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INFLUÊNCIA DO TAMANHO E DO PESO DA SEMENTE NA GERMINAÇÃO E NO ESTABELECIMENTO DE ESPÉCIES DE DIFERENTES ESTÁGIOS DA SUCESSÃO VEGETAL

INFLUENCE OF SEED SIZE AND SEED WEIGHT ON GERMINATION AND ESTABLISHMENT OF PLANT SPECIES FROM DIFFERENT SUCCESSIONAL STAGES

RESUMO

Existem diversas referências na literatura sobre as expectativas e sobre os dados observados da influência do tamanho da semente no estabelecimento, sobrevivência e crescimento de mudas de espécies pioneiras e clímaxes. No entretanto, as observações nem sempre aderem com as expectativas teóricas, visto a interdependência e a multiplicidade de fatores do ambiente que influenciam antes, durante e depois do processo de germinação da semente. O avanço da teoria relacionada com a alocação reprodutiva dos vegetais necessita incorporar as alterações decorrentes da influência da semente no crescimento e no estabelecimento de mudas.

Palavras-chaves
Sucessão ecológica; estabelecimento sucessional; germinação

ABSTRACT

If a coherent theory of reproductive resource allocation among plants is to be developed, it is critical that the effects of several aspects of seed size on seedling survivorship be evaluated. It is only possible to discern the value of a unit of reproductive energy as it is apportioned between propagules. Thus any complete theory of reproductive resource allocation in plants must account for the effects of selection on seed size in the establishment habitat of the seedling.

Key words:
Plant succession; successional establishment; germination

INTRODUÇÃO

A discussão ao redor dos dilemas relacionados com o tamanho da semente e os relacionados com o tamanho da muda originam-se na evolução da capacidade reprodutiva, uma vez que a semente é muito mais do que um simples agente de multiplicação (HARPER, 1977). A importância da semente no ciclo de vida do vegetal alem de múltipla destaca-se por: 1. representar o estágio do ciclo da vida no qual ocorrem a dispersão e a colonização de novas áreas; 2. constituir a estrutura que persiste através das épocas desfavoráveis e de cataclismos (i.e.fogo); 3. conter reservas de energia e de nutrientes, as quais fornecem ao embrião um suporte maternal temporário durante a dispersão e antes de se tornar um organismo autóctone; e 4. apresentar-se como o estágio através do qual novas recombinações genéticas são viabilizadas.

A produção de mudas a partir de sementes de maior tamanho/peso é uma recomendação encontrada na literatura. No entretanto o que é ganho em qualidade fisiológica na obtenção de mudas mais vigorosas pode ser perdido em qualidade genética e diversidade (SCHMIDT 2000). O objetivo deste manuscrito é contribuir para a discussão da relação custo-benefício biológico do tamanho da semente na germinação e na fase de estabelecimento da muda.

Tamanho da semente

A literatura menciona duas grandes expectativas com relação a influência do tamanho da semente na formação e desenvolvimento dos vegetais. Na primeira, as espécies vegetais que produzem sementes de maiores dimensões são mais facilmente encontradas em ambientes sombreados; enquanto na segunda, os vegetais com sementes grandes são adaptados a ambientes predispostos ao estresse hídrico. As relações entre o tamanho da semente, o número de sementes produzidas e o sucesso de recrutamento (sobrevivência) são apontadas como elos que explicam a abundância e a dinâmica das espécies vegetais nas diversas tipologias vegetais. De acordo com Jakobsson e ERIKSSON (2000) essas relações são exemplos da direta relação entre a estratégia evolucionária das espécies e a teoria da estrutura das comunidades vegetais.

