Resumos
Objetiva-se neste trabalho discutir a viabilidade da regulação subnacional do saneamento básico no País de acordo com o estabelecido na Lei no 11.445/2007. Foi analisada a viabilidade da regulação municipal em 2.523 municípios, com base na amostra do Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SNIS) referente a 2005, mediante a aplicação de taxas de regulação de 1 a 3% do faturamento das concessionárias. Concluiu-se que a regulação local não apresenta viabilidade em 97% dos municípios pesquisados.
Regulação; serviços públicos; abastecimento de água; esgotamento sanitário; Lei nº 11.445/2007
The objective of this paper is to discuss the feasibility and the alternatives for the sub-national regulation of the basic sanitation in Brazil, as established one in the Law 11.445/2007. We analyze a sample of 2.523 municipalities from the data set of the National System for Information on Water Supply and Sewerage Services (SNIS) of 2005, assuming regulatory fees ranging between 1% and 3% of the concessionaire’s revenues. We concluded that local regulation was impracticable for 97% of the municipalities in the sample.
Regulation; public utilities; water supply and sewerage; Law nº 11.445/2007
ARTIGO TÉCNICO
Viabilidade da regulação subnacional dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário sob a Lei 11.445/2007
Feasibility of sub-national regulation of water supply and sewerage services under Law 11.445/2007
Alceu de Castro Galvão JuniorI; Frederico Araújo TurollaII; Wanderley da Silva PaganiniIII
IEngenheiro Civil. Mestre em Hidráulica e Saneamento EESC/USP. Doutor em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública FSP/USP. Analista de Regulação da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado do Ceará/ARCE
IIEconomista. Mestre e Doutor em Economia de Empresas pela FGV-SP. Professor de Economia da ESPM e da FGV-SP. Sócio da Pezco Pesquisa & Consultoria
IIIEngenheiro Civil. Mestre e Doutor em Saúde Pública pela FSP/USP. Professor Associado da FSP/USP. Livre docente em saneamento básico e ambiental pela FSP/USP. Superintendente de Gestão Ambiental da SABESP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alceu de Castro Galvão Junior Rua Marcos Macedo 1350 Aptº 702 60150-190 - Fortaleza -CE - Brasil E-mail: alceugalvao@uol.com.br
RESUMO
Objetiva-se neste trabalho discutir a viabilidade da regulação subnacional do saneamento básico no País de acordo com o estabelecido na Lei no 11.445/2007. Foi analisada a viabilidade da regulação municipal em 2.523 municípios, com base na amostra do Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SNIS) referente a 2005, mediante a aplicação de taxas de regulação de 1 a 3% do faturamento das concessionárias. Concluiu-se que a regulação local não apresenta viabilidade em 97% dos municípios pesquisados.
Palavras-chave: Regulação, serviços públicos, abastecimento de água, esgotamento sanitário, Lei nº 11.445/2007
ABSTRACT
The objective of this paper is to discuss the feasibility and the alternatives for the sub-national regulation of the basic sanitation in Brazil, as established one in the Law 11.445/2007. We analyze a sample of 2.523 municipalities from the data set of the National System for Information on Water Supply and Sewerage Services (SNIS) of 2005, assuming regulatory fees ranging between 1% and 3% of the concessionaires revenues. We concluded that local regulation was impracticable for 97% of the municipalities in the sample.
Keywords: Regulation, public utilities, water supply and sewerage, Law nº 11.445/2007
INTRODUÇÃO
A promulgação da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, é fato importante no quadro regulatório do setor de saneamento básico no Brasil. A Lei oferece um marco regulatório mínimo, sobre o qual estão estabelecidas as diretrizes da regulação, em âmbito subnacional. Entende-se como regulação subnacional, aquela exercida por estados e municípios da federação.
Este artigo discute uma importante questão sobre a implementação do marco regulatório do setor, qual seja, a viabilidade da regulação em diferentes possíveis configurações. Essa discussão não esteve presente em alguns setores de infra-estrutura, como no de telecomunicações, onde a titularidade dos serviços foi, desde logo, definida como nacional, instalando-se a regulação por agência federal. No setor de energia elétrica, definiu-se também a regulação por agência nacional, descentralizando-se parte das funções fiscalizatórias para alguns estados.
