Open-access Análise dos sistemas de logística reversa no Brasil

Analysis of reverse logistics systems in Brazil

RESUMO

Este artigo apresenta uma análise de fatores que são desafios para os Sistemas de Logística Reversa que estão sendo implantados no Brasil, em relação aos aspectos: políticos e legais; operacionais; e sociais relacionados à mão de obra e à participação da população. Os resultados indicam a existência de uma série de pontos críticos que necessitam ser discutidos e resolvidos para que os objetivos e as metas estabelecidas pelos acordos setoriais, que estão sendo firmados entre o Governo Federal e os setores produtivos, sejam factíveis de serem cumpridos. Para este estudo, foram realizados levantamentos e análises de dados secundários, obtidos a partir de relatórios técnicos de órgãos governamentais e relatórios técnicos e informações disponibilizadas por associações das empresas que já realizam a logística reversa de forma obrigatória, antes da lei n° 12.305/2010.

Palavras-chave: logística reversa; produtos pós-consumo; resíduos sólidos; desafios

ABSTRACT

This paper presents an analysis of factors that are challenges for Reverse Logistics Systems being established in Brazil, concerning political, legal, operational and social aspects related to labor and population involvement. The results indicate the existence of a number of critical points that need to be discussed and resolved so that the objectives and targets set by sectoral agreements being signed between the Federal Government and productive sectors are feasible to be met. For this study, surveys were conducted as well as analysis of secondary data from technical reports of governmental agencies and technical reports and information provided by associations of undertakings which have already been carrying out reverse logistics on a mandatory basis, prior to the law n° 12.305/2010.

Keywords: reverse logistics; post-consumer products; solid waste

INTRODUÇÃO

A responsabilidade estendida de fabricantes e importadores em relação aos produtos após sua vida útil e embalagens está tornando-se cada vez mais comum em todo o mundo, e o rigor das legislações ambientais tem impulsionado as ações de concretização dos Sistemas de Logística Reversa (SLR).

Nos estudos realizados por Gonçalves-Dias, Labegalini e Csillag (2012), foi verificado, a partir de uma revisão abrangente sobre gestão da sustentabilidade na cadeia de suprimentos, que a mais antiga referência na literatura internacional sobre Logística Reversa (LR) data do início dos anos 1970.

A literatura revisada mostra que o conceito de LR ganhou força a partir da década de 1980, mas apenas a partir dos anos 1990 passou a ser discutida com mais intensidade, quando passou a ser implementada. Entretanto, apenas em 1995 surgem os primeiros trabalhos que focavam a relação entre LR e questões socioambientais (RUBIO; CHAMORRO; MIRANDA, 2008).

Os estudos realizados sobre SLR fornecem, em sua grande maioria, soluções práticas para as empresas no enfrentamento dos desafios da implementação de fluxos reversos e destacam os ganhos econômicos e ambientais advindos dessa prática.

Pesquisadores têm investigado os fluxos em termos de transporte (WANG & CHEN, 2013; ZSIGRAIOVA; SEMIAO; BEIJOCO, 2013), sistema de gerenciamento (SCHULTMANN; ZUMKELLER; RENTZ, 2006; SILVA et al., 2013; TRAPPEY et al., 2010), sistema de gestão (AITKEN & HARRISON, 2013; BARROSO & MACHADO, 2005; GIANNETTI; BONILLA; ALMEIDA, 2013) e desenvolvimento de redes de LR (ALUMUR et al., 2012; FLEISCHMANN et al., 2001; KIZILBOGA et al., 2013; RAMEZANIA, BASHIRI; TAVAKKOLI-MOGHADDAM, 2013; SOLEIMANI; SEYYED-ESFAHANI; SHIRAZI, 2013). Entretanto, poucas pesquisas têm sido realizadas sobre estruturas de governança das cadeias de suprimentos, necessárias para gerir os novos SLR para a reutilização, reciclagem e reparação de produtos (AITKEN & HARRISON, 2013).

