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Avaliação de dados de monitoramento de estações de tratamento de esgotos domésticos operando com reatores UASB, localizadas na bacia hidrográfica do Rio das Velhas (MG), Brasil

Evaluation of monitoring data of wastewater treatment plants operating with UASB reactors, in the Velhas River hydrographic basin (MG), Brazil

RESUMO

Apenas 30% dos municípios brasileiros apresentam tratamento de esgotos domésticos. Mesmo quando existentes, muitas estações de tratamento de esgotos têm problemas operacionais e de projeto. Neste estudo, analisou-se o desempenho operacional de dez reatores anaeróbios de manta de lodo e fluxo ascendente, seguidos ou não de pós-tratamento, localizados na bacia hidrográfica do Rio das Velhas operando em escala real, uma tecnologia bastante difundida no país. As concentrações dos esgotos tratados e as eficiências de remoção foram comparadas com valores típicos reportados na literatura, bem como os desempenhos operacionais foram comparados estatisticamente entre as estações. Os percentuais de violação aos padrões de lançamento foram calculados, e realizou-se uma análise de cluster com os dados de concentrações efluentes das dez estações de tratamento de esgotos para avaliar se as estações seriam agrupadas em função das suas configurações. Em sete das dez estações de tratamento de esgotos avaliadas (70% dos sistemas), observaram-se desempenhos inferiores ao esperado para as tecnologias empregadas, sendo os problemas operacionais e de projetos os principais fatores responsáveis pelo comportamento das estações analisadas.

Palavras-chave:
avaliação comparativa de desempenho; efluentes sanitários; qualidade de efluente; tratamento anaeróbio

ABSTRACT

Only 30% of the Brazilian municipalities have wastewater treatment service. Even when existent, many wastewaters treatment plants face operational and design problems. This study evaluated the performance of ten Upflow Anaerobic Sludge Blanket reactors, a widely adopted technology in the country, whether or not followed by post-treatment, located in the Velhas River hydrographic basin and operating at full scale. Effluent concentrations and removal efficiencies were compared with typical values reported in the literature, as well as systems’ performances were statistically compared among plants. Violation percentages were calculated, according to the local discharge standards, and Cluster Analysis was carried out with effluent concentrations data of the ten treatment plants to evaluate whether the systems would be grouped according to their configurations. In seven of the ten wastewater treatment plants (70% of the systems), lower performance than expected were observed, taking into account the adopted treatment technologies, with operational and design problems being the main factors responsible for the behavior of the analyzed systems.

Keywords:
comparative performance evaluation; domestic effluent; effluent quality; anaerobic treatment

INTRODUÇÃO

Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), apenas 30% do total de municípios brasileiros possui estação de tratamento de esgotos (ETE), sendo estimadas 2.768 unidades distribuídas em 1.592 cidades, o que corresponde a 43% da população urbana atendida por sistema coletivo de coleta e tratamento dos esgotos (ANA, 2017AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Atlas Esgotos: Despoluição de bacias hidrográficas. Agência Nacional de Águas. Brasília: ANA, 2017. 92p.). O índice de atendimento é consistente com a avaliação do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em que, do total dos efluentes gerados no país, 46% receberam tratamento no ano de 2018 (SNIS, 2019SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO (SNIS). Diagnóstico dos serviços de água e esgotos – 2018. Brasília: SNIS, 2019. 180p.).

Os reatores upflow anaerobic sludge blanket (UASB) e reatores anaeróbios de leito expandido ou fluidificado figuram entre as principais tecnologias de tratamento de efluentes domésticos em operação no Brasil. O sistema do reator UASB consiste de um fluxo ascendente de esgotos por meio de um leito de lodo denso e de elevada atividade biológica. O principal processo que ocorre em todas as zonas de reação no reator é a estabilização da matéria orgânica. As principais vantagens da tecnologia são o baixo custo de implantação e de operação e o baixo consumo de energia. A principal limitação é a produção de efluente com qualidade insuficiente para atender aos padrões ambientais, sendo alguma forma de pós-tratamento usualmente necessária (CHERNICHARO, 2016CHERNICHARO, C.A.L. Reatores anaeróbios. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. 380p.). Em termos de população equivalente, os reatores anaeróbios seguidos ou não de algum pós-tratamento são responsáveis por tratar 30% do total de 71,7 milhões de habitantes que são atendidos por esse serviço de saneamento. Estima-se que, atualmente, no país, existam 1.047 reatores anaeróbios em escala plena tratando esgoto doméstico (ANA, 2017AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Atlas Esgotos: Despoluição de bacias hidrográficas. Agência Nacional de Águas. Brasília: ANA, 2017. 92p.).

Em Minas Gerais, nos últimos anos, houve uma evolução significativa do número de unidades de tratamento de esgotos domésticos em operação com reatores UASB, com ou sem pós-tratamento (CHERNICHARO, 2016CHERNICHARO, C.A.L. Reatores anaeróbios. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. 380p.). No entanto, há escassez de informações sobre a operação de ETE em escala real no Brasil (CORDERO, 2016CORDERO, M.F.E. Avaliação do desempenho e da influência das condições ambientais e operacionais de lagoas de estabilização, com base em um banco de dados internacionais. 151f. Dissertação (Mestrado). Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.; LEONEL, 2016LEONEL, L.F. Desempenho de estações de tratamento de esgoto – uma análise de sistemas de lagoas de estabilização de pequeno e médio porte integrada à avaliação da qualidade dos corpos hídricos na UGRHI 12 – Baixo Pardo/Grande. 206f. Dissertação (Mestrado). Departamento de Hidráulica e Saneamento, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2016.) e limitação de referências de estudos mais abrangentes nessa temática, havendo poucas consolidações estruturadas em termos de uma avaliação global (OLIVEIRA, 2006OLIVEIRA, S.M.A.C. Análise de desempenho e confiabilidade de estações de tratamento de esgotos. 214f. Tese (Doutorado). Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.; LEONEL, 2016LEONEL, L.F. Desempenho de estações de tratamento de esgoto – uma análise de sistemas de lagoas de estabilização de pequeno e médio porte integrada à avaliação da qualidade dos corpos hídricos na UGRHI 12 – Baixo Pardo/Grande. 206f. Dissertação (Mestrado). Departamento de Hidráulica e Saneamento, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2016.). Assim, pairam incertezas sobre a efetividade dos sistemas de tratamento existentes, tornando-se fundamental desenvolver pesquisas para investigar processos de tratamento em escala real e verificar as condições operacionais existentes.

Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi avaliar, à luz do referencial teórico, o desempenho operacional de ETE em operação com reatores UASB, localizadas na bacia hidrográfica do Rio das Velhas (Minas Gerais). Concentrações efluentes e eficiências de remoção foram comparadas com faixas típicas da literatura considerando os sistemas de tratamento adotados; comparou-se o desempenho operacional entre as ETE; verificou-se o atendimento aos padrões de lançamento dos efluentes; por fim, realizou-se uma análise de cluster (AC) para agrupar as ETE em estudo.

