RESUMO
Neste artigo, argumenta-se que a sensibilidade urbana em relação aos recursos hídricos pode ser aumentada pela compreensão do processo de produção do espaço e do metabolismo urbano. Propõem-se duas análises integradas do espaço urbano: a primeira é relativa ao desempenho hidrológico, em que são levantados os potenciais de diversificação hídrica por meio do desenvolvimento de indicadores quantitativos e da geração de cenários possíveis à diversificação; a segunda refere-se à produção do espaço, em que é realizado levantamento histórico das condições de acesso à água. Verifica-se como se dá o processo de produção do espaço e o impacto desse processo sobre os recursos hídricos. Mais detalhadamente, observam-se as correlações entre os agentes e as transformações espaciais, visando identificar as associações que comandam essas transformações. Essa proposta metodológica é aplicada à cidade de Campina Grande, Paraíba, elegendo-se um bairro que sofreu expressivas transformações espaciais nos últimos 20 anos. Os resultados mostram um potencial de 243% para diversificação por uso de água de chuva e 69% por reuso de água residuária. Por meio da combinação de possibilidades de diversificação hídrica, o sistema de abastecimento, que atualmente é centralizado, poderia ter essa centralização reduzida a até 57%. A análise da dinâmica urbana revela a necessidade de intervenção do poder público quanto à adoção de medidas de controle da ocupação do solo. Atualmente, os promotores imobiliários e proprietários fundiários condicionam o processo de produção do espaço, o que dificulta a melhoria do desempenho hidrológico urbano.
Palavras-chave:
gestão integrada de recursos hídricos; processos espaciais; metabolismo urbano
ABSTRACT
The present work is based on the premise that the urban sensitivity in relation to water resources can be increased by the understanding of urban metabolism. Two related urban space analyses are proposed: the former is related to the hydrological performance, in which water diversification potentials are raised by developing quantitative indicators and by the generation of possible scenarios for diversification; the latter refers to the space production, in which a historical survey of the access conditions to water is studied. The space production proceeding is verified, and the impact of its process on the water resources. In more details, the correlations between agents and spatial transformations are observed, aiming to identify the associations that command these transformations. This methodological propose is applied in the city of Campina Grande, Paraíba, choosing a specific neighborhood that has undergone significant spatial transformations in the last 20 years. Results showed a potential of 243% for diversification by using rainwater, and 69% by reusing wastewater. Through the combination of possibilities for water diversification, the supply system, which is currently fully centralized, could have this centralization reduced to up to 57%. The urban dynamics analysis reveals the need for public intervention in the adoption of control measures of soil occupation. Currently, real-estate developers and entrepreneurs lead the space production process, which makes it difficult to improve urban hydrological performance.
Keywords:
integrated water resources management; space processes; urban metabolism
INTRODUÇÃO
A gestão eficiente das águas na escala municipal é uma necessidade premente, tendo em vista as graves implicações relacionadas ao crescimento da demanda de água para o exercício das mais diversas atividades, à dependência das cidades de uma única fonte hídrica que, de modo geral, se encontra externa aos limites urbanos e ao comprometimento de sua qualidade, decorrente do aumento do lançamento de efluentes nos corpos hídricos. Paralelamente a essa questão, o processo de ocupação do solo, muitas vezes desarticulado do gerenciamento dos recursos hídricos, acarreta inúmeros prejuízos aos ambientes natural e urbano, a exemplo, entre outros, da sobrecarga das infraestruturas e do aumento da impermeabilização do solo. As consequências do acelerado processo de urbanização para os recursos hídricos não se atêm aos limites das cidades, pois os sistemas urbanos não são sistemas isolados, dependendo e impactando o uso da água além de seus limites jurisdicionais, ou seja, em toda a bacia hidrográfica na qual eles estão inseridos (SERRAO-NEUMANN et al., 2017SERRAO-NEUMANN, S.; RENOULF, M.; KENWAY, S.J.; LOW CHOY, D. (2017) Connecting land-use and water planning: Prospects for an urban water metabolism approach. Cities, v. 60, parte A, p. 13-27. https://doi.org/10.1016/j.cities.2016.07.003
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
).
A busca por novas abordagens relacionadas à gestão dos recursos hídricos que forneçam informações sobre uso e dependência de sistemas urbanos, pautados na redução da vulnerabilidade ao desabastecimento, torna-se uma necessidade cada vez mais evidente. Entre diversas alternativas, a avaliação do desempenho urbano para o aproveitamento dos recursos hídricos com base no conceito de metabolismo urbano tem-se apresentado como uma importante ferramenta de análise por considerar a cidade um sistema com fluxos de energia e materiais entre ela e o ambiente (RENOULF et al., 2017RENOULF, M.A.; SERRAO-NEUMANN, S.; KENWAY, S.J.; MORGAN, E.A.; CHOY, D.L. (2017) Urban water metabolism indicators derived from a water mass balance - Bridging the gap between visions and performance assessment of urban water resource management. Water Research, v. 122, p. 669-677. https://doi.org/10.1016/j.watres.2017.05.060
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
).
Os estudos que envolvem a aplicação do conceito de metabolismo urbano relatam que, ante o fato de haver um crescimento rápido e desordenado de uma cidade sem a devida articulação com a gestão ambiental, existem consequências severas ao meio ambiente, como o esgotamento de recursos, a poluição e os danos ecológicos, sendo esses problemas uma consequência da desordem do metabolismo urbano (e.g., BRUNNER, 2007BRUNNER, P.H. (2007) Reshaping urban metabolism. Journal of Industrial Ecology, v. 11, n. 2, p. 11-13. https://doi.org/10.1162/jie.2007.1293
https://doi.org/https://doi.org/10.1162/...
