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Impactos da COVID-19 nos atendimentos fisioterapêuticos a mulheres com câncer de mama

Resumo

Introdução:

A COVID-19 trata-se de uma situação de emergência de saúde pública de importância interna-cional, cujo espectro clínico é diverso. Levando em consideração as medidas de prevenção ao coronavírus e as recomendações das autoridades de saúde, surge a preocupação de como estão os atendimentos fisiotera-pêuticos a mulheres com câncer de mama, já que sua descontinuidade pode favorecer o aparecimento de complicações, prejuízos na funcionalidade, na qualidade de vida e na realização de tratamentos complementares.

Objetivo:

Avaliar os impactos da pandemia de COVID-19 na continuidade dos atendimentos fisioterapêuticos a mulheres com câncer de mama.

Métodos:

Trata-se de uma pesquisa transversal. Os dados foram coletados por meio de questionário on-line e a população foi composta por fisioterapeutas que atuam em território brasileiro.

Resultados:

De um total de 40 participantes, 20% relataram não ter sofrido alteração na rotina de trabalho, 48% tiveram a carga horária reduzida, 12% sofreram aumento de carga horária, enquanto 25% foram realocadas de setor para prestar assistência aos acometidos pela COVID-19. Vinte por cento dos atendimentos foram suspensos, sendo os locais com maior continuidade na assistência os de internação hospitalar (40%) e ambulatórios (42%). Quanto ao número de mulheres atendidas antes da pandemia em comparação ao número durante o período de restrição, houve uma queda de 72%.

Conclusão:

Verificou-se suspensão da maior parte dos atendimentos, no entanto, em sua maioria, a continuidade da assistência foi garantida através de teleatendimento. Não obstante, os entrevistados relataram piora clínica no quadro das mulheres após o período de suspensão do tratamento.

Palavras-chave:
Neoplasias de mama; COVID-19; Pandemia; Fisioterapia; Reabilitação

Abstract

Introdution:

COVID-19 has been declared a public health emergency of international concern by the World Health Organization, with a diverse clinical spectrum. Given the coronavirus prevention measures and recommendations from health authorities, there is a concern about how physiotherapy care is provided to women with breast cancer. The discontinuity of care may favor the emergence of complications, and compromise functionality, quality of care and the provision of complementary treatments.

Objective:

To assess the impacts of the COVID-19 pandemic on the continuity of physiotherapy care for women with breast cancer.

Methods:

This is a cross-sectional study. Data were collected through an online questionnaire and the population was composed of physiotherapists, of both sexes, who work in Brazil.

Results:

Twenty percent of the 40 participants reported no change in their work routine, 48% had their workload reduced, 12% had an increased workload, 25% were relocated to provide assistance to patients affected by COVID-19, and 20% of consultations were suspended. The greatest continuity of care was seen in hospital admissions (40%) and outpatient clinics (42%). The number of women cared for before the pandemic compared to during the restriction period declined by 72%.

Conclusion:

Most consultations were suspended; however, in most cases, continuity of care was guaranteed through telerehabilitation. Nevertheless, the interviewees reported clinical worsening in women after treatment was interrupted.

Keywords:
Breast neoplasms; COVID-19; Pandemic; Physical therapy; Rehabilitation

Introdução

A COVID-19, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), é apontada como uma situação de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Apresenta espectro clínico diverso, variando de sintomas leves (febre, fadiga e tosse não produtiva), moderados (dispneia) ou graves, quando o paciente evolui com a síndrome respiratória aguda grave.11 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para diagnóstico e tratamento da covid-19. Brasília: Ministério da Saúde; 2020. Full text link No Brasil, as medidas de prevenção adotadas seguiram as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que incluem lavagem frequente das mãos, uso de máscara, evitar tocar nos olhos, nariz e boca, praticar higiene respiratória, bem como isolar-se socialmente.22 Brasil. Recomendação nº 027, de 22 de abril de 2020. Recomenda aos Poder Executivo, federal e estadual, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário, ações de enfrentamento ao Coronavírus. Brasília: Conselho Nacional de Saúde; 2020. Full text link