METODOLOGIA

Área de estudo

A bacia hidrográfica do Rio das Velhas está localizada na região central de Minas Gerais, com área de 27.850 km². Engloba 51 municípios, com população residente de cerca de 4,4 milhões de habitantes (aproximadamente 24,7% da população do estado). A bacia possui três macrorregiões de planejamento: Alto, Médio e Baixo Rio das Velhas. O Alto Rio das Velhas apresenta o maior contingente populacional, com expressiva atividade econômica, concentrada, sobretudo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Os principais agentes poluidores são efluentes industriais, especialmente de atividades minerárias e da indústria metalúrgica, e efluentes domésticos não tratados (PDRH Rio das Velhas, 2015PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DAS VELHAS (PDRH Rio das Velhas). Plano diretor de recursos hídricos da bacia hidrográfica do Rio das Velhas 2015: plano diretor consolidado – volume I. Belo Horizonte: Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, 2015. 319 p.), sendo essa a região mais crítica e preocupante em termos de qualidade das águas superficiais (PINTO et al., 2019PINTO, C.C.; CALAZANS, G.M.; OLIVEIRA, S.C. Assessment of spatial variations in the surface water quality of the Velhas River Basin, Brazil, using multivariate statistical analysis and nonparametric statistics. Environmental Monitoring and Assessment, v. 191, n. 3, p. 164-176, 2019. https://doi.org/10.1007/s10661-019-7281-y
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). Já as regiões do Médio e Baixo Rio das Velhas possuem baixo contingente populacional, quando comparadas com o Alto, com 1,28 milhão de habitantes, onde predominam atividades agrícolas e pecuárias (PDRH Rio das Velhas, 2015PLANO DIRETOR DE RECURSOS HÍDRICOS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DAS VELHAS (PDRH Rio das Velhas). Plano diretor de recursos hídricos da bacia hidrográfica do Rio das Velhas 2015: plano diretor consolidado – volume I. Belo Horizonte: Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, 2015. 319 p.).

Levantamento e sistematização do banco de dados

Os dados do monitoramento das ETE foram obtidos junto ao prestador de serviços de tratamento de esgotos. Acordou-se a denominação das ETE em códigos, incluindo sequências numéricas, o porte (pequeno – P, médio – M e grande – G) e o tratamento adotado. Os portes foram definidos com base na Deliberação Normativa COPAM n° 217/17 (COPAM, 2017MINAS GERAIS. CONSELHO ESTADUAL DE POLÍTICA AMBIENTAL (COPAM). Deliberação Normativa COPAM-MG n. 217, de 06 de dezembro de 2017. Estabelece critérios para classificação, segundo o porte e potencial poluidor, bem como os critérios locacionais a serem utilizados para definição das modalidades de licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais no Estado de Minas Gerais e dá providências. Belo Horizonte: COPAM, 2017.), a partir do percentil 95% das vazões afluentes. Segundo a referida legislação, a ETE é classificada em pequeno porte para vazões previstas entre 0,5 e 50 L.s-1, em médio porte para vazões entre 50 e 100 L.s-1 e em grande porte para vazões acima de 100 L.s-1.

A Tabela 1 apresenta as ETE selecionadas para o estudo, bem como o ano de início da operação, a vazão de projeto, os percentis 5 e 95% das vazões afluentes e o porte. A título de exemplo, a ETE-1 apresentou percentil 95% das vazões afluentes de 1,7 L.s-1, ou seja, 95% dos dados durante o período foram menores ou iguais a 1,7 L.s-1, classificando, assim, a estação em pequeno porte.

Tabela 1
Caracterização das estações de tratamento de esgotos localizadas na bacia do Rio das Velhas selecionadas para a pesquisa.

Com base nos dados das vazões de projeto (Tabela 1), é possível observar que as dez ETE estudadas representam capacidades de tratamento bastante variáveis pelas diferentes populações de projeto dos sistemas, entre o mínimo de 1,1 L.s-1 na ETE-2 até o máximo de 1.800,0 L.s-1 na ETE-10, representando grande diversidade nas capacidades das estações em operação na bacia do Rio das Velhas.

A maior prevalência de ETE de pequeno porte na região de estudo (Tabela 1) vai de acordo com o observado por Noyola et al. (2012)NOYOLA, A.; PADILLA-RIVERA, A.; MORGAN-SAGASTUME, J.M.; GÜERECA, L.P.; HERNÁNDEZ-PADILLA, F. Typology of municipal wastewater treatment technologies in Latin America. Clean – Soil, Air, Water, v. 40, n. 9, p. 926-932, 2012. https://doi.org/10.1002/clen.201100707
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em países da América Latina e por Chernicharo et al. (2018)CHERNICHARO, C.A.L.; RIBEIRO, T.B.; GARCIA, G.B.; LERMONTOV, A.; PLATZER, C.J.; POSSETTI, G.R.C.; ROSSETO, M.A.L.L. Panorama do tratamento de esgoto sanitário nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil: tecnologias mais empregadas. Revista DAE, v. 66, n. 213, 2018. p. 5-19. https://doi.org/10.4322/dae.2018.028
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em regiões do Brasil. Percebe-se ainda um grande número de unidades com o pós-tratamento do UASB por filtros biológicos percoladores (FBP). Conforme Chernicharo et al. (2018)CHERNICHARO, C.A.L.; RIBEIRO, T.B.; GARCIA, G.B.; LERMONTOV, A.; PLATZER, C.J.; POSSETTI, G.R.C.; ROSSETO, M.A.L.L. Panorama do tratamento de esgoto sanitário nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil: tecnologias mais empregadas. Revista DAE, v. 66, n. 213, 2018. p. 5-19. https://doi.org/10.4322/dae.2018.028
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, nas ETE brasileiras que apresentam reator UASB e um pós-tratamento como parte integrante do processo, o mais empregado são os FBP; cerca de 65% deles encontram-se em Minas Gerais.

A Figura 1 ilustra a localização das ETE na bacia hidrográfica. Destaca-se que apenas as estações ETE-7 e ETE-9 encontram-se fora dos limites da RMBH.

Figura 1
Localização das estações de tratamento de esgotos avaliadas na pesquisa.

