Resumos
O objetivo deste estudo foi apreender os sentidos da escolha e da orientação profissional, produzidos por universitários, com base nos fundamentos teórico-metodológicos da perspectiva sócio-histórica. Participaram da pesquisa 88 alunos de dois cursos de graduação de uma universidade pública, que haviam frequentado um Programa de Orientação Profissional entre 2003 e 2008. Os participantes responderam a um questionário, sendo suas respostas organizadas em tabelas para caracterização da clientela, situação no curso e participação no programa. Na segunda fase da pesquisa, foram selecionados 7 participantes para entrevista orientada pelos instrumentos Frases incompletas e Relatos Orais sobre a Escolha Profissional e Trajetória Acadêmica. O processo de análise dos sentidos deu-se pelo destaque das expressões subjetivas articuladas às condições contextuais e históricas dos sujeitos, chegando-se aos núcleos de significação. Os resultados indicaram, para o grupo estudado, que a Orientação Profissional foi contributiva e relevante para as escolhas acadêmicas e profissionais no percurso do Ensino Superior e para os projetos de futuro profissional.
Ensino superior; Estudantes universitários; Orientação profissional; Psicologia sócio-histórico; Sentidos
The aim is to apprehend senses of choice and vocational guidance, produced by university students. Participants were 88 students from two undergraduate courses of a public University, who had attended a Vocational Guidance Program between 2003 and 2008. The study was based on the theoretical and methodological foundations of social historical perspective. The answers to the questionnaire were organized in tables for characterization of the studied population, situation in the course and participation in the program. Seven participants were selected for interview guided by instruments "Incomplete Sentences" and "Oral Reports on the Professional Choice and Academic Career". The process of analysis of the senses was performed by the emphasis on the subjective expressions produced by the students, in conjunction with their contextual and historical conditions, to arrive at core meanings. The results indicate that for the studied group, the Professonal guidance Program was contributory and relevant to professional and academic choices on the way to higher education and to future career projects.
Higher education; College students; Occupational guidance; Sociohistoric psychology; Senses
ARTIGOS
Sentidos da escolha e da orientação profissional: um estudo com universitários1 1 Artigo elaborado a partir da dissertação de T.M.G. PINTO, intitulada "Um estudo sobre os sentidos produzidos por universitários a partir da experiência em orientação profissional". Centro Universitário da Fundação Ensino para Osasco, 2010.
Sense of choice and career guidance: a study with university students
Telma Maranhão Gomes PintoI; Marisa Irene Siqueira CastanhoII
IUniversidade Federal Fluminense, Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, Programa de Orientação Vocacional/Profissional da Seção Psicossocial. Niterói, RJ, Brasil
IICentro Universitário da Fundação de Ensino de Osasco, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional. R. Franz Voegeli, 300, V. Yara, 06020-190, Osasco, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: M.I.S. CASTANHO. E-mail: <marisa.irene@unifieo.br>
RESUMO
O objetivo deste estudo foi apreender os sentidos da escolha e da orientação profissional, produzidos por universitários, com base nos fundamentos teórico-metodológicos da perspectiva sócio-histórica. Participaram da pesquisa 88 alunos de dois cursos de graduação de uma universidade pública, que haviam frequentado um Programa de Orientação Profissional entre 2003 e 2008. Os participantes responderam a um questionário, sendo suas respostas organizadas em tabelas para caracterização da clientela, situação no curso e participação no programa. Na segunda fase da pesquisa, foram selecionados 7 participantes para entrevista orientada pelos instrumentos Frases incompletas e Relatos Orais sobre a Escolha Profissional e Trajetória Acadêmica. O processo de análise dos sentidos deu-se pelo destaque das expressões subjetivas articuladas às condições contextuais e históricas dos sujeitos, chegando-se aos núcleos de significação. Os resultados indicaram, para o grupo estudado, que a Orientação Profissional foi contributiva e relevante para as escolhas acadêmicas e profissionais no percurso do Ensino Superior e para os projetos de futuro profissional.
Unitermos: Ensino superior. Estudantes universitários. Orientação profissional. Psicologia sócio-histórico. Sentidos.
