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PRODUÇÃO DE PAPÉIS ARTESANAIS DAS MISTURAS DE APARAS COM FIBRAS VIRGENS DE BAMBU (Dendrocalamus giganteus) E DE BAGAÇO DE CANA-DE-AÇÚCAR (Saccharum officinarum)

PRODUCTION OF HANDMADE PAPERS WITH MIXTURES OF RECYCLED FIBERS AND VIRGIN FIBERS OF BAMBOO (Dendrocalamus giganteus) AND SUGAR-CANE BAGASSE (Saccharum officinarum)

RESUMO

Neste trabalho analisou-se a possibilidade de se produzir papéis artesanais com boas propriedades, das misturas de massa de aparas com as pastas kraft de bambu (Dendrocalamus giganteus) e de bagaço de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum). Papéis com as maiores resistências à dobragem e ao rasgamento foram obtidos das misturas com 20 % ou mais de pasta de bagaço. Maiores lisuras e resistência ao arrebentamento foram obtidas do consorciamento de 80 % da massa de aparas e 20 % de pasta de bagaço. Concluiu-se que principalmente a pasta do bagaço da cana-de-açúcar pode ser utilizada para melhorar as propriedades do papel artesanal.

Palavras-chaves:
Bambu; cana-de-açúcar; papel artesanal.

ABSTRACT

In this research it was analyzed the possibility of producing handmade papers with good properties from mixtures of recycled fibers with kraft pulps of bamboo (Dendrocalamus giganteus) and sugar-cane bagasse (Saccharum officinarum). Handmade papers with higher folding endurance and tear strength were produced with the mixtures whose compositions had 20 % or more of sugar-cane bagasse pulp. Papers with higher smoothness and burst strenght were obtained from mixture of 80 % of waste paper mass and 20 % of bagasse pulp. It was observed that mainly the bagasse pulp can be used to improve the properties of the handmade paper.

Key words:
Bamboo; sugar-cane; handmade paper.

INTRODUÇÃO

A reciclagem de papel é uma prática que gera uma série de vantagens econômicas, ecológicas e sociais para o ser humano (SPANGENBERG, 1993SPANGENBERG, R.J. Secondary Fiber Recycling. 1st Printing, Library of Congress Catalogingin-Publication Data, Atlanta, Georgia, TAPPI PRESS, 1993. 268p. (TAPPI PRESS ORDER NO: 0101 R201-ISBN: 0-89852-267-6); ANDRADE & BARBOSA, 1997ANDRADE, A. M.de & BARBOSA, G.S. Reciclagem de aparas e de papéis usados, para a confecção de cadernos. Seropédica, RJ, Instituto de Florestas - IF / Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, Imprensa Universitária, Floresta e Ambiente, v.1, n. 4, p. 21-29, 1997.). No caso do Brasil, a grande importância social da reciclagem de papel velho é facilmente observada nas ruas das cidades. Nesse País, um número cada vez maior de pessoas dedica-se ao trabalho de coleta, de prensagem, de transporte, de venda e de utilização dos papéis recolhidos manualmente nas ruas. Isto resulta na geração de empregos dignos e na manutenção de famílias que, muitas vezes, ainda não estão devidamente preparadas para um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Cooperativas de catadores de papel têm sido criadas, principalmente com o intuito de proteger e de orientar esses trabalhadores simples, porém, muito orgulhosos do seu trabalho, reconhecidamente imprescindível para a melhoria das condições de vida da população como um todo.

Ainda no Brasil, além do papel velho, outros refugos fibrosos também podem ser utilizados para a produção de papel ou, simplesmente, para melhorar a qualidade do papel reciclado (RECICLOTECA, 1998RECICLOTECA. Associação Ecológica Ecomarapendi. Rio de Janeiro, RJ, 1998. 8p. (Informativo 4, janeiro a março de 1998)). Para KOGA (1988)KOGA, M.E.T. Matérias-Primas Fibrosas. In: D’ALMEIDA, M.L.O. Tecnologia de Fabricação da Pasta Celulósica. 2ª ed., V. I, São Paulo, S.P., SENAI/IPT, p.15-44, 1988., dentre estas matérias-primas destacam-se, com um grande potencial de utilização, o bambu (Dendrocalamus giganteus) e o bagaço residual da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum). É provável que as fibras destes vegetais possam melhorar as propriedades físicas e mecânicas do papel reciclado, aumentando sobremaneira a sua resistência e melhorando significativamente a sua textura e as suas características ópticas. Há de considerar-se, também, a grande disponibilidade das referidas matérias-primas vegetais no Brasil, sobretudo no Estado do Rio de Janeiro.