; KENNEDY et al., 2010KENNEDY, C.; STEINBERGER, J.; GASSON, B.; HANSEN, Y.; HILLMAN, T.; HAVRÁNEK, M.; PATAKI, D.; PHDUNGSILP, A.; RAMASWAMI, A.; MENDEZ, G.V. (2010) Methodology for inventorying greenhouse gas emissions from global cities. Energy Policy, v. 38, n. 9, p. 4828-4837. https://doi.org/10.1016/j.enpol.2009.08.050
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
).
A avaliação do desempenho urbano para o aproveitamento dos recursos hídricos, com base no conceito de metabolismo urbano, é uma ferramenta para promover uma análise de cidades, buscando apresentar oportunidades de melhoria do seu desempenho e do aumento da sensibilidade aos recursos hídricos. A cidade sensível à água é aquela que “minimiza a importação de água potável e a exportação de águas residuárias, de e para áreas externas aos limites urbanos, otimizando o uso dos recursos hídricos dentro da própria cidade” (WONG; BROWN, 2009WONG, T.H.F.; BROWN, R.R. (2009) The water sensitive city: principles for practice. Water Science And Technology, v. 60, n. 3, p. 673-682. https://doi.org/10.2166/wst.2009.436
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, p. 680). Comumente, as abordagens relativas à aplicação desses conceitos consideram o estudo de centros urbanos consolidados, verificando suas potencialidades de diversificação hídrica e suas principais limitações (e.g., RENOULF et al., 2016RENOULF, M.A.; KENWAY, S.; SERRAO-NEUMANN, S.; CHOY, D.L. (2016) Urban metabolism for planning water sensitive cities: Concept for an urban water metabolism evaluation framework. Clayton: Cooperative Research Centre for Water Sensitive Cities.; RENOULF; KENWAY, 2017RENOULF, M.A.; KENWAY, S. (2017) Evaluation Approaches for Advancing Urban Water Goals. Journal of Industrial Ecology, v. 21, n. 4, p. 995-1009. https://doi.org/10.1111/jiec.12456
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; FAROOQUI; RENOULF; KENWAY, 2016FAROOQUI, T.A.; RENOULF, M.; KENWAY, S. (2016) A metabolism perspective on alternative urban water servicing options using water mass balance. Water Research, v. 106, p. 415-428. https://doi.org/10.1016/j.watres.2016.10.014
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; KENWAY; GREGORY; MCMAHON, 2011KENWAY, S.; GREGORY, A.; MCMAHON, J. (2011) Urban water mass balance analysis. Journal of Industrial Ecology, v. 15, n. 5, p. 693-706. https://doi.org/10.1111/j.1530-9290.2011.00357.x
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
). Em nível nacional, as iniciativas de aplicação desses conceitos ainda são poucas (CONKE; FERREIRA, 2015CONKE, L.S.; FERREIRA, T.S. (2015) Urban metabolism: Measuring the city’s contribution to sustainable development. Environmental Pollution, v. 202, p. 146-152. https://doi.org/10.1016/j.envpol.2015.03.027
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; KENNEDY et al., 2014KENNEDY, C.; STEWART, I.D.; IBRAHIM, N.; FACCHINI, A.; MELE, R. (2014) Developing a multi-layered indicator set for urban metabolism studies in megacities. Ecological Indicators, v. 47, p. 7-15. https://doi.org/10.1016/j.ecolind.2014.07.039
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; LORZ et al., 2012LORZ, C.; ABBT-BRAUN, F.H.; BAKKER, F.; BORGES, P.; BÖRNICK, H.; FORTES, L.; FRIMMEL, F.H.; GAFFRON, A.; HEBBEN, N.; HÖFER, R.; MAKESCHIN, F.; NEDER, K.; ROIG, L.H.; STEINIGER, B.; STRAUCH, M.; WALDE, D.; WEIB, H.; WORCH, E.; WUMMEL, J. (2012) Challenges of an integrated water resources management for the Distrito Federal, Western Central Brazil: climate, land-use and water resources. Environmental Earth Sciences, v. 65, n. 5, p. 1575-1586. https://doi.org/10.1007/s12665-011-1219-1
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
).
A abordagem aqui estabelecida faz uso dos conceitos de metabolismo urbano e de cidades sensíveis à água considerando a dinâmica de organização espacial do meio urbano, visando, sobretudo, identificar os conflitos e inter-relações entre a ocupação do solo e os recursos hídricos. Acredita-se que a compreensão do processo de ocupação do espaço natural e de sua transformação em espaço construído é interessante ao entendimento não só dos impactos gerados ao ambiente natural em decorrência da urbanização, mas, sobretudo, das intervenções que proporcionem um maior equilíbrio. No contexto da sensibilidade urbana aos recursos hídricos, esse equilíbrio relaciona-se à aproximação da cidade do ambiente natural, na medida em que a produção de seu espaço seja pautada na manutenção da preservação desse ambiente natural, especialmente relacionado aos recursos hídricos. A ação de diferentes agentes produtores no espaço urbano é determinante na busca ou no distanciamento desse equilíbrio, visto que a ocupação do espaço é pautada nos seus interesses.
Este artigo apresenta possibilidades de aumento da sensibilidade urbana aos recursos hídricos, com base na compreensão do metabolismo urbano associado ao processo de produção do espaço.
MATERIAIS E MÉTODOS
O espaço urbano é analisado neste trabalho sob duas perspectivas. A primeira delas é referente ao metabolismo urbano, em que são desenvolvidos indicadores de desempenho hidrológico e analisadas, quantitativamente, possibilidades de diversificação hídrica para a cidade de Campina Grande, sendo esta uma cidade representativa de outros centros urbanos de médio porte do semiárido brasileiro.