Para selecionar as variáveis de estudo, considerou-se parâmetros típicos de esgotos sanitários (VON SPERLING, 2014VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. 4. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 472p.), bem como aqueles disponibilizados pelo prestador para a maior parte das estações, levando em conta a série histórica disponível. Sendo assim, foram analisadas as concentrações no afluente e no efluente e as eficiências de remoção dos parâmetros demanda bioquímica de oxigênio (DBO), demanda química de oxigênio (DQO), sólidos sedimentáveis (S-Sedim), Escherichia coli (E. coli) e nitrogênio amoniacal (N-amoniacal). As análises físico-químicas e microbiológicas realizadas pelo prestador do serviço seguiram os métodos analíticos presentes no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA et al., 2012AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION; AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION; WATER ENVIRONMENT FEDERATION. Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 22. ed. Washington: APHA; AWWA; WEF, 2012.). Os dados das concentrações afluentes de E. coli e N-amoniacal não foram disponibilizados na ETE-7 e na ETE-9, o que impossibilitou o cálculo das eficiências de remoção nesses dois casos.

Análises estatísticas aplicadas

Calculou-se a estatística descritiva (número de dados, mediana, mínimo, máximo e percentis 10, 25, 75 e 90%) das concentrações efluentes e das eficiências de remoção dos constituintes. Compararam-se os parâmetros supracitados com as respectivas faixas típicas de valores alcançados por cada sistema de tratamento adotado, conforme von Sperling (2014)VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. 4. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 472p..

Análise comparativa do desempenho operacional entre as ETE

Para comparação estatística do desempenho operacional entre as dez ETE, foi aplicado o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis (α=0,05), seguido do teste de comparações múltiplas, quando identificada uma diferença significativa entre as medianas das concentrações efluentes e das eficiências de remoção dos grupos, utilizando o software Statistica 10.0®.

A aplicação de testes não paramétricos deve-se ao fato de que a distribuição dos dados de concentrações de esgotos oriundos dos processos de tratamento não seguirem, de maneira geral, a distribuição normal (NIKU et al., 1979NIKU, S.; SCHROEDER, E.D.; SAMANIEGO, F.J. Performance of activated sludge process and reliability-based design. Water Pollution Control Federation, v. 51, n. 12, p. 2841-2857, 1979.; NIKU et al., 1981NIKU, S.; SCHROEDER, E.D.; TCHOBANOGLOUS, G.; SAMANIEGO, F.J. Performance of activated sludge processes: reliability, stability and variability. Project Summary. United States Environmental Protection Agency (USEPA). Washington: USEPA, EPA/600/2-81/227, 1981.; OLIVEIRA, 2006OLIVEIRA, S.M.A.C. Análise de desempenho e confiabilidade de estações de tratamento de esgotos. 214f. Tese (Doutorado). Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.; SILVEIRA, 2011SILVEIRA, A.G.M. Análise de eficiência e confiabilidade em sistemas de baixo custo de tratamento de esgotos do tipo lagoas de estabilização. 109f. Dissertação (Mestrado). Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011.; OLIVEIRA et al., 2012OLIVEIRA, S.C.; SOUKI, I.; VON SPERLING, M. Lognormal behavior of untreated and treated wastewater constituents. Water Science & Technology, v. 65, n. 4, p. 596-603, 2012. https://doi.org/10.2166/wst.2012.899
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; KHUDAIR et al., 2017KHUDAIR, B.H.; JASIM, S.A. Performance evaluation of sequencing batch reactor and conventional wastewater treatment plant based on reliability assessment. Journal of Engineering, v. 23, n. 11, p. 105-120, 2017.).

Análise de violações aos padrões de lançamento dos efluentes

Calcularam-se os percentuais de violação aos padrões de lançamento de DBO, DQO e S-Sedim, conforme legislação vigente (COPAM; CERH, 2008CONSELHO ESTADUAL DE POLÍTICA AMBIENTAL; CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS DE MINAS GERAIS. Deliberação Normativa Conjunta COPAM/CERH-MG n. 01, de 05 de maio de 2008. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. Belo Horizonte: COPAM; CERH, 2008.) (Tabela 2), para cada ETE.

Tabela 2
Condições de lançamento de efluentes sanitários estabelecidos pela Deliberação Normativa COPAM/CERH-MG n° 01/2008, considerando os parâmetros em estudo.

Verifica-se que o padrão dos parâmetros DBO e DQO são relativos a um valor de concentração efluente máxima (esgoto tratado) ou de eficiência de remoção mínima (Tabela 2). Como algumas legislações internacionais, a exemplo dos países Paraguai, Equador e Venezuela (VERÓL et al., 2007VERÓL, A.P.; VOLSCHAN JR., R. Inventário e análise de padrões de lançamento de esgotos sanitários: visão nacional e internacional. In: XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2007, São Paulo, Brasil: ABRH, 2007.), preconizam o atendimento apenas a concentrações efluentes, sem mencionar eficiências de remoção, foi efetuada uma análise dos resultados que seriam obtidos pelas ETE estudadas considerando apenas o critério das concentrações efluentes.

Análise de agrupamentos

Os dados das concentrações efluentes das ETE foram padronizados em escala Z (SINGH et al., 2004SINGH, K.P.; MALIK, A.; MOHAN, D.; SINHA, S. Multivariate statistical techniques for the evaluation of spatial and temporal variations in water quality of Gomti River (India) – a case study. Water Research, n. 38, p. 3980-3992, 2004. https://doi.org/10.1016/j.watres.2004.06.011
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; ZHANG et al., 2011ZHANG, X.; WANG, Q.; LIU, Y.; WU, J.; YU, M. Application of multivariate statistical techniques in the assessment of water quality in the Southwest New Territories and Kowloon, Hong Kong. Environmental Monitoring and Assessment, n. 173, p. 17-27, 2011. https://doi.org/10.1007/s10661-010-1366-y
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), e então foi realizada uma AC com base no conjunto de dados de cada ETE. A AC foi efetuada para avaliação de possíveis agrupamentos das estações de tratamento em função das suas configurações, sendo os resultados apresentados em um dendograma, ou diagrama de árvore (ZHANG et al., 2011ZHANG, X.; WANG, Q.; LIU, Y.; WU, J.; YU, M. Application of multivariate statistical techniques in the assessment of water quality in the Southwest New Territories and Kowloon, Hong Kong. Environmental Monitoring and Assessment, n. 173, p. 17-27, 2011. https://doi.org/10.1007/s10661-010-1366-y
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). A AC foi realizada por meio do software Statistica 10.0® e o cálculo do coeficiente de correlação cofenética (SOKAL et al., 1962SOKAL, R.R.; ROHLF, F.J. The comparison of dendrograms by objective methods. Taxon, v. 11, n. 2, 1962, p. 33-40, 1962. https://doi.org/10.2307/1217208
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) por meio de linguagem de programação R.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estatística descritiva e testes estatísticos

A Tabela 3 apresenta o número de dados disponibilizados pelo prestador por ETE e por parâmetro analisado, para os efluentes sanitários brutos e tratados. Verifica-se um monitoramento mais frequente dos parâmetros DBO, DQO e S-Sedim, sendo mensal na maioria das ETE. O monitoramento de E. coli é bimestral e o de N-amoniacal semestral na maior parte dos sistemas.