As aplicações do bambu são bastante abrangentes, principalmente nos países asiáticos, onde é usado na construção de pontes, de casas, de móveis, de cercas, na fabricação de balsas, de vasos para transporte e armazenamento de água, de utensílios domésticos, de chapéus, de embalagens, de postes, de mastros, de agulhas fonográficas, de brinquedos, de alimentos, de instrumentos musicais, bem como para a produção de polpa celulósica e papel, servindo , também, como fonte energética alternativa. No Brasil, algumas instituições de pesquisa têm demonstrado um grande interesse no estudo do bambu, visando a atribuição de usos alternativos para essa monocotiledônea tão promissora, porém, com um elevado potencial ainda ocioso. É comum a observação de touceiras de bambu ao longo das estradas, nos altos dos morros, ao redor de lagoas e nas margens de rios. Isto denota que essa monocotiledônea desenvolve-se bem nas condições edafo-climáticas brasileiras, crescendo num ritmo acelerado. Segundo KOGA (1988)KOGA, M.E.T. Matérias-Primas Fibrosas. In: D’ALMEIDA, M.L.O. Tecnologia de Fabricação da Pasta Celulósica. 2ª ed., V. I, São Paulo, S.P., SENAI/IPT, p.15-44, 1988., o bambu compõe-se de um colmo lenhoso e de um rizoma subterrâneo, podendo ser utilizado a partir do terceiro ano, com uma produtividade média de 25 toneladas de matéria seca por hectare e densidade básica que varia de 0,5 a 0,6 g/cm3. O comprimento, a largura e a espessura da parede das suas fibras variam, respectivamente, de 1,5 a 4,4 mm, de 7 a 27 µm e de 6 a 8 µm, dependendo da espécie, do sítio, da idade, da posição no colmo, dentre outros fatores.

O bagaço de cana-de-açúcar também é um material fibroso abundante no Estado do Rio de Janeiro. Na região norte do Estado, por exemplo, é bastante comum a observação de extensos canaviais, implantados para suprir a demanda das usinas de açúcar e de álcool ali instaladas. O bagaço de cana-de-açúcar, nesse caso, é produzido em larga escala, sendo utilizado na geração de energia térmica ao ser queimado nas fornalhas das caldeiras ou na produção de ração animal. Da produção de açúcar, a partir da cana (Saccharum officinarum), resulta um grande volume de bagaço (COMPTON’S, 1996COMPTON‘S INTERACTIVE ENCYCLOPEDIA. Version 4.0.2M for Windows, 1992-1995, Compton‘s Learning Company / Compton‘s NewMedia, Inc. and licensors, 1996.). Todavia, há de ressaltar-se o elevado volume de bagaço de cana produzido diariamente nos centros urbanos, onde os pequenos, os médios e os grandes comerciantes utilizam da cana-de-açúcar para a extração do caldo (“garapa”). Dessa operação resulta o bagaço, nesse caso considerado um resíduo. De acordo com KOGA (1988)KOGA, M.E.T. Matérias-Primas Fibrosas. In: D’ALMEIDA, M.L.O. Tecnologia de Fabricação da Pasta Celulósica. 2ª ed., V. I, São Paulo, S.P., SENAI/IPT, p.15-44, 1988., a utilização do bagaço da cana-de-açúcar para a produção de pastas tem sido pesquisada há mais de um século. Inicialmente, essa pasta era considerada de baixa qualidade mecânica. Hoje, entretanto, com as tecnologias disponíveis, já é possível a produção de quase todos os tipos de papéis com a mesma, destacando-se: embalagens, impressão, escrita, fins sanitários, impermeáveis, miolo de papelão ondulado, capa de corrugado, papelões branqueados, periódicos e mesmo papel jornal.