Já o saneamento básico não teve o mesmo destino e enfrenta uma indefinição sobre seu titular, não cabendo, por diretriz constitucional, titularidade e regulação nacionais. Assim, neste setor será muito importante definir o custo da regulação, pois este tende a consumir recursos escassos em proporções muito maiores que nos demais setores de infra-estrutura.
Notadamente, o País deixa de racionalizar sua função regulatória dentro de uma conjuntura econômica que não permite o desperdício de recursos. Infelizmente, o saneamento básico é possivelmente o mais carente entre os setores de infra-estrutura no Brasil, e aquele que terá que arcar com maiores dispêndios para o exercício da função regulatória devido à fragmentação desta atividade para estados e municípios. Dada a escassa tradição regulatória e de quadros técnicos com preparo na área institucional, a baixa viabilidade do modelo regulatório preconizado pela lei 11.445 pode conduzir a uma elevada probabilidade de que, além de ser mais cara, essa regulação tende a ser menos efetiva que nos demais setores.
Considerando que a Lei nº 11.445/2007 preconiza a criação de regulação onde a mesma hoje não é exercida, este trabalho tem como objetivo avaliar a viabilidade da criação das entidades de regulação subnacional do saneamento básico no País. O estudo foi realizado a partir de dados de uma amostra de 2,523 mil municípios brasileiros. A principal hipótese subjacente é a de que o custo regulatório varia de forma não proporcional em relação ao tamanho da unidade regulada, de maneira que o modelo regulatório fragmentado que pode advir da lei 11.445 tem como conseqüência um importante ônus de custo sobre o setor.
REGULAÇÃO SUB-NACIONAL DO SANEAMENTO BÁSICO
A regulação econômica, segundo Marques (2005, p. 29), tem como principal objetivo a maximização do bem-estar social, induzindo os operadores a um nível de produção desejável de forma a alcançar resultados ótimos quanto aos preços praticados, quantidades produzidas e padrões de qualidade oferecidos. Ela se faz necessária quando estes objetivos não podem ser obtidos através do livre funcionamento dos mercados. Em especial, isto ocorre no contexto do monopólio natural, onde os custos de produção apresentam a propriedade da sub-aditividade1, uma característica que é forte nas redes do setor de saneamento básico.
A literatura econômica é quase unânime quanto às dificuldades técnicas e institucionais para a regulação do saneamento básico em âmbito subnacional. Entre estas, Araújo e Pires (2000) assinalam que a assimetria de informação entre agência reguladora e empresa regulada, em favor desta última, resulta em custos elevados para a atividade regulatória. Estes custos são potencializados pela configuração do setor no Brasil, que apresenta especificidades como: a) a incerteza jurídica sobre a titularidade dos serviços; e b) a fragmentação dos poderes concedentes2. Uma questão importante é que, dependendo da definição da titularidade, o País poderá assistir à criação de até 5.564 entes municipais e 27 entes estaduais para regular os serviços de saneamento básico. Neste sentido diversos autores discutem a viabilidade da regulação nestes âmbitos, principalmente na esfera municipal.
Araújo (1999) avalia a localização do poder regulatório no município, questionando quais os riscos possíveis. O primeiro esta associado à proximidade das forças políticas e sociais locais da esfera administrativa municipal, o que pode resultar em ações para favorecimento de interesses alheios à concessão. O segundo é relativo à baixa capacidade técnica e gerencial dos municípios, o que dificulta o acompanhamento das metas e obrigações contratuais, com possíveis repercussões no equilíbrio do contrato de concessão.
Vários autores avaliam ainda que a regulação é viável somente em municípios com grande capacitação técnica e financeira e que a maioria das prefeituras não conta com quadros técnicos qualificados e capacidade institucional para regular os serviços de saneamento básico (Conforto, 2000; Faria e Faria, 2004; Mendes et al, 2006; Seroa da Mota, 2004; Silva, 2004; Turolla, 2002). Até mesmo em países desenvolvidos como a França, a regulação exercida pelas municipalidades carece de capacidade necessária para negociar com as grandes empresas do setor, devido estas possuírem enorme experiência e poder econômico, político e financeiro (Jouravlev, 2001)3.