Tabela 3
Número de dados disponibilizados, por estação de tratamento de esgoto e por variável, para os efluentes sanitários brutos (B) e tratados (T).

Concentrações efluentes das ETE

A Figura 2 mostra os gráficos box-plot das concentrações dos parâmetros analisados para o efluente tratado e as faixas típicas de concentrações descritas na literatura (VON SPERLING, 2014VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. 4. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 472p.).

Figura 2
Concentrações dos constituintes do efluente tratado nas ETE analisadas.

As medianas mais elevadas para DBO e DQO foram encontradas na ETE-5, de pequeno porte e da tecnologia UASB seguido de filtro biológico percolador. Com base nos testes estatísticos, verificou-se que as medianas dessa ETE foram significativamente superiores a quase todas as ETE para as concentrações de DBO e DQO (com exceção da ETE-4 para DBO e ETE-3 para DQO, em que não houve diferenças significativas). As ETE 2 (de pequeno porte com disposição no solo), 6 (de pequeno porte com filtro biológico percolador) e 10 (de grande porte também com filtro biológico percolador) tiveram melhores resultados, com medianas significativamente inferiores das concentrações efluentes de DBO em relação à maior parte das estações em análise. Em relação à DQO, a ETE-2 (de pequeno porte com disposição no solo como pós-tratamento ao efluente do UASB) apresentou as menores concentrações.

Comparando-se às faixas típicas para DBO (VON SPERLING, 2014VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. 4. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 472p.), as concentrações medianas efluentes ultrapassaram o valor máximo nas ETE 4, 5 e 9 (as duas primeiras de pequeno porte e a última de médio porte). Em relação à DQO, apenas as ETE 2, 6, 7 e 10 apresentaram concentrações na faixa típica. Nas estações 4 (da tecnologia UASB seguido de flotação) e 5 (de UASB seguido de filtro biológico percolador), o percentil 10% ultrapassou o valor máximo da faixa de concentrações típicas para tais tecnologias.

Conforme Almeida et al. (2018)ALMEIDA, P.G.S.; RIBEIRO, T.B.; SILVA, B.S.; AZEVEDO, L.S.; CHERNICHARO, C.A.L. Contribuição para o aprimoramento de projeto, construção e operação de reatores UASB aplicados ao tratamento de esgoto sanitário – Parte 6: qualidade do efluente. Revista DAE, v. 66, n. 214, p. 90-108, 2018. https://doi.org/10.4322/dae.2018.043
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, diversas ETE brasileiras apresentam sérias dificuldades no gerenciamento do lodo, sendo um dos principais contribuintes para a perda de qualidade de efluentes de unidades que contém reatores UASB em seus processos, visto que a biomassa é perdida junto ao efluente, aumentando as concentrações de sólidos e de matéria orgânica. Assim, é necessário investigar o gerenciamento da fase sólida nos sistemas localizados na bacia do Rio das Velhas. Pela identificação dos problemas de maneira mais específica, será possível definir o que poderá ser melhorado em cada ETE, como a necessidade de realização de amostragem de lodo em pontos ao longo do compartimento da digestão do reator UASB; redimensionamento e melhor operação das unidades de desaguamento; além de manutenções preventivas e corretivas dos sistemas (ALMEIDA et al., 2018ALMEIDA, P.G.S.; RIBEIRO, T.B.; SILVA, B.S.; AZEVEDO, L.S.; CHERNICHARO, C.A.L. Contribuição para o aprimoramento de projeto, construção e operação de reatores UASB aplicados ao tratamento de esgoto sanitário – Parte 6: qualidade do efluente. Revista DAE, v. 66, n. 214, p. 90-108, 2018. https://doi.org/10.4322/dae.2018.043
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; LOBATO et al., 2018LOBATO, L.C.S.; RIBEIRO, T.B.; SILVA, B.S.; FLÓREZ, C.A.D.; NEVES, P.N.P.; CHERNICHARO, C.A.L. Contribuição para o aprimoramento de projeto, construção e operação de reatores UASB aplicados ao tratamento de esgoto sanitário – Parte 3: gerenciamento de lodo e escuma. Revista DAE, v. 66, n. 214, p. 30-55, 2018. https://doi.org/10.4322/dae.2018.040
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).

Os valores mais elevados de S-Sedim foram observados na ETE-4 (de pequeno porte e da tecnologia de UASB seguido de flotação), que foram significativamente superiores às demais ETE, exceto em comparação às ETE 3 e 8, nas quais não foram observadas diferenças significativas. Conforme Almeida et al. (2018)ALMEIDA, P.G.S.; RIBEIRO, T.B.; SILVA, B.S.; AZEVEDO, L.S.; CHERNICHARO, C.A.L. Contribuição para o aprimoramento de projeto, construção e operação de reatores UASB aplicados ao tratamento de esgoto sanitário – Parte 6: qualidade do efluente. Revista DAE, v. 66, n. 214, p. 90-108, 2018. https://doi.org/10.4322/dae.2018.043
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, elevadas concentrações de S-Sedim efluentes a UASB (2 a 3 mL.L-1) indicam que os reatores estão com massas de lodo acima de suas capacidades de armazenamento, e valores superiores foram reportados em algumas ETE do presente estudo. As ETE 1, 2, 7 e 10, que empregam reatores UASB sem pós-tratamento ou com diferentes combinações de tecnologias, apresentaram os menores teores de S-Sedim, inferiores à maior parte das demais e sem diferenças significativas entre si.

As ETE 4 e 5, ambas de pequeno porte, apresentaram as maiores concentrações efluentes de E. coli e grande variabilidade dos dados, indicando instabilidade do processo. Tais ETE obtiveram concentrações máximas de cerca de 1 ordem de magnitude, em escala log, superiores à faixa típica proposta por von Sperling (2014)VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. 4. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 472p.. Conforme esperado, as estações com menores concentrações efluentes de E. coli foram a ETE-2 e a ETE-7, ambas de pequeno porte e que adotam disposição no solo e lagoas, respectivamente. As duas ETE apresentaram medianas significativamente inferiores à maior parte das estações, uma vez que são as únicas tecnologias em estudo projetadas para remoção de organismos patogênicos.

Para N-amoniacal, as concentrações mais elevadas foram evidenciadas na ETE-1, na ETE-3 (ambas de pequeno porte e UASB) e na ETE-5 (de pequeno porte e com filtro biológico percolador). A ETE-9 (de médio porte com filtro biológico percolador) não teve diferença significativa em relação às demais ETE, o que pode ser explicado pela grande variabilidade dos dados, conforme observado no box-plot. As ETE 2 (de pequeno porte de UASB seguido de disposição no solo) e 7 (também de pequeno porte, de UASB seguido de lagoas facultativa e de maturação), contudo, foram as únicas que apresentaram concentrações efluentes máximas mais elevadas que o proposto pela literatura. Suas medianas, entretanto, estão na faixa típica. Assim como discutido para E. coli, as menores concentrações efluentes de N-amoniacal foram observadas pelas ETE 2 e 7, sistemas nos quais alguma remoção de N-amoniacal é esperada (VON SPERLING, 2014VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. 4. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 472p.).