O tamanho da semente adotado por cada espécie representa, provavelmente, um compromisso entre as necessidades exigidas para a dispersão - as quais favorecem sementes pequenas - e as necessidades para o estabelecimento das mudas - as quais favorecem sementes grandes. Esta situação ambígua justifica um polimorfismo do tamanho das sementes. HARPER (1977) conceituou o polimorfismo de sementes como a produção de dois ou mais tipos de sementes pela espécie. Para espécies de ambientes mais estáveis com vegetação fechada a ampla dispersão pode ser menos importante do que a capacidade dos germinantes de estabelecerem-se nesses ambientes altamente competitivos. Para essas espécies, a estratégia de maior sucesso privilegia o tamanho ao invés da quantidade de sementes. Estas considerações são antigas e apoiadas nos dados de SALISBURY (1942) que mostrou com dados da flora britânica que o tamanho da semente está correlacionado com o ambiente e com o estágio sucessional da espécies. Mesmo dentro de populações de uma mesma espécie, porém originadas de comunidades submetidas a diferentes graus de perturbação, o tamanho médio da semente mostra-se diferente como demonstram os estudos de WERNER e PLATT (1976) com Solidago sempervirens L. e de SOLBRIG e SIMPSON (1974) com Taraxacum officinale Weber. Mais recentemente, no entretanto, PERONI (1994) comparou as características (massa por área) das sementes de populações de Acer rubrum oriundas de populações dos estágios iniciais e finais da sucessão vegetal; dentre suas conclusões foi evidenciado que as populacões dos estágios iniciais apresentaram sementes mais pesadas do que as sementes das opulações dos estágios finais.

A importância do tamanho da semente para o estabelecimento de um vegetal em condições de sombreamento foi demonstrado pelos experimentos conduzidos por GRIME e JEFFREY (1965)GRIME, J.P. & JEFFREY, D.W. Seedling establishment in vertical gradients of sunlight. Journal of Ecology.n. 53, p.621-642, 1965. com mudas de nove árvores da América do Norte. As espécies estudadas incluíram desde as que produzem sementes pequenas em ambientes abertos até aquelas que produzem sementes grandes encontradas nas florestas densas. As mudas foram cultivadas sob condições de sombra através do uso de cilindros individuais; após doze semanas, a mortalidade foi inversamente proporcional ao peso da reserva na semente.

As hipóteses gerais através das quais o tamanho da semente beneficia o estabelecimento da espécie sob condições restritivas de luz (ou seja dormência, produtos secundários, relação entre tecido fotossintético e tecido não-fotossintético, fluxo de radiação, e perda de tecido) e os correspondentes resultados esperados foram sumarizados por FOSTER (1986)FOSTER,A. On the adaptive value of large seeds for tropical moist forest treesa review and synthesis. The Botanical Review.v.52, n.3, p.260-299, 1986.. Este autor baseou-se no trabalho de FOSTER e JASON (1985) cujos resultado indicaram que a massa da semente era significativamente maior em 14 espécies de árvores que se estabelecem sob a proteção do dossel ou em pequenas clareiras do que em duas espécies que requerem clareiras de grandes dimensões para estabelecimento. Se a semente de maior tamanho é uma adaptação para o estabelecimento na sombra poder-se-ia esperar que sementes grandes armazenassem mais carbono do que sementes pequenas devido à necessidade de compensar a assimilação reduzida de carbono nos estágios iniciais. Esta hipótese foi testada e comprovada por FENNER (1983)FENNER, M. Relationships between seed weights, ash content and seedling growth in twenty-four species of Compositae. New Phytologist. n. 95, p.697-706, 1983. através de pesquisa com 24 espécies de Compositae com variação no peso das sementes de mais de duas ordens de magnitude; os resultados da perda de peso da semente devida a ignição (uma estimativa do conteúdo de carbono) aumentou com o tamanho da semente. O tema foi recentemente abordado por MILBERG et al. (2000) que estudaram a germinação após estratificação com e sem luminosidade de 54 espécies vegetais em bancos de sementes. Os resultados indicaram que a germinação se tornou menos dependente da luminosidade com o aumento no tamanho da semente. A interpretação dos resultados oferecida pelos autores retro foi a de que houve co-evolução entre o tamanho da semente e o requerimento do estímulo luminoso.

O peso da semente por si só, no entanto, não pode ser tomado como indicador de tolerância à sombra. AUGSPURGER (1984)AUGSPURGER, C.K. Light requirements of neotropical tree seedlings: a comparative study of growth and survival. Journal of Ecology.72:777-795, 1984. encontrou que a sobrevivência na sombra não era correlacionada com o peso da semente e sim com o estágio sucessional da espécie. As mudas das espécies características dos estágio avançados da sucessão vegetal são mais tolerantes à sombra independentemente do peso da semente (FENNER, 1985FENNER, M. Seed Ecology Chapman and Hall, New York.145 p, 1985.). Esta afirmação recebeu atenção recentemente quando foi observado que o peso da semente de espécies tolerantes a sombra na Malásia diminuiu com o tamanho relativo da planta adulta: plantas altas > trepadeiras arbóreas > árvores pequenas > arbustos > plantas herbáceas (METCALFE e GRUBB, 1995).