ABSTRACT
The aim is to apprehend senses of choice and vocational guidance, produced by university students. Participants were 88 students from two undergraduate courses of a public University, who had attended a Vocational Guidance Program between 2003 and 2008. The study was based on the theoretical and methodological foundations of social historical perspective. The answers to the questionnaire were organized in tables for characterization of the studied population, situation in the course and participation in the program. Seven participants were selected for interview guided by instruments "Incomplete Sentences" and "Oral Reports on the Professional Choice and Academic Career". The process of analysis of the senses was performed by the emphasis on the subjective expressions produced by the students, in conjunction with their contextual and historical conditions, to arrive at core meanings. The results indicate that for the studied group, the Professonal guidance Program was contributory and relevant to professional and academic choices on the way to higher education and to future career projects.
Uniterms: Higher education. College students. Occupational guidance. Sociohistoric psychology. Senses.
Este artigo trata da relevância da Orientação Profissional (OP) para o aluno universitário, entendida como um campo da prática oferecida, nas últimas décadas, a jovens brasileiros com acesso a esse nível de ensino. O oferecimento da OP aos universitários tem-lhes dado a oportunidade de vivenciar uma intervenção constituinte e determinante do processo de superação de dificuldades ligadas à dúvida sobre a escolha profissional, bem como da consolidação de perspectivas, na vivência das exigências da vida acadêmica no Ensino Superior.
A realidade social, em contínuas transformações, traz consequências a todos os seus segmentos, inclusive no mundo do trabalho. Segundo Marques (2007), em sua investigação no campo da OP, o avanço da tecnologia, a flexibilização do trabalho e a globalização da economia são alguns dos fatores a serem considerados no processo de escolha profissional e de permanência nos cursos de formação, assim como na constituição da subjetividade dos jovens estudantes universitários.
Desde o ingresso na graduação, a partir da escolha profissional até sua efetivação, há um caminho repleto de fatores que determinam o processo de formação do universitário até a conclusão de curso e a consolidação da profissão desejada. Essa demanda tem sido implementada e pesquisada em vários programas por profissionais da área, a exemplo de Marques (2007), Telerman (2004) e Valore (2005), que defendem o oferecimento de suporte específico para a reflexão sobre projetos futuros como atividade essencial para o desenvolvimento dos jovens como seres humanos. Dias (2009) contribui para o avanço teórico na questão do futuro profissional do universitário, por meio da compreensão dos sentidos do trabalho presentes na construção do projeto de vida de um grupo de formandos de universidade pública; Calejon (1995; 1996) e Portilho (1995) têm como ponto de partida das discussões o apoio a ser oferecido a graduandos, visando ao desenvolvimento de projetos acadêmicos e à integração na realidade universitária; Novaes (2003) discute as contradições existentes na construção da escolha profissional dos jovens e as determinações sociais; Zago (2006) trata da temática das condições de permanência do universitário no Ensino Superior; Dias e Soares (2009) abordam um trabalho de orientação profissional para estudantes universitários com o foco no Planejamento de Carreira.
Outros estudos, como o de Moura e Silveira (2002), defendem a intervenção em OP como um novo espaço de aprendizagem e de apropriação de elementos fundamentais para a consolidação do processo de autoconhecimento, desenvolvimento pessoal e conhecimento das profissões. Moura, Sampaio, Menezes e Rodrigues (2003) concluem que os alunos participantes de grupos de OP, numa universidade pública, alcançaram com esta vivência a melhoria no autoconhecimento e o conhecimento da realidade profissional, além da aprendizagem do processo de tomada de decisão.
No Brasil, no que diz respeito à prática em OP, para além de uma abordagem tradicional pautada pelos testes psicométricos, o principal referencial é o trabalho do psicólogo argentino Bohoslavsky (1977), cuja proposição de uma estratégia clínica sugere uma modalidade de OP em que o sujeito da escolha é visto como ativo. O autor considera que o sujeito, para definir sua escolha profissional, deve fazê-la sobretudo privilegiando a ação reflexiva, a partir de elementos de sua subjetividade.
Estudos atuais como o de Aguiar, Bock e Ozella (2009) e o de Alfredo (2006) têm defendido a prática em OP como um processo que favorece o pensamento e a ação de modo crítico e, assim, contribui para que o sujeito tenha a chance de se apropriar dos múltiplos determinantes de sua escolha e compreenda o processo que está vivenciando, simultaneamente, como singular e histórico-social.