Retornando aos aspectos sociais da reciclagem de papel, vale ressaltar a sua importância, sobretudo para as comunidades mais carentes. Além do preenchimento do tempo ocioso com uma atividade saudável, pode-se disponibilizar, com a reciclagem artesanal, os papéis consumidos no dia-a-dia, além da possibilidade dessa prática transformar-se numa verdadeira fonte de renda familiar. Contudo, a nível doméstico, a reciclagem de papel ainda apresenta-se como uma técnica pouco utilizada, principalmente em função das dificuldades normais de acesso às tecnologias disponíveis de produção e de utilização do papel reciclado. Porém, de uma forma esporádica, são divulgados trabalhos abordando algumas metodologias de reciclagem artesanal de papel, visando demonstrar que a produção doméstica de papel é uma técnica simples, com um baixo custo de implementação e altamente promissora (ANDRADE & BARBOSA, 1997ANDRADE, A. M.de & BARBOSA, G.S. Reciclagem de aparas e de papéis usados, para a confecção de cadernos. Seropédica, RJ, Instituto de Florestas - IF / Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, Imprensa Universitária, Floresta e Ambiente, v.1, n. 4, p. 21-29, 1997.).

A presente pesquisa objetivou a produção artesanal de folhas de papel, utilizando-se pasta de papéis velhos misturada com fibras virgens de bambu (Dendrocalamus giganteus) e de bagaço de cana-de-açúcar ( Saccharum officinarum), buscando melhorias nas propriedades físicas, mecânicas e ópticas do papel reciclado.

MATERIAL E MÉTODOS

Preparação das Suspensões de Fibras e Formação das Folhas de Papel

Para a preparação das suspensões de fibras e formação das folhas de papel reciclado, adotou-se a metodologia de reciclagem artesanal de papel velho desenvolvida no Laboratório de Papel e Celulose da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ANDRADE & BARBOSA, 1997ANDRADE, A. M.de & BARBOSA, G.S. Reciclagem de aparas e de papéis usados, para a confecção de cadernos. Seropédica, RJ, Instituto de Florestas - IF / Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, Imprensa Universitária, Floresta e Ambiente, v.1, n. 4, p. 21-29, 1997.).

Produção e Adição das Pastas Kraft de Bambu (Dendrocalamus giganteus) e de Bagaço de Cana-de-Açúcar (Saccharum officinarum) à Pasta de Papel Velho

Visando-se melhorias nas propriedades físicas, mecânicas e ópticas do papel reciclado, adicionou-se fibras virgens de bambu (Dendrocalamus giganteus) e, ou, de bagaço de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) à massa de papel velho. O cozimento kraft foi efetuado em um digestor elétrico rotativo de 3 rpm, com a capacidade volumétrica para 20 litros e tampa dotada de manômetro e de termômetro. O desfibramento do material cozido foi realizado, durante quinze minutos, em um refinador de discos e a depuração, sob o efeito de fortes jatos d’água, em peneiras com malhas de 1,0 mm e de 0,3 mm, sobrepostas. Para o branqueamento das pastas adotou-se uma seqüência com dois estágios, sendo o primeiro uma hipocloração (cloro ativo a 1%) e o segundo uma extração alcalina (NaOH a 0,2%). As condições de cozimento das matérias-primas fibrosas são apresentadas na Tabela 1.

A Tabela 2 apresenta os tratamentos que foram utilizados durante o consorciamento das pastas kraft de bambu (Dendrocalamus giganteus) e de bagaço da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) com a massa de papel velho.

Análises Físico-Mecânicas e Ópticas dos Papéis Reciclados Artesanalmente, de Bambu (Dendrocalamus giganteus) e de Bagaço de Canade-Açúcar (Saccharum officinarum)

Após a formação das folhas de papéis artesanais, submeteu-se as mesmas aos ensaios físico-mecânicos e ópticos no Departamento de Ciência e Tecnologia do Papel da Universidade da Beira Interior, Portugal. Depois da aclimatação dos papéis, foram realizadas as seguintes análises: gramatura - g/m2 (NP 796-1988), espessura - mm (ISO 534), massa volumétrica - g/cm3, volume específico - cm3/g, lisura - ml de ar / min, permeabilidade ao ar - mm/Pa.s (ISO 5636-3:1992-F), índice de estouro ou arrebentamento - kPa.m2/g (T 403 om-91), comprimento de auto-ruptura - km (ISO 1924/2-1985-F), esticamento - mm, dobras duplas (ISO 5626/78), índice de rasgamento - mN.m2/ g (T 414 om 88), lisura BEKK (s/100 ml de ar), brancura (% ISO) e opacidade (% ISO).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 3 apresenta os valores médios observados após os ensaios físicos dos papéis artesanais, derivados da pasta de papel velho, consorciada ou não às pastas de bambu (D. giganteus) e de bagaço de cana-de-açúcar (S. officinarum), de acordo com os respectivos tratamentos.