A segunda perspectiva diz respeito à produção do espaço, sendo analisadas as conexões entre essa produção e os recursos hídricos ao longo do tempo. Para essa perspectiva, são levantadas as principais transformações do ambiente natural em ambiente construído, no período compreendido entre 1970 e 2018, sendo este recorte selecionado por compreender as primeiras transformações significativas na área analisada, identificando a forma como os diferentes agentes produtores do espaço as comandaram. Os agentes sociais foram identificados com base em Corrêa (2016CORRÊA, R. (2016) Processos, formas e interações espaciais. Revista Brasileira de Geografia, v. 61, n. 1, p. 127-134. https://doi.org/10.21579/issn.2526-0375_2016_n1_art_7
https://doi.org/https://doi.org/10.21579...
). É objeto desta análise o bairro do Catolé, por se tratar de um bairro cuja urbanização é fruto de um intenso e acelerado processo ocorrido nas últimas décadas na cidade de Campina Grande, tendo a sua estrutura sido modificada em um curto intervalo de tempo.
Para a compreensão do processo de produção do espaço, realizou-se um mapeamento dos agentes responsáveis, por meio do levantamento histórico dos marcos referentes à urbanização do bairro do Catolé. Esse mapeamento compreendeu ainda a identificação da intensidade das ações dos referidos agentes na transformação do território. Essa intensidade foi avaliada de acordo com o grau de transformação dos agentes produtores do espaço, em que se observou que, enquanto alguns agentes tiveram uma expressão mais significativa de suas ações sobre o território, outros não tiveram sua intervenções convertidas em grandes impactos ao ambiente construído, refletindo em transformações menos expressivas na construção do espaço.
Área de estudo
Campina Grande localiza-se na região do agreste paraibano, Nordeste do Brasil. Situa-se na bacia hidrográfica do rio Paraíba, e é cortada pela divisa entre as regiões do médio e baixo rio Paraíba, não sendo banhada por nenhum de seus afluentes, nem pelo rio principal. Apesar de ser abastecida pelo açude Epitácio Pessoa-Boqueirão, sua única fonte hídrica, localizada a 40 km de distância de sua área urbana, a descarga de seus efluentes de esgotamento sanitário pós-tratamento e da rede de drenagem urbana impactam outros trechos do rio e outros corpos hídricos da bacia (Figura 1). A bacia de contribuição do açude Boqueirão situa-se em região que apresenta alta variabilidade climática e hidrológica, cuja estação chuvosa se concentra entre os meses de fevereiro e maio.
Bacia do rio Paraíba, açudes Epitácio Pessoa e Acauã, Campina Grande e rede hidrográfica sob a influência de sua drenagem urbana.
O seu perímetro urbano compreende, aproximadamente, 90 km2 e concentra 95% do total da população do município (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). (2010) Portal. IBGE. Disponível em: <Disponível em: http:www.ibge.gov.br >. Acesso em: nov. 2017.
http:www.ibge.gov.br...
), sendo esta a área de interesse deste trabalho. Possui cerca de 400 mil habitantes, e o seu crescimento populacional é expressivo. Merece destaque o fato de que esse crescimento populacional acarreta espraiamento da mancha urbana e verticalização, cujo adensamento resultante traz consideráveis impactos sobre as infraestruturas urbanas. Este processo de verticalização é mais fortemente evidenciado em alguns bairros da cidade, que configuram áreas de maior valorização, a exemplo do bairro do Catolé.
O bairro do Catolé localiza-se na zona sul da cidade de Campina Grande e tem uma ocupação predominantemente residencial. Além dessa ocupação, o bairro abriga grandes equipamentos urbanos, tais como shopping center, terminal rodoviário, grandes escolas, parque e clubes. De acordo com o Plano Diretor Municipal, o Catolé situa-se na zona de recuperação urbana, caracterizada pelo uso predominantemente residencial, com carência de infraestrutura e equipamentos públicos e incidência de loteamentos irregulares e núcleos habitacionais de baixa renda (CAMPINA GRANDE, 2006CAMPINA GRANDE. (2006) Lei complementar nº 003, de 9 de outubro de 2006. Promove a revisão do Plano Diretor do Município de Campina Grande. Campina Grande.). Tal caracterização não é uniforme, e o bairro apresenta-se também como uma das áreas mais consolidadas da cidade, dotada de equipamentos urbanos, e consequente forte valorização imobiliária.
Metabolismo urbano para a quantificação de fluxos hídricos
Indicadores do metabolismo urbano
A metodologia empregada neste artigo é baseada em Kenway, Gregory e McMahon (2011KENWAY, S.; GREGORY, A.; MCMAHON, J. (2011) Urban water mass balance analysis. Journal of Industrial Ecology, v. 15, n. 5, p. 693-706. https://doi.org/10.1111/j.1530-9290.2011.00357.x
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), que formalizam um balanço hídrico urbano por meio da quantificação dos fluxos naturais e antrópicos para dentro e fora do ambiente urbano (Equação 1).
Aqui, ∆S é a variação de armazenamento de volume de água dentro do limite do sistema, medida como a diferença entre a água armazenada dentro do sistema pelo tempo inicial (St1) e algum tempo seguinte (St2). É importante notar que ∆S também é igual à diferença entre os volumes totais de entradas (Qi) e saídas (Qo) no sistema, Qi (t1-t2) e Q0 (t1-t2), em relação ao mesmo tempo. Essas diferenças são melhor representadas pela Equação 2, proposta por Kenway, Gregory e McMahon (2011KENWAY, S.; GREGORY, A.; MCMAHON, J. (2011) Urban water mass balance analysis. Journal of Industrial Ecology, v. 15, n. 5, p. 693-706. https://doi.org/10.1111/j.1530-9290.2011.00357.x
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).