A pesquisa ora apresentada guia-se pela finalidade de se produzir um desdobramento dos elementos essenciais do processo de análise de dados levantados junto a alunos universitários. Dessa forma, situa-se em continuidade aos trabalhos mais recentes orientados pela compreensão da escolha profissional como relacionada a múltiplas e determinantes forças, na relação dialética entre subjetivação e objetivação de uma dada realidade social. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa foi apreender os sentidos da escolha e da orientação profissional, produzidos por alunos de dois cursos de graduação de uma universidade pública, que haviam frequentado um Programa de Orientação Profissional entre 2003 e 2008.
O sentido, como categoria de análise, é sustentado pelos pressupostos teórico-metodológicos da Psicologia sócio-histórica de Vigotski (2001), reiterada por seguidores. Para Vigotski (1998), todo fenômeno psicológico deve ser analisado como resultante da articulação dialética entre indivíduo e sociedade, objetividade e subjetividade, mundo psicológico e mundo social, destacando-se a historicidade como fundamental nas análises que se propõem a superar as concepções fundamentadas no empirismo, no individualismo e na naturalização da psique humana. Vigotski (1998) manteve, em sua produção, o posicionamento crítico, voltando-se para a necessidade do entendimento da constituição do indivíduo como sujeito ativo na realidade social e no próprio desenvolvimento.
Vigotski (2001) parte do conceito de significado entendido como unidade entre o pensamento e a palavra, a qual não pode se decompor, pois na complexa teia de relação entre o pensamento e a linguagem, a palavra não é, isoladamente, um fenômeno da linguagem ou do pensamento. Aguiar, Liebesny, Marchesan e Sanchez (2009), com base em Vigotski, destacam que o que faz a mediação na relação entre pensamento e linguagem é o significado. A representação da realidade, no pensamento, é formada a partir da linguagem (produzida social e historicamente) e dos significados da fala; e a ação concreta e material dos homens, mediada pelos significados, dá origem à linguagem e constitui a consciência. Assim, o sentido resulta de um complexo fenômeno de constituição da consciência, discutido por Vigotski no final de sua obra:
... o sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas zonas de sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável, uniforme e exata (Vigotski, 2001, p.465).
Segundo González Rey (2007), nesse momento Vigotski reconhece, pela primeira vez, o caráter organizador da psique, sendo que o sentido toma forma, e passa a não ser mais apresentado apenas como função, nem da linguagem nem do pensamento, mas se apresenta também na relação com a fala interior, como produção psicológica, como complexa articulação entre pensamento, linguagem, fala, personalidade e consciência, como sistema em movimento.
Para o autor, o sentido, como categoria, faz parte da constituição da subjetividade do sujeito, e permite romper com as dicotomias consciente/inconsciente, social/individual, cognitivo/afetivo, "pois o sentido se produz de forma simultânea na integração dessas dimensões" (González Rey, 2004, p.52).
No que diz respeito à apreensão dos sentidos, Aguiar e Ozella (2006) afirmam que pelas expressões do sujeito, como manifestação de sua subjetividade, é possível apreender indicadores das suas formas de ser e dos processos vividos por ele. Apreender os sentidos "não significa apreendermos uma resposta única, coerente, absolutamente definida, completa, mas expressões do sujeito muitas vezes contraditórias, parciais" (Aguiar & Ozella, 2006, p.228).
A análise dos sentidos produzidos pelos universitários, com base nas premissas teórico-metodológicas apresentadas, tem como norteadoras as seguintes perguntas: quais os significados da OP para o aluno universitário? A OP poderia ser compreendida como um instrumento de mediação favorável ao processo de conscientização da escolha profissional e à integração do aluno ao curso? Quais os sentidos produzidos a partir dessa vivência?
O processo de análise implicou tomar o sujeito, sobretudo no que diz respeito a sua subjetividade, como constituído na dialética subjetividade-objetividade da realidade de escolha profissional e de vivência, em um Programa de OP desenvolvido em uma disciplina da grade curricular. A linguagem, como mediação da subjetividade, foi considerada instrumento valioso para a pesquisa, como materialização das significações atribuídas pelo sujeito da pesquisa, e dos sentidos produzidos por ele sobre a realidade pesquisada.