No âmbito de concessões municipais operadas por prestadores privados, a regulação torna-se ainda mais complexa, visto a grande assimetria de recursos financeiros e administrativos existente entre concessionárias privadas e a maioria dos municípios (Arretche, 1999). Ainda segundo esta autora, o risco de captura de uma agência pelos interesses privados independe do nível de governo que esteja regulando, entretanto este risco aumenta quando o ente federado é o município.
Como alternativa a regulação municipal, Pires e Piccinini (1999) apontam para a delegação a agência estadual por esta apresentar menor assimetria de informações e estar menos sujeita ao risco de captura diante do poder concedente e/ou da concessionária.
Com efeito, o grande desafio para a criação de uma estrutura regulatória adequada é o nível de descentralização dos serviços de saneamento no Brasil (Mendes et al, 2006). Ademais, estes autores ressaltam que a multiplicação de organismos reguladores poderá superar os seus benefícios em larga medida, mediante a multiplicação de burocracias que poderiam resultar em baixa eficiência da atividade reguladora.
Com relação ao custo regulatório, Galvão Jr. et al (2006) avaliaram que as taxas para custeio da atividade reguladora variam de 0,5 a 1,0% do faturamento das concessionárias nas agências estaduais e de 1 a 3% do faturamento nas agências municipais4. Essa diferença entre os dois grupos constitui evidência, ainda que limitada, que corrobora a hipótese de que o custo regulatório varia na proporção do tamanho da agência. Note-se que as agências estaduais possuem caráter multisetorial, o que possibilita a presença de economias de escala e de escopo na função regulatória5.
METODOLOGIA
No desenvolvimento desta pesquisa foram adotados os seguintes critérios e procedimento metodológicos.
Para fins exclusivamente analíticos, a titularidade dos serviços de água e esgoto foi considerada municipal, mesmo em sistemas integrados, com a ressalva de que esta definição será objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal. Foi necessário estabelecer um conjunto de atividades a serem desempenhadas pelas agências reguladoras. Optou-se pelo conjunto expresso na Lei nº11.445/2007, sendo que estas atividades foram categorizadas em quatro grupos: regulação econômica, normatização, fiscalização e ouvidoria. Para cada grupo de atividade foram detalhadas obrigações específicas dispostas nesta lei.
A amostra dos municípios analisados nesta pesquisa foi extraída do Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgoto 2005 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) (Brasil 2006a). Foram estudados somente os municípios com sistemas de água e esgoto concessionados, excluindo-se aqueles com administração municipal por Serviços ou Departamentos Autônomos de Água e Esgoto (SAAEs/DAAEs). Esta opção metodológica justifica-se pela obrigatoriedade da regulação como condição de validade dos contratos em serviços concessionados (Lei nº11.445/2007, art. 11), o que pode isentar da regulação os serviços prestados por administração direta dos municípios, que não possuem contrato.
Das informações do SNIS foram utilizados o somatório das economias ativas de água (A03) e de esgoto (E03), e a receita operacional direta total (F01). De acordo com o SNIS, a informação F01 é definida como o "valor faturado decorrente das atividades-fim do prestador de serviços, resultante da exclusiva aplicação das tarifas".
Os municípios que declararam o somatório de economias de água e esgoto igual a zero ou não tiveram informação sobre receita operacional direta total foram excluídos da amostra. Deve-se ressaltar ainda que nem todos os municípios da amostra têm sistemas de água e esgoto. Consequentemente, em alguns deles, a receita operacional direta total (F01) é composta somente pelo faturamento da prestação dos serviços de abastecimento de água e/ou de esgotos sanitários.
Estabeleceu-se ainda como linha de corte o estudo dos municípios com até 200 mil economias de água e esgoto, o que representou cerca de 99% do total dos municípios com informações disponíveis no SNIS 2005. Acima de 200 mil economias, considera-se viável a regulação pelo concedente em municípios deste porte.
A amostra foi dividida em três categorias de municípios de acordo com o seguinte critério:
1. Pequeno porte: até 10 mil economias de água e esgoto;
2. Médio porte: de 10.001 a 50 mil economias de água e esgoto;
3. Grande porte: de 50.001 a 200 mil economias de água e esgoto.
Considerou-se esta divisão no sentido de prover para cada grupamento de municípios, agências reguladoras padrão quanto à infra-estrutura e quadro de pessoal.