Kizilboga et al. (2013) apontam que os processos de LR também podem gerar impactos negativos, tanto econômicos como ambientais, pois requerem o consumo de energia, mesmo que reduzam o uso de matérias-primas.

As motivações para a realização da LR por parte das empresas estão, em geral, fundamentadas em três eixos: ambiental, financeiro e legal.

A motivação ambiental surge principalmente quando se observa uma vantagem competitiva por meio da criação de uma imagem verde para os produtos e serviços oferecidos no mercado (SROUFE et al., 2000; KLASSEN, 2000).

Nesse sentido, alguns produtores mantêm a linha verde no seu processo a fim de satisfazer a expectativa dos clientes, os quais, por sua vez, esperam cada vez mais que as empresas reduzam o impacto ambiental de suas atividades e produtos. Portanto, a imagem “verde” tornou-se um importante elemento de marketing (FLEISCHMANN et al., 2001).

O fator econômico da LR refere-se aos lucros de ações de recuperação de produtos, ou parte deles, que proporcionam a redução de custos, o decréscimo no uso de materiais e a economia de valiosas peças de reposição. Há uma motivação financeira para atividades de reutilização, quando, por exemplo, um equipamento chega a uma empresa no final de sua vida útil e suas peças podem ser usadas como peças sobressalentes ou vendidas em mercado secundário a um percentual do custo do uso de produtos originais na sua reparação (GARCÍA-RODRÍGUEZ; CASTILLA-GUTIÉRREZ; BUSTOS-FLORES, 2013).

A legislação existente também tem impulsionado o desenvolvimento de SLR, tanto na Europa como no Brasil, levando os setores produtivos a rever os ciclos de vida de seus produtos e a estruturar seus SLR. Esse tipo de motivação, em geral, pode levar à operacionalização cooperada entre diferentes elos da cadeia produtiva.

A LR é, portanto, importante como estratégia de negócios sustentáveis e lucrativos. No entanto, existem diversos fatores críticos, internos e externos, que afetam as atividades inerentes à LR. Os principais resultados dos estudos analisados por Gonçalves-Dias, Labegalini e Csillag (2012) demonstram dificuldades na estruturação da LR, principalmente no que diz respeito à interação entre os atores na cadeia, às normas de regulação da cadeia reversa e às estratégias de inovação tecnológica e gerencial.

Estudos de Barroso e Machado (2005) apontam para algumas questões relevantes nos SLR em Portugal, onde já se têm SLR implementados; e resultados dos estudos de Abdulrahmana, Gunasekaran e Subramanian (2014), realizados na China, indicam gargalos e poucas iniciativas sobre o assunto, demonstrando diferentes aspectos críticos em decorrência do estágio de amadurecimento dos SLR nos dois países.

MATERIAIS E MÉTODOS

A metodologia adotada neste estudo foi a pesquisa documental, cujos dados foram obtidos a partir de: relatórios técnicos de órgãos governamentais sobre os SLR já implantados e em operação no Brasil; Estudos de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) elaborados para subsidiar a implantação de novos SLR; editais de chamamento do Governo Federal para a construção de acordos setoriais com o setor produtivo; acordos setoriais já firmados.

Os dados também foram obtidos por meio de relatórios técnicos e informações disponibilizadas pelas associações das empresas de pneus inservíveis, embalagens de agrotóxicos, Óleos Lubrificantes Usados e Contaminados (OLUC) e pilhas, que realizam a LR de forma obrigatória por força de resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA).

A partir da análise desses dados, foi realizada a sistematização das informações, visando categorizar os principais indicadores de desempenho dos sistemas em implantação e em operação, apurando os aspectos críticos, as lacunas e os desafios desses sistemas.

RESULTADOS

Ao se analisar os EVTE já elaborados para SLR no Brasil, foi possível categorizar uma variedade de desafios que os setores produtivos estão enfrentando ou estimam enfrentar no decorrer da sua implementação.

Esses desafios foram distribuídos em três categorias, relacionadas aos aspectos políticos, legais, operacionais e sociais. As questões levantadas nessas categorias devem ser consideradas na proposição e operacionalização dos SLR, pois podem interferir no alcance das metas estabelecidas pelos instrumentos reguladores desses sistemas.