Nessa equação, C representa os fluxos centralizados ou a água importada para a área urbana, tais como água superficial, subterrânea ou de dessalinização. D representa os fluxos descentralizados, como fontes subterrâneas (DG) e água de chuva (DR). P representa a precipitação, incluindo chuva, neve e orvalho. W é a descarga de águas residuárias. Rs são as águas pluviais. G representa os fluxos subterrâneos, e ET, a evapotranspiração. Todos os termos são calculados em gigalitros (1 GL = 109L). O Quadro 1 apresenta os indicadores de caracterização da área urbana.
Para cada uma das variáveis analisadas, consideraram-se informações fornecidas em estudos anteriores sobre a cidade de Campina Grande. Com base na quantificação dos fluxos hídricos do perímetro urbano e de um balanço anual, calcularam-se os indicadores, conforme o Quadro 1.
Os fluxos considerados no estudo foram: precipitação, evaporação, abastecimento centralizado, águas residuárias, abastecimento descentralizado por água subterrânea, sendo esses fluxos selecionados por alinharem-se à metodologia de Kenway, Gregory e McMahon (2011KENWAY, S.; GREGORY, A.; MCMAHON, J. (2011) Urban water mass balance analysis. Journal of Industrial Ecology, v. 15, n. 5, p. 693-706. https://doi.org/10.1111/j.1530-9290.2011.00357.x
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), usada como referência, e por corresponderem àqueles tidos como fundamentais para a compreensão do metabolismo urbano na perspectiva do abastecimento de água. A captação de água subterrânea foi considerada apenas para o cálculo do balanço, não sendo considerada como potencial de captação para diversificação de fontes pelo fato de ser ela uma exceção na cidade analisada, localizada sobre a rocha cristalina.
A geração de informações ocorreu com base nos seguintes estudos e base de dados:
-
população urbana: IBGE (2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). (2010) Portal. IBGE. Disponível em: <Disponível em: http:www.ibge.gov.br >. Acesso em: nov. 2017.
http:www.ibge.gov.br... ); -
precipitação e evaporação: estação climatológica principal - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária/Campina Grande (EMBRAPA/CG), com série de precipitação de 1986 a 2016 (AESA, 2018AGÊNCIA EXECUTIVA DE GESTÃO DAS ÁGUAS DO ESTADO DA PARAÍBA (AESA). (2018) Meteorologia - chuvas. Disponível em: <Disponível em: http://www.aesa.pb.gov.br/aesa-website/meteorologia-chuvas/ >. Acesso em: 28 jan. 2018.
http://www.aesa.pb.gov.br/aesa-website/m... ); -
abastecimento centralizado de água: consideraram-se as vazões que chegam à área urbana pelo sistema de abastecimento de água, apresentadas no Quadro 2. Com essas vazões, calculou-se o volume anual de água do sistema centralizado;
-
águas residuárias: consideraram-se as vazões dos dois interceptores da área urbana: interceptor Depuradora e interceptor Bodocongó, apresentados no Quadro 3. Com base nas vazões, calculou-se o volume anual de efluentes dos dois interceptores, chegando ao valor do fluxo de águas residuárias;
-
abastecimento descentralizado de água subterrânea: para esse componente, consideraram-se os dados de outorga de usuários de poços na área urbana (AESA, 2017AGÊNCIA EXECUTIVA DE GESTÃO DE ÁGUAS DO ESTADO DA PARAÍBA (AESA). (2017) Usuários Outorgados no Município de Campina Grande. AESA. Disponível em: <Disponível em: http://siegrh.aesa.pb.gov.br:8080/aesa-relatorio/paginas/publico/relatorio.xhtml >. Acesso em: nov. 2017.
http://siegrh.aesa.pb.gov.br:8080/aesa-r... ).
Cenários de desempenho hidrológico
A geração de cenários compreendeu a simulação de possibilidades de melhoria do desempenho hídrico urbano, por meio da inserção de resultados outrora obtidos, conforme levantamento bibliográfico (Quadro 4), para temas específicos, como captação de água de chuva e gestão da demanda de água. Os 11 cenários apresentados envolvem a combinação de possibilidades de medidas a serem adotadas na cidade analisada, explorando os potenciais identificados pelos indicadores.
A elaboração de cenários fornece uma abordagem sistemática para o gerenciamento do crescimento urbano, além de representar uma oportunidade de fazer um balanço das condições atuais e orientar os tomadores de decisão na formulação de políticas e nos processos de planejamento (SERRAO-NEUMANN et al., 2017SERRAO-NEUMANN, S.; RENOULF, M.; KENWAY, S.J.; LOW CHOY, D. (2017) Connecting land-use and water planning: Prospects for an urban water metabolism approach. Cities, v. 60, parte A, p. 13-27. https://doi.org/10.1016/j.cities.2016.07.003
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; RENOULF et al., 2016RENOULF, M.A.; KENWAY, S.; SERRAO-NEUMANN, S.; CHOY, D.L. (2016) Urban metabolism for planning water sensitive cities: Concept for an urban water metabolism evaluation framework. Clayton: Cooperative Research Centre for Water Sensitive Cities.). Ressalta-se que a metodologia de construção dos cenários possibilita a manipulação de variáveis, identificando o arranjo mais eficiente para melhoria do metabolismo urbano.
Análise da produção do espaço
Recorte temporal
Tendo sido selecionado o bairro do Catolé para a realização do estudo de produção do espaço, e visto que consideráveis transformações foram identificadas no bairro a partir da década de 1970, este foi o período inicial de análise selecionado. Dessa forma, o recorte temporal contempla análises a partir de 1970 até o período atual.
Identificação de transformações, agentes e intensidade de ações
A identificação das transformações ocorridas no bairro do Catolé realizou-se por um levantamento histórico dos marcos de produção do seu espaço, tais como instrumentos de planejamento urbanístico, instalação de equipamentos urbanos e intervenções urbanísticas. Com base nesse levantamento, identificaram-se os agentes responsáveis por cada uma das transformações, sendo estes agentes o Estado, os promotores imobiliários, os proprietários fundiários, os empresários e o comércio. As intensidades de suas ações definiram-se pela identificação do impacto que cada uma delas causou sobre a transformação do espaço urbano.