Método
Trazer os alunos que vivenciaram o processo de OP, como participantes da construção do conhecimento, favoreceu a aproximação compreensiva ao fenômeno estudado.
O Programa de OP de que trata este estudo tem efetivação prevista em disciplina obrigatória denominada Tutoria II, nos cursos de Química e Química Industrial, em uma universidade pública, e vem sendo realizado desde o 2º semestre de 2003. A disciplina é oferecida no segundo semestre dos cursos, em encontros com duração de 2 horas-aula, nas quatro primeiras semanas do período letivo, com a finalidade de favorecer a reavaliação da escolha do curso, da profissão e do percurso acadêmico, bem como o planejamento das futuras experiências profissionais. A proposta é teórico-vivencial e desenvolve-se em três unidades: I) Autoconhecimento, escolha profissional, formação acadêmico-profissional e planejamento de carreira; II) Informação profissional sobre as áreas de Química e Química Industrial e III) Projeto de vida/Planejamento de futuro profissional. No final, os alunos produzem sínteses conclusivas do processo realizado. Uma das coordenadoras é pesquisadora neste estudo.
O desenvolvimento da pesquisa foi motivado pela consideração da importância da reflexão acerca da prática.
Para tanto, foram contatados os 113 universitários que haviam participado do Programa, no período de 2003 a 2008, dos quais 88 responderam ao convite, sendo 50 do curso de Química e 38 do curso de Química Industrial. Dessa maneira, teve início a primeira fase, com o encaminhamento de um questionário, que se encontra no Anexo 1 Anexo 1 .
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de sua inclusão na amostra, tendo o projeto sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade, de acordo com o Protocolo nº 016/2009.
A segunda fase da pesquisa constituiu-se de entrevista orientada por dois instrumentos: Relato Oral Sobre a Escolha Profissional e a Trajetória Acadêmica e Frases Incompletas. O relato oral teve por base as narrativas do sujeito, consideradas como sua representação da realidade e, como, prenhes de significados e reinterpretações, de acordo com Cunha (1997). As Frases Incompletas basearam-se em procedimento sugerido por Bohoslavsky (1977) e reiterado por González Rey (2005) como instrumento apto a analisar a subjetividade do sujeito, que deve complementar as frases com a primeira ideia que lhe venha à mente. Para essa fase foram selecionados sete participantes, considerando-se tanto a quantidade de itens respondidos no questionário, quanto a qualidade das respostas dadas. Assim, primeiro foram descartados os questionários com excesso de respostas em branco ou respostas evasivas; em seguida, usou-se o critério de composição de uma amostragem que representasse os conteúdos oferecidos, resultando nos sete sujeitos selecionados.
O instrumento de Frases Incompletas utilizado compôs-se de 39 itens (Anexo 2 Anexo 2 ). Ambos os instrumentos favoreceram o acesso aos conteúdos que levaram à apreensão dos sentidos produzidos pelos participantes sobre a escolha e a orientação profissional.
Resultados
Análise a partir do questionário
Na primeira etapa da pesquisa, as respostas ao questionário foram organizadas de maneira a caracterizar os 88 participantes que acataram o convite: sexo: 54 (61%) participantes do sexo feminino e 34 (39%) do masculino; faixa etária: 44 participantes (50%) entre 20 e 22 anos, 36 (41%) entre 23 e 25 anos, 7 (8%) entre 26 e 28 anos; estado civil: 83 (94%) solteiros, 3 (4%) casados, 2 (2%) outros; escolarização anterior ao curso de graduação: 56 (64%) cursaram o Ensino Fundamental em rede privada, parcial ou totalmente, 32 (36%), em rede pública; 62 (70%) fizeram o Ensino Médio em rede privada e 23 (30%) em rede pública.
Quanto à situação dos alunos no curso superior, no momento em que participaram do Programa de OP, apresenta-se uma síntese dos dados na Tabela 1.