Aspectos políticos e legais

No Brasil, os serviços de saneamento básico incluem o manejo de resíduos sólidos urbanos (RSU) e a limpeza urbana, além do abastecimento de água, da coleta e tratamento de esgoto e da drenagem urbana. Esses temas possuem caráter interdisciplinar e requerem gestão intersetorial, pois apresentam estreita ligação com o desenvolvimento, a educação, a saúde, o meio ambiente, os recursos hídricos, a produção de bens e o consumo.

As três principais legislações que reúnem as regras quanto ao gerenciamento de RSU no Brasil estão resumidas no Quadro 1.

Quadro 1:
Leis federais que disciplinam a gestão de resíduos sólidos no Brasil.

Essas leis federais e seus respectivos decretos regulamentadores estabelecem entre si uma relação de convergência e, ao mesmo tempo, de complementaridade. Os SLR, apesar de serem regulamentados pela lei n° 12.305/2010, necessitam apoiar-se nas outras duas, principalmente quando se trata da interface dos Sistemas Municipais de Coleta Seletiva (SMCS) com os SLR para embalagens em geral.

Portanto, até 2010, a gestão dos produtos pós-consumo e embalagens não contava com nenhum instrumento legal, no âmbito nacional, que disciplinasse e uniformizasse as obrigatoriedades e os procedimentos a serem adotados.

Os SLR em funcionamento antes mesmo da n° 12.305/2010, por força de resoluções do CONAMA, são: embalagens de agrotóxicos (resolução nº 334/2003); pneus inservíveis (resolução nº 416/2009); OLUC (resolução nº 362/2005); pilhas e baterias (resoluções nº 401/2008 e nº 424/2010).

O art. 33 da lei n° 12.305/2010, regulamentada pelo decreto n° 7.404/2010, obriga a estruturar e a implementar SLR, por meio de retorno dos produtos após o uso do consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos RSU, todos aqueles caracterizados como fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos, seus resíduos e embalagens; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; e produtos eletroeletrônicos e seus componentes (BRASIL, 2010a; 2010b).

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece ainda que os SLR devem ser estendidos aos produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro e aos demais produtos e embalagens, considerando, prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados (BRASIL, 2010a; 2010b). Nesse sentido, as embalagens em geral e os medicamentos inservíveis também estão sendo tratados pelo Governo Federal como prioritários para a implantação dos SLR, por meio de acordos setoriais.

Os novos conceitos contidos nessa lei trazem à tona uma questão muito importante: a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, com atribuições individualizadas e encadeadas entre todos os elos do sistema produtivo, bem como com responsabilidades para o consumidor e o poder público. Outro aspecto que merece destaque na política de RSU é o modelo de regulamentação dos SLR por meio de Acordos Setoriais, Termos de Compromisso ou Regulamentos.

A Figura 1 apresenta os possíveis fluxos de informação, recursos financeiros e resíduos nos SLR, considerando as novas determinações da lei n° 12.305/2010.

Figura 1:
Inter-relação entre os atores que compõem os sistemas de logística reversa.

Os desafios apresentados pelos setores produtivos nos EVTE analisados, em relação aos aspectos políticos e legais, são apresentados no Quadro 2.

Quadro 2:
Aspectos políticos e legais dos desafios para a implantação de sistemas de logística reversa no Brasil.

Aspectos operacionais

Estudos realizados por Richey et al. (2005) e Autry (2005) indicam que existe elevado grau de inovação em SLR, em termos de criação de sistemas e procedimentos, bem como na busca de soluções para lidar com produtos e materiais devolvidos. A diversidade de produtos e materiais requer alto grau de coordenação na gestão, exigindo também a participação de diversas empresas de tratamento e disposição final de resíduos (SHEU, 2007).

A Figura 2 apresenta possíveis interações existentes entres os aspectos de gestão dos SLR.

Figura 2:
Fluxo da interação dos aspectos de gestão dos sistemas de logística reversa.