Tabela 1
Condições do cozimento kraft do bambu (Dendrocalamus giganteus) e do bagaço da cana-deaçúcar (Saccharum officinarum).
Tabela 2
Tratamentos utilizados durante o consorciamento da massa de papel velho com as pastas virgens de bambu (D. giganteus) e de bagaço de cana-de-açúcar (S. officinarum), para a obtenção da suspensão de fibras a 0,5 % de consistência.

Pela observação dos valores médios das gramaturas (g/m2), das espessuras (mm) e dos respectivos coeficientes de variação apresentados na Tabela 3, constata-se a ocorrência de uma grande variação das referidas características físicas dos papéis, dentro e entre os tratamentos analisados. Há evidências de que, mesmo buscando-se a produção de folhas isotrópicas e promovendo-se a reposição da massa após a formação de cada folha, tenham ocorrido consideráveis discrepâncias nas características físicas do papel reciclado artesanalmente. Isto, por si só, demonstra a dificuldade da padronização dos aspectos físicoestruturais durante a formação dos papéis artesanais, o que, de certa forma, resulta num dos seus maiores atrativos, qual seja: a possibilidade de serem produzidas folhas personalizadas. Essa grande variabilidade na gramatura e na espessura dos papéis deve-se a uma série de fatores, dentre os quais destacam-se:

A profundidade de imersão da tela formadora de papel na suspensão de fibras;

O ângulo de inclinação e a velocidade de descida da tela formadora de papel, na posição vertical, no momento da sua imersão na suspensão de fibras;

A velocidade de subida da tela formadora de papel, na posição horizontal, saindo da suspensão de fibras;

O volume de fibras em suspensão, capturado no momento da formação da folha de papel artesanal;

O tempo de espera para o escoamento do excesso de água, sob o efeito do empuxo superficial, com a tela formadora ainda posicionada na superfície da suspensão de fibras;

A metodologia e o tempo de secagem da folha de papel, após a sua formação; e,

Tabela 3
Valores médios obtidos a partir de ensaios físicos dos papéis reciclados artesanalmente, derivados da pasta de papel velho, consorciada ou não às pastas de bambu (D. giganteus) e de bagaço de cana-de-açúcar (S. officinarum).

Os processos de prensagem e de alisamento das folhas de papel, utilizados antes e, ou, após a secagem das mesmas.

As elevadas gramaturas e espessuras dos papéis reciclados artesanalmente, nos cinco tratamentos analisados, não chegam a contraindicar o uso dos mesmos. Segundo SCOTT et al. (1995)SCOTT, W.E.; ABBOTT, J.C.; TROSSET, S. Properties of Paper : an Introduction. 2nd Edition, Library of Congress Cataloging-in- Publication Data, Atlanta, Georgia, TAPPI PRESS, 1995. 191p. (TAPPI PRESS ORDER NO: 0102 B052-ISBN: 0-89852-062-2) e SCOTT (1996)SCOTT, W.E. Principles of Wet end Chemistry. 1st Printing, Library of Congress Cataloging-in- Publication Data, Atlanta, Georgia, TAPPI PRESS, 1996. 185p. (TAPPI PRESS ORDER NO: 0101 R241-ISBN: 0-89852-286-2), tais características físicas são compatíveis com vários usos e atribuições para esse tipo de papel, tais como as descritas a seguir:

Excetuando-se os papéis produzidos a partir da mistura das pastas kraft de bambu e de bagaço de cana-de-açúcar, em iguais proporções, os demais papéis aceitam impressões a jato de tinta ou a laser;

Todos os papéis podem ser utilizados na feitura de capas para livros, agendas, blocos de anotações, dentre outros usos afins; e,

Em virtude do seu aspecto ornamental e das suas altas gramaturas e espessuras, os papéis em questão podem ser usados na confecção de embalagens para perfumes, bebidas, presentes finos, jóias e artigos de couro, bem como de caixas para chapéus e para calçados e de sacolas e sacos personalizados, dentre outros usos.