O primeiro aspecto a ser ressaltado é que apenas 27,3% dos alunos referiram dificuldades de desempenho acadêmico no curso; 9,1%, dificuldades de identificação com o curso e de desempenho; e 9,1%, ambas as dificuldades, a despeito de 80,0% dos alunos estarem se submetendo a verificações suplementares e 51,0% deles terem realizado cancelamento de disciplina. Outro dado significativo diz respeito ao fato de 54,5% dos alunos afirmarem não ter dificuldades no desempenho acadêmico ou na identificação com o curso, o que contrasta com os 35,2% deles que referiram dificuldades no acompanhamento das disciplinas, 13,6% com dificuldades de aprendizagem e 6,8% que afirmaram falta de adequação do curso a seus interesses pessoais. Por fim, chama a atenção o fato de 77,2% afirmarem que foi a afinidade com o curso desde o Ensino Médio o principal fator motivador da escolha, o que não parece suficiente para sustentar um bom desempenho.
Os dados referentes à participação dos alunos no Programa de OP na disciplina Tutoria II, implicações para a formação acadêmica e questões profissionais apresentam-se sintetizados na Tabela 2.
Sobre as implicações da OP na vida acadêmica e em questões da escolha, 73,3% referiram favorecimento de maior empenho no curso; 43,7% consideraram contribuição para a reflexão sobre possibilidades e perspectivas profissionais; 37,5% referiram confirmação da escolha profissional; 34,3% ressaltaram o favorecimento do pensar sobre a escolha do curso e sobre as dificuldades relacionadas à formação profissional; 28,1% destacaram favorecimento de decisões quanto aos projetos profissionais futuros; 21,8% referiram ajuda na superação de dificuldades. Destaca-se que, comparativamente, os resultados são mais expressivos para os alunos de Química Industrial. Outras contribuições: conscientização da profissionalização a partir do curso universitário (18,7%) e a possibilidade de retomar o que já havia vivenciado em percurso acadêmico (12,5%). Os alunos que não reconheceram contribuições da OP alegaram a falta de soluções objetivas para as dificuldades relativas às disciplinas e negaram ter dúvidas quanto à escolha do curso.
Análise a partir dos relatos orais sobre a escolha profissional e a trajetória acadêmica e das frases incompletas
Das inúmeras leituras das falas e expressões dos sete participantes nesta fase da pesquisa, destacaram-se pré-indicadores constituídos de temas e caracterizados pela frequência, repetição ou reiteração, bem como pela ênfase, carga emocional comunicada, ambivalências ou contradições. Os seguintes conteúdos temáticos foram organizadores das falas e expressões dos sujeitos: 1) elementos histórico-sociais: constituintes das condições materiais de vida do sujeito; 2) o que o sujeito pensa sobre si mesmo e como pensa ser visto pelo outro; 3) afetos e sentimentos: expressões de necessidades, contradições, afeições, motivações, sentimentos frente a determinadas situações; 4) elementos constituintes do direcionamento da vida: valores morais e ideológicos, concepção de homem, família e sociedade, valor do conhecimento e do estudo, visão do aluno, do professor, da formação acadêmica e profissional, da universidade; 5) apropriação e objetivação do conhecimento: referências sobre diferentes formas de apropriação do conhecimento, quer as de senso comum, quer as resultantes de processos formais de estudo, quer as referidas como originárias da relação entre estudo acadêmico e prática profissional; 6) elementos sobre a vivência acadêmica: trajetória, sucessos, dificuldades cognitivas e movimentos de superação destas no percurso da vida acadêmica; 7) escolhas: de curso, profissão e outras escolhas que integram a formação acadêmica e profissional; 8) orientação profissional: referências ao processo de intervenção e à experiência de orientação vivenciada no curso; 9) trabalho/profissão: referências à experiência de estágios, pesquisa, atividades práticas na universidade e outras e 10) projeto de vida: perspectivas profissionais, acadêmicas e pessoais.
Os pré-indicadores foram aglutinados por complementaridade, similaridade ou contraposição, dando origem aos indicadores, de acordo com Aguiar e Ozella (2006). Por uma nova aglutinação dos indicadores pelo mesmo procedimento, chegou-se aos núcleos de significação reveladores do movimento contraditório manifestado no conjunto das expressões, ao mesmo tempo individuais e coletivas, subjetivas e objetivas, racionais e afetivas, que revelavam os modos de sentir, pensar e agir de cada um. O Anexo 3 Anexo 3 ilustra esse movimento de organização e aglutinação, a partir das falas e expressões dos sujeitos em pré-indicadores, indicadores e núcleos de significação.
As falas e expressões constantes no Anexo 3 Anexo 3 possibilitam compreender o processo de análise, pela contextualização temática e pela organização de pré-indicadores e indicadores, até chegar aos núcleos de significação.
