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EXTENSÃO PARA O USO DE RECURSOS FLORESTAIS POR COMUNIDADES RURAIS - UMA AVALIAÇÃO INICIAL

INTRODUÇÃO

O uso de recursos florestais em áreas de atividade agrícola, se constitui em uma alternativa vantajosa para diversos problemas enfrentados pelo pequeno agricultor. Apesar disto, representa um percentual irrisório das atividades nas zonas rurais do Estado do Rio de Janeiro e em particular dos municípios vizinhos ao Grande Rio.

As espécies arbóreas têm um bom potencial de uso. No que se refere aos benefícios diretos, podem trazer uma economia considerável na obtenção de material de construção rural, móveis, utensílios e energia. Quanto aos benefícios indiretos, a floresta tem papel fundamental na conservação de recursos hídricos, auxilia na conservação e melhoria do solo e pode dar proteção contra o vento, dentre outras.

Com o aumento, nas últimas décadas, das críticas ao sistema produtivo de monoculturas e de forte dependência aos insumos externos, o interesse por alternativas ecologicamente mais adequadas aumentou. Nestas, os elementos arbóreos se destacam, como nos sistemas agroflorestais, quebra-ventos, moirões vivos, etc.

Outro aspecto relevante se refere ao esgotamento de florestas, em grande parte nativas, que servia de fonte (quase sempre ilegal) de produtos. A situação é de tanta escassez, que em algumas áreas até cabos de enxada passaram a ser obtidos no comércio, já que nestas localidades nenhuma medida de conservação e/ou reposição florestal era tomada, visando este abastecimento.

O Programa de Extensão sobre o uso de recursos florestais por comunidades agrícolas foi idealizado considerando estes fatores. Nos anos de 92/93 foram desenvolvidas atividades no Assentamento de Campo Alegre, em Queimados e no periodo 94/95 no Mutirão Eldorado, em Seropédica.

Este informe visa relatar estas atividades e realizar uma avaliação preliminar do que foi feito até o momento. Com isto se pretende divulgar, abrir o trabalho para criticas e contribuições e apontar algumas proposições para o futuro.

ASSENTAMENTO CAMPO ALEGRE

1- Características gerais

Está localizado no municipio de Queimados-RJ e o acesso à área se dá através do km 190 da Rodovia Dutra, a cerca de 50 km do município do Rio de Janeiro.

O assentamento foi dividido em Distritos e o trabalho de nosso grupo se deu no Distrito de Marapicu que apresenta uma topografia plana (típica de baixada), com a presença de morros esparsos.

Os solos predominantes são arenosos ou argilo arenosos, sujeitos à inundações e apresentando pouca profundidade.

As culturas observadas foram o coco, mandioca, quiabo e maracujá. Boa parte da área estava coberta por gramíneas de antigas pastagens.

Foi observada uma grande diversidade no perfil sócio cultural da comunidade. Foram feitos contatos com colonos que viviam apenas da produção de seus lotes, bem como com alguns que tinham na agricultura uma atividade esporádica e complementar. Cada lote cobre uma área de 5 hectares.

Os agricultores de Campo Alegre recebiam, naquele período, o apoio da Cooperativa da União do Assentamento do Mutirão Campo Alegre (COUAMCA), e de outras instituições. Além disto, o lEF vinha tentando também um programa de incentivo ao uso de espécies florestais. As nossas atividades foram desenvolvidas em colaboração com estas entidades.

Atividades desenvolvidas

Os pressupostos e os objetivos destas atividades partiram da crítica que tem sido feita à filosofia adotada nos trabalhos de extensão no Brasil, que vêem o pequeno agricultor desprovido do conhecimento e da cultura necessária para o desenvolvimento adequado de suas atividades. De acordo com esta lógica, o extensionista deveria levar a técnica "correta" para suprir este "vazio".

Ao invés disto, a principal intenção deste projeto era de criar a interação entre aluno e comunidade, permitindo que este pudesse confrontar e problematizar a sua formação profissional em relação às questões práticas quotidianas. A progressão desta interação deveria, aí sim, avançar para propostas de superação de alguns destes problemas, através do manejo de recursos florestais. Como esta se daria de forma interativa, o potencial e as limitações de recursos já estariam sendo trabalhados ao longo do processo.