Foi necessário ainda definir, para cada categoria de município (pequeno, médio e grande porte), uma estrutura mínima de agência reguladora padrão (quadro de pessoal, estrutura física, consultorias etc.) para atendimento das atividades previstas na Lei nº11.445/2007.
No cálculo do custo regulatório, foi adotada metodologia proposta por Galvão Jr. et al (2006). Esta metodologia descreve a composição das despesas para atuação de uma agência reguladora de serviços de saneamento básico.
Sendo assim, foram definidos três tipos de agências reguladoras padrão de acordo com as categorias dos municípios, ou seja, em função da quantidade total de economias de água e esgoto: pequeno porte, para atendimento de concessão com até 10 mil economias; médio porte para concessão com 10.001 a 50 mil economias; e grande porte para concessões entre 50.001 e 200 mil economias.
Para o cálculo do custo regulatório, utilizou-se como base as informações da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (ARCE), devido esta agência exercer há mais de cinco anos atividades regulatórias no setor de saneamento, possuir quadro próprio de pessoal, ser reconhecida como referência na regulação do setor de saneamento básico6 e ter dados disponíveis e de livre acesso na rede mundial de computadores. Apesar de serem custos e informações de uma agência estadual, esta limitação não inviabiliza a finalidade desta pesquisa que é obter uma ordem de grandeza para os custos regulatórios de agências reguladoras municipais.
No cálculo das despesas de pessoal próprio de nível superior, foi utilizado o salário base da Arce, nível intermediário, estabelecido na Lei Estadual nº 13.743, de 29 de março de 2006 (Ceará, 2006). Segundo a referida lei, um analista de regulação (engenheiro, economista, contador e advogado), nível F, referência 5, recebe vencimentos no valor de R$ 5.587,54. Considera-se este salário compatível com o nível de complexidade da função de regulação. Estas quatro categorias comporão o quadro de pessoal próprio das agências municipais padrões.
Não foram consideradas outras carreiras profissionais na composição do quadro de pessoal das agências municipais padrões como administrador, jornalista, entre outros, por considerar que estas profissões poderão ser desempenhadas por consultores ou pessoal terceirizado, ou até mesmo pelas quatro categorias de nível superior previstas para composição do quadro próprio.
As demais despesas da agência municipal padrão referentes a custos operacionais (aluguel, equipamentos, energia, comunicação, pessoal administrativo, entre outros) e de consultorias foram estimados conforme relatório anual de 2005 da ARCE. Segundo o referido relatório, estas despesas representavam 143% das despesas de pessoal próprio (ARCE, 2006).
Outra premissa definida na concepção da estrutura regulatória, é que o quadro de pessoal próprio deverá ser reduzido e eficiente para o desenvolvimento das atividades regulatórias. Foi ainda admitido, para efeito deste estudo, que nas agências de pequeno porte, profissionais de nível superior poderão exercer suas atividades regulatórias em tempo parcial.
Apesar de serem indicadas agências reguladoras padrão municipais com base nos custos de uma única agência de caráter multisetorial, sua aplicação efetiva deverá respeitar as particularidades locais, desde que se garantam condições para o atendimento a Lei nº11.445/2007.
Os percentuais das taxas de regulação sobre a receita operacional direta total adotados para análise de viabilidade da regulação municipal variaram de 1 a 3% do faturamento das concessionárias, conforme valores praticados por agências municipais no Brasil (Galvão Jr. et al, 2006).
No tocante aos procedimentos metodológicos, para determinação da viabilidade da regulação municipal, inicialmente foi detalhado o escopo da atividade regulatória com base nas obrigações da Lei nº 11.445/2007, nas áreas de regulação econômica, normatização, fiscalização e ouvidoria.
Posteriormente, os municípios com dados disponibilizados no SNIS 2005 foram agrupados em três categorias de acordo com as quantidades de economias ativas totais de água e esgoto. Para cada categoria de município, foi criada uma agência reguladora padrão para o atendimento as obrigações da Lei nº 11.445/2007 e definidos os custos básicos de cada agência.
Em seguida, estabeleceram-se como taxas de regulação os percentuais de 1, 2 e 3%, e calculou-se o valor arrecadado em cada município com base na aplicação destas taxas sobre a receita operacional direta total de cada concessão da amostra analisada.
