Resumo
As práticas de ensino e pesquisa na Pós-Graduação têm sido entendidas como uma cultura acadêmica causadora de sofrimento. O objetivo deste artigo é apresentar uma compreensão do sofrimento vivido pelos alunos da Pós-Graduação a partir de uma perspectiva culturalista. Para isso, o texto problematiza o contexto da Pós-Graduação e apresenta axiomas da Psicologia Cultural Semiótica que fundamentam a análise dos processos psicológicos que ocorrem na relação do estudante com o meio acadêmico. A cultura acadêmica é entendida como o conjunto compartilhado de signos usados e construídos pelas pessoas na pós-graduação, as quais organizam seus mundos interno e externo, regulam as interações sociais e orientam as ações humanas. Desse modo, o sofrimento é um produto cultural da interação entre as forças canalizadoras da cultura acadêmica e as ações do estudante. Sugere-se que pesquisas futuras possam estudar empiricamente como os pós-graduandos criam uma síntese pessoal a partir da cultura acadêmica.
Palavras-chave
Psicologia educacional; Educação superior; Estresse psicológico
Abstract
Teaching and research practices at the Graduate Level have been understood as an academic culture that causes suffering. The purpose of this article is to present an understanding of the suffering experienced at the Graduate Level from a cultural perspective. The paper problematizes the context of Graduate Programs and presents axioms of Semiotic Cultural Psychology that underlie the analysis of psychological processes that occur in the student’s relationship with the academic environment. Academic culture is understood as the shared set of signs build and used by people in the doctoral school, which organize their internal and external worlds, regulate social interactions, and guide human actions. Thus, suffering is a cultural product of the interaction between the guiding forces of academic culture and the student’s actions. It is suggested that future research can investigate empirically how graduate students create a personal synthesis starting from the academic culture.
Keywords
Educational psychology; Higher education; Psychological stress
Pesquisas recentes têm mostrado interesse pela saúde mental dos estudantes de Pós-Graduação stricto sensu devido ao aumento dos relatos de estresse, ansiedade e depressão entre mestrandos e doutorandos que influenciam direta ou indiretamente sua vida acadêmica e pessoal (Evans, Bira, Gastelum, Weiss & Vanderford, 2018Evans, T. M., Bira, L., Gastelum, J. B., Weiss, L. T., & Vanderford, N. L. (2018). Evidence for a mental health crisis in graduate education. Nature biotechnology, 36(3), 282. https://doi.org/10.1038/nbt.4089
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; Levecque, Anseel, Beuckelaer, Van der Heyden, & Gisle, 2017Levecque, K., Anseel, F., Beuckelaer, A., Van der Heyden, J., & Gisle, L. (2017). Work organization and mental health problems in PhD students. Research Policy, 46(4), 868-879. https://doi.org/10.1016/j.respol.2017.02.008
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; Ribeiro et al., 2018Ribeiro, I. J., Pereira, R., Freire, I. V., Oliveira, B. G., Casotti, C. A., & Boery, E. N. (2018). Stress and quality of life among university students: a systematic literature review. Health Professions Education, 4(2), 70-77. https://doi.org/10.1016/j.hpe.2017.03.002
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; Rummell, 2015Rummell, C. M. (2015). An exploratory study of psychology graduate student workload, health, and program satisfaction. Professional Psychology: Research and Practice, 46(6), 391. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/pro0000056
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; Santos et al., 2020Santos, M. M. S., Sampaio, J. M. F., Brito, F. E., Jr., Lima, J. C. C., Jr., Santos, S. M. S., Silva, S. M., ... Pereira, D. F. (2020). Evaluation of stress levels and social profile of postgraduate healthcare students. Research, Society and Development, 9(8), e276985776. https://doi.org/10.33448/rsd-v9i8.5776
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). De acordo com essas pesquisas, a Pós-Graduação stricto sensu é um ambiente que oferece riscos para a saúde mental dos estudantes porque as demandas acadêmicas sobrecarregam as capacidades adaptativas da pessoa, levando-a a adoecer ou a desistir do curso (Magalhães & Real, 2020Magalhães, A. M. S., & Real, G. C. M. (2020). A evasão no contexto da expansão da pós-graduação stricto sensu: uma discussão necessária. Perspectiva, 38(2), 1-18. https://doi.org/10.5007/2175-795X.2020.e62019
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). Ambas as consequências trazem prejuízos pessoais, acadêmicos, sociais e econômicos para as instituições de Ensino Superior. Considerando a importância da Pós-Graduação para o desenvolvimento tecnológico e científico de um país, faz-se necessário refletir sobre os condicionantes envolvidos na produção do sofrimento de mestrandos e doutorandos.