Com o avanço da pandemia por COVID-19 no país, houve a necessidade de ampliação da estrutura hospitalar para assistência das pessoas que evoluíram para a forma mais grave da doença. Diante dessa situação de emergência em saúde, um número expres-sivo de pessoas acometidas por outras condições de saúde segue necessitando tratamento.33 Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica. Vias livres de COVID-19. Mantendo/Retomando o tratamento seguro do câncer durante a pandemia. Versão 2c [cited 2020 Jun 28]. Available from: https://tinyurl.com/4d6h98wt
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A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica estima que em apenas três meses de pandemia 171 mil pessoas deixaram de ser diagnosticados com câncer e que os casos anteriormente diagnosticados tiveram seu tratamento postergado, levando possivelmente a tratamentos mais longos e/ou agressivos, com maior morbimortalidade e maior custo.33 Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica. Vias livres de COVID-19. Mantendo/Retomando o tratamento seguro do câncer durante a pandemia. Versão 2c [cited 2020 Jun 28]. Available from: https://tinyurl.com/4d6h98wt
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Pacientes que já haviam iniciado o tratamento têm maior probabilidade de complicações físico-funcionais, caso o atendimento fisioterapêutico não seja realizado precocemente. A reabilitação torna-se primordial por apresentar um conjunto de possibilidades terapêuticas suscetíveis de serem empregadas em todas as fases do tratamento oncológico (diagnóstico, quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia, pós-cirúrgico, recorrência da doença e cuidados paliativos), contribuindo para a redução da fadiga associada ao câncer, melhora do estado geral e redução do risco de complicações associadas à cirurgia, assim como de lesões.44 Líška D, Stráska B, Pupiš M. Physical therapy as an adjuvant treatment for the prevention and treatment of cancer. Klin Onkol. 2020;33(2):101-6. DOI

5 Oliveira RA. Efeitos do treinamento aeróbio e de força em pessoas com câncer durante a fase de tratamento quimioterápico. Rev Bras Prescr Fisiol Exerc. 2015;9(56):662-70. Full text link
-66 Associação Brasileira de Fisioterapia em Oncologia (ABFO). Nota técnica sobre os atendimentos de fisioterapia em oncologia frente à pandemia COVID-19 [cited 2020 Jun 26]. Available from: https://tinyurl.com/thwmcr7p
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Nas mulheres, o câncer de mama é o mais frequentemente diagnosticado em todas as regiões do mundo, exceto na África Oriental e na Austrália/Nova Zelândia. Em 2020, segundo a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, foram estimados 2.261.400 novos casos de câncer de mama em mulheres.77 World Health Organization, International Agency for Research on Cancert. Breast Cancer 2018 Fact Sheet [cited 2019 Aug 3]. Available from: http://gco.iarc.fr/today/home
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No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer, esse número seria de 66.280 novos casos para cada ano do triênio 2020-2022.88 Instituto Nacional de Câncer (INCA), Mistério da Saúde. Estimativa de Câncer no Brasil. 2020 [cited 2020 Dec 10]. Available from: https://www.inca.gov.br/numeros-de-cancer
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Esse tipo de carcinoma possui um bom prognóstico quando detectado e tratado precocemente.99 Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Diretrizes diagnósticas e terapêuticas do carcinoma de mama. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. Full text link