Por último, os custos de cada agência padrão foram comparados com os valores calculados das taxas de regulação de 1, 2 e 3% sobre a receita operacional direta.
A partir desta análise, avaliou-se a viabilidade da regulação nos municípios conforme o número de economias totais de água e esgoto. Finalmente, foram discutidas algumas alternativas para a regulação da prestação dos serviços em bases mais eficientes, contornando as dificuldades de viabilização que foram identificadas no artigo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela 1 lista as atividades regulatórias expressas na Lei nº 11.445/2007. A avaliação do escopo da atividade reguladora é relevante para permitir a determinação dos recursos e instrumentos necessários para que a agência exerça esta atividade (Willams, Borrow e Daly, 1998). Para consecução das atividades previstas na Lei nº 11.445/2007 (Tabela 1), a agência reguladora deverá possuir estrutura e quadros técnicos capacitados. Da mesma forma, o planejamento da agência deverá ser concebido para que se tenha condições para o acompanhamento das obrigações previstas no marco regulatório da concessão.
Com efeito, o quadro técnico da agência reguladora necessita de remuneração compatível com os vencimentos de igual competência técnica e de responsabilidades praticadas no mercado (Conforto, 1998). Ademais, a capacitação técnica do quadro de pessoal próprio é fundamental para minimizar as assimetrias de informação entre a agência reguladora e o regulado (Pires e Piccinini, 1999; Holanda et al, 1995).
Como exemplo, Vargas (2005) defende que, na regulação da prestação dos serviços de água e esgoto dos municípios de Niterói (RJ) e Limeira (SP), operados por concessionárias privadas, os entes reguladores destes municípios não dispunham de pessoal técnico qualificado ou treinamento especializado, o que resultou na restrição do exercício da atividade reguladora associada a fortes riscos de captura do regulador pelo regulado.
A evasão de quadros técnicos tem sido reportada em várias agências reguladoras nacionais e subnacionais, conseqüência de baixos salários e da ausência de planos de carreira adequados à complexidade da atividade regulatória e ao mercado de trabalho. Desse modo, os vencimentos dos funcionários e os respectivos planos de carreira são condições indispensáveis para a estabilidade e a própria existência de uma agência reguladora, seja ela pertencente a estados ou a municípios.
Para o atendimento das atividades regulatórias da Lei nº 11.445/2007 sugere-se, na Tabela 2, a composição do quadro de pessoal próprio de nível superior para cada tipo de agência reguladora padrão. Observe-se ainda na mesma Tabela 2 que as características dos custos operacionais e de consultoria são as mesmas para os diferentes tipos de agência, independente do porte do município. A variação destes custos decorre da freqüência da realização das atividades e do porte da concessão. Por exemplo, municípios de grande porte, acima de 50 mil economias de água e esgoto, exigirão maior estrutura de atendimento ao público, assim como maior demanda de fiscalização, entre outros.
A Tabela 3 apresenta uma estimativa de custo regulatório mínimo para a manutenção mensal de uma agência reguladora padrão, de acordo com o seu porte. Esta Tabela mostra que são necessários recursos mensais de cerca de R$ 27.000,00 para agências de pequeno porte, R$ 41.000,00 para as de médio porte e R$ 54.000,00 para as de grande porte. Apesar dos salários não retratarem a realidade municipal para todo o País, entende-se que remunerações menores do que as projetados são insuficientes para atrair profissionais qualificados para o exercício das atividades da Lei nº 11.445/2007, o que na prática pode se traduzir na prestação dos serviços regulatórios com menor qualidade.
A Tabela 4 sumariza os valores médios obtidos no cálculo das taxas de regulação de 1, 2 e 3% sobre as receitas operacionais diretas das concessionárias de 2.523 municípios extraídos do SNIS 2005. Esta amostra foi categorizada em três grupos de acordo com a quantidade de economias ativas totais de água e esgoto: até 10 mil economias; de 10.001 a 50 mil economias; e de 50.001 a 200 mil economias. Trata-se de amostra bastante representativa, cerca de 45% dos municípios brasileiros, todos operados por companhias estaduais de saneamento básico. Os valores mensais arrecadados com as diferentes taxas de regulação para municípios de pequeno porte (até 10 mil economias) variaram em média de R$ 565,38 (1%) a R$1.696,13 (3%). Considerando o custo estimado para uma agência de pequeno porte, apresentado na Tabela 3 (cerca de R$ 27.000,00), o valor arrecadado a uma taxa máxima (3%) representa apenas 6% do valor necessário para operacionalizar esta agência padrão.