Mesmo apresentando, sob o ponto de vista absoluto, a menor gramatura (g/m2), os papéis artesanais produzidos com a mistura das pastas kraft de bambu e de bagaço de cana-de-açúcar, em iguais proporções, também apresentaram a maior espessura média (mm). Isso denota a ocorrência de uma maior dificuldade para a densificação das folhas e compactação das fibras nos referidos papéis, em virtude da composição dos mesmos.

Devido às suas baixas massas específicas e elevados volumes específicos, os papéis artesanais ora produzidos necessitam, quando comparados aos papéis convencionais, de um maior espaço volumétrico para serem transportados e armazenados. Consequentemente, maiores custos serão observados durante o transporte e o armazenamento de grandes volumes de tais papéis. A Tabela 4 apresenta os valores médios observados após os ensaios físico-mecânicos dos papéis artesanais, derivados da pasta de papel velho, consorciada ou não às pastas kraft de bambu (D. giganteus) e de bagaço de cana-de-açúcar (S. officinarum), de acordo com os respectivos tratamentos.

Pela análise da Tabela 4, pode-se constatar que os papéis produzidos a partir da mistura das pastas kraft de bambu e de bagaço de cana-de-açúcar, em iguais proporções (tratamento cinco), foram os que apresentaram as menores lisura Bendtsen (ml de ar / min) e lisura Bekk (s / 100 ml de ar). Desta forma, para os usos onde elevadas lisuras são requeridas para os papéis, é recomendável que sejam evitadas as condições estabelecidas para o referido tratamento. Todavia, lisuras Bendtsen um pouco superiores às demais, foram apresentadas pelos papéis produzidos a partir da mistura de 80 % de massa de papel velho com 20 % de pasta kraft de bagaço de cana-de-açúcar (tratamento três).

É provável que tenha ocorrido alguma interação entre as pastas kraft de bambu e de bagaço de canade-açúcar, quando não houve a inclusão da massa de papel velho, gerando papéis altamente permeáveis. Essa possível interação entre as pastas, usadas em iguais proporções, gerou as condições para que papéis de baixa lisura e de elevada permeabilidade ao ar fossem produzidos. No entanto, quando estas mesmas pastas foram misturadas à massa de papel velho (80 %), na proporção de 10 % cada uma (tratamento quatro), ocorreu uma sensível diminuição na permeabilidade ao ar do papel. Denota-se, portanto, que possíveis interações, agora entre os três tipos de pasta, tenham proporcionado as condições para gerar-se uma trama de fibras com baixa permeabilidade ao ar. Como foram analisadas diferentes matérias-primas fibrosas com graus de refino não determinados, não foi possível estabelecer, entre os tratamentos, uma correlação bem definida entre as gramaturas dos papéis e as suas respectivas permeabilidades ao ar.

Do ponto de vista absoluto, os menores índices de estouro foram apresentados pelos papéis reciclados constituídos somente de massa de papel velho ou, das misturas onde entraram, simultaneamente, as pastas de papel e de bambu. Os maiores índices de estouro foram apresentados pelos papéis artesanais compostos de pasta de papel velho com pasta kraft de bagaço de cana-deaçúcar ou, de pasta kraft de bambu com pasta kraft de bagaço de cana-de-açúcar. Desta forma, tais resultados sugerem a possibilidade de se produzir papéis reciclados com elevada resistência ao estouro, a partir de misturas de pastas em cuja composição estejam presentes as fibras do bagaço da cana-de-açúcar.

Tabela 4
Valores médios obtidos a partir dos ensaios físico-mecânicos e ópticos dos papéis reciclados artesanalmente, derivados da pasta de papel velho, consorciada ou não às pastas de bambu (D. giganteus) e de bagaço de cana-de-açúcar (S. officinarum).

Inferências semelhantes àquelas feitas para o índice de estouro dos papéis reciclados artesanalmente podem ser feitas para o comprimento de auto-ruptura. Ou seja, os maiores valores absolutos para os comprimentos de auto-ruptura foram apresentados pelos papéis de cuja composição participou a pasta do bagaço de canade-açúcar, misturada às pastas de papel velho, de bambu ou a ambas as pastas.