Apesar de o tratamento para o câncer de mama ter avançado e alcançado significativa redução nas taxas de mortalidade, as sequelas têm afetado aproximadamente 90% dessa população.1010 Lovelace DL, McDaniel LR, Golden D. Long-term effects of breast cancer surgery, treatment, and survivor care. J Midwifery Womens Health. 2019;64(6):713-24. DOI As complicações variam amplamente em gravidade e podem gerar prejuízos na funcionalidade a curto e longo prazo. Dentre as principais estão o linfedema, a dor, as alterações funcionais e a síndrome da rede axilar.44 Líška D, Stráska B, Pupiš M. Physical therapy as an adjuvant treatment for the prevention and treatment of cancer. Klin Onkol. 2020;33(2):101-6. DOI,55 Oliveira RA. Efeitos do treinamento aeróbio e de força em pessoas com câncer durante a fase de tratamento quimioterápico. Rev Bras Prescr Fisiol Exerc. 2015;9(56):662-70. Full text link,1010 Lovelace DL, McDaniel LR, Golden D. Long-term effects of breast cancer surgery, treatment, and survivor care. J Midwifery Womens Health. 2019;64(6):713-24. DOI,1111 Faria L. As práticas do cuidar na oncologia: a experiência da fisioterapia em pacientes com câncer de mama. Hist Cienc Saude-Manguinhos. 2010;17(supl. 1):69-87. DOI Além disso, as complicações citadas podem comprometer a realização de atividades de vida diária, a qualidade de vida e a realização de tratamentos complementares, como é o caso da radioterapia, amplamente realizada após cirurgias conservadoras da mama.1212 De Groef A, Van Kampen M, Dieltjens E, Christiaens MR, Neven P, Geraerts I, et al. Effectiveness of postoperative physical therapy for upper-limb impairments after breast cancer treatment: a systematic review. Arch Phys Med Rehabil. 2015;96(6):1140-53. DOI,1313 Brasil. Ministério da Saúde, Instituto Nacional de Câncer (INCA). Atualização para técnicos em radioterapia. Rio de Janeiro: INCA; 2010. Full text link

Como forma de contribuição às medidas preventivas à pandemia de COVID-19, os conselhos e associações profissionais de fisioterapia recomendaram a suspenção parcial ou total dos atendimentos presenciais. Tal medida repercutiu no adiamento do início das terapias ou na descontinuidade daquelas que já haviam sido iniciadas.66 Associação Brasileira de Fisioterapia em Oncologia (ABFO). Nota técnica sobre os atendimentos de fisioterapia em oncologia frente à pandemia COVID-19 [cited 2020 Jun 26]. Available from: https://tinyurl.com/thwmcr7p
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Levando em consideração tais medidas, surge a preocupação de como está o acompanhamento fisioterapêutico a pacientes com câncer de mama.Diante do exposto, o estudo teve como objetivo avaliar os impactos da pandemia pela COVID-19 nos atendimentos fisioterapêuticos a mulheres com câncer de mama.

Métodos

Trata-se de um estudo do tipo transversal, no qual foram incluídos fisioterapeutas de ambos os sexos que atuavam em território brasileiro e prestavam assistência a mulheres com câncer de mama. Os dados foram coletados nos meses de outubro e novembro de 2020, através de questionário on-line (Figuras 1 e 2), divulgado por meio de contatos telefônicos, via aplicativo de mensagens (WhatsApp), e-mail e redes sociais (Instagram). Os endereços de e-mail dos participantes foram captados do site da Associação Brasileira de Fisioterapia em Oncologia (ABFO). Questionários respondidos de forma incompleta foram excluídos.

Figura 1
Página inicial do formulário on-line contendo o termo de consentimento.

Figura 2
Questionário para avaliar os impactos da COVID-19 nos atendimentos fisioterapêuticos a mulheres com câncer de mama.

O questionário continha informações sobre sexo, idade, tempo de experiência na assistência a pacientes com câncer de mama, região do país onde atua, local e setor onde trabalha, alterações na rotina em decorrência da pandemia, continuidade dos atendimentos presenciais, número de pacientes acompanhados antes da pandemia e quantidade que interrompeu o atendimento, fornecimento de acompanhamento à distância pelo local de trabalho e formas de contato com o paciente à distância. Além disso, questionou-se sobre a retomada dos atendimentos suspensos, mudanças observadas no quadro das pacientes e estado clínico de pacientes novas admitidas.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, sob o número de parecer 4.313.820.