As interações entre os aspectos de gestão dos SLR, na maioria dos casos no Brasil, referem-se à implantação de SLR por motivação externa, em atendimento à lei n° 12.305/2010, de forma associativa, reunindo diferentes elos das cadeias produtivas. A gestão segue uma governança, com a presença do setor empresarial, reunido em torno de uma entidade gestora, e com o setor público, atuante na regulamentação e na fiscalização. O gerenciamento tem se mostrado compartilhado principalmente entre fabricantes e importadores, com uma relação com o mercado tanto monopolista como competitivo.

A Figura 3 apresenta o detalhamento do fluxo das relações entre as etapas dos SLR, tendo o consumidor como primeiro agente, em que este assume o papel de gerador e necessita segregar e acondicionar os materiais para posteriormente disponibilizá-los para a coleta.

Figura 3:
Possíveis relações entre as etapas de sistemas de logística reversa.

Os desafios apresentados pelos setores produtivos nos EVTE analisados, em relação aos aspectos operacionais, são apresentados no Quadro 3.

Quadro 3:
Aspectos operacionais dos desafios para a implantação de sistemas de logística reversa no Brasil.

Sistemas de Logística Reversa em operação no Brasil

Os SLR avaliados foram os referentes a embalagens de agrotóxicos, pneus inservíveis, pilhas e OLUC. Esses SLR são gerenciados por entidades gestoras, formadas por empresas atuantes nos seus respectivos setores. A Tabela 1 apresenta alguns dados sobre esses SLR.

Tabela 1:
Informações sobre os sistemas de logística reversa em operação no Brasil.

O que chama a atenção na Tabela 1 é a elevada eficiência dos sistemas, que chega a ultrapassar a meta para OLUC. No entanto, o percentual de municípios atendidos é baixo, sendo que apenas 14,4% dos municípios brasileiros possuem Ponto de Entrega Voluntária (PEV) para pneus (RECICLANIP, 2014); 4,3% possuem PEV para embalagens de agrotóxicos (INPEV, 2013) e 3,6% para pilhas (ABINEE, 2014). A elevada taxa de retorno desses produtos pós-consumo, mesmo como a baixa taxa de municípios com PEV, ocorre porque os PEV estão instalados prioritariamente em municípios de maior porte. Essa prática leva a taxas elevadas de população teoricamente atendida e de produtos recolhidos, mas a população dos municípios de pequeno porte, que representam a maioria dos municípios brasileiros, não é atendida. Por outro lado, evidencia que as metas de retorno de produtos não devem ser o único indicador de desempenho dos sistemas.

Inter-relação entre os Sistemas de Coleta Seletiva e de Logística Reversa

Alguns produtos pós-consumo, especialmente as embalagens em geral, têm relação direta com os SMCS. A parcela de materiais potencialmente recicláveis nos RSU, que é predominantemente composta por embalagens, representa 31,9%, em peso, dos resíduos coletados pelos municípios (IPEA, 2011).

Segundo o IBGE (2012), no ano 2000, 8,2% dos municípios brasileiros possuíam coleta seletiva; em 2008, esse percentual alcançou 19,5%. Já em termos regionais, as Regiões Sul e Sudeste apresentaram, em 2008, os maiores percentuais: 41,3 e 25,9% do total de municípios, respectivamente. Esses valores são superiores à média nacional, com destaque para o estado do Paraná (52,1%). Por outro lado, nas demais regiões, menos de 8,0% dos municípios realizavam coleta seletiva.

Portanto, há grande potencial de conexão entre os serviços públicos de manejo de RSU, por meio dos SMCS, e os SLR. A definição desse ponto de conexão e da forma de participação do setor empresarial nos SMCS ou do município nos SLR é de primordial importância para a sustentabilidade dos dois sistemas. A Tabela 2 apresenta a estimativa de alcance dos SLR de embalagens em geral, apresentada pelos EVTE (IBAM, 2012).

Tabela 2:
Estimativa de despesas e receitas para os sistemas de logística reversa de embalagens em geral.