Inicialmente, destaca-se a predominância de alguns pré-indicadores e indicadores que, de forma integrada, correspondem a uma concepção liberal de homem, visto como responsável por si mesmo, por sua vida pessoal e profissional, que pode tudo, desde que se empenhe e acredite em seu esforço pessoal. Em seu conjunto, esses indicadores levam à formação de dois núcleos de significação, o primeiro sintetizado pelas expressões Não pode desistir de nada!, Tem que correr atrás!, Tudo dá certo, se tiver nosso empenho! O segundo, coadunando com a visão liberal de homem e com as autocobranças que os sujeitos da pesquisa se fazem, sintetiza-se na significação Universitário responsável pela sua vida pessoal, acadêmica e profissional.
A despeito das inúmeras dificuldades decorrentes de condições adversas de moradia e situação financeira, entre outras, os participantes percebem suas dificuldades como individuais, reagindo com desânimo e vontade de parar a faculdade. Mas, diante da valorização dada ao estudo, ao conhecimento e à profissão como fontes de realização, sucesso e ascensão, acabam por supor que as dificuldades pertencem a um conjunto de problemas cuja solução está na superação e na persistência.
As expressões dos sujeitos, fruto da objetivação de sua subjetividade, resultam dos valores e concepções que as constituem como determinantes histórico-sociais. No entanto, muitas vezes, os sujeitos (afetados por sentidos por eles mesmos produzidos) não têm consciência dos determinantes desse processo de produção, ignorando que sua produção afetivo-cognitiva é, também, histórico-social. Por isso, apresentam angústia e insegurança, apreendidas por indicadores referentes ao desânimo e ao estar só, com suas dificuldades.
Em sintonia com essa visão liberal de homem capaz por si só, outros indicadores mostram a importância dada ao estudo e à formação acadêmica como elementos constituintes do direcionamento da vida, dando-lhes o significado de um caminho de sucesso, o conhecimento como ascensão intelectual e realização pessoal. Essa realização se entrelaça necessariamente à realização financeira, aglutinando um núcleo de significação: Estudo: realização pessoal x profissional, social e financeira.
Ainda a respeito do significado do estudo e da formação acadêmica, da aprendizagem profissional e da prática de estágio, a educação é predominantemente significada pelos participantes como uma via de alcance da ascensão e mobilidade social. O conjunto de indicadores que apontam essa direção de integração entre o significado do estudo, as demandas da formação e a prática profissional possibilitou constituir um núcleo de significação Condições para a apropriação do conhecimento como determinante do desempenho acadêmico e da confirmação da escolha profissional.
Sobre a educação universitária, especificamente no que diz respeito ao estágio, os participantes produzem significações que indicam a importância desse exercício também como um investimento voltado para a qualificação profissional e a empregabilidade futura. Entretanto, a atenção da universidade para o estágio concretiza-se em estreitas oportunidades e, por isso, provoca nos participantes um estado subjetivo que mescla angústia e falta de perspectiva empregatícia. Talvez seja esse um dos fatores, para alguns alunos, que favoreçam a busca de uma nova graduação, geradora de maiores possibilidades de ingresso no mercado de trabalho.
As necessidades e motivos relativos ao mundo do trabalho, em confronto com as condições reais de formação profissional e a necessidade de enfrentamento de obstáculos, contribuem para a formação de uma condição contraditória e sofrida. Terminar o curso, com a expectativa de conquistar o diploma, conseguir a independência financeira e, ao mesmo tempo, a segurança em relação à escolha profissional feita, não se consolida em alguns casos ou aparece apenas como nuance de possibilidades, em outros. Nesse sentido, embora participantes já formados tenham relatado a certeza de ter adquirido uma boa base para o trabalho, também verbalizam insatisfação com as condições de salário e contratação, e evidenciam a necessidade de ampliar seus conhecimentos e investir na qualificação. Essas seriam condições fundamentais para manter suas perspectivas e alcançar as condições idealizadas de trabalho. Em todos esses casos, deixam transparecer a incerteza quanto ao futuro, sugerindo um núcleo de significação: projeto de futuro como contradição entre a certeza e a incerteza da escolha.