Mesmo que todos os municípios de pequeno porte analisados venham a dispor de esgotamento sanitário, consequentemente, maior receita operacional, ainda assim, os recursos arrecadados para a regulação não são suficientes para o desempenho das atividades previstas na Lei nº 11.445/2007. Da mesma forma, para os municípios de médio porte, a arrecadação média mensal foi de R$16.415,03 para uma taxa de regulação de 3%, que representa somente 40% do valor necessário para regular mediante agência padrão deste porte. Entretanto, o valor médio arrecadado para regulação dos municípios de grande porte a uma taxa de 3%, cerca de R$ 74.000,00, seria suficiente para viabilizar agências reguladoras padrão com um custo médio mensal estimado em R$ 54.311,00 (Tabela 3). Vale ressaltar que estas abordagens foram realizadas sobre os valores médios das taxas de regulação.
As Figuras 1, 2 e 3, representam graficamente os valores arrecadados com as taxas de regulação de 1, 2 e 3% nos 2.523 municípios analisados, respectivamente.
Na Figura 1 observa-se a inviabilidade da regulação municipal em todos os municípios com até 50 mil economias totais de água e esgoto. Já em relação aos municípios de grande porte, é possível identificar cinco municípios com taxa de regulação suficiente para a implantação de uma agência reguladora padrão.
Conforme evidenciado na Figura 2, o valor arrecadado para uma taxa de regulação de 2% do faturamento das concessionárias é ainda insuficiente para estabelecer a regulação por agências nos municípios com até 10 mil economias. Entretanto, para os municípios de grande porte, acima de 50 mil economias, a regulação pode ser implementada em cerca de 30% dos municípios desta categoria.
Para uma taxa de 3% do faturamento, conforme a Figura 3, a regulação continua inviável em municípios com até 10 mil economias de água e esgoto. Já para os municípios de 10.001 até 50 mil economias, é possível regular em 13 dos 320 municípios, o que representa um total de 4% desta categoria. Na categoria de 50.001 a 200 mil economias, a regulação é viável em 52 municípios, 57% do total da amostra desta categoria.
Em resumo, se aplicada uma taxa de regulação de 3% do faturamento das concessionárias, a regulação por agência é viável em somente 65 dos 2.523 municípios, cerca de 3% da amostra pesquisada. Note-se que a idéia de viabilidade está associada à capacidade de financiamento da agência por meio de taxas regulatórias, pois as diretrizes estabelecidas na Lei 11.445 com relação à regulação não são plenamente compatíveis com o financiamento da agência por meio de contribuições do orçamento fiscal do poder concedente. Em especial, essa modalidade poderia comprometer o princípio da independência decisória, incluindo autonomia administrativa, orçamentária e financeira da entidade reguladora. Sendo assim, entende-se como objetável do ponto de vista legal, a utilização de orçamento fiscal para custeio da atividade reguladora. Galvão Júnior e Monteiro (2006) corroboram com esta posição ao afirmarem que a regulação custeada pelo orçamento fiscal influencia negativamente nos atributos de independência e de autonomia do ente regulador. Ademais, os municípios brasileiros apresentam imensas dificuldades fiscais para o custeio da máquina administrativa das prefeituras, o que dificilmente sobrariam de recursos do tesouro municipal para utilização na regulação da prestação dos serviços de água e esgoto.
ALTERNATIVAS PARA REGULAÇÃO SUBNACIONAL
O exercício apresentado neste artigo evidencia que a regulação adequada dos serviços de saneamento dificilmente será viabilizada se acompanhar a fragmentação que é característica dos serviços de saneamento no Brasil. A Lei nº 11.445/2007 corrobora essa percepção, na medida em que explicita a diretriz de que a regulação seja estruturada em um formato com maior agregação. Em seu art. 23, parágrafo 1º, a Lei enuncia que "a regulação de serviços públicos de saneamento básico poderá ser delegada pelos titulares a qualquer entidade reguladora constituída dentro dos limites do respectivo Estado, explicitando, no ato de delegação da regulação, a forma de atuação e a abrangência das atividades a serem desempenhadas pelas partes envolvidas". Neste sentido, pressupõem-se duas alternativas de delegação da regulação: a uma agência estadual ou a um consórcio.