Com relação aos índices de alongamento dos papéis reciclados artesanalmente, não há condições de se fazer quaisquer associações, uma vez que os valores médios observados praticamente não diferiram entre si.

Elevadas resistências à dobras foram apresentadas pelos papéis em cuja composição foram utilizados teores de pasta de bagaço de canade-açúcar iguais ou superiores a 20 %, ou seja, nos tratamentos três e cinco. Desta forma, supõe-se que ocorram algumas interações entre as fibras analisadas e, que as tramas dos papéis reciclados artesanalmente, produzidos com 20 % ou mais de pasta kraft de bagaço de cana-de-açúcar, sejam mais resistentes à dobras.

Inferências semelhantes àquelas efetuadas em relação à resistência dos papéis reciclados à dobras podem ser feitas com respeito à resistência ao rasgamento. Assim, os papéis artesanais em cuja composição entraram 20 % ou mais de pasta kraft de bagaço de cana-de-açúcar, apresentaram bons índices de rasgamento. Há, portanto, uma tendência de que algumas das principais propriedades mecânicas dos papéis reciclados artesanalmente sejam alteradas positivamente, caso teores de pasta kraft de bagaço de cana-de-açúcar, iguais ou maiores do que 20 %, sejam misturados à pasta utilizada na feitura dos mesmos. Parece que a pasta kraft de bagaço de cana-de-açúcar apresentava fibras individualizadas e, muitas vezes, microfibriladas e com um bom potencial de ligação, que conferiu ao papel artesanal boas propriedades mecânicas.

Com respeito à brancura dos papéis reciclados (% ISO), optou-se por não comparar os valores médios apresentados pelos respectivos tratamentos, uma vez que as alvuras iniciais das amostras e as dosagens de reagentes utilizadas no branqueamento acabaram por ser diferentes entre si. Entretanto, notou-se que as folhas correspondentes ao tratamento um, ou seja, aquelas produzidas com 100 % de pasta de papel velho, foram as que apresentaram o índice de brancura mais elevado (94,86). Isto, devido ao fato de que, neste caso, foram reciclados papéis de impressão/ escrita que, embora já tivessem sido usados para impressão ou para escrita, ainda mantinham quase que a totalidade da brancura atingida originalmente após o branqueamento da pasta.

Não ocorreram diferenças significativas entre as opacidades corrigidas dos papéis artesanais ora analisados. Entretanto, deve ser ressaltado que as opacidades dos papéis de todos os tratamentos, quando corrigidas para a gramatura correspondente ao tratamento um, mantiveram-se em patamares bastante elevados, sempre acima dos 99 % ISO. Isto, certamente, implica na possibilidade da utilização da frente e do verso da folha de papel artesanal, caso a mesma seja apropriada para a impressão/ escrita

CONCLUSÕES

Com base nos resultados obtidos após o consorciamento das pastas ora analisadas, podese concluir que:

  • A adição das pastas virgens de bambu e de bagaço de cana-de-açúcar à massa de papel velho, sob as condições estabelecidas no presente estudo, parece ser promissora e viável, em virtude das melhorias de algumas das propriedades físicas e mecânicas dos papéis produzidos de forma artesanal;

  • A pasta kraft do bagaço da cana-de-açúcar, sob as condições estabelecidas no presente estudo, apresenta um potencial superior à pasta kraft do bambu, ao serem consideradas as melhorias verificadas nas propriedades mecânicas dos papéis reciclados artesanalmente;

  • Todos os papéis artesanais, produzidos sob as condições estabelecidas para os cinco tratamentos ora analisados, podem ser utilizados para fins ornamentais. Assim, tais papéis podem ser usados para a confecção de embalagens especiais para presentes, de caixas para perfumes e bebidas, caixas para sabonetes e jóias, capas de livros e de cadernos, dentre outros usos;

  • Devido às suas baixas lisuras, há indícios de que os papéis artesanais produzidos com as pastas kraft de bambu e de bagaço de cana-de-açúcar, misturadas em iguais proporções, sejam impróprios para a confecção de papéis que serão utilizados para impressão/escrita. Neste caso, parece que os melhores papéis artesanais para impressão/escrita sejam os derivados da mistura da massa de papel velho (80 %) e da pasta kraft do bagaço da cana-de-açúcar (20 %);