Argumentar que as demandas acadêmicas oferecem risco para a saúde mental dos mestrandos e doutorandos conduz à ideia de que a Pós-Graduação causa o sofrimento dos estudantes (Costa & Nebel, 2018Costa, E. G., & Nebel, L. (2018). O quanto vale a dor? Estudo sobre a saúde mental de estudantes de pós-graduação no Brasil. Polis (Santiago), 17(50), 207-227. https://dx.doi.org/10.4067/S0718-65682018000200207
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). O equívoco desse tipo de ideia está em focar a atenção no contexto – atribuindo-lhe algum tipo de protagonismo – em vez de colocar na relação entre a pessoa e o contexto (Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed., 2014Valsiner, J. (2014). An invitation to cultural psychology. London: Sage Publications.; Valsiner, Marsico, Chaudhary, Sato, & Dazzani, 2016Valsiner, J., Marsico, G., Chaudhary, N., Sato, T. & Dazzani, V. (2016). Psychology as a Science of Human Being: the Yokohama Manifesto. Annals of Theoretical Psychology, 13, Geneve: Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-21094-0
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). Essa relação necessita de uma análise minuciosa para compreender processos semióticos subjacentes às experiências de sofrimento dentro da academia (Savarese et al., 2019aSavarese, G., Fasano, O., Pecoraro, N., Mollo, M., Carpinelli, L., & Cavallo, P. (2019a). Counseling for university students. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychology perspective (pp. 98-111) Abingdon: Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315101095-6
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, 2019bSavarese, G., Iannaccone, A., Mollo, M., Fasano, O., Pecoraro, N., Carpinelli, L., & Cavallo, P. (2019b). Academic performance-related stress levels and reflective awareness: the role of the elicitation approach in an Italian University’s psychological counselling. British Journal of Guidance & Counselling, 47(5), 569-578. https://doi.org/10.1080/03069885.2019.1600188
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). Assim, o objetivo deste artigo é apresentar uma compreensão do sofrimento na Pós-Graduação a partir de uma perspectiva culturalista semiótica (Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed., 2014).
Embora exista uma vasta literatura sobre os desafios e a saúde mental dos estudantes no Ensino Superior sob a perspectiva da Psicologia Cultural (Feilberg, 2019Feilberg, C. (2019). In deep water: university students’ challenges in the processes of self-formation, survival or flight. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 126-138). Abingdon: Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315101095-8
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; Madsen, 2021Madsen, T. (2021). Between frustration and education: transitioning students’ stress and coping through the lens of semiotic cultural psychology. Theory & Psychology, 31(1), 61-83. https://doi.org/10.1177/0959354320944496
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; Ross, 2019Ross, K. H. (2019). Mental health 101: interpreting emotional distress for Canadian postsecondary students. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 76-97). Abingdon: Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315101095-5
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; Skúoy, Madsen, & Tateo, 2019Skúoy, P. H. Ú., Madsen, T., & Tateo, L. (2019). “I see stress in many places around me, but as such, I’m over it”: understanding psycho-cultural dimensions of university students’ experiences. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 146-170). Abingdon: Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315101095-10
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; Szulevicz, Kure, & Løkken, 2019Szulevicz, T., Kure, L. K., & Løkken, L. O. (2019). Stress - between welfare and competition. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 41-55). Abingdon: Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315101095-3
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), ainda carecem estudos que analisem as especificidades do contexto da Pós-Graduação sob essa perspectiva. Diferentemente de uma graduação, o mestrado e o doutorado visam à formação de professores universitários e pesquisadores (Almeida et al., 2005Almeida, A., Jr., Sucupira, N., Salgado, C., Barreto Filho, J., Silva, M. R., Trigueiro, D., & Maciel, R. (2005). Parecer CFE nº 977/65, aprovado em 3 dez. 1965. Revista Brasileira de Educação, 20(30), 162-173. https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000300014
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). Essa formação passa pelo relacionamento com o orientador e pela produção de conhecimento, o que envolve o desenvolvimento e o aprimoramento de competências específicas. Embora a comunidade acadêmica dê suporte, uma parte dessa formação acontece sozinha, por exemplo, durante a leitura e a escrita da dissertação ou tese (Matthiesen & Wegener, 2019Matthiesen, N., & Wegener, C. (2019). The discomfort of writing in academia. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 112-125). Abingdon: Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315101095-7
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). Nesse sentido, o percurso do pós-graduando acontece numa interação com o outro e consigo mesmo. Partindo dessa premissa, argumentamos que o sofrimento na academia é produto de uma interação cultural. Para desenvolver esse argumento, este artigo está estruturado da seguinte maneira: (1) caracterização da Pós-Graduação brasileira para compreender o contexto em que as experiências de sofrimento acontecem; (2) apresentação dos axiomas da Psicologia Cultural Semiótica que fundamenta este estudo teórico e (3) análise e discussão do contexto da Pós-Graduação considerando a relação entre a pessoa e a cultura.