Resultados

Dos 46 questionários respondidos, seis foram excluídos, um por apresentar preenchimento incompleto e cinco por duplicidade. A amostra foi composta por 40 fisioterapeutas, sendo um (2,5%) do sexo masculino e 39 (97,5%) do sexo feminino, com idade entre 21 e 54 anos e com média e desvio padrão de 37,4 ± 7,9 anos.

A maior parte dos fisioterapeutas (50%) atuava na região nordeste do país, seguida da região sudeste (32,5%), sul (12,5%), centro-oeste (2,5%) e norte (2,5%). Os dados sobre o tempo de assistência a pacientes com câncer de mama, local e setor de trabalho estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Dados sobre a assistência profissional dos fisioterapeutas

Os dados sobre local e setor de trabalho revelaram que 35% dos fisioterapeutas atuavam em pelo menos dois locais diferentes, sendo dentro da mesma instituição ou dividindo seu horário em setores diferentes, como enfermaria e ambulatório, ou em mais de um local. Dos profissionais que trabalhavam com atendimento domiciliar (22,5%), a maioria (77,7%) tinha uma jornada dupla de locais de trabalho, prestando serviços também em hospitais e/ou clínicas, tanto públicos quanto particulares. Um dado curioso foi que 85,7% dos fisioterapeutas que trabalhavam em pelo menos dois locais diferentes apresentavam mais anos de experiência, com no mínimo três anos de atuação em fisioterapia oncológica.

Devido à necessidade de adaptação exigida pela COVID-19, muitos serviços precisaram alterar sua rotina: 19 fisioterapeutas (48%) tiveram a carga horária reduzida pela interrupção dos atendimentos em consequência das medidas de prevenção, 5 (12%) sofreram aumento de carga horária, 10 (25%) foram realocados de setor para prestar assistência direta a pacientes acometidos pela COVID-19 e 8 (20%) relataram não ter sofrido alteração em sua rotina de trabalho.

Durante a pandemia, observou-se que 20% dos atendimentos a pacientes com câncer de mama foram suspensos. Sobre os locais que mantiveram a assistência, a internação hospitalar deu continuidade a 40% e ambulatórios a 42% dos atendimentos. Somente 22% dos atendimentos domiciliares foram mantidos.

Houve queda de 72% no número de atendimentos quando comparado antes da pandemia com o período de maior restrição e distanciamento social (749 e 207, respectivamente). Sobre os aconselhamentos por parte da chefia e as estratégias para acompanhamento à distância, para os pacientes que não estavam em atendimento presencial, 27,5% dos profissionais não receberam qualquer aconselhamento sobre manter o acompanhamento à distância e não foi feito nenhum contato ou confeccionado material para tal finalidade, conforme Figuras 3 e 4.

Figura 3
Dados sobre acompanhamento à distância dos atendimentos suspensos por conta da pandemia de COVID-19.

Figura 4
Medidas adotadas pelos fisioterapeutas durante a pandemia de COVID-19.

De acordo com os entrevistados, 82% dos atendi-mentos suspensos já foram retomados, 40% dos profissionais observaram uma piora no quadro clínico das mulheres, 30% consideraram o quadro semelhante e os outros 30% responderam a opção "não se aplica". Em relação às pacientes admitidas, 40% consideraram que as complicações e queixas observadas têm sido as mesmas das mulheres que chegavam em consultório antes da pandemia, 32,5% acharam que as pacientes novas estão chegando com mais complicações e queixas que habitualmente e 27,5% não admitiram novas clientes até o momento.