Percebe-se que, de maneira geral, maiores concentrações efluentes dos parâmetros analisados foram encontradas em ETE com pós-tratamento após o reator UASB. Oliveira (2009)OLIVEIRA, S.C.; VON SPERLING, M. Performance evaluation of UASB reactor systems with and without post-treatment. Water Science & Technology, v. 59, n. 7, p. 1299-1306, 2009. analisaram dez ETE sem e oito com o pós-tratamento após o UASB e verificaram que a inclusão de um pós-tratamento garantiu uma melhoria na qualidade do efluente em termos de DBO e sólidos em suspensão totais pelo papel do pós-tratamento em complementar a remoção de matéria orgânica e sólidos do efluente do reator UASB. Apesar de, no presente trabalho, terem sido avaliadas apenas duas ETE operando com o reator UASB isoladamente (ETE 1 e 3), verificou-se um melhor desempenho da ETE-1 em relação a outras que incluíam um pós-tratamento, o que não era esperado. Essa constatação indica que podem estar ocorrendo problemas operacionais nas estações do presente estudo.

Observa-se, na Tabela 1, que na ETE-5, de pequeno porte e com o pós-tratamento por filtro biológico percolador, as vazões afluentes ultrapassaram a vazão de projeto em todo o período analisado. Já na ETE-8, de mesmo porte e tecnologia, as vazões afluentes superaram a vazão de projeto em quase todo o período (o percentil 5% foi ligeiramente inferior à capacidade da ETE). Tal fato indica que um dos motivos para os resultados não esperados é que, nessas ETE, as vazões afluentes excedem os valores definidos nos respectivos projetos, resultando em valores de concentrações efluentes superiores ao indicado pela literatura, levando ao não cumprimento dos requisitos legais.

A maioria dos estudos na literatura fornece resultados de testes em escala de laboratório e piloto, enquanto pesquisas sobre o desempenho de reatores UASB em escala real ainda são limitadas (MAINARDIS et al., 2020MAINARDIS, M.; BUTTAZZONI, M.; GOI, D. Up-Flow Anaerobic Sludge Blanket (UASB) Technology for energy recovery: a review on state-of-the-art and recent technological advances. Bioengineering, v. 7, n. 43, p. 1-29, 2020. https://doi.org/10.3390/bioengineering7020043
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). Oliveira (2006)OLIVEIRA, S.M.A.C. Análise de desempenho e confiabilidade de estações de tratamento de esgotos. 214f. Tese (Doutorado). Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. verificou, entre diversas tecnologias estudadas, que os reatores UASB com pós-tratamento mostraram os melhores ajustes aos valores da literatura para as concentrações efluentes. As concentrações dos esgotos tratados de tais ETE foram estatisticamente semelhantes às de lodos ativados. Já os reatores UASB operando isoladamente tiveram um desempenho um pouco aquém ao reportado pela literatura em relação às concentrações dos esgotos tratados (OLIVEIRA, 2006OLIVEIRA, S.M.A.C. Análise de desempenho e confiabilidade de estações de tratamento de esgotos. 214f. Tese (Doutorado). Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.). Bressani-Ribeiro et al. (2019)BRESSANI-RIBEIRO, T.; CHAMHUM-SILVA, L.A.; CHERNICHARO, C.A.L. Constraints, performance and perspectives of anaerobic sewage treatment: lessons from full-scale sewage treatment plants in Brazil. Water Science and Technology, v. 80, n. 3, p. 418-425, 2019. https://doi.org/10.2166/wst.2019.285
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avaliaram quatro ETE com reatores UASB seguidos de filtros biológicos percoladores e uma ETE de UASB operando isoladamente. As concentrações efluentes de DBO, DQO e S-Sedim foram próximas às encontradas nas ETE do presente estudo de mesmas tecnologias. Os autores também identificaram o excesso de lodo acumulado nos reatores como um dos principais problemas operacionais nos sistemas estudados (BRESSANI-RIBEIRO et al., 2019BRESSANI-RIBEIRO, T.; CHAMHUM-SILVA, L.A.; CHERNICHARO, C.A.L. Constraints, performance and perspectives of anaerobic sewage treatment: lessons from full-scale sewage treatment plants in Brazil. Water Science and Technology, v. 80, n. 3, p. 418-425, 2019. https://doi.org/10.2166/wst.2019.285
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). Hasan et al. (2019)HASAN, M.N.; KHAN, A.A.; AHMAD, S.; LEW, B. Anaerobic and aerobic sewage treatment plants in Northern India: Two years intensive evaluation and perspectives. Environmental Technology & Innovation, v. 15, p. 1-10, 2019. https://doi.org/10.1016/j.eti.2019.100396
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avaliaram ETE em operação na Índia de tecnologias aeróbias e de UASB seguido de pós-tratamento. Segundo os autores, os sistemas com reatores UASB não cumpriram os padrões locais de lançamento de efluentes.

Eficiência de remoção dos constituintes nas ETE

As eficiências de remoção dos constituintes analisados e as faixas típicas da literatura podem ser vistas na Figura 3 por meio dos gráficos box-plot.

Figura 3
Eficiências de remoção dos diversos constituintes analisados para as estações de tratamento de esgoto.

Em geral, as menores eficiências de remoção foram observadas na ETE-4, de pequeno porte e que adota a flotação (para DBO, DQO e S-Sedim), na ETE-8, também de pequeno porte e que adota filtro biológico percolador (para E. coli) e na ETE-3, de pequeno porte e de UASB (para N-amoniacal). Com relação às faixas típicas de eficiências apontadas na literatura, as estações 4, 5 e 8 apresentaram eficiências abaixo do esperado para as tecnologias adotadas em relação aos parâmetros DBO e DQO. Os resultados das baixas eficiências de remoção das ETE 5 e 8 podem estar associados à elevada sobrecarga hidráulica, em que as vazões afluentes excederam as vazões de projeto nos dois sistemas. Já as estações ETE-1 (de pequeno porte e UASB) e ETE-2 (de pequeno porte e UASB com disposição no solo) apresentaram eficiências acima da faixa típica pela literatura para remoção de DBO e DQO.