A Pós-Graduação: um cenário de sofrimento para pesquisadores em formação?
Uma pesquisa publicada na Nature Biotechnology, realizada em 26 países, afirmou que os pós-graduandos apresentam seis vezes mais chances de desenvolver depressão ou ansiedade que a população geral (Evans et al., 2018Evans, T. M., Bira, L., Gastelum, J. B., Weiss, L. T., & Vanderford, N. L. (2018). Evidence for a mental health crisis in graduate education. Nature biotechnology, 36(3), 282. https://doi.org/10.1038/nbt.4089
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). Outro estudo realizado em 66 instituições do Brasil constatou que, dos 2.157 pós-graduandos que participaram do estudo, 46,8% apresentavam níveis alto ou muito alto de estresse (Faro, 2013Faro, A. (2013). Estresse e estressores na pós-graduação: estudo com mestrandos e doutorandos no Brasil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(1), 51-60. https://doi.org/10.1590/S0102-37722013000100007
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). À primeira vista, esses dados são preocupantes porque indicam que a Pós-Graduação é um lugar de risco para a saúde mental dos estudantes. No entanto, é preciso considerar que a maioria dessas pesquisas utiliza escalas, questionários ou testes que dependem da percepção dos estudantes sobre o contexto da Pós-Graduação, o que pode gerar respostas superestimadas. Por exemplo, um participante pode perceber o contexto acadêmico mais estressor porque está vivendo algum conflito familiar. Sendo assim, os resultados dessas pesquisas precisam ser considerados com cuidado, pois estresse, ansiedade e depressão são diferentes nomes para expressar o sofrimento, mas podem abranger uma grande variedade de experiências humanas (Costa & Nebel, 2018Costa, E. G., & Nebel, L. (2018). O quanto vale a dor? Estudo sobre a saúde mental de estudantes de pós-graduação no Brasil. Polis (Santiago), 17(50), 207-227. https://dx.doi.org/10.4067/S0718-65682018000200207
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).
A necessidade de considerar com cuidado os resultados das pesquisas não significa minimizar os problemas relatados por elas nem questionar a eficácia dos instrumentos utilizados, mas buscar compreender as experiências vividas na Pós-Graduação como produto de uma interação das demandas acadêmicas com as expectativas individuais. Para entender isso, vamos usar como exemplo a organização e o funcionamento da Pós-Graduação stricto sensu brasileira.
As instituições de Ensino Superior buscam investimentos e recursos – humanos, tecnológicos, informacionais e financeiros – para as suas pesquisas, o que depende do resultado da avaliação do programa de pós-graduação realizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [Capes], 2017Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior. (2017). Portaria nº 59, de 21 de março de 2017. Brasília: Capes. http://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=240#anchor
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). O sistema de avaliação da Capes é baseado na proposta do programa, no corpo docente, no corpo discente, teses e dissertações, na produção intelectual e na inserção social (Capes, 2017Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior. (2017). Portaria nº 59, de 21 de março de 2017. Brasília: Capes. http://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=240#anchor
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). Para isso, os programas precisarão, dentre outras coisas: dispor de infraestrutura para ensino, pesquisa e extensão; contratar docentes com titulação adequada, com experiência em ensino e pesquisa, e com publicações científicas relevantes; e produzir dissertações e teses com qualidade e no tempo regular do curso. Ao contratar docentes, espera-se que esses profissionais ajudem os programas de pós-graduação a manter ou alcançar a excelência de seus cursos. Esses profissionais precisam continuar produzindo, lecionando e orientando jovens pesquisadores, os quais também precisam produzir e concluir o curso dentro do prazo para que o programa seja bem avaliado (Capes, 2017Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior. (2017). Portaria nº 59, de 21 de março de 2017. Brasília: Capes. http://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=240#anchor
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). Nessas condições, cria-se um ciclo de exigências autogerenciado pelo sistema de avaliação.