Contraditoriamente à visão liberal de homem, capaz por si só de dar conta da própria vida, simbolizada pelo ter que correr atrás, depreendeu-se a mediação de outros elementos orientadores para a vida, advindos de lastro ético-religioso: a realização, inclusive a profissional, estaria nas mãos de Deus. Nesse caso, a possível concretização dos planos pessoais e de realização profissional organizou-se em um núcleo de significação fundamentado em mandamentos religiosos: O futuro nas mãos de Deus.
Quanto à disciplina Tutoria II (vivência da OP), depreenderam-se tanto indicadores positivos de sua contribuição para ajudar o aluno a enfrentar dificuldades no curso, quanto, contrariamente, de sua inutilidade, por apenas confirmar a escolha feita. Assim, o núcleo OP como conscientização da real situação no curso contrapõe-se à significação da OP como tardiamente reveladora daquilo que já se sabia.
No primeiro caso, uma aluna afirma que até o momento da vivência na OP, "não tinha caído a minha ficha, em relação a minha real situação no curso"(Sic). Assim, a denominação da OP como processo proveitoso com ênfase na ideia de que ela ajuda o aluno a ter uma visão de sua posição no curso. No seu caso, a desmotivação e a ideia de parar a universidade foram declinando, deixando lugar para o desdobramento de novas atividades acadêmicas, favorecedoras da apropriação do conhecimento acadêmico, em níveis satisfatórios. Isso lhe possibilitou certificar-se da identificação com a área de trabalho escolhida e dar novo significado a sua escolha profissional.
No segundo caso, em consonância com o ideário dos participantes da pesquisa (predominância da concepção liberal de homem), destaca-se a ideia de terem feito a escolha certa e de que a OP só serviu para afirmar o que já se sabia. Para uma das participantes, a OP não mostrou um caminho novo, apenas a ajudou a ter certeza do que já sabia que queria fazer. Conforme diz: "eu já sabia que queria fazer Química, o processo de orientação só serviu pra me firmar mesmo" (sic). Outra participante, que nega a contribuição da OP para si, reconhece que, com a orientação, alguns colegas seus "acabavam vendo que não queriam mesmo o curso" (sic).
Diversas outras significações foram dadas ao processo vivenciado no curso: OP como ferramenta útil para uma das participantes, que até hoje, não tem segurança em relação à escolha que fez. Ainda não faz estágio e acredita que a OP poderia tê-la orientado para conseguir o imprescindível estágio, para ela um dos determinantes de seu futuro. A OP, para atender a suas necessidades, seria aquela que oferecesse orientações a respeito de como se comportar em uma entrevista de seleção de estágio, contribuísse para a formação de uma boa base e confiança e, por fim, ensinasse a fazer um currículo certo para apresentar na empresa.
Outra significação é atribuída à OP como espaço para o acolhimento afetivo-emocional do aluno. Para dois dos participantes, a vivência acadêmica, com dificuldades no acompanhamento das disciplinas, gera dúvidas sobre a escolha realizada e uma sensação de solidão na vida acadêmica. Eles se percebem sozinhos, com suas dificuldades, cheios de dúvidas e desestimulados. Nessas condições, um deles ressalta a falta de um espaço de acolhimento para o enfrentamento dos desafios, e sugere que a OP na universidade representaria um espaço de acolhimento e poderia oferecer o tão necessário apoio psicológico.
Por fim, depreende-se um núcleo de significação da OP na universidade, no início/término do curso, como um espaço de orientação e preparo para a vida, pois ajudaria o aluno a lidar com a "sementinha da dúvida" (Sic). Em muitas expressões foi apontada a exigência dos professores e a complexidade dos conteúdos acadêmicos, em comparação ao Ensino Médio. De bons alunos, alguns passam a vivenciar reprovações ou dificuldades, gerando dúvidas sobre ter mesmo o domínio do conteúdo escolar. Esta vivência, por vezes, pode contribuir para que o universitário evoque algo em si próprio, como explicação para o baixo desempenho, de provavelmente ter "errado" no momento da escolha. Uma dos participantes sugere que a OP poderia mostrar as barreiras a enfrentar no mercado de trabalho. Outra participante, ao justificar sua ideia de que a OP no Ensino Superior apoia o aluno no percurso universitário, chama a atenção para a imagem do estudante ingressante, como quem cai de paraquedas em um mundo bem diferente daquele em que vivia. Nesse mundo, o sujeito experimenta dificuldades acadêmicas, duvida de seu domínio acerca do conteúdo escolar, sofre reprovações nas disciplinas e fica solitário em suas decisões. Para ela, a dúvida está sempre presente na trajetória do universitário, seja na chegada ao curso, seja no término de sua temporada nesse mundo diferente. Até mesmo no término do curso a dúvida pode surgir, e o aluno passa por nova situação de escolha, ao precisar definir a direção que vai tomar.