Em relação à DBO, as ETE 4 e 8 obtiveram eficiências significativamente inferiores à maior parte das estações no teste de comparações múltiplas. Já a ETE-2, de pequeno porte e com disposição no solo, apresentou os melhores resultados, sendo a mediana das eficiências de remoção de DBO significativamente superior a todas as estações, com exceção da ETE-10, em que não houve diferença significativa. Os resultados foram semelhantes para DQO, em que as menores eficiências foram observadas nas ETE 4, 5 e 8, com medianas significativamente inferiores à maioria das demais ETE. Os melhores resultados de eficiência de remoção de DQO foram encontrados nas ETE 2 e 10, com medianas significativamente superiores a todas as ETE e sem diferenças entre si.

As menores eficiências de S-Sedim foram encontradas na ETE-4, e eficiências negativas foram encontradas nessa estação e também na ETE-9 (de médio porte e UASB seguido de filtro biológico percolador). A ETE-4 apresentou mediana significativamente inferior em relação a maior parte das demais ETE no teste de comparações múltiplas. Os resultados podem estar associados a um inadequado gerenciamento do lodo nos sistemas, com perda de sólidos junto ao efluente (ALMEIDA et al., 2018ALMEIDA, P.G.S.; RIBEIRO, T.B.; SILVA, B.S.; AZEVEDO, L.S.; CHERNICHARO, C.A.L. Contribuição para o aprimoramento de projeto, construção e operação de reatores UASB aplicados ao tratamento de esgoto sanitário – Parte 6: qualidade do efluente. Revista DAE, v. 66, n. 214, p. 90-108, 2018. https://doi.org/10.4322/dae.2018.043
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), resultando em valores efluentes superiores aos afluentes às ETE, o que representa uma situação grave em termos de impacto ambiental e de saúde pública. Os melhores resultados de remoção de S-Sedim foram encontrados nas ETE 2, 7 e 10, com medianas significativamente maiores que a maior parte das outras estações. Destaca-se que a ETE-10 é a única estação de grande porte analisada no presente trabalho, e os melhores desempenhos em relação a algumas ETE podem estar associados a um melhor controle operacional.

Verificou-se, para a ETE-4, grande amplitude interquartil nas eficiências de remoção de DBO, DQO e S-Sedim, o que indica instabilidade no processo. Como essa ETE adota a flotação, em que o grau de clarificação do efluente final depende do cuidado com que o processo é operado (AISSE et al., 2001AISSE, M.M.; JÜRGENSEN, D.; REALI, M.A.P.; PENETRA, R.; FLORENCIO, L.; SOBRINHO, P.A. Pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios por sistemas de flotação. In: CHERNICHARO, C.A.L. (Org.). Pós-tratamento de efluentes de reatores anaeróbios. Rio de Janeiro: PROSAB/ABES, 2001.), devem ser investigados em maiores detalhes possíveis problemas de projeto e de operação também nessa unidade.

Para o parâmetro E. coli, verificou-se, em algumas ETE, desempenhos acima do previsto quando comparados com as faixas típicas de eficiências de remoção reportadas por von Sperling (2014)VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. 4. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 472p. para as tecnologias de tratamento empregadas. Nas ETE 3, 4, 5 e 8, no entanto, o percentil 10% estava abaixo do valor mínimo da faixa esperada. As tecnologias em análise não são, de maneira geral, dimensionadas para a remoção de organismos patogênicos, com exceção da ETE-2 e da ETE-7, que adotam disposição no solo e lagoas de estabilização, respectivamente; na última, a eficiência não foi calculada pela indisponibilidade dos dados de concentrações afluentes.

Com exceção da ETE-2, as estações apresentaram eficiências negativas de N-amoniacal (Figura 3), ou seja, as concentrações efluentes superam as afluentes. Esse resultado indica a possível ocorrência de amonificação nos sistemas, que é a conversão do nitrogênio orgânico dos esgotos brutos em nitrogênio amoniacal e que ocorre naturalmente ao longo do processo de tratamento, não indicando problemas de projeto, manutenção ou operação. Somado a esse fenômeno, como de maneira geral não há nitrificação expressiva, a concentração de N-amoniacal aumenta. Percebe-se que a maior parte das tecnologias não é dimensionada para a remoção do N-amoniacal, mas isso não é justificativa para eficiências negativas. Para evitar as ocorrências de eficiências globais de remoção negativas, é necessário o emprego de pós-tratamento com tecnologias que promovam a nitrificação, isto é, a oxidação do nitrogênio amoniacal em nitrito, em seguida convertido em nitrato. Para a remoção do nitrogênio total dos efluentes, é necessária ainda a etapa de desnitrificação, que é a redução do nitrato com a produção de nitrogênio gasoso (RAHIMI et al., 2020RAHIMI, S.; MODIN, O.; MIJAKOVIC, I. Technologies for biological removal and recovery of nitrogen from wastewater. Biotechnology Advances, v. 43, p. 1-25, 2020. https://doi.org/10.1016/j.biotechadv.2020.107570
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). Alguns processos que podem ser empregados com esses objetivos são lagoas de estabilização, disposição controlada no solo, lodos ativados e processos físico-químicos (VON SPERLING, 2014VON SPERLING, M. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. 4. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 472p.). No caso da ETE-2, UASB seguido de disposição no solo, a maior parte dos dados encontra-se na faixa típica, e o valor do percentil 25% é aproximadamente igual ao limite inferior da literatura para tal tecnologia. Coraucci Filho et al. (1999)CORAUCCI FILHO, B.; CHERNICHARO, C.A.L.; ANDRADE NETO, C.O.; NOUR, E.A.; ANDREOLI, F.N.A.; SOUZA, H.N.; MONTEGLIA, L.O.; VON SPERLING, M.; LUCAS FILHO, M.; AISSE, M.M.; FIGUEIREDO, R.F.; STEFANUTTI, R. Tecnologia do tratamento de águas residuais no solo: infiltração rápida, irrigação e escoamento superficial. In: CAMPOS, J.R. (Org.). Tratamento de esgotos sanitários por processo anaeróbio e disposição controlada no solo. 1. ed. Rio de Janeiro: PROSAB/FINEP, p. 357-407, 1999. relatam que o escoamento superficial de esgoto é muito eficiente quanto à remoção de nitrogênio, reportando remoções entre 60 e 90%. Assim como para E. coli, não foi possível calcular a eficiência de remoção de N-amoniacal da ETE-7, que adota lagoas facultativa e de maturação.