Em decorrência desse ciclo, coordenadores e docentes dos programas de pós-graduação podem criar um alto nível de exigência para que as respostas dos estudantes atendam aos critérios de avaliação da Capes. Essas exigências são manifestas, sobretudo, nas interações com orientadores e professores, os quais fazem cobranças por publicação, exigem grande volume de leitura e escrita e o cumprimento dos prazos (Faro, 2013Faro, A. (2013). Estresse e estressores na pós-graduação: estudo com mestrandos e doutorandos no Brasil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(1), 51-60. https://doi.org/10.1590/S0102-37722013000100007
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; Costa & Nebel, 2018Costa, E. G., & Nebel, L. (2018). O quanto vale a dor? Estudo sobre a saúde mental de estudantes de pós-graduação no Brasil. Polis (Santiago), 17(50), 207-227. https://dx.doi.org/10.4067/S0718-65682018000200207
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). Essas são as principais fontes de ansiedade, estresse e depressão relatados pelos pós-graduandos, e que podem ser potencializadas quando a qualidade da interação com o orientador é insatisfatória (Halbert, 2015Halbert, K. (2015). Students’ perceptions of a ‘quality’ advisory relationship. Quality in Higher Education, 21(1), 26-37. https://doi.org/10.1080/13538322.2015.1049439
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; Noy & Ray, 2012Noy, S., & Ray, R. (2012). Graduate students’ perceptions of their advisors: is there systematic disadvantage in mentorship? The Journal of Higher Education, 83(6), 876-914. https://doi.org/10.1080/00221546.2012.11777273
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; Santos, Perrone, & Dias, 2015Santos, A. S., Perrone, C. M., & Dias, A. C. G. (2015). Adaptação à pós-graduação stricto sensu: uma revisão sistemática de literatura. Psico-USF, 20(1), 141-152. https://doi.org/10.1590/1413-82712015200113
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). Além dessas fontes, as dificuldades de conciliar as demandas acadêmicas com as da vida pessoal e profissional são apontadas por outras pesquisas como situações estressoras (Kernan, Bogart, & Wheat, 2011Kernan, W., Bogart, J., & Wheat, M. E. (2011). Health-related barriers to learning among graduate students. Health Education, 111(5), 425-445. https://doi.org/10.1108/09654281111161248
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; Rummell, 2015Rummell, C. M. (2015). An exploratory study of psychology graduate student workload, health, and program satisfaction. Professional Psychology: Research and Practice, 46(6), 391. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/pro0000056
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). Exemplos disso são os problemas de saúde, o adoecimento ou a morte de entes queridos, os conflitos familiares e as dificuldades financeiras que são algumas das preocupações comuns que podem influenciar tanto a saúde quanto o desempenho acadêmico dos pós-graduandos. Isso significa que as experiências da vida acadêmica estão entrelaçadas com as experiências da vida pessoal, não se pode separá-las, e o estudante transita nesses diferentes ambientes, carregando as suas experiências.
Então, de um lado nós temos demandas acadêmicas decorrentes de um sistema de avaliação baseado numa lógica de produção e que é expresso no comportamento de professores e orientadores e, do outro lado, temos um estudante que precisa atender de algum modo essas demandas para concluir o curso. Além disso, ele também tem suas questões, expectativas e demandas pessoais com as quais precisa lidar. Essas pessoas se encontram em um contexto acadêmico, produzindo diversas formas de experiências. Quando olhamos para essas experiências desconsiderando a interação, ou apenas a partir da percepção dos estudantes ou dos professores, tendemos a deduzir o sofrimento como uma consequência do contexto ou como um problema individual. Por essa lógica, seria plausível pensar que se todas as pós-graduações brasileiras estão submetidas ao mesmo sistema de avaliação, então, todos os alunos sofrerão, adoecerão ou desistirão do curso. No entanto, se isso fosse verdadeiro, não existiriam relatos de experiências exitosas na Pós-Graduação (Lemos, Gioda, Martinhago, Bueno & Martinez-Hernáez, 2017Lemos, S. M. A., Gioda, F. R., Martinhago, F., Bueno, R. C., & Martínez-Hernáez, A. (2017). Pesquisadores brasileiros na pós-graduação de Antropologia Médica na Espanha: relato de experiência. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, 21(60), 199-207. https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0962
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; Lima & Leite, 2019Lima, J. O. G. D., & Leite, L. R. (2019). O estágio de docência como instrumento formativo do pós-graduando: um relato de experiência. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 100(256), 753-768. https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.100i256.3986
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). Por outro lado, seria plausível também defender a ideia de que o sofrimento, adoecimento ou desistência da carreira acadêmica é um problema individual do pós-graduando que não consegue atender às exigências acadêmicas. No nosso entendimento, ambas as explicações simplificam as experiências acadêmicas complexas, colocando-as numa lógica linear de causalidade que não melhora o entendimento do sofrimento vivido pelos pós-graduandos. Em virtude disso, propomos um modelo de explicação do sofrimento acadêmico a partir de uma perspectiva semiótica cultural.