Para vegetais de hábito transitório (pioneiras ou colonizadoras), uma ampla dispersão é essencial, enquanto que a falta de competição das plantas circunvizinhas torna menos importante a existência de consideráveis reservas na semente. Estas plantas tendem a apresentar um grande número de pequenas sementes. BAKER (1972)BAKER, H.G. Seed weight in relation to environmental conditions in California. Ecology. n. 53, p. 997-1010, 1972. mostrou que, na flora da Califórnia, as sementes maiores são associadas com ambientes mais secos. Mesmo dentro de uma espécie, ecotipos das regiões mais secas apresentaram maiores sementes como foi observado por SCHIMPF (1977) em Amaranthus retroflexus L. Sementes de maior tamanho em plantas expostas à seca são o resultado da seleção em favor de mudas que possam estabelecer, rapidamente, um sistema radicular extenso com as suas próprias reservas. JURADO e WESTOBY (1992), estudando o efeito do tamanho da semente no crescimento inicial de 32 espécies da Austrália árida, concluíram que as mudas originadas de sementes grandes crescem lentamente, sobrevivem em maior número e emergem de maiores profundidades. Similarmente, HOFFMANN (2000) estudando espécies do cerrado brasileiro concluiu a existência de uma correlação positiva entre o tamanho da semente e a sobrevivência das mudas. Nessas mesmas condições existe generalização de que sementes de maiores dimensões germinam em maior percentagem do que sementes de menores dimensões sob temperatura natural ou simulada. No entanto, para algumas espécies as semente pequenas germinam mais rápido do que as grandes ou ainda são completamente indiferentes segundo revisão de BASKIN e BASKIN (1998)BASKIN, C.C & BASKIN, J.M. Seeds - ecology, biogeography, and evolution of dormancy and germination. Academic Press, New York, 666 p., 1998..

Peso da semente

Sementes de grandes dimensões são associadas com plantas de ilhas remotas; essa generalização pode ser observada quando são feitas comparações entre vegetais que ocorrem em ilhas com vegetais de ocorrência continental (CARLQUIST, 1965CARLQUIST,S. Island Life. Natural History Press, New York.1965.). O favorecimento de sementes de maior tamanho em condições de ilhas remotas pode ser o resultado de uma seleção contra a dispersão destas sementes que poderiam cair no oceano.

Sementes de pequeno tamanho são características de vegetais parasíticos e saprófitas pelo menos no estágio inicial do desenvolvimento. Como a nutrição daqueles organismos é exógena, as sementes não necessitam prover reservas; consequentemente, o tamanho da semente foi reduzido ao mínimo necessário enquanto as características de aumento na disseminação e no número de sementes produzidas proporciona maior segurança de que pelo menos algumas irão encontrar os hospedeiros. Sementes de pequenas dimensões são também características de espécies persistentes nos bancos de sementes do solo (THOMPSON e GRIME, 1979GRIME, J.P. Plant Strategies and Vegetation Processes. John Wiley & Sons, Chichester, 150 p. 1979.). O pequeno tamanho auxilia o enterrio pela facilidade com que as sementes penetram através das descontinuídades da superfície. A redução em tamanho foi associada também com a característica de evitar os predadores (JANZEN, 1969); um número grande de pequenas sementes possui maior chance de escapar da predação do que um número pequeno de sementes graúdas.

A desvantagem de uma semente grande é ainda mais complexa pelo fato de que sementes graúdas possuírem, em geral, tegumento pesado. No caso de Erigeron canadensis L. e Tragopogon pratenses L., os tegumentos participam com 15 % e 61 %, respectivamente, do peso total da semente (FENNER, 1983FENNER, M. Relationships between seed weights, ash content and seedling growth in twenty-four species of Compositae. New Phytologist. n. 95, p.697-706, 1983.). Esta canalização desproporcional para o “envelope” de sementes grandes pode refletir a necessidade de maiores investimentos em proteção contra predadores.

