicos, Lukács analisa, na segunda metade desse mesmo século, o neopositivismo como auge dessa tendência.

Somos tentados a declarar que muito provavelmente vivemos uma ambiência ideológica similar à diagnosticada pelos autores: um ceticismo epistemológico, alimentado por supostas novidades filosóficas, mas que, no fundo, manifesta uma atmosfera cripto-positivista. Enquanto a tradição positivista desterrou nominalmente a ontologia, as correntes atuais defendem a impossibilidade de escapar dela. Entretanto, ao relativizá-la, refutam a possibilidade de dizer algo sobre o mundo e decretam o conhecimento como constructo e a verdade como consenso. Dessa forma, as declarações sobre o ser tornam-se declarações sobre o nosso conhecimento sobre o ser. Substitui-se a ontologia pela gnosiologia e, nesse sentido, vive-se, segundo Duayer (2003), uma nova forma de exílio da ontologia.

O resultado desse processo é, como assinalam Lênin e Lukács, o fortalecimento de uma ontologia velada, estreitamente vinculada a uma prática imediata, conveniente aos interesses manipulatórios do capital. No campo educacional, essa é a tendência hegemônica que infiltra desde a formação docente às definições do que e como ensinar. A fim de não ratificar essa retração teórica e esses comprometimentos, a pesquisa educacional enfrenta o desafio de combater os atuais ceticismos.

Lênin lamenta a incoerência dos machistas russos não em tom sentimentalista, mas em termos políticos: eles fortalecem o que supostamente querem combater. Lukács chama a atenção para as conseqüências prático-morais das escolhas ontológicas. Não é difícil compreender que, apesar de o foco da discussão referir-se a questões ontológicas e gnosiológicas, o que está em jogo são os seus desdobramentos éticos e políticos. Como bem demonstra Geras (1995), questões do conhecimento, da verdade e da justiça se entrelaçam: não há justiça quando a verdade é completamente relativizada. Portanto, "o ceticismo (...) não é apenas epistemológico, mas ético e político" (Moraes, 2003, p. 157).

Não por acaso, a discussão sobre o nazismo e a solução final no campo historiográfico na década de 1990 envolveu inúmeras polêmicas quanto à natureza do conhecimento histórico e da verdade (Jenkins, 1997) e, de alguma forma, posições relativistas e anti-realistas foram afrontadas pelos seus problemas éticos e políticos (Evans, 1997; Friedlander, 1997).

Em face disso, corroboramos o apelo de Lukács (s/d, p. 15): "a efetiva exigência que hoje se põe é retornar à efetividade existente em si". Talvez, um bom ponto de partida para nós, educadores, seja relacionar esse convite de Lukács à proposição de Duayer (2003) de preencher o vácuo do ceticismo instrumental por uma crítica que reafirme o valor de verdade da ciência, seu papel como instrumento para a criação de um mundo humano humanizado e como momento insubstituível de significação desse mundo. Isso nos parece bastante instigante, pois não há debate e proposições em termos de modelos de formação de professores, definição de conteúdos curriculares, pesquisa educacional, políticas públicas para educação e postura do professor nos diversos espaços sociais educativos que não tangenciem, de alguma forma, a questão do conhecimento e da constituição ontológica da realidade.

Nota

Recebido em setembro de 2005 e aprovado em abril de 2007.

Referências bibliográficas

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  • DUAYER, M.; MORAES, M.C.M. História, estórias: morte do "real" ou derrota do pensamento? Perspectiva, Florianópolis, v. 16, n. 29, p. 63-74, jan./jun. 1998.
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  • RORTY, R. A filosofia e o espelho da natureza Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
  • 1
    . Lênin lembra que, para Berkeley, as coisas são um conjunto de idéias (qualidades ou sensações). Como elas não podem ter existência sem que sejam relacionadas com alguém que as percebe (não existem coisas fora do espírito), ele defende que o objeto e a sensação são a mesma coisa: o ser das coisas é ser percebido. Ele nega a substância ou matéria e defende que o mundo exterior é a combinação de sensações suscitadas pela divindade.
  • *
    Texto apresentado no gt "Filosofia da Educação" da 28ª Reunião Anual da Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (anped), de 16 a 19 de outubro de 2005, mas com algumas modificações.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2007
    • Recebido
      Set 2005
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