Cultura e pessoa sob a ótica da Psicologia Cultural Semiótica
A escolha da Psicologia Cultural Semiótica para discutir o sofrimento na academia baseia-se na concepção de que os seres humanos são seres simbólicos que coconstroem seus mundos (Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed., 2014Valsiner, J. (2014). An invitation to cultural psychology. London: Sage Publications.). Nós nos organizamos, regulamos e damos sentido aos nossos sentimentos, pensamentos e ações pela criação e pelo uso de signos. Nesse sentido, a perspectiva escolhida oferece um conjunto de ferramentas que nos permite compreender os processos semióticos subjacentes ao sofrimento produzido no meio acadêmico.
Cultura como processo
O termo cultura “implica, inegavelmente, alguma forma de modificação construtiva no curso natural das coisas” (Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed., p. 21). Essa modificação construtiva envolve qualquer tipo de alteração provocada no ambiente, seja construindo ou destruindo o ambiente, por exemplo, criando técnicas sofisticadas para plantio, organizando sistemas de ensino para construir conhecimento, emitindo gases que contribuem para o aquecimento global etc. Como quem realiza essas modificações construtivas é o ser humano, então, isso significa dizer que a cultura é a ação do ser humano em modificar construtivamente o seu ambiente.
Essa ação humana não é sem propósito; ela cumpre alguma finalidade, tem uma intencionalidade. O sistema de ensino da Pós-Graduação, por exemplo, visa à formação de professores e pesquisadores universitários, os quais contribuirão para o desenvolvimento científico e tecnológico do país (Almeida et al., 2005Almeida, A., Jr., Sucupira, N., Salgado, C., Barreto Filho, J., Silva, M. R., Trigueiro, D., & Maciel, R. (2005). Parecer CFE nº 977/65, aprovado em 3 dez. 1965. Revista Brasileira de Educação, 20(30), 162-173. https://doi.org/10.1590/S1413-24782005000300014
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). Desse modo, o homem modifica o ambiente para satisfazer suas necessidades, por isso, a cultura é orientada a objetivos.
A orientação implica dizer que o homem atribui sentidos e significados ao seu mundo e aos seus relacionamentos (Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed., 2014Valsiner, J. (2014). An invitation to cultural psychology. London: Sage Publications.). Esses sentidos e significados organizam nossa realidade pela atribuição de valores, princípios, crenças, regras e modos de agir. Por exemplo, uma universidade pode ser símbolo de prestígio em determinada época, ser desvalorizada em outra e, décadas depois, adquirir o status de patrimônio imaterial, recuperando seu valor histórico. Assim, a cultura é dinâmica porque os sentidos e significados são constantemente transformados ao longo do tempo.
A cultura não está apenas na modificação do ambiente ou na atribuição de sentidos e significados, mas também na nossa interação com o outro e com nós mesmos. Essa interação é mediada por signos (Branco & Valsiner, 2010Branco, A., & Valsiner, J. (2010). Towards cultural psychology of affective processes: Semiotic regulation of dynamic fields. Estudios de Psicología, 31(3), 243-251. https://doi.org/10.1174/021093910793154411
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; De Luca, Martino, & Freda, 2018De Luca, R. P., Martino, M. L., & Freda, M. F. (2018). Modal articulation: the psychological and semiotic functions of modalities in the sensemaking process. Theory & Psychology, 28(1), 84-103. https://doi.org/10.1177/2F0959354317743580
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). Um signo é qualquer coisa com a propriedade de representar para alguém certo aspecto de algum objeto, podendo ser uma palavra, uma imagem, um evento ou mesmo outro objeto ou signo (Pierce, 2005Pierce, C. S. (2005). Semiótica. São Paulo: Perspectiva.). Nessa perspectiva, os valores científicos, as normas e os prazos são tipos de signos que regulam a vida acadêmica dos estudantes. Signos semelhantes a esses são continuamente construídos e veiculados no encontro das pessoas nas salas de aulas, nas supervisões, nos grupos de pesquisa, nas atividades do curso, dentre outros encontros. Nesses encontros, as pessoas são capazes de negociar – consigo e com o outro – novos signos, reconstruir, potencializar, enfraquecer ou desconstruir signos (Valsiner, 2014Valsiner, J. (2014). An invitation to cultural psychology. London: Sage Publications.). Nesse sentido, a cultura é um processo dinâmico de mediação semiótica que orienta, mas não determina, as ações das pessoas.