Identificação das conexões entre a produção do espaço e os recursos hídricos
Identificadas as transformações espaciais, observaram-se os impactos dessas transformações, ao longo do tempo, sobre os recursos hídricos. Avaliou-se em que medida as oportunidades foram aproveitadas ou negligenciadas para promover maior sensibilidade aos recursos hídricos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Fluxos hídricos
A avaliação do desempenho hidrológico da área de estudo, conforme descrito anteriormente, parte do cálculo dos fluxos hídricos da cidade analisada. Dessa forma, a síntese dos resultados encontrados para cada objeto de análise está apresentada na Figura 2.
Com as informações da Figura 2 e a aplicação da Equação 2, o balanço hídrico urbano resulta em um valor de ΔS= 83,11 GL/ano. Apesar de esse valor não considerar o fluxo de drenagem urbana de águas pluviais nem a infiltração, ele reflete o fato de a cidade receber um aporte hídrico anual significativo. No entanto, apesar desse resultado elevado, ele não expressa que o desempenho hidrológico da cidade esteja em boas condições, e sim que os fluxos identificados apresentam potencial de serem mais bem aproveitados. Cada um dos fluxos apresentados corresponde a um potencial hídrico a ser explorado, conforme será apresentado na seção seguinte, que trata do cálculo dos indicadores de desempenho hidrológico da área urbana.
Indicadores de desempenho hidrológico
Centralização do sistema de água
A avaliação da centralização do abastecimento de água, na perspectiva do metabolismo urbano, é de fundamental importância para a compreensão da relação da cidade com suas possibilidades de suprimento hídrico. Essa informação representa a quantidade de água que chega à área urbana por meio dos seus sistemas convencionais de abastecimento. A avaliação do metabolismo permite comparar essa quantidade de água com os demais fluxos da cidade, analisando o potencial de substituição do abastecimento convencional por outras fontes hídricas, a exemplo de águas de reuso e águas pluviais.
No caso de Campina Grande, de acordo com as informações apresentadas por Meneses (2011MENESES, R.A. (2011) Diagnóstico Operacional de Sistemas de Abastecimento de Água: o caso de Campina Grande. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande.), as vazões entregues por três adutoras (Quadro 2) totalizam, por ano, um volume de aproximadamente 30 milhões de metros cúbicos (Figura 2). Não são consideradas as perdas do sistema ao longo da rede de distribuição, e sim o total de água entregue à cidade.
A comparação da quantidade de água que a área urbana recebe pelo sistema de abastecimento com as demais fontes hídricas alternativas, que porventura venham a suprir o abastecimento urbano, resulta na geração de um indicador de centralização do sistema. Em relação ao indicador calculado para Campina Grande, esse valor é de 100%, visto que as fontes descentralizadas por abastecimento de água subterrânea são insignificantes (Figura 2), e não são observadas ações relevantes referentes à utilização de águas de reuso nem de água de chuva.
Esse resultado reflete a dependência do sistema urbano de uma única fonte hídrica, centralizada, atualmente, no açude Boqueirão. A ausência de diversificação de fontes hídricas potencializa as consequências negativas em períodos de crises, como acontece não apenas na cidade estudada, mas se reflete como uma realidade em outros centros urbanos, dependentes de única fonte de abastecimento.
No caso específico de Campina Grande, essa dependência se apresenta de forma negativa, uma vez que os períodos secos da região semiárida são hidrologicamente previstos. Apesar desse fato, não são observadas ações que garantam incentivo à adoção de outras fontes ou mesmo que possam contribuir com a melhoria do uso da água do abastecimento centralizado. A cidade não apresenta iniciativas consideráveis em relação ao uso de águas pluviais. Em relação ao uso de água subterrânea, esta não é considerada como um potencial de diversificação hídrica pela localização da cidade sobre a rocha cristalina.
Potencial de precipitação para abastecimento de água
O volume de precipitação anual totaliza 74 milhões de metros cúbicos (Figura 2). Isso significa que, desconsiderando todas as perdas, até mesmo por evapotranspiração, anualmente, em média, a cidade recebe esse volume de chuvas. O indicador calculado para esse fluxo foi igual a 243,60%, o que significa que, se toda a água de chuva que cai na área urbana pudesse ser captada, apenas ela supriria, com sobra, o abastecimento da cidade. No entanto, isso não é possível, dadas as limitações relacionadas às perdas, à infraestrutura e à logística urbanas para captação, armazenamento e distribuição dessas águas. Contudo, percebe-se o potencial da cidade para diversificação de seu abastecimento por meio da captação de água de chuva.
Potencial de águas residuárias para abastecimento
O volume anual de água residuária corresponde a 21 milhões de metros cúbicos, conforme apresentado na Figura 2. Relacionando esse valor ao fluxo de abastecimento centralizado, observa-se que 68,90% da água potável fornecida à cidade de Campina Grande se converte em esgoto. Esse é o indicador de potencial de substituição do abastecimento centralizado por águas residuárias, apresentando contribuição à análise do aproveitamento de águas residuárias para fins não potáveis urbanos.
Esse tipo de uso pode ocorrer tanto de forma centralizada, por meio de grandes sistemas de tratamento e distribuição para determinadas finalidades, como de maneira descentralizada, em que se destacam ações isoladas do aproveitamento de águas residuárias, de modo que contribua individualmente com a redução da demanda de água potável.