Das dez ETE estudadas, apenas duas (ETE-2 e ETE-7) empregam tecnologias em que alguma remoção de E. coli e de N-amoniacal é esperada. Diversos autores observaram o elevado grau de contaminação na qualidade das águas da bacia do Rio das Velhas em termos de indicadores de organismos patogênicos e de nutrientes (COSTA et al., 2017COSTA, E.P.; PINTO, C.C.; SOARES, A.L.C.; MELO, L.D.V.; OLIVEIRA, S.M.A.C. Evaluation of violations in water quality standards in the monitoring network of São Francisco River Basin, the third largest in Brazil. Environmental Monitoring and Assessment, v. 189, n. 11, p. 1-16, 2017. https://doi.org/10.1007/s10661-017-6266-y
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; TRINDADE et al., 2017TRINDADE, A.L.C.; ALMEIDA, K.C.B.; BARBOSA, P.E.; OLIVEIRA, S.M.A.C. Tendências temporais e espaciais da qualidade das águas superficiais da sub-bacia do rio das Velhas, estado de Minas Gerais. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 22, n. 1, p. 13-24, 2017. https://doi.org/10.1590/S1413-41522016131457
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; CALAZANS et al., 2018CALAZANS, G.M.; PINTO, C.C.; COSTA, E.P.; PERINI, A.F.; OLIVEIRA, S.C. Using multivariate techniques as a strategy to guide optimization projects for the surface water quality network monitoring in the Velhas river basin, Brazil. Environmental Monitoring and Assessment, v. 190, n. 12, p. 2-15, 2018. https://doi.org/10.1007/s10661-018-7099-z
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; DANTAS et al., 2019DANTAS, M.S.; OLIVEIRA, J.C.; PINTO, C.C.; OLIVEIRA, S.C. Impact of fecal contamination on surface water quality in the São Francisco River hydrographic basin in Minas Gerais, Brazil. Journal of Water and Health, v. 18, n. 1, p. 48-59, 2019. https://doi.org/10.2166/wh.2019.153
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; PINTO et al., 2019PINTO, C.C.; CALAZANS, G.M.; OLIVEIRA, S.C. Assessment of spatial variations in the surface water quality of the Velhas River Basin, Brazil, using multivariate statistical analysis and nonparametric statistics. Environmental Monitoring and Assessment, v. 191, n. 3, p. 164-176, 2019. https://doi.org/10.1007/s10661-019-7281-y
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), o que demonstra o baixo percentual de atendimento ao serviço de tratamento de esgotos e a insuficiência do tratamento, quando existente, na remoção desses constituintes (COSTA et al., 2017COSTA, E.P.; PINTO, C.C.; SOARES, A.L.C.; MELO, L.D.V.; OLIVEIRA, S.M.A.C. Evaluation of violations in water quality standards in the monitoring network of São Francisco River Basin, the third largest in Brazil. Environmental Monitoring and Assessment, v. 189, n. 11, p. 1-16, 2017. https://doi.org/10.1007/s10661-017-6266-y
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; PINTO et al., 2019PINTO, C.C.; CALAZANS, G.M.; OLIVEIRA, S.C. Assessment of spatial variations in the surface water quality of the Velhas River Basin, Brazil, using multivariate statistical analysis and nonparametric statistics. Environmental Monitoring and Assessment, v. 191, n. 3, p. 164-176, 2019. https://doi.org/10.1007/s10661-019-7281-y
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). Possíveis implicações disso são a eutrofização nos corpos d’água da bacia e problemas de saúde pública em municípios a jusante dos lançamentos dos efluentes insuficientemente tratados.

Violações aos padrões de lançamento dos efluentes

A Figura 4 apresenta os resultados do percentual de violação aos padrões de lançamento, para DBO e DQO (considerando concentrações efluentes ou eficiências de remoção, conforme Tabela 2) e S-Sedim (considerando teores efluentes, conforme Tabela 2).

Figura 4
Percentual de dados que violaram os padrões da Deliberação Normativa COPAM/CERH-MG n° 01/08 em cada uma das estações de tratamento de esgotos considerando concentrações e/ou eficiência de remoção.

De maneira geral, percebe-se uma menor conformidade aos padrões nas estações 4, 8, 5 e 3, todas de pequeno porte. A ETE-4, com tecnologia de UASB seguido de flotação por ar dissolvido, apresentou os maiores percentuais de violação para todos os parâmetros, o que está de acordo com as análises anteriores, que verificaram um pior desempenho em tal estação. A ETE-3 tem um sistema de reator UASB operando isoladamente, o que não está sendo suficiente para a remoção dos contaminantes, sendo necessário um pós-tratamento para otimizar o desempenho e reduzir os percentuais de violação. Já as estações 5 e 8, ambas de UASB seguido de filtro biológico percolador, são as mais sobrecarregadas entre todas ETE do estudo, uma vez que as vazões afluentes superam as vazões de projeto, conforme Tabela 1, o que pode ser uma explicação para os elevados percentuais de violação encontrados.

A Figura 5 apresenta os percentuais de violação para DBO e DQO, considerando apenas as concentrações efluentes máximas preconizadas pela legislação estadual vigente (Tabela 2). Percebe-se que os percentuais de violação se elevam para a maior parte das unidades, visto que os padrões de lançamento são flexibilizados pela legislação ao considerar a possibilidade do atendimento a eficiências de remoção mínimas. Oliveira (2006)OLIVEIRA, S.M.A.C. Análise de desempenho e confiabilidade de estações de tratamento de esgotos. 214f. Tese (Doutorado). Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. e Leonel (2016)LEONEL, L.F. Desempenho de estações de tratamento de esgoto – uma análise de sistemas de lagoas de estabilização de pequeno e médio porte integrada à avaliação da qualidade dos corpos hídricos na UGRHI 12 – Baixo Pardo/Grande. 206f. Dissertação (Mestrado). Departamento de Hidráulica e Saneamento, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2016. também verificaram que o critério que contempla apenas o resultado das concentrações efluentes foi o mais restritivo.

Figura 5
Percentual de violação à Deliberação Normativa COPAM/CERH-MG n° 01/08 considerando apenas o critério das concentrações efluentes de demanda bioquímica de oxigênio e de demanda química de oxigênio.

Conforme Oliveira (2006)OLIVEIRA, S.M.A.C. Análise de desempenho e confiabilidade de estações de tratamento de esgotos. 214f. Tese (Doutorado). Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. e Veról et al. (2007)VERÓL, A.P.; VOLSCHAN JR., R. Inventário e análise de padrões de lançamento de esgotos sanitários: visão nacional e internacional. In: XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2007, São Paulo, Brasil: ABRH, 2007., algumas legislações internacionais adotam padrões de lançamento de efluentes domésticos para os parâmetros nitrogênio, fósforo e coliformes termotolerantes, os quais não são englobados na legislação mineira, que inclui tais variáveis apenas para a qualidade das águas. Conforme von Sperling (1998)VON SPERLING, M. Análise dos padrões brasileiros de qualidade de corpos d’água e de lançamentos de efluentes líquidos. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 3, n. 1, p. 111-132, 1998., é difícil o controle das fontes poluidoras apenas pela qualidade requerida para os corpos receptores.