Para dar conseqüência a esta crítica se estabeleceu uma abordagem que visava: 1°) Valorizar o aprendizado dos alunos participantes, no sentido de presenciarem e se possível vivenciarem as potencialidades e limitações da comunidade, do ambiente geobiofísico e de suas interações; 2°) A partir desta experiência trocarem informações com os agricultores e atuarem junto à comunidade, no sentido de potencializar o uso de recursos florestais para a resolução de seus problemas; e 3°) Desenvolver, através desta interação, projetos integrados de uso de recursos florestais, a serem debatidos e aperfeiçoadas junto com a comunidade.

Para o primeiro item, as atividades em Campo Alegre atenderam plenamente. Os alunos que integravam o projeto acompanharam algumas atividades da comunidade, perceberam suas limitações e discutiram possíveis soluções. Ouviram e opinaram sobre a origem destes problemas, suas condicionantes e como a comunidade poderia superá-los.

No que se refere ao segundo item conseguiu-se avançar parcialmente. O contato entre o grupo, os integrantes da comunidade e os técnicos que atuam na assistência técnica serviu como inicio de divulgação das alternativas de uso de espécies arbóreas.

Foram elaborados e distribuídos folhetos ilustrando a importância da floresta, os seus benefícios, formas de conservá-la e como cultivá-las. Foi realizado também, em um dia de campo, com debate com a comunidade sobre as potencialidades de uso destes recursos. Durante este dia foram realizadas explanações sobre os beneficios da floresta, as possibilidades de uso, as espécies mais relevantes para a região e algumas técnicas de cultivo.

Quanto ao último item não se conseguiu implementar nenhum avanço.

Os principais problemas encontrados em Campo Alegre

1°) Inexistência de programa institucional a longo prazo.

As nossas atividades foram em grande parte desenvolvidas com recursos pessoais. Os alunos tiveram que custear o transporte até a área. Todo o material de divulgação foi preparado com recursos pessoais. Algumas despesas, como transporte dentro da área e alimentação dos alunos foi custeado também pelas outras instituições envolvidas.

A colaboração interinstitucional foi positiva, mas os recursos destinados àquele assentamento pelo principal projeto de assistência técnica (AS-PTA) tiveram o seu prazo terminado e foram extintos.

Para o tamanho do grupo de recursos florestais e o tempo desponível dentro do semestre acadêmico, a atuação naquela comunidade deveria se dar com prazo muito mais dilatado para que se pudessem consolidar o segundo e terceiro objetivos.

Com a saída do pouco apoio disponível o grupo de recursos florestais foi obrigado a suspender as atividades em 93.

Ao se adotar uma abordagem que valorize a participação ativa da comunidade na discussão e adoção de técnicas adequadas não se poderia esperar inversões a curto prazo. Prazos mais dilatados e a presença regular do grupo são fundamentais para colaborar em cada degrau desta inversão.

2°) Perfil sócio econômico

O perfil cultural e sócio econômico da comunidade presente em Campo Alegre é bastante complexo e reforça ainda mais o que foi dito no item anterior. Para superar os problemas oriundos desta complexidade é preciso um trabalho continuado e a longo prazo.

Como já foi citado, a comunidade tem integrantes que ocupam um amplo espectro social - de produtores que vivem exclusivamente da terra até residentes temporários sem vínculo direto com a agricultura. Outro aspecto que pode ser observado é de que existe uma fragmentação no sentimento comunitário e as abordagens que partem de premissas de que este seja consolidado podem encontrar obstáculos.

Além disso se sentiu um resquício forte da filosofia "assistencialista" dentro da própria comunidade. Em diversos momentos se viu que alguns agricultores entendiam a participação destas instituições como a chance de “ganhar” alguma coisa, se colocando como agente passivo de possíveis mudanças.