Pessoa como agente
Se assumirmos a cultura como um processo, então, a palavra cultura está mais próxima de um verbo que indica ação do que de um substantivo que indica o sujeito de uma oração. Por essa lógica, é plausível pensar que a cultura não cultiva a si mesma, mas que alguém cultiva alguma coisa. Dessa forma, a cultura não é um agente com capacidade de refletir, de tomar decisões e de se modificar; quem pode exercer essa capacidade é o ser humano, e, por isso, a pessoa é o agente desse processo (Stetsenko, 2020Stetsenko, A. P. (2020). Critical challenges in cultural-historical activity theory: the urgency of agency. Cultural-Historical Psychology, 16(2), 5-18. https://doi:10.17759/chp.2020160202
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; Valsiner, 2014Valsiner, J. (2014). An invitation to cultural psychology. London: Sage Publications.).
A Psicologia Cultural enfatiza a agência da pessoa porque sempre existirá a possibilidade de inovação ou de resistência na interação com o mundo (Marsico & Tateo, 2018Marsico, G., & Tateo, L. (2018). Introduction: the construct of educational self. In G. Marsico & L. Tateo (Eds.), The emergence of self in educational contexts: theoretical and empirical explorations (Vol. 8, pp. 1-14). Cham: Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-98602-9_1
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; Stetsenko, 2020Stetsenko, A. P. (2020). Critical challenges in cultural-historical activity theory: the urgency of agency. Cultural-Historical Psychology, 16(2), 5-18. https://doi:10.17759/chp.2020160202
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). Isso quer dizer que, ainda que exista uma forte pressão social canalizando as ações da pessoa em uma direção, é a pessoa quem escolhe se irá ceder ou se opor à pressão social (Valsiner, 2014Valsiner, J. (2014). An invitation to cultural psychology. London: Sage Publications.); a imprevisibilidade é uma característica potente e latente da interação humana, mesmo em ambientes muito controlados. É por causa dessa imprevisibilidade que o novo, a mudança e a transformação podem emergir.
A agência humana é o que permite que as pessoas modifiquem suas realidades subjetiva e objetiva e sejam também modificadas por elas. Isso significa que pessoa e mundo se constroem num processo mútuo. Esse processo ocorre de maneira bidirecional, de fora para dentro (internalização) e de dentro para fora (externalização) (Valsiner, 2014Valsiner, J. (2014). An invitation to cultural psychology. London: Sage Publications.). A internalização é o processo de apreender e transformar um significado compartilhado pelo meio social, e a externalização é a expressão reconstruída desse significado no meio social. A internalização e a externalização possibilitam a manutenção, a construção, a reconstrução ou a destruição dos significados. Desse modo, a pessoa cultiva significados pessoais e compartilhados, os quais irão compor seu mundo interno e externo e, esses, por sua vez, irão regular as experiências da pessoa, modificando novamente os significados construídos, num ciclo constante de transformações da realidade subjetiva e objetiva. É nesse sentido que dizemos que a cultura é um processo coconstruído pela ação ativa da pessoa.
Pessoa e cultura coordenando-se
O processo de internalizar e externalizar equivale dizer que a cultura regula a experiência das pessoas com o mundo exterior (nível interpsicológico) e também regula a experiência das pessoas com o mundo interno delas (nível intrapsicológico) (Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed.). No nível intrapsicológico, a cultura regula o modo como as pessoas se organizam internamente, pensando e sentindo; no nível interpsicológico, ela regula o modo como as pessoas se organizam externamente, expressando-se, comunicando-se e relacionando-se com outras pessoas. Desse modo, a cultura está presente tanto “dentro” quanto “fora” da pessoa, mas, especialmente, na relação “entre” pessoa e contexto.
Estando “fora”, a cultura se apresenta nos significados compartilhados entre os agentes sociais (pessoas e instituições sociais), os quais fornecem o conjunto de signos que regulam, orientam e organizam as ações humanas. Estando “dentro”, a cultura se apresenta pelos significados particulares que as pessoas reconstroem da interação social. A esses dois processos, Valsiner (2012)Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed. chamou de “cultura coletiva” e “cultura pessoal”, respectivamente.
Cultura coletiva e cultura pessoal se coordenam na construção dos mundos social e subjetivo da experiência humana (Valsiner, 2012Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed.). A coordenação significa que a cultura pessoal deriva da cultura coletiva ao mesmo tempo em que uma organiza a outra, e vice-versa. Isso implica que elas são diferentes, interdependentes e uma não determina a outra. A coordenação entre cultura coletiva e pessoal é dinâmica, está em constante transformação, de tal modo que é impossível prever sua configuração final.