Densidade populacional
O aumento populacional da cidade de Campina Grande ocasionou uma série de alterações no ambiente urbano. Entre as consequências que merecem destaque, mencionam-se o espraiamento da mancha urbana da cidade, a ocupação de espaços anteriormente vazios e o processo de verticalização, um dos grandes responsáveis pelo adensamento.
A densidade populacional calculada para o perímetro urbano é igual a 3.945 hab./km2. Como esse valor reflete uma densidade global, algumas considerações precisam ser feitas. A primeira delas diz respeito à espacialização da população. Há áreas da cidade que têm uma densidade populacional muito mais elevada e outras pouco ocupadas, refletindo uma distribuição desigual da população no solo. Isso se deve a fatores como a concentração de domicílios e a verticalização, responsáveis pelo adensamento populacional de forma mais intensificada, concentrando maior quantidade de habitantes numa mesma área. Por sua vez, o aumento da densidade populacional, sem o devido controle nem cumprimento dos instrumentos urbanísticos que orientam a ocupação do solo, pode acarretar o comprometimento dos sistemas de abastecimento de água e de coleta de esgotos por sua sobrecarga.
No bairro do Catolé, por exemplo, o valor da densidade populacional é igual a 10.894 hab./km2 (BARROS; RUFINO; MIRANDA, 2016BARROS, M.B.; RUFINO, I.A.A.; MIRANDA, L.I.B. (2016) Mecanismos poupadores de água como suporte ao planejamento urbano. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 21, n. 1, p. 251-262. http://doi.org/10.21168/rbrh.v21n1.p251-262
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), muito elevado em relação à densidade populacional da cidade. É importante ressaltar que, na perspectiva do metabolismo urbano, esse resultado reflete a concentração de habitantes em determinada área, que depende do fornecimento de água e, ao mesmo tempo, é responsável pela geração de efluentes, reforçando a intensidade do uso da água. Portanto algumas áreas da cidade merecem atenção especial no que diz respeito à adoção de medidas que as direcionem a uma maior sensibilidade em relação aos recursos hídricos, pela concentração populacional e pelo consequente aumento da intensidade da dependência dos sistemas de água.
Outra consideração diz respeito ao fato de existirem ainda muitas dificuldades em relação ao controle do adensamento e da verticalização na cidade. Há uma desconexão entre o planejamento urbano e a gestão socioambiental, evidenciada ou na ausência de diretrizes claras que orientem a construção dos edifícios multifamiliares, assim como a preservação dos recursos hídricos nas leis e nos planos urbanísticos da cidade, ou na incapacidade dos gestores municipais em converter as diretrizes em ações, quando existentes (BARROS; RUFINO; MIRANDA, 2016BARROS, M.B.; RUFINO, I.A.A.; MIRANDA, L.I.B. (2016) Mecanismos poupadores de água como suporte ao planejamento urbano. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 21, n. 1, p. 251-262. http://doi.org/10.21168/rbrh.v21n1.p251-262
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).
Os grandes promotores imobiliários, representados por determinados grupos empresariais da cidade, detêm o domínio do mercado da construção civil e expandem suas obras nas áreas de maior valorização. Em contrapartida, o Código de Obras municipal apresenta parâmetros urbanísticos, no entanto eles não regulam as densidades urbanas de forma que relacionem estas densidades às capacidades dos sistemas de infraestruturas existentes. As consequências ambientais e urbanas desse domínio dos grupos de poder econômico são o aumento da impermeabilização do solo, seguida da redução da infiltração e do aumento do escoamento superficial, do aumento da demanda de água, da geração de efluentes, além da demanda energética e do tráfego nas vias, acarretando transtornos na mobilidade, tudo isso concentrado em determinadas áreas da cidade.
Oportunidades de melhoria do desempenho hidrológico
Com base nos resultados dos cenários apresentados no Quadro 4, considerando uma combinação de soluções, os indicadores de desempenho hidrológico da cidade foram recalculados e seus resultados são os apresentados no Quadro 5. Esse quadro apresenta ainda os indicadores calculados considerando a situação atual, evidenciando como é o desempenho do sistema atualmente e como poderia ser. Ressaltando que, para esta análise, considerou-se o indicador de centralização do abastecimento de água e o balanço de entradas e saídas. Para os cenários I e II, que consideram a captação de água de chuva, calculou-se ainda o indicador de chuvas coletadas. Com base nos resultados obtidos, foi ainda calculado o volume anual economizado do sistema centralizado de abastecimento.
Como apresentam os resultados da simulação, a centralização do sistema é reduzida pela adoção de uma ou mais fontes alternativas de água, o que proporcionaria uma redução significativa das pressões sobre o sistema de abastecimento. Por meio da adoção do cenário mais otimista (cenário XI), que diz respeito à captação e ao reuso de toda a água residuária da cidade, e do potencial máximo de captação de água de chuva em residências unifamiliares calculado por Souza (2015SOUZA, T.J. (2015) Potencial de aproveitamento de água de chuva no meio urbano: o caso de Campina Grande - PB. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental) - Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande.), a dependência do sistema centralizado de água seria reduzida para 57,19%, o que corresponderia a um volume anual de economia do sistema Boqueirão de 13 milhões de metros cúbicos.
Observando os cenários I e II, percebe-se que por meio da coleta de apenas 3,86 e 4,67% da precipitação, respectivamente, já são apresentadas reduções significativas da dependência do sistema centralizado (em torno de 10%), correspondendo a volumes anuais de economia de água de 3 milhões de metros cúbicos e incrementos no balanço de entradas e saídas.
Em relação aos cenários III, IV e V que consideram, respectivamente, a captação de 5, 20 e 100% de águas residuárias para reuso em fins não potáveis urbanos, evidencia-se que mesmo pequenas ações (por meio de pequenas captações) são capazes de contribuir para a redução da dependência do sistema centralizado e, consequentemente, de proporcionar economias anuais de demanda de água potável. O cenário V diz respeito a uma situação hipotética de captação e tratamento de toda a água residuária para reuso, tendo sido considerado para estimar as máximas potencialidades de melhoria do desempenho do sistema.