Discussão

Os dados da presente pesquisa revelaram uma descontinuidade em 72% dos atendimentos presenciais, sendo o maior impacto naqueles realizados em domi-cílio. Esse resultado foi percebido como uma forte aderência da população às recomendações da OMS no que tange o isolamento social, mesmo que isso implicasse uma piora em sua condição de saúde. Quanto à suspenção da assistência presencial, resultado semelhante foi encontrado por Minghelli et al.,1414 Minghelli B, Soares A, Guerreiro A, Ribeiro A, Cabrita C, Vitoria C, et al. Physiotherapy services in the face of a pandemic. Rev Assoc Med Bras. 2020;66(4):491-7. DOI que avaliaram 619 fisioterapeutas generalistas de Portugal, dos quais 453 (73,2%) interromperam suas atividades presenciais, mas utilizaram ferramentas digitais como estratégia de monitoramento dos pacientes.

Apesar de o maior número de fisioterapeutas especialistas em oncologia encontrar-se na região sudeste do país, de acordo com o site da ABFO, os resultados da presente pesquisa trouxeram um maior número de profissionais atuando na região nordeste. Todos os profissionais da lista de especialistas foram contatados através de e-mail, no entanto, apenas uma pequena quantidade retornou com o questionário respondido. O feedback positivo se deu principalmente por parte dos fisioterapeutas da região nordeste. Profissionais não especialistas, mas que atuam com mulheres com câncer de mama, também foram convidados através de redes sociais. Sobrepondo-se a isso, os autores são da região nordeste do país, com mais conhecimento de pessoas nessa região, o que também pode explicar tais resultados.

A ABFO e a Associação Brasileira de Fisioterapia em Saúde da Mulher (ABRAFISM), visando a melhora das condições clínicas dos pacientes bem como minimizar a exposição dos profissionais, pacientes e envolvidos no processo do cuidado, recomendaram a suspenção dos atendimentos presenciais a pacientes estáveis (desde que não trouxesse prejuízos à funcionalidade) e medidas de suporte não presencial por meio de teleatendimento ou prescrição de exercícios domiciliares.1515 Associação Brasileira de Fisioterapia em Saúde da Mulher (ABRAFISM). Recomendações da ABRAFISM sobre Fisioterapia em Mastologia e Ginecologia Oncológica em tempos de COVID-19. Ribeirão Preto: ABRAFISM; 2020. Full text link,1616 Rizzi SKLA, Cerqueira MTAS, Gomes NO, Baiocchi JMT, Aguiar SS, Bergmann A. Nota Técnica da Associação Brasileira de Fisioterapia em Oncologia sobre os Atendimentos de Fisioterapia em Oncologia frente à Pandemia de Covid-19. Rev Bras Cancerol. 2020;66(TemaAtual):e-1973. DOI Assim como em algumas organizações internacionais, como a World Confederation for Physical Therapy, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), através da Resolução nº 516 de 20 de março de 2020, permitiu a realização de atendimento não presencial nas modalidades teleconsulta, teleconsultoria e telemonitoramento.1717 Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO). Resolução nº 516, de 20 de março de 2020. Brasília: Diário Oficial da União; 23 mar 2020. Full text link

A telereabilitação tem se mostrado um modelo promissor a ser adotado, com muitos benefícios ofer-tados.1818 Mata KRU, Costa RCM, Carbone EDSM, Gimenez MM, Bortolini MAT, Castro RA, et al. Telehealth in the rehabilitation of female pelvic floor dysfunction: a systematic literature review. Int Urogynecol J. 2021;32(2):249-59. DOI,1919 Al-Shamsi HO, Alhazzani W, Alhuraiji A, Coomes EA, Chemaly RF, Almuhanna M, et al. A practical approach to the management of cancer patients during the novel coronavirus disease 2019 (COVID-19) pandemic: An international collaborative group. Oncologist. 2020; 25(6):e936-45. DOI A maioria dos profissionais (90%) do presente estudo aderiu a alguma forma de acompanhamento por meio digital, desde teleconsulta, com atendimento realizado ao vivo, e vídeochamada (37,5%) a acom-panhamento por ligação, por telemonitoramento, após a entrega de material por e-mail (10%), ou apenas com ligações de rotina para orientação (25%).