O lugar em que a cultura pessoal e a coletiva se encontram é o meio social no qual a pessoa tem função principal. Participamos da sociedade a partir das várias instituições sociais que organizam e regulam nossa vida. Cada instituição social em que transitamos e participamos procura canalizar nossas ações pelos significados compartilhados naquele meio (cultural coletivo). No entanto, essa participação também abre espaços de negociação para que possamos existir e construir a nossa realidade (Marsico, 2018Marsico, G. (2018). The challenges of the schooling from cultural psychology of education. Integrative Psychological and Behavioural Sciences. 52(3), 474-489. https://doi.org/10.1007/s12124-018-9454-6
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; Valsiner, 2014Valsiner, J. (2014). An invitation to cultural psychology. London: Sage Publications.).
Psicologia Cultural e Pós-Graduação: um olhar cultural para a academia
A Pós-Graduação é um tipo de instituição social imbuída de valor social compartilhado que permeia a nossa imaginação antes de decidir cursar um mestrado ou doutorado. Além disso, um pós-graduando pode atribuir um significado pessoal ao seu curso a partir das sugestões vindas da sociedade de que participa, frustrar-se ao entrar em contato com a realidade do curso, (re)significar o valor do curso por causa da experiência de frustração, permanecer sofrendo no curso ou desistir do curso. Assim, a expectativa com o curso é confrontada nessa experiência, reforçando, destruindo ou reconstruindo o significado atribuído.
Diferentemente de outros contextos, as interações entre as pessoas na Pós-Graduação são reguladas em função de uma produção científica. Essa produção passa desde o planejamento e execução de um projeto até a escrita e a defesa da dissertação ou tese. O prazo de entrega, por exemplo, funciona como um signo que regula as ações do estudante para que ele possa concluir o trabalho. Se o processo ocorrer de forma planejada, o aluno terá mais chances de entregar o trabalho dentro do prazo; caso contrário, poderá sentir ansiedade com o limite de tempo se esgotando. Nessas condições, poderá renegociar o prazo de entrega para reduzir a ansiedade.
Esses signos estão presentes em diversas formas de cobranças que “canalizam” as ações dos estudantes para que se adéquem aos critérios da Capes. No entanto, nesse processo de “canalização”, o estudante é capaz de fazer resistência a essas exigências, negá-las ou aceitá-las (Marsico & Tateo, 2018Marsico, G., & Tateo, L. (2018). Introduction: the construct of educational self. In G. Marsico & L. Tateo (Eds.), The emergence of self in educational contexts: theoretical and empirical explorations (Vol. 8, pp. 1-14). Cham: Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-98602-9_1
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). Por exemplo, se um estudante almejar seguir carreira acadêmica, precisará desenvolver sua experiência com pesquisa, apresentando trabalhos científicos, participando/organizando eventos científicos, fazendo tutorias, publicando artigos científicos etc. É mais provável, nesse caso, que ele tente atender todas as exigências acadêmicas e, caso não consiga, poderá sofrer, adoecer ou desistir do curso. Em outras palavras, as expectativas pessoais em relação à carreira acadêmica também orientam, regulam e organizam as ações dos estudantes.
Os programas de Pós-Graduação com suas normas, regras e valores científicos compartilhados representam uma cultura coletiva a partir da qual a cultura pessoal do estudante de Pós-Graduação pode ser (re)construída, orientando-o frente às experiências acadêmicas. Isso significa dizer que na experiência de viver a academia, a pessoa está constantemente transformando suas crenças, discursos, significados, atitudes e perspectivas de vida a partir daquilo que ouve das pessoas significativas, das expectativas, das percepções e daquilo que aprende ao longo do curso (Marsico & Tateo, 2018Marsico, G., & Tateo, L. (2018). Introduction: the construct of educational self. In G. Marsico & L. Tateo (Eds.), The emergence of self in educational contexts: theoretical and empirical explorations (Vol. 8, pp. 1-14). Cham: Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-98602-9_1
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; Ressurreição & Sampaio, 2018Ressurreição, S. B., & Sampaio, S. M. R. (2018). The reconfiguration of the educational self in the context of higher education. In G. Marsico & L. Tateo (Eds.), The emergence of self in educational contexts: theoretical and empirical explorations (Vol. 8, pp. 61-77). Cham: Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-98602-9_4
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).