Como fruto da articulação dos achados desta pesquisa, sugere-se a importância do espaço da OP na universidade, pelo fato de, no conjunto de significações produzidas pelos participantes, terem sido recorrentes as referências à vivência em OP como contributiva e como atividade essencial no atendimento ao aluno.
Considerações Finais
Ao finalizar, resgata-se o objetivo desta pesquisa, a saber, apreender sentidos produzidos por universitários a partir da vivência no Programa de Orientação Profissional, previsto em disciplina obrigatória em uma universidade pública. A apreensão foi realizada por meio da análise dos núcleos de significação, unidade dialética que movimenta singularmente as categorias de significado e sentido, tomando-se como elemento-chave o conjunto de significações produzidas pelos participantes sobre a realidade vivida.
Por meio da análise procurou-se articular as expressões dos participantes com os elementos histórico-sociais, afetos e sentimentos, percepção de si próprio e da realidade circundante, motivos e necessidades determinantes da escolha, perspectivas de futuro e, especialmente, as considerações sobre o processo de OP vivenciado. A fundamentação teórica na abordagem sócio-histórica possibilitou compreender cada participante como sujeito concreto e ativo, em sua dialética constitutiva, como um ser sempre capaz de produzir novos sentidos sobre as múltiplas produções possíveis na realidade em que se move.
A consideração das particularidades do contexto social, educacional e econômico de cada um favoreceu a elaboração de núcleos de significação comprometidos com a realidade dos sujeitos e expressivos da constituição de sua subjetividade.
O movimento da pesquisa mostrou um esforço de não fragmentação da complexa subjetividade de cada participante, além de apontar que a subjetividade não é tão somente individual, mas social. Ao se justificarem e se posicionarem em relação às suas impressões e expectativas, bem como ao expressarem suas intenções e finalidades, os sujeitos da pesquisa consolidam expressões sobre a forma de satisfação de suas necessidades e produzem sentidos que têm correspondência com as circunstâncias sociais.
Foi possível apreender núcleos de significação, com variados sentidos das vivências universitárias, de suas realizações e frustrações, de explicitação da visão de si próprios, de suas produções, gostos e desgostos pelas condições enfrentadas na vivência da formação universitária, das condições que julgam necessárias para que se dê como bem sucedido seu desenvolvimento na formação profissional e seu ingresso no mundo do trabalho. Também foram explicitadas concepções sobre o trabalho, a forma de satisfação ou não na condução da vida profissional, e as expectativas relacionadas à vida pessoal/profissional.
Os variados sentidos produzidos pelos participantes e apreendidos pelo processo de análise sugerem o investimento nesse tipo de proposta de Orientação Profissional ao aluno universitário, além de favorecerem a concepção do espaço de OP na universidade como um espaço de promoção da saúde.
A despeito de se considerarem os resultados desta pesquisa como restritos a um grupo particular de universitários, os dados permitem argumentar a favor da OP no Ensino Superior, como intervenção voltada para o desenvolvimento de melhores condições de apropriação da realidade vivida pelos universitários. Enfim, como um espaço contributivo em variados aspectos, ampliando o campo de atendimento ao aluno da graduação e oferecendo a ele um suporte específico para os projetos acadêmicos e profissionais e, também, para as tomadas de decisão ao longo do percurso acadêmico.
Recebido em: 2/12/2010
Aprovado em: 2/9/2011
- Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2006). Núcleos de Significação como instrumento para apreensão da constituição dos sentidos. Revista Psicologia Ciência e Profissão, 26 (2), 222-245.
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Anexo 1
Anexo 2
Anexo 3
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Out 2012 -
Data do Fascículo
Set 2012
Histórico
-
Recebido
02 Dez 2010 -
Aceito
02 Set 2011