Próximos passos

O retorno das atividades em Campo Alegre com certeza poderia disseminar paulatinamente alternativas de interesse e servir como solução para alguns dos problemas observados. No entanto, para que isto seja efetivo, deve haver um envolvimento mais consistente e duradouro da Universidade, que garanta, no mínimo, a presença regular e a longo prazo dos grupos de trabalho.

Na época em que estas atividades foram realizadas não havia o financiamento de bolsas e recursos pelo MEC, específicos para a extensão, o que foi implementado posteriormente.

MUTIRÃO ELDORADO

Características gerais

Está localizado no município de Seropédica, na localidade de Santa Rosa. A área do assentamento é delimitada por uma bacia, tendo sua parte central mais plana e aumentando a declividade no sentido das bordas.

As principais classes de solo são o glei pouco húmico, o pianossolo e o podzólico. Em parte da área se encontram problemas de retenção de água. A vegetação predominante é herbácea com pequenas manchas de mata secundária.

Cada família dispõe de 5 a 8 hectares de terra, havendo ainda uma parte destinada à área comunitária.

No caso do Eldorado a UFRRJ já vinha atuando, através de alguns professores e do Decanato de Extensão, além do GAE (Grupo de Ação Ecológica). Esta ação se ampliou com o início do PROGENTE-RURAL em 1994 que passou a financiar bolsas e outros itens de custeio.

Atividades desenvolvidas

Os pressupostos e objetivos neste caso foram os mesmos dos já citados anteriormente para Campo Alegre.

Também neste caso, para as atividades realizadas durante os anos de 94/95, o enriquecimento e a valorização do aprendizado foi plenamente atingido, com a participação e vivência dos alunos no quotidiano da comunidade.

Com a participação mais contundente da UFRRJ e com o aporte de recursos, as atividades referentes aos recursos florestais foram desenvolvidos, em grande parte, em colaboração com outros grupos, como de Economia Doméstica, o próprio GAE e etc. Foi realizado um levantamento conjunto, buscando compreender de forma integral as questões de mais relevância para aquela comunidade.

Apesar deste levantamento não ter contemplado alguns aspectos que deveria ser complementados, da parte de recursos florestais, algumas observações preliminares já podem ser feitas.

Resultados do Levantamento de uso e demanda

As famílias de agricultores do assentamento Eldorado utilizam produtos florestais para construções rurais, utensílios domésticos, ferramentas agrícolas e para a obtenção de energia.

A maioria dos agricultores contactados utiliza estes produtos para a construção de casas, instalação de moirões, confecção de móveis e cabos de ferramentas. Dos entrevistados, cerca de 65% utiliza lenha e 30% carvão.

O resultado mais significativo deste levantamento é de que 100% de todos estes produtos são obtidos fora da área, com um custo social, ambiental e econômico. Para produtos de construção rural, 47% dos entrevistados compra fora do assentamento, 29% retira das matas circunvizinhas e 23% de outras áreas, de refugos de madeira e de outras fontes. Para utensílios e energia, este percentual é de 29% de agricultores que compram no mercado, 23% que retiram das matas circunvizinhas e 47% de outras fontes.

Principais problemas no Mutirão Eldorado

Os dois problemas citados para o caso de Campo Alegre aparecem amenizados neste caso.

Por um lado, a UFRRJ vem mantendo uma participação mais continuada, com boas perspectivas de serem mantidas. Muito falta ainda para consolidar e ampliar esta colaboração, mas isto deverá se dar na prática e no decorrer das próprias atividades. Para avançar, a UFRRJ deveria se voltar mais para esta iniciativa e aprimorar a sua capacidade de atuação.

Pelo lado da comunidade esta parece mais fortemente voltada para a subsistência a partir da atividade agrícola e com um sentido comunitário mais contundente.

Próximos passos

Para o grupo de recursos florestais, estão programadas atividades de intensificação da sensibilização e divulgação das alternativas de uso de recursos florestais, através de reuniões e visitas. Já existe uma demanda por parte dos assentados para apoio técnico na instalação e manutenção de um horto comunitário e a partir dos resultados obtidos nesta fase se pretende iniciar algumas conversas para inclusão de algumas alternativas em alguns lotes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    1996
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