No entanto, o contexto da Pós-Graduação é marcado pela crítica, pela exposição, pela oposição de ideias, pelo confronto e pelas cobranças, que podem ser fatores catalizadores para as experiências de sofrimento. Fatores catalizadores são as condições que facilitam ou dificultam o surgimento de certos fenômenos ou processos psicológicos (Valsiner, 2020Valsiner, J. (2020). Where occidental science went wrong: failing to see systemic unity in diversity. Psychology and Developing Societies, 32(1), 7-14. https://doi.org/10.1177/2F0971333620903880
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). Isso equivale dizer que a Pós-Graduação não causa o sofrimento porque: (1) ela não tem capacidade agentiva, (2) as questões pessoais e acadêmicas estão intrinsecamente relacionadas, (3) o contexto da Pós-Graduação como mediador semiótico está sempre promovendo e inibindo processos psicológicos. A lógica da causalidade pressupõe que é possível isolar fatores intervenientes e determinar o fator que provoca alguma coisa. Ao invés disso, a Psicologia Cultural assume a perspectiva de uma catálise, pois a experiência humana acontece sob condições que favorecem alguns processos e, ao mesmo tempo, inibem outros. Desse modo, é impossível estabelecer uma relação linear de causalidade.
Seguindo esse raciocínio, o sofrimento na Pós-Graduação pode ser entendido como um processo que promove uma relação cíclica ao mesmo tempo em que inibe o rompimento do ciclo, dificultando a emergência de novos significados. Para explicar isso, vamos usar como exemplo o conceito teórico de Gegenstand introduzido por Valsiner (2020)Valsiner, J. (2020). Where occidental science went wrong: failing to see systemic unity in diversity. Psychology and Developing Societies, 32(1), 7-14. https://doi.org/10.1177/2F0971333620903880
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para explicar processos de opostos autogerados. A noção de Gegenstand pode ser esquematizada da seguinte forma: duas forças de direções contrárias e uma fronteira entre elas (→||←). Essas forças representam a resistência presente na intencionalidade da ação humana, que compõe qualquer sistema psicológico. Ao interagir, essas forças intensificam umas às outras gerando um ciclo que permite o intercâmbio na fronteira, enquanto elas estiverem agindo. No caso da Pós-Graduação, esse ciclo não permitiria o intercâmbio e as transformações possíveis, e o sofrimento aconteceria em virtude de sucessivas tentativas frustradas de realizar as ações. Explicando de outra forma, na interação com a cultura acadêmica, o estudante enfrenta, sucessivamente e sem sucesso, dificuldade de conciliar as demandas acadêmicas com as necessidades pessoais. Isso não significa dizer que a cultura pessoal e a cultura coletiva sejam forças opostas que geram experiências de sofrimento, mas que a pessoa pode interpretar a realidade dessa maneira e orientar-se por essa ideia. Assim, o adoecimento surgiria em função de um desgaste desse ciclo que não permite o intercâmbio satisfatório com o ambiente para gerar novos significados; a desistência seria uma tentativa de romper essa situação.
Considerações Finais
O objetivo desse artigo foi apresentar uma compreensão do sofrimento na Pós-Graduação sob uma perspectiva culturalista. Para isso, argumentamos que (1) a cultura é um processo dinâmico e semiótico, (2) as pessoas, e não a cultura, são agentes capazes de refletir, decidir e transformar a realidade, e (3) as pessoas criam culturas pessoais e coletivas que se coordenam e não se determinam.
Desse modo, o contexto de ensino e pesquisa na Pós-Graduação pode catalisar certas experiências acadêmicas. A produção científica, a supervisão e o sistema de avaliação são operacionalizados por pessoas que se relacionam, facilitando e/ou dificultando a vida acadêmica. Sendo assim, torna-se inconsistente teoricamente afirmar que a cultura acadêmica cause sofrimento aos estudantes.
O sofrimento acadêmico, assim como seus significados, é um produto cultural e não um problema individual. Afinal de contas, é na interação que as pessoas regulam, orientam e organizam as experiências sociais e subjetivas. O contexto da Pós-Graduação é caracteristicamente desafiador na medida em que novas competências são requeridas em meio a críticas, cobranças e expectativas. Por isso, o adoecimento ou a desistência do curso são possíveis respostas diante de um ciclo de experiências de sofrimento.
A relação entre a cultura coletiva e a cultura pessoal ainda é um aspecto que precisa ser melhor investigado nos contextos das pós-graduações. Embora os programas de Pós-Graduação brasileiros estejam submetidos ao mesmo sistema de avaliação, eles não representam culturas coletivas hegemônicas nem homogêneas, pois cada programa tem uma forma própria de lidar com as exigências da Capes.
Este trabalho traçou explicações teóricas gerais sobre o assunto no âmbito da saúde mental, porém pesquisas empíricas são necessárias para testar e ampliar nossas explicações teóricas em outros programas de Pós-Graduação. Por se tratar de experiências únicas, recomenda-se estudos idiográficos para compreender o processo cultural geral subjacente em cada caso.
Como citar este artigo
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Mar 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
24 Ago 2020 -
Revisado
23 Fev 2021 -
Aceito
12 Abr 2021