Locais onde programas de telereabilitação têm sido implementados como estratégia para esse momento de crise apresentaram um alto nível de aceitação e satisfação por partes dos pacientes e fisioterapeutas, e vêm obtendo resultados satisfatórios na redução das complicações pós-operatórias da mama, mostrando ser uma ferramenta eficaz na redução dos danos causados pela interrupção do tratamento fisioterapêutico.2020 Mella-Abarca W, Barraza-Sánchez V, Ramírez-Parada K. Telerehabilitation for people with breast cancer through the COVID-19 pandemic in Chile. Ecancermedicalscience. 2020;14:1085. DOI

Apesar dos bons resultados trazidos pela literatura, no presente estudo 60% dos pacientes que tiveram seus atendimentos interrompidos e deram continuidade através da terereabilitação tiveram piora no quadro clínico. Isso pode ser explicado pelo estadiamento mais avançado em que a população brasileira é diagnosticada em relação a outras populações em países desenvolvidos, sendo necessários tratamentos oncológicos mais agressivos e culminando em complicações de mais difícil controle e necessidade de acompanhamento presencial.2121 Lôbo CC, Pinheiro LGP, Vasques PHD. Impact of the COVID-19 pandemic on breast cancer diagnosis. Mastology. 2020;30:e20200059. DOI No presente estudo, o estadiamento avançado também pode explicar o fato de 55,2% dos fisioterapeutas que voltaram a acompanhar mulheres com câncer de mama terem observado as mesmas complicações e queixas quando comparadas às pacientes que chegaram em outros momentos.

Quanto ao rastreamento e tratamento do câncer, no Brasil as recomendações foram de que a pandemia não deveria afetá-los ou adiá-los. Observou-se, no entanto, redução de até 60% no diagnóstico e de até 56% no tratamento cirúrgico, causados principalmente pelo medo dos pacientes em se expor ao vírus durante idas aos serviços de saúde e também à queda na prestação de serviços em hospitais públicos, em decorrência da prioridade na atenção ao cuidado a pacientes afetados pelo novo coronavírus.88 Instituto Nacional de Câncer (INCA), Mistério da Saúde. Estimativa de Câncer no Brasil. 2020 [cited 2020 Dec 10]. Available from: https://www.inca.gov.br/numeros-de-cancer
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,2222 Weller D. Cancer diagnosis and treatment in the COVID-19 era. Eur J Cancer Care (Engl). 2020;29(3):e13265. DOI Os resultados do presente estudo corroboram esses dados, uma vez que 25% dos profissionais da amostra foram realocados do seu setor de origem para a linha de frente no cuidado a pacientes acometidos pela COVID-19, tendo seus serviços temporariamente fechados e contribuindo, assim, para a interrupção nos atendimentos prestados a mulheres com câncer de mama.

No Reino Unido e em muitos outros países também foram observadas suspensões no rastreamento de câncer em decorrência da drástica queda nos encaminhamentos pela reorientação do foco para a epidemia de COVID-19, redução do horário dos atendimentos clínicos, adiamento de exames de imagem para monitoramento do crescimento tumoral, além da redução dos dias de realização de cirurgias. Isso interrompeu gravemente o diagnóstico de câncer, tratamentos ativos e acompanhamentos de rotina, podendo levar os pacientes a piores condições de saúde, estágios de câncer mais avançado, além de maior custo para o tratamento.2323 Kong YC, Sakti VV, Sullivan R, Bhoo-Pathy N. Cancer and COVID-19: economic impact on households in Southeast Asia. Ecancermedicalscience. 2020;14:1134. DOI Em contrapartida, estudos na Turquia mostram que nenhum atraso foi observado em 98% dos tratamentos ou consultas em andamento, provavelmente devido à implantação de estratégias de atendimento por meio de plataformas on-line e prioridade em manter os tratamentos presenciais em andamento, apesar de os usuários relatarem que houve mudanças em seus planejamentos e rotina diária.2121 Lôbo CC, Pinheiro LGP, Vasques PHD. Impact of the COVID-19 pandemic on breast cancer diagnosis. Mastology. 2020;30:e20200059. DOI