A respeito dos cenários que consideram combinações de utilização de águas de reuso, água de chuva e ainda a redução de 10,42% da demanda de água por meio da adoção de equipamentos poupadores (cenários VI, VII, VIII, IX, X e XI), os cenários evidenciam quantitativamente a redução da relação de dependência do sistema centralizado pela diversificação hídrica, o que se reflete também no incremento do balanço de entradas e saídas, ou seja, quanto maior a diversificação de fontes, melhor será o desempenho do sistema.
Análise da produção do espaço do bairro do Catolé
A Figura 3 apresenta a linha do tempo referente às transformações espaciais, identificando os agentes responsáveis pela produção do espaço urbano e o nível de intensidade de suas ações.
Linha do tempo da produção do espaço do bairro do Catolé com seus agentes e intensidade de ações.
A década de 1970 foi marcada por intervenções do governo federal, especialmente na promoção dos primeiros instrumentos urbanísticos da cidade (Plano de Desenvolvimento Local Integrado - PDLI; e Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado - PDDI). No entanto, os instrumentos não contemplavam aspectos ambientais, evidenciando uma fragilidade em relação à integração do ambiente construído ao natural. A ocupação do solo segue critérios dos proprietários fundiários, e, segundo Costa (2013COSTA, L.B. Alternativas de Gerenciamento da Demanda de Água na Escala de uma Cidade. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.), as reformas e os processos de (re)estruturação da cidade nessa década tinham forte ligação aos projetos habitacionais, e os “possuidores dos meios de produção se apropriavam das melhorias promovidas pelo Estado” (COSTA, 2013COSTA, L.B. Alternativas de Gerenciamento da Demanda de Água na Escala de uma Cidade. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013., p. 54). Isso se refletiu, entre outras consequências, em uma tendência de desconexão entre a ocupação do solo e a preservação dos recursos hídricos, tendo em vista que essa ocupação tinha frágil regulação.
Conforme pode ser observado na Figura 3, na década de 1980 o governo municipal teve maior destaque em relação à produção do espaço do Catolé. Nesse período, as ações da prefeitura municipal promoveram mudanças referentes à mobilidade urbana, com a atração de novos equipamentos e serviços no bairro. A instalação do Terminal Rodoviário Argemiro de Figueiredo configura a principal ação relativa ao incentivo de um processo de ocupação da área na década. Conforme destacam Santos, Rufino e Barros Filho (2017SANTOS, K.A.; RUFINO, I.A.A.; BARROS FILHO, M.N.M. (2017) Impactos da ocupação urbana na permeabilidade do solo: o caso de uma área de urbanização consolidada em Campina Grande - PB. Revista de Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 22, n. 5, p. 943-952. https://doi.org/10.1590/s1413-41522016146661
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), na década de 1980 havia muitos lotes desocupados, além de uma ocupação ocorrendo de forma dispersa nos limites do bairro, evidenciando um processo de apropriação sem planejamento do espaço. Esta desarticulação da ocupação do solo com o planejamento urbano reforça a sua fragilidade de articulação com os recursos hídricos, visto que a ocupação dos vazios não seguia um critério, de modo que, se havia descompassos em relação ao planejamento urbano, claramente havia uma distância ainda maior em relação a sua integração aos recursos hídricos (SANTOS; RUFINO; BARROS FILHO, 2017SANTOS, K.A.; RUFINO, I.A.A.; BARROS FILHO, M.N.M. (2017) Impactos da ocupação urbana na permeabilidade do solo: o caso de uma área de urbanização consolidada em Campina Grande - PB. Revista de Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 22, n. 5, p. 943-952. https://doi.org/10.1590/s1413-41522016146661
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).
A década de 1990 foi marcada pela instalação de importantes equipamentos urbanos no bairro: o Shopping Luiza Motta e o Parque da Criança. Além disso, também nessa década, foi feita a canalização do riacho do Prado. No contexto da urbanização sensível aos recursos hídricos, algumas considerações precisam ser feitas sobre esses equipamentos: a instalação de um centro comercial e de um grande parque no Catolé fornece ainda maior valorização à área; essa valorização é produto das ações dos empresários e industriais (com a construção do Shopping Luiza Motta) e do governo municipal (na instalação do Parque da Criança e na canalização do riacho do Prado). Na medida em que essa área se apresenta como um importante ponto de valorização da cidade, existe uma consequente atração pelo seu solo por parte dos promotores imobiliários. Enquanto área ainda pouco ocupada, e tendo em vista que o Catolé, a partir dessa década, passou a configurar uma nova centralidade da cidade, havia oportunidades de promoção de melhoria do uso da água por meio de intervenções nas novas edificações; na existência de um plano de ocupação e de controle de adensamento da área, teria sido possível considerar a adoção de métodos de melhoria do uso da água nas novas edificações.
No fim da década, com a construção do Shopping Iguatemi (atual Partage Shopping), o Catolé passou, de fato, a se apresentar como uma área de valorização da cidade, visto que o Shopping Luiza Motta possuía apenas lojas de venda de produtos de fábrica. Conforme destaca Costa (2013COSTA, L.B. Alternativas de Gerenciamento da Demanda de Água na Escala de uma Cidade. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.), apesar do intenso processo de valorização, as infraestruturas do bairro até essa década não acompanhavam o mesmo ritmo de desenvolvimento, tendo, apenas entre os anos de 1997 e 2000, recebido ampliação de 14.544 metros de sua rede de esgoto. O fim da década de 1990 foi marcado ainda pela ocorrência de um prolongado período de escassez hídrica, com racionamento de água na cidade. Não foram observadas medidas que promovessem melhor uso da água urbana no bairro, apesar da instalação de novos empreendimentos, que, ante a situação de vulnerabilidade hídrica da cidade, poderiam ter sido projetados para promover maior eficiência no uso da água.