Veról et al. (2007)VERÓL, A.P.; VOLSCHAN JR., R. Inventário e análise de padrões de lançamento de esgotos sanitários: visão nacional e internacional. In: XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2007, São Paulo, Brasil: ABRH, 2007. identificaram ainda legislações internacionais mais restritivas em relação à legislação mineira para DBO, DQO e sólidos em suspensão totais no Chile, Paraguai, México, Comunidade Europeia e Estados Unidos. Poucos dos países estudados pelos autores adotam padrões para eficiências de remoção de DBO, e mesmo quando os padrões são incluídos, tratam-se, na maior parte dos casos, de valores mais elevados. Por exemplo, no Paraguai, o padrão de lançamento de efluentes para DBO é de 50 mg.L-1, não havendo o critério da eficiência de remoção. Na Comunidade Europeia, o padrão de lançamento DBO é de 25 mg.L-1, com eficiência entre 70 e 90% (VERÓL et al., 2007VERÓL, A.P.; VOLSCHAN JR., R. Inventário e análise de padrões de lançamento de esgotos sanitários: visão nacional e internacional. In: XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2007, São Paulo, Brasil: ABRH, 2007.), ou seja, são valores mais restritivos em relação à legislação de Minas Gerais (Tabela 2), e o padrão da Comunidade Europeia ainda exige que o sistema atenda aos dois critérios (concentrações efluentes e eficiências de remoção) simultaneamente.

Análise de agrupamento das ETE

A Figura 6 mostra o dendograma formado pela AC para os dados das concentrações efluentes das dez ETE analisadas. Pela baixa frequência e irregularidade no monitoramento de E. coli e N-amoniacal, apenas os parâmetros DBO, DQO e S-Sedim foram possíveis de serem incluídos nessa análise estatística multivariada. O método de agrupamento hierárquico empregado foi o Ward, que correspondeu a um coeficiente de correlação cofenética de 0,95, muito alto conforme Rohlf (1970)ROHLF, F.J. Adaptive hierarchical clustersing schemes. Systematic Zoology, v. 18, p. 58-82, 1970. https://doi.org/10.1093/sysbio/19.1.58
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. A linha de corte foi definida em 9,0, e com isso as estações 4, 5 e 3 se isolaram. Foram formados dois grupos, o primeiro contendo as ETE 10, 6 e 2, e o segundo as ETE 9, 7, 8 e 1.

Figura 6
Dendograma da análise de cluster para o banco de dados de concentrações efluentes das dez estações de tratamento de esgotos da bacia do Rio das Velhas, referente ao período de 2011 a 2016.

O resultado da AC foi consistente com os demais apresentados no trabalho, em que as estações que permaneceram isoladas no dendograma foram aquelas com pior desempenho e maiores percentuais de violação; cada uma adota uma configuração de tratamento. O primeiro grupo formado correspondeu às ETE com melhor desempenho, principalmente com relação às concentrações efluentes de matéria orgânica. Nesse grupo, duas ETE são de UASB+FBP, sendo uma de grande porte (ETE-10) e outra de pequeno porte (ETE-6), e a outra estação é de UASB+disposição no solo, de pequeno porte (ETE-2). O segundo grupo correspondeu às ETE com desempenho intermediário entre as de pior e melhor desempenho, sendo duas estações da tecnologia UASB+FBP, de distintos portes (ETE-9 de médio e ETE-8 de pequeno porte), uma ETE de UASB seguido de lagoas (ETE-7, de pequeno porte) e outra de UASB (ETE-1, de pequeno porte).

É possível notar que ETE de distintos portes e tecnologias se agruparam, o que não seria esperado para unidades bem projetadas e operadas, uma vez que o comportamento de sistemas com diferentes tipologias de tratamento seria distinto. Observou-se que ETE de mesmas configurações se agruparam de maneira distinta, como o UASB+FBP, em que uma ETE se isolou no dendograma, duas permaneceram no primeiro grupo e outras duas no segundo grupo (Figura 6). A alta variabilidade nos desempenhos de ETE de mesma modalidade reforça a importância do dimensionamento ajustado à realidade, da manutenção e operação adequadas dos sistemas (ALDERSON et al., 2015ALDERSON, M.P.; SANTOS, A.B.; MOTA FILHO, C.R. Reliability analysis of low-cost, full-scale domestic wastewater treatment plants for reuse in aquaculture and agriculture. Ecological Engineering, v. 82, p. 6-14, 2015. https://doi.org/10.1016/j.ecoleng.2015.04.081
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).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre as ETE analisadas, localizadas na bacia hidrográfica do Rio das Velhas, as ETE-3 (reator UASB), ETE-4 (UASB seguido de flotação por ar dissolvido), ETE-5 e ETE-8 (ambas de UASB seguido de filtro biológico percolador) apresentaram altas concentrações de matéria orgânica no esgoto efluente, baixas eficiências de remoção de DBO, DQO, N-amoniacal e S-Sedim e altos índices de violação dos padrões de lançamento previstos na DN COPAM/CERH-MG n° 01/08. Mesmo com esse cenário pouco otimista, os sistemas de tratamento de esgoto doméstico com reatores UASB, quando bem projetados e dimensionados, operados e mantidos, podem apresentar uma boa eficiência de remoção de matéria orgânica e sólidos, principalmente as unidades com um pós-tratamento. Além de melhorar o desempenho das ETE em operação para garantir uma efetiva remoção de matéria orgânica e de sólidos, é necessário investir em tecnologias que removam nutrientes, como o nitrogênio amoniacal apontado neste estudo, e organismos patogênicos, visto o elevado grau de contaminação na qualidade das águas da bacia do Rio das Velhas quanto a esses constituintes.

Mesmo em configurações de reatores seguidos por tecnologias de tratamento em que se espera um adequado desempenho, com elevada qualidade do efluente, foram observados baixos desempenhos. Isso ocorreu em estações que empregam pós-tratamento por flotação (ETE-4) e filtro biológico percolador (ETE 5, 8 e 9), e as os baixos desempenhos foram relacionadas a problemas de projeto e de operação, como o inadequado gerenciamento do lodo, a elevada sobrecarga hidráulica e a instabilidade dos sistemas. É importante ressaltar também as fragilidades do banco de dados, em função do monitoramento praticado pelos prestadores. Por exemplo, o tipo de amostragem não é informado e a frequência de coleta é irregular, inviabilizando o estudo da influência da sazonalidade nas concentrações dos esgotos. Para garantir dados mais robustos, o plano de amostragem deveria contemplar um monitoramento mais frequente dos esgotos, comum entre todas as ETE e entre os parâmetros analisados, além da definição sobre o tipo de amostragem e o horário das coletas nos bancos de dados. No entanto, mesmo apresentando as adversidades supracitadas, os resultados obtidos são importantes para se compreender o comportamento das ETE e expor suas fragilidades, principalmente a falta de informações e de monitoramento adequado das estações.

  • Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • Reg. ABES: 20200106

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2019
  • Aceito
    30 Jun 2021
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