Delegação a agência estadual
A delegação da regulação municipal às agências estaduais pode ocorrer segundo diversos modelos institucionais. Em um primeiro modelo, o município delega parcialmente as atribuições regulatórias à agência estadual, sendo considerada uma regulação compartilhada. Podem-se encontrar diferentes variações deste modelo.
No estado do Ceará, tem-se que na regulação do município de Juazeiro do Norte, maior concessão do interior do estado, a Arce fiscaliza os serviços de água e esgoto, media conflitos entre usuários, concedente e concessionária além de aplicar penalidades pecuniárias a concessionária em caso de não cumprimento de cláusulas contratuais (Juazeiro do Norte, 2003). Por outro lado, nos processos de revisão tarifária, a aprovação final das tarifas é do município, depois de ouvido parecer da agência reguladora.
Outra variante deste modelo é encontrada no estado do Rio Grande do Sul, no qual a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Delegados Públicos do Rio Grande do Sul (Agergs), em parceria com a Federação dos Municípios do Estado (Famurs), Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) e Ministério Público desenvolveram instrumentos legais para delegação da regulação municipal à Agergs.
Neste exemplo de regulação compartilhada, compete aos municípios aplicar penalidades, aferir os indicadores de qualidade em conjunto com a Agergs e fiscalizar a prestação dos serviços. Já a Agergs, compete regulamentar e fiscalizar a prestação dos serviços, homologar e fixar reajustes e revisão de tarifas, e atuar como instância recursal no que concerne à aplicação das penalidades por parte do município (AGERGS, 2007).
Apesar do caráter democrático da regulação compartilhada entre município e agência reguladora estadual, a eficácia deste modelo é diretamente proporcional à capacidade do município de exercer efetivamente as atribuições dispostas nos instrumentos de delegação. Portanto, este modelo é factível somente para uma pequena parcela de municípios que possuam estrutura administrativa suficiente para o exercício de atividades regulatórias.
No segundo modelo institucional, o município delega integralmente a regulação a agência reguladora estadual. Neste caso, o município participa das decisões da agência por meio de representantes eleitos do conjunto dos municípios delegatários e da própria sociedade. O marco regulatório do estado de Goiás, exemplo desta modelagem, estabeleceu que a Saneamento de Goiás S.A (Saneago) seria submetida à fiscalização por parte da Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços PúblicosAGR (Goiás, 2004).
Este marco regulatório previu a criação do Conselho Estadual de Saneamento (Cesan), composto por cinco representantes do estado de Goiás, cinco representantes dos municípios e cinco representantes das entidades da sociedade civil. Compete ao Cesan aprovar o plano geral do prestador (PGP) e a tarifa única de cada região mediante parecer da AGR. Portanto, no que tange a definição de tarifas, os municípios, por meio de sua representação no Cesan, tem poder decisório e paritário, em relação aos demais atores, governo estadual e sociedade civil organizada.
A questão que se coloca neste modelo é saber se o município se sente representado em um Conselho Estadual e de que forma ocorre a articulação entre todos os municípios delegatários e seus representantes anterior à tomada de decisões importantes. Ademais, é preciso estabelecer canal permanente de comunicação entre agência reguladora estadual e município sobre as demais atividades regulatórias realizadas pela agência no âmbito da regulação dos serviços.
Regulação por consórcio
Os riscos estabelecidos na formatação dos consórcios encontram-se na perspectiva de que as agregações entre municípios sejam definidas com base em dimensões políticas e conjunturais, e não sob aspectos econômicos (Turolla e Ohira, 2006). Neste sentido, esta formatação, apesar de gerar a possibilidade de soluções pontualmente eficientes, não cria incentivos para a geração das condições para a regulação adequada em todo o País.
Por outro lado, Mendes et al (2006) entendem que apesar de ser um mecanismo de diluição de custos para regulação, a formatação dos consórcios para esta finalidade esbarra nas dificuldades das estruturas gerenciais dos municípios.