  • Papéis reciclados de forma artesanal com razoáveis índices de estouro são produzidos a partir da mistura da massa de papel velho (80%) e a pasta kraft do bagaço da cana-de-açúcar (20 %). Isto denota a possibilidade de que estes papéis possam ser utilizados para a produção de sacos e de sacolas que, muitas vezes, necessitam de uma boa resistência ao estouro;

  • Os papéis artesanais confeccionados com teores iguais ou superiores a 20 % de pasta kraft de bagaço de cana-de-açúcar apresentam boas resistências à dobras e razoáveis índices de rasgamento. Parecem, portanto, indicados para a confecção de sacos, sacolas e demais embalagens, cujas exigências ao rasgo e a necessidade de serem constantemente dobrados sejam evidentes;

No que diz respeito às matérias-primas fibrosas ora analisadas, devido à alta disponibilidade das mesmas no Estado do Rio de Janeiro e, aos resultados positivos observados no tocante à melhoria das propriedades mecânicas dos papéis artesanais, torna-se evidente a necessidade de iniciar um trabalho que conste das seguintes etapas:

  • Conscientização dos geradores dessas matériasprimas fibrosas alternativas, fazendo-os perceber a grande importância desse material residual;

  • Criar condições para que os rejeitos da cana-deaçúcar sejam coletados na fonte de geração, transportados e armazenados num local estratégico, de onde seriam conduzidos, de uma forma ágil, para os pontos de produção das pastas e dos papéis artesanais; e,

  • Tratar da criação de cooperativas, que cuidariam da utilização em média/larga escala das matérias-primas fibrosas alternativas ora analisadas, bem como do controle e do repasse, às comunidades envolvidas, das verbas oriundas da venda dos papéis reciclados artesanalmente.

AGRADECIMENTOS

  • À FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, pela disponibilização dos recursos para a compra dos materiais de consumo, de um televisor e de um videocassete;

  • Ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pela concessão da bolsa de iniciação científica para a acadêmica do curso de Engenharia Florestal da UFRRJ; e,

  • Ao DCTP - Departamento de Ciência e Tecnologia do Papel da UBI - Universidade da Beira Interior, de Portugal, pela disponibilização dos equipamentos e pela orientação técnica no decorrer dos ensaios dos papéis reciclados.

LITERATURA CITADA

  • ANDRADE, A. M.de & BARBOSA, G.S. Reciclagem de aparas e de papéis usados, para a confecção de cadernos. Seropédica, RJ, Instituto de Florestas - IF / Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, Imprensa Universitária, Floresta e Ambiente, v.1, n. 4, p. 21-29, 1997.
  • COMPTON‘S INTERACTIVE ENCYCLOPEDIA. Version 4.0.2M for Windows, 1992-1995, Compton‘s Learning Company / Compton‘s NewMedia, Inc. and licensors, 1996.
  • KOGA, M.E.T. Matérias-Primas Fibrosas. In: D’ALMEIDA, M.L.O. Tecnologia de Fabricação da Pasta Celulósica 2ª ed., V. I, São Paulo, S.P., SENAI/IPT, p.15-44, 1988.
  • RECICLOTECA. Associação Ecológica Ecomarapendi. Rio de Janeiro, RJ, 1998. 8p. (Informativo 4, janeiro a março de 1998)
  • SCOTT, W.E.; ABBOTT, J.C.; TROSSET, S. Properties of Paper : an Introduction 2nd Edition, Library of Congress Cataloging-in- Publication Data, Atlanta, Georgia, TAPPI PRESS, 1995. 191p. (TAPPI PRESS ORDER NO: 0102 B052-ISBN: 0-89852-062-2)
  • SCOTT, W.E. Principles of Wet end Chemistry 1st Printing, Library of Congress Cataloging-in- Publication Data, Atlanta, Georgia, TAPPI PRESS, 1996. 185p. (TAPPI PRESS ORDER NO: 0101 R241-ISBN: 0-89852-286-2)
  • SPANGENBERG, R.J. Secondary Fiber Recycling 1st Printing, Library of Congress Catalogingin-Publication Data, Atlanta, Georgia, TAPPI PRESS, 1993. 268p. (TAPPI PRESS ORDER NO: 0101 R201-ISBN: 0-89852-267-6)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2001
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