Resumo
Introdução:
Incontinência urinária (IU) é qualquer perda involuntária de urina, apresentando relação com sobrecarga e fraqueza da musculatura do assoalho pélvico. O esforço físico exigido da mulher agricultora pode predispor à maior frequência de IU.
Objetivo:
Avaliar a prevalência e fatores associados à IU em mulheres agricultoras.
Métodos:
Estudo de corte transversal, com aplicação de ficha de avaliação e do International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF) em mulheres com idade entre 25 e 50 anos. As mulheres com perda urinária responderam ao King’s Health Questionnaire (KHQ). A coleta de dados foi por entrevista individual. Os dados foram analisados por frequência absoluta e relativa, sendo empregado o teste de Mann-Whitney para intergrupos e o coeficiente de correlação de Spearman para relacionar as variáveis, considerando p < 0,05.
Resultados:
Duzentas mulheres agricultoras foram entrevistadas, das quais 52 (26%) referiram perda involuntária de urina. O grupo incontinente apresentou maior número de infecção urinária anual (3,23 ± 1,40). A maior parte das mulheres incontinentes referiram escape 1x/semana ou menos (73,08%), em pequena quantidade (82,69%) e durante o esforço (57,69%). A qualidade de vida foi classificada como muito boa por 59,62%. A intensidade do trabalho foi considerada forte por 25% das mulheres incontinentes. Apenas 30,5% das voluntárias souberam definir IU a e 97,7% consideram não ser normal.
Conclusão:
A prevalência de IU foi equivalente à média da população feminina em geral, tendo a infecção urinária como fator associado. A perda ocorre principalmente por conta de esforços e a falta de conhecimento pode dificultar a identificação e procura por tratamento.
Palavras-chave:
Agricultura; Agricultoras; Incontinência urinária; Mulheres
Abstract
Introduction:
Urinary incontinence (UI) is any involun-tary loss of urine, exhibiting a relationship with pelvic floor muscle weakness and overload. The physical exertion required of the woman farmer may predispose her to higher frequency of UI.
Objective:
To evaluate the prevalence of UI and associated factors in women farmers.
Methods:
Cross-sectional study, with appli-cation of an evaluation form and the International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF) in women aged between 25 and 50 years old. Women with urinary loss responded to the King's Health Questionnaire (KHQ). Data were collected by individual interview. The data were analyzed by absolute and relative frequency, using the Mann-Whitney test for intergroups and Spearman's Correlation Coefficient to relate the variables, considering p < 0.05.
Results:
Two hundred farmers were interviewed, where 52 (26%) reported involuntary urine loss. The incontinent group had a higher number of annual urinary infection (3.23 ± 1.40). Most incontinent women reported escape 1x/week or less (73.08%), in small amounts (82.69%), during stress (57.69%). Quality of life was classified as very good by 59.62%. The intensity of the work was considered strong by 25% of the incontinent women. Only 30.5% of the volunteers were able to define UI and 97.7% considered it not normal.
Conclusion:
The prevalence of UI was equivalent to the average of the female population in general, with urinary infection as an associated factor. The loss occurs mainly to stress, and lack of knowledge can reflect in the identification treatment.
Keywords:
Agriculture; Farmers; Urinary incontinence; Women
Introdução
A incontinência urinária (IU) é definida pela International Continence Society (ICS) como qualquer sintoma de perda involuntária de urina,11 Abrams P, Cardozo L, Wagg A, Wein A, editores. Incontinence. 6 ed. Bristol, UK: International Continence Society Bristol; 2017. podendo causar interferências psicossociais e econômicas e afetar a qualidade de vida (QV) dos portadores.22 León CGR, Pérez-Haro ML, Jalón-Monzón A, García-Rodríguez J. Actualización en incontinencia urinaria femenina. Semergen. 2017;43(8):578-84. DOI No mundo, a prevalência de IU em mulheres varia de 5% a 69%1 e no Brasil, entre 5,8% e 72%.33 Justina LBD. Prevalence of female urinary incontinence in Brazil: a systematic review. Rev Inspir Mov Saude. 2013;5(2):1-7. Full text link Esses dados consideram todos os tipos de IU e provavelmente sofrem influência de diferenças metodológicas, culturais e de percepção da disfunção.