A Figura 4 apresenta as estimativas de receita e despesa dos SLR para embalagens em geral por faixa populacional.

Figura 4:
Estimativa de despesas e receitas para os sistemas de logística reversa de embalagens em geral.

Deve-se considerar, ainda, que com a implantação dos SLR, principalmente das embalagens em geral, ocorrerá a redução das despesas com os serviços de coleta, transporte e destinação dos RSU, que são custeados pelos municípios.

Segundo dados do Sistema Nacional sobre Saneamento (SNIS), em 2013, as despesas com o manejo de RSU representaram, em média, 5% dos gastos correntes das prefeituras brasileiras (BRASIL, 2013).

Quanto ao mercado de recicláveis, os municípios com serviço de coleta seletiva separaram, prioritariamente, papel e/ou papelão, plástico, vidro e metal (materiais ferrosos e não ferrosos), sendo os mesmos assim negociados: comerciantes de recicláveis, como principais receptores finais desses materiais, com 53,9%; indústrias recicladoras, com 19,4%; entidades beneficentes, com 12,1%; e outras entidades, com 18,3% (IBGE, 2012).

Aspectos sociais

Os desafios apresentados pelos setores produtivos nos EVTE analisados, em relação aos aspectos sociais, são apresentados no Quadro 4 e trazem questões relacionadas à qualificação de mão de obra e à adesão da população no retorno de embalagens e produtos pós-consumo.

Quadro 4:
Aspectos sociais dos desafios para a implantação de sistemas de logística reversa no Brasil.

Mão de obra

Na maior parte das cidades brasileiras, são realizadas atividades de coleta de RSU totalmente desconectadas dos sistemas públicos. São atividades organizadas por sucateiros, proprietários de depósitos de materiais recicláveis que concentram seus negócios em aparas de papel, papelão, latinhas de alumínio, embalagens de polietileno tereftalato (PET) etc. Geralmente, trata-se de materiais de alto valor agregado.

As operações de coleta pelos depósitos são feitas diretamente nas grandes fontes geradoras dos resíduos, quando estes são homogêneos; em pontos de concentração dos resíduos, coletados por catadores de materiais recicláveis a eles vinculados informalmente; ou ainda em pequenos sucateiros que atuam como atravessadores dos materiais recicláveis garimpados por catadores nas ruas das cidades.

Os números dessas atividades são praticamente desconhecidos no Brasil, uma vez que não há, em geral, fiscalização e controle por parte das prefeituras. A atuação desses depósitos e catadores é a responsável pelos bons números da reciclagem de materiais de alto valor agregado no Brasil, como, por exemplo, as latinhas de alumínio. Assim, os SLR precisam considerar e estabelecer forte conexão com esse sistema de movimentação de materiais recicláveis, que ainda é bem mais eficiente que os SMSC.

Segundo o IBGE (2012), apenas uma pequena parte dos RSU produzidos no país é seletivamente coletada; a maior parte da coleta é feita por catadores, autônomos ou associados em cooperativas, que retiram dos RSU os materiais de mais alto valor, em condições de trabalho precárias e com baixa remuneração.

Quanto à participação de catadores de materiais reaproveitáveis nos SLR de embalagens, estima-se, na sua totalidade, a criação de 128.217 novos postos de trabalho em todo o território nacional. Considerando-se que atualmente o número de trabalhadores que participam de alguma organização coletiva está em torno de 40 a 60 mil, com a inserção desses trabalhadores nos SLR tem-se a possibilidade de aumentar o percentual de catadores trabalhando de forma organizada em cooperativas e associações (IBAM, 2012).

Participação da população e canais de comunicação

A participação da população e a criação de canais de comunicação são fatores de extrema importância para que os SLR operem de forma eficiente, pois, como em todo processo logístico, a economia de escala é um dos objetivos principais.

Na primeira etapa dos SLR, o consumidor realiza a segregação na fonte e entrega os produtos pós-consumo para os sistemas. Portanto, a adesão da população garantirá que o sistema tenha quantidade de material suficiente para gerar economia de escala.