Uma experiência de consórcio para prestação e regulação dos serviços vem sendo desenvolvida pelo Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Piauí (Coresa Sul do PI). Neste Consórcio, a atribuição de regular pertence a um conselho de regulação composto por cinco representantes da diretoria executiva do Consórcio e de no mínimo cinco representantes eleitos dos usuários (BRASIL, 2006b). Trata-se de um órgão consultivo, cujas funções são limitadas a autorização do racionamento de água, avaliação dos serviços prestados e aprovação das propostas de regulamento e de revisão de tarifas a serem submetidas à assembléia geral do Consórcio. Apesar de ser uma experiência pioneira de Consórcio no País, de fato, a regulação não atende aos princípios e diretrizes da lei nº 11.445/2007. Não existe divisão de atribuições entre regulador e prestador de serviços, visto que este, representado pela diretoria executiva do Consórcio, participa do conselho de regulação. Ademais, o conselho não tem nenhum poder decisório nos rumos do consórcio.
CONCLUSÃO
A Lei nº 11.445/2007 explicitou diretrizes e sistemas de incentivos para a regulação da prestação dos serviços de água e esgoto. Entretanto, apesar do disposto na Lei, são enormes as dificuldades administrativas e financeiras para que os municípios possam exercer de fato a regulação setorial. Entre as atividades regulatórias previstas em lei, encontra-se, por exemplo, a regulação econômica, que exige elevada expertise técnica do quadro técnico da agência reguladora para análise de processos de revisão e reajuste tarifários. Ademais, a Lei tem como princípio a regulação independente, o que na prática, implica que esta atividade seja custeada com recursos oriundos das taxas de regulação. Neste sentido, o presente estudo concluiu que no atual contexto institucional e com taxas de regulação de 1, 2 ou 3%, é inviável a regulação do saneamento básico na maioria dos municípios brasileiros.
Uma importante questão para pesquisa futura diz respeito à avaliação de alternativas para o problema levantado neste artigo. Uma das alternativas consideradas para solução desta questão refere-se a delegação da atividade reguladora por municípios reconhecidamente titulares, às agências estaduais. Embora haja necessidade de período de implementação e de maturação da Lei nº 11.445/2007 pelo setor, já há algumas experiências em andamento nas quais se estabeleceu a regulação por agência independente, inclusive por meio da delegação da regulação municipal a agências estaduais. No Brasil, estima-se que exista regulação no saneamento básico por agências em 13% das concessões no País (Galvão Junior e Paganini, 2006). Neste sentido, estas experiências poderão fornecer elementos para a consideração de novos modelos regulatórios.
A segunda alternativa ocorre mediante consórcio entre entes federados para regular a prestação dos serviços de saneamento básico. Ao contrário das agências estaduais, não existe no País experiência real de consórcio regulando os serviços de água e esgoto. O processo de modelagem de um consórcio para regulação do saneamento envolve elevado nível de negociação política e tempo de maturação prolongado. Com efeito, a montagem de um consórcio para regulação poderia ser facilitada caso a prestação dos serviços fosse também realizada por um consórcio. Um importante aspecto a ser considerado nesta discussão é o conjunto de incentivos que dirige a formação das associações entre municípios e a possibilidade de que os arranjos mais eficientes deixem de aparecer por força de custos de coordenação típicos da matriz de conjunturas políticas locais.
Diante do exposto, é fundamental considerar no desenho da regulação subnacional do saneamento, os custos econômicos de montagem e operação das entidades reguladoras e as alternativas para regulação em caso de inviabilidade desta atividade ser exercida pelo próprio titular.
Em suma, o desafio da criação da regulação no Brasil deverá levar em consideração a característica da fragmentação dessa atividade. A busca de economias de escala e de escopo na função regulatória poderá contribuir para o enfrentamento deste desafio, tanto por meio da delegação às agências estaduais ou consorciamento de municípios, quanto pelo uso da criatividade e da manipulação da escala mínima da atividade regulatória, através do uso parcimonioso dos recursos escassos, poderão contribuir para o enfrentamento deste desafio.
Recebido: 16/05/07
Aceito: 24/03/08
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Jun 2008 -
Data do Fascículo
Jun 2008
Histórico
-
Aceito
24 Mar 2008 -
Recebido
16 Maio 2007