O custo de produzir sementes grandes é aparentemente alto para as plantas, levando em conta a diminuição da dispersabilidade e o crescimento relativo. Essas desvantagens são, presumidamente, contrabalançadas pelo tamanho absoluto das mudas ou indivíduos originados. FOSTER e JANSON (1985)FOSTER, S.A & JANSON, C.H. The relationship between seed size and establishment conditions in tropical woody species. Ecology. 66:773-780, 1985., trabalhando com espécies tropicais da floresta peruana, concluíram que as plantas mais altas apresentavam, significativamente, sementes maiores do que as plantas mais baixas dentro da mesma forma de vida; certamente a diferença na espessura do tegumento das sementes não é suficiente para justificar a diferença em peso médio entre árvores pioneiras (0,13 g) e árvores clímax (8,20 g).

No mesmo ambiente, sementes grandes, provavelmente, são submetidas a maiores níveis de temperatura ambiente do que sementes pequenas devido ao fato de que as primeiras são menos propensas a serem enterradas (GRIME, 1979GRIME, J.P. Plant Strategies and Vegetation Processes. John Wiley & Sons, Chichester, 150 p. 1979.). Com o aumento no tamanho da semente, a relação entre a superfície e o volume da semente diminui resultando no fato de que sementes grandes podem ser incapazes de obter água para iniciar o processo de germinação em solos secos (HARPER e BENTON, 1966). Estudo comparativo de 25 espécies da zona seca da Etiópia mostrou que a velocidade da germinação foi negativamente correlacionada com o tamanho da semente de acordo com TEKETAY e GRANSTROM (1997). Por outro lado, o efeito do tamanho da semente e a velocidade de emergência em sete espécies de Psychotria (Rubiaceae) foi estudado por PAZ et al. (1999) que concluíram que o tamanho da semente não influenciou, em geral, o sucesso da emergência e que os efeitos do tamanho da semente na emergência das mudas são motivados por fatores ecológicos externos à semente.

CONCLUSÕES

Apesar das diferenças no tamanho médio das sementes de espécies pioneiras ou colonizadoras e de espécies clímax ou de sombra as espécies arbóreas apresentam uma grande amplitude no tamanho de sementes. O limite superior do tamanho da semente de uma espécie é, provavelmente, o resultado de uma combinação de fatores que diminuem a chance de sobrevivência com o aumento no tamanho da semente como pressão predatória, mecanismo de dispersão, e balanço higroscópico. No entretanto, a expectativa de sobrevivência do embrião da semente aumenta independentemente de quaisquer dos mecanismos citados desde que o provimento materno seja melhor. O progresso da teoria envolvendo a alocação reprodutiva em vegetais depende da avaliação crítica dos diversos efeitos do tamanho da semente no estabelecimento e no crescimento dos organismos vegetais oriundos daquelas estruturas.

LITERATURA CITADA

  • AUGSPURGER, C.K. Light requirements of neotropical tree seedlings: a comparative study of growth and survival. Journal of Ecology.72:777-795, 1984.
  • BAKER, H.G. Seed weight in relation to environmental conditions in California. Ecology. n. 53, p. 997-1010, 1972.
  • BASKIN, C.C & BASKIN, J.M. Seeds - ecology, biogeography, and evolution of dormancy and germination. Academic Press, New York, 666 p., 1998.
  • CARLQUIST,S. Island Life. Natural History Press, New York.1965.
  • FENNER, M. Relationships between seed weights, ash content and seedling growth in twenty-four species of Compositae. New Phytologist. n. 95, p.697-706, 1983.
  • FENNER, M. Seed Ecology Chapman and Hall, New York.145 p, 1985.
  • FOSTER, S.A & JANSON, C.H. The relationship between seed size and establishment conditions in tropical woody species. Ecology. 66:773-780, 1985.
  • FOSTER,A. On the adaptive value of large seeds for tropical moist forest treesa review and synthesis. The Botanical Review.v.52, n.3, p.260-299, 1986.
  • GRIME, J.P. Plant Strategies and Vegetation Processes. John Wiley & Sons, Chichester, 150 p. 1979.
  • GRIME, J.P. & JEFFREY, D.W. Seedling establishment in vertical gradients of sunlight. Journal of Ecology.n. 53, p.621-642, 1965.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2001
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