A maior prevalência na população feminina é explicada pela anatomia pélvica, pelo índice de fragilidade da musculatura do assoalho pélvico (MAP) e da capacidade vesical decorrentes do envelhecimento, e por alterações associadas à paridade e traumas pélvicos.44 Mourão LF, Luz MHBA, Marques ADB, Benício CDAV, Nunes BMVT, Pereira AFM. Characterization and risk factors of urinary incontinence in women cared in a gynecological clinic. ESTIMA. 2017;15(2):82-91. DOI Como fatores de risco adicionais citam-se: doenças neurológicas, diabetes, hipertensão, tabagismo, consumo de cafeína, cirurgias pélvicas e abdominais, uso de medicação anti-hipertensiva, obesidade e constipação.55 Benício CDAV, Luz MHBA, Lopes MHBM, Carvalho NAR. Urinary incontinence: prevalence and risk factors in women at a basic health unit. ESTIMA. 2016;14(4):161-8. DOI
A IU pode afetar a vida social, emocional, familiar e o trabalho das mulheres, podendo ser acompanhada de comorbidades como infecções urinárias, dermatite perineal, irritação, prurido, perda da libido, entre outras. Esse contexto gera constrangimento, sintomas de tristeza, ansiedade, depressão, desprezo e até problemas conjugais, que afetam negativamente a QV da portadora.66 Ganapathy T. Impact of urinary incontinence on quality of life among rural women. Muller J Med Sci Res. 2018;9(2):71-7. DOI
A falta de informação sobre a IU faz com que muitas mulheres não a reconheçam como um problema de saúde, sendo encarada como algo normal, inerente ao processo de envelhecimento.77 Arruda NM, Maia AG, Alves LC. Inequality in access to health services between urban and rural areas in Brazil: a disaggregation of factors from 1998 to 2008. Cad Saude Publica. 2018;34(6): e00213816. DOI A maior vulnerabilidade social da população rural e as dificuldades de acesso dos profissionais limitam a obtenção e disseminação de informações de saúde,88 Minassian VA, Bazi T, Stewart WF. Clinical epidemiological insights into urinary incontinence. Int Urogynecol J. 2017;28(5):687-96. DOI podendo aumentar a frequência de disfunções não identificadas. O baixo nível educacional também pode ser um fator compli-cador na busca e interpretação das informações de saúde. Segundo o censo agropecuário de 2017, aproximadamente 15% dos agricultores brasileiros nunca frequentaram a escola.99 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo agropecuário 2017 [cited 2020 Nov 20]. Available from: https://tinyurl.com/2ryt4zxa
https://tinyurl.com/2ryt4zxa...
Apesar da IU proporcionar influências negativas na vida das mulheres, ainda é pequeno o número de buscas por assistência profissional nos primeiros sinais da disfunção. Essa realidade se dá, principalmente, devido à vergonha e falta de conhecimento sobre a disfunção, associada ainda às influências culturais e familiares.1010 Martins AJ, Ferreira NS. A ergonomia no trabalho rural. Rev Eletron Atualiza Saude. 2015;2(2):125-34. Fulltext link
No Brasil, o total de estabelecimentos nos quais o produtor é do sexo feminino elevou-se de 12,7% para 18,6% nos últimos anos.99 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo agropecuário 2017 [cited 2020 Nov 20]. Available from: https://tinyurl.com/2ryt4zxa
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Esse dado também indica, indiretamente, a participação crescente da mulher nas atividades rurais. A agricultura é considerada uma das atividades mais importantes economicamente para o país e, devido à demanda de mão de obra, as mulheres executam tanto as atividades ligadas à