Apesar das limitações que envolvem os atendimentos on-line, essa modalidade de atendimento provou ser uma opção benéfica de prestação de cuidados de fisioterapia a longo prazo, sendo possível observar a função de um paciente em seu ambiente doméstico e avaliar sua capacidade de modificar e completar estratégias de autogestão, podendo o profissional monitorar a progressão da mobilidade funcional com os próprios meios e equipamentos do paciente, fornecendo-lhe feedback e supervisão contínuos.2424 Nilsen ML, Clump DA, Kubik M, Losego K, Mrozek A, Pawlowicz E, et al. Prevision of multidisciplinary head and neck cancer survivorship care during the 2019 novel coronavirus pandemic. Head Neck. 2020;42(7):1668-73. DOI As limitações que envolvem este tipo de modalidade podem estar relacionadas à falta de aconselhamento e capacitação dos profissionais por parte da coordenação, visto os resultados da presente pesquisa, onde 20% aconselhou quanto ao acompanhamento à distância, porém sem fornecer suporte para tal, e 27,5% se absteu de qualquer aconselhamento.

De acordo com os achados encontrados e as complicações produzidas com a suspensão dos atendimentos a pacientes com câncer de mama em meio ao cenário de pandemia, observa-se que há atualmente a necessidade de uma ênfase na abordagem interdisciplinar na atenção ao câncer de mama. A reabilitação é primordial por apresentar atuação importante desde a fase pré-operatória até a pós-operatória, na vigilância ou na recuperação funcional do membro superior e cintura escapular até a profilaxia e o tratamento de complicações, como aderências cicatriciais e linfedemas e, consequentemente, na reinserção da mulher em suas atividades diárias.55 Oliveira RA. Efeitos do treinamento aeróbio e de força em pessoas com câncer durante a fase de tratamento quimioterápico. Rev Bras Prescr Fisiol Exerc. 2015;9(56):662-70. Full text link,2424 Nilsen ML, Clump DA, Kubik M, Losego K, Mrozek A, Pawlowicz E, et al. Prevision of multidisciplinary head and neck cancer survivorship care during the 2019 novel coronavirus pandemic. Head Neck. 2020;42(7):1668-73. DOI A telereabilitação pode ser uma ferramenta excelente, mas falta capacitação e incentivo por parte das gerências para seu uso satisfatório, como visto nos achados do presente estudo, onde quase 1/3 dos profissionais não recebeu nenhum aconselhamento ou instrução para manter os atendimentos à distância ou confeccionar materiais que pudessem auxiliar na reabilitação das mulheres.

Conclusão

A maior parte dos fisioterapeutas interrompeu os atendimentos a pacientes com câncer de mama em decorrência da COVID-19, devido ao isolamento social preconizado pela OMS, bem como pela realocação de profissionais para a linha de frente. Não só a interrupção presencial do tratamento, assim como a não aderência ao sistema de telereabilitação, a falta de apoio das chefias, sem esquecer do estadiamento avançado do câncer de mama ao diagnóstico podem influenciar na piora do quadro clínico das pacientes. No entanto, por se tratar de uma pesquisa inédita sobre o tema no Brasil, até o momento da construção deste estudo não havia dados comparativos em relação às variáveis analisadas, o que considera-se uma limitação do estudo. Sugere-se a realização de novos estudos que analisem os efeitos da suspensão dos atendimentos, assim como o uso da telereabilitação para avaliar a repercussão no quadro clínico de mulheres brasileiras com câncer de mama.

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Editado por

Editora associada: Maria Augusta Heim

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Revisado
    25 Jul 2021
  • Aceito
    12 Ago 2021
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