Nos anos 2000, com diversos equipamentos urbanos já instalados no bairro, e com uma nova centralidade estabelecida, deu-se início a um processo intenso de verticalização. Conforme destacado por Costa (2013COSTA, L.B. Alternativas de Gerenciamento da Demanda de Água na Escala de uma Cidade. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.), nessa década houve a construção de, no mínimo, 19 edifícios com mais de quatro pavimentos no bairro. Na década anterior, haviam sido construídos apenas dois.
O governo municipal já teve participação menos expressiva nos anos 2000, e as ações dos proprietários fundiários e promotores imobiliários passaram a dominar o mercado da construção no bairro. Essa afirmativa tem relação com o fato de o governo municipal ter realizado menos intervenções no bairro nessa década, atuando como regulador, mas não apresentando obras ou ações de relevância que promovessem algum tipo de alteração na dinâmica de construção que vinha sendo observada, por intermédio da verticalização. Com o domínio dos proprietários fundiários e dos promotores imobiliários, deu-se início ao lançamento de empreendimentos residenciais verticais, em um processo acelerado de verticalização que até os dias atuais é vivenciado.
Na última década analisada, observa-se que o processo de verticalização teve continuidade, e as figuras responsáveis por esse processo foram os proprietários fundiários e os promotores imobiliários. A atuação do governo municipal restringiu-se à regulação urbanística. O adensamento populacional do bairro é o segundo maior da cidade (BARROS; RUFINO; MIRANDA, 2016BARROS, M.B.; RUFINO, I.A.A.; MIRANDA, L.I.B. (2016) Mecanismos poupadores de água como suporte ao planejamento urbano. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 21, n. 1, p. 251-262. http://doi.org/10.21168/rbrh.v21n1.p251-262
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), ficando atrás apenas do bairro do Pedregal, que possui características distintas do Catolé, e seu adensamento é decorrente do processo de favelização. Segundo Santos, Rufino e Barros Filho (2017SANTOS, K.A.; RUFINO, I.A.A.; BARROS FILHO, M.N.M. (2017) Impactos da ocupação urbana na permeabilidade do solo: o caso de uma área de urbanização consolidada em Campina Grande - PB. Revista de Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 22, n. 5, p. 943-952. https://doi.org/10.1590/s1413-41522016146661
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), entre os anos de 2011 e 2015, houve a construção de 272 novos domicílios tipo apartamento no Catolé. Entre outras consequências, este processo intenso de adensamento acarreta sobrecarga nas infraestruturas urbanas, a exemplo dos sistemas de abastecimento de água e coleta de esgotos, pelo aumento da demanda de água e consequente geração de efluentes.
A análise das dinâmicas espaciais de um bairro da cidade demonstra a crescente fragilidade de atuação do Estado, como agente regulador, e o estabelecimento de diretrizes e parâmetros para a promoção do desenvolvimento urbano equilibrado, principalmente no que concerne ao uso e à ocupação do solo que poderiam conduzir a cidade para maior sensibilidade aos recursos hídricos. Ao mesmo tempo, fica evidente o crescente papel que os promotores imobiliários e proprietários fundiários vêm apresentando na condução dos processos de transformação espacial nas últimas décadas.
CONCLUSÕES
Como visto, não são evidenciadas quaisquer ações referentes a garantias de melhoria no uso da água urbana no processo de ocupação territorial, o que se revela como muito mais que uma ausência de integração ou de preocupação com a questão hídrica urbana, configurando-se como um hábito histórico socialmente construído. Contudo, existe uma necessidade urgente de ruptura desses padrões com vistas a garantias de maior resiliência urbana em relação à água.
Conforme apresentado quantitativamente por meio dos cenários referentes aos indicadores de desempenho hidrológico urbano, Campina Grande tem oportunidades de minimizar a sua dependência do sistema Boqueirão, sendo capaz de demandar menos água do sistema de abastecimento centralizado e, dessa forma, preparar-se para vivenciar com menor vulnerabilidade os prolongados períodos de estiagem.
A análise do espaço construído revela grande distância de um urbanismo mais sensível aos recursos hídricos. A ocupação do solo urbano é fortemente determinada pelos interesses locais, por meio da ação de agentes, personalizados nas figuras dos proprietários fundiários e dos promotores imobiliários. Desse modo, os interesses especulativos são mais importantes que a adoção de medidas que garantam maior eficácia do uso da água. Além disso, esta análise ainda reforça a distância da atuação do governo municipal em relação às intervenções e ao controle referentes à produção do espaço, o que ressalta a necessidade de que esse agente reassuma um papel de protagonismo nesse processo.
A identificação dos conflitos entre o ambiente construído e os recursos hídricos permite ainda afirmar que, ante essa configuração, em que o solo urbano se apresenta como produto da mercantilização e dos interesses privados, mesmo a cidade tendo potencial para se tornar mais sensível aos recursos hídricos, as ações referentes à melhoria do desempenho hidrológico urbano dificilmente serão realizadas, e a dependência por grandes obras hidráulicas com impactos ambientais imensuráveis continuarão sendo uma realidade. Ao mesmo tempo, a análise permite ressaltar que, ainda assim, é possível sensibilizar especialmente os agentes locais para a adoção das medidas que melhorem o desempenho hídrico. Algumas iniciativas, ainda que pontuais, já estão em curso, como foi observado ao longo deste artigo.
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Reg. ABES: 191392
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Nov 2020 -
Data do Fascículo
Sep-Oct 2020
Histórico
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Recebido
09 Ago 2018 -
Aceito
24 Jul 2019