Há uma demanda crescente dos usuários para que os fabricantes tenham responsabilidade estendida no fim da vida útil dos produtos. A pressão do cliente é desencadeada por preocupações ambientais e pelos custos de eliminação dos produtos, que são crescentes (YONGSHENG & SHOUYANG, 2008). No entanto, sua participação tem que ser estimulada, e o modelo de recebimento desses produtos pode inviabilizá-la, seja pela falta de acessibilidade, seja pela falta de confiabilidade no sistema.

Grande parte dos estudos não considera esse fator, partindo do pressuposto de que a simples disponibilização do serviço de recebimento dos produtos pós-consumo garante a entrega por parte do usuário, no final da vida útil dos produtos. Dessa forma, os sistemas são equivocadamente dimensionados somente com base em dados da geração de resíduos, que, na maioria dos casos, é calculada em função do consumo.

Para produtos eletroeletrônicos pós-consumo, a ABDI (2012) destaca que a adesão dos usuários está condicionada à facilidade no descarte dos equipamentos. Por exemplo, o consumidor só vai descartar sua geladeira usada quando a nova estiver a ponto de ser instalada. Diferentes portes de equipamentos sugerem sistemas diferenciados de descarte, como retirada na residência do consumidor, para equipamentos de grande porte, ou pontos de entrega voluntária, para equipamentos menores.

Outra condição, no caso de equipamentos como computadores, telefones e tablets, é a confiabilidade no tratamento que o sistema fornece aos dados pessoais neles gravados. Se houver dúvida a respeito da proteção à privacidade desses dados, o consumidor tenderá a postergar ou mesmo a evitar o descarte. Também é importante atentar para a necessidade da transferência de titularidade, isto é, o recebimento do equipamento com a emissão de um termo de doação, garantindo a legalidade de seu transporte (ABDI, 2012).

Portanto, ao propor um modelo logístico, deve ser estimado como ocorrerá a participação da população e devem ser previstos canais de comunicação que estimulem essa participação contínua. Deve ser considerada, também, a criação de canais de acesso à informação sobre o sistema, além de facilidades de acesso às instalações físicas de recebimento dos produtos.

CONCLUSÕES

Este estudo aponta uma série de desafios para o desenvolvimento e a operacionalização dos SLR que necessitam ser analisados com cautela, pois são indicativos de possíveis gargalos para os futuros sistemas a serem implantados no Brasil. Questões como adequação de legislação e normatização, aspectos tributários, instrumentos financeiros e licenciamento ambiental exigem a atuação direta do Governo Federal. Necessita-se também de controle governamental, tanto como elemento articulador entre os elos das cadeias produtivas quanto como mecanismo regulamentador e fiscalizador do cumprimento dos acordos setoriais.

Avaliando-se os SLR em operação, conclui-se também que seus indicadores de desempenho devem medir não apenas as taxas de retorno dos materiais, mas também sua cobertura e abrangência, visto que altos índices são atingidos mesmo sem o atendimento de grande percentual de municípios de médio e pequeno portes.

No que diz respeito aos desafios operacionais, a definição do modelo operacional e a relação entre os agentes responsáveis pela gestão compartilhada são fatores decisivos. No caso das embalagens em geral, sua forte relação com os SMCS e com a catação informal que ocorre no Brasil deve ser cuidadosamente estudada pelos setores empresarial e público de modo a evitar a sobreposição de ações.

Questões como normatização de procedimentos, principalmente para licenciamento ambiental, transporte dos produtos e consolidação de dados sobre infraestrutura logística, também são apontadas como desafios para os SLR.

Por fim, é importante observar que a legislação brasileira define que a responsabilidade pelo gerenciamento dos RSU é compartilhada entre fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, setor público e consumidor, enquanto nos países da zona do Euro a responsabilidade do fabricante é estendida, alargada, integral. Esse diferencial, que na Europa coloca o consumidor como coadjuvante importante, faz com que no Brasil ele tenha que ser tratado como protagonista.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio à pesquisa por meio de bolsas e outros auxílios.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2015
  • Aceito
    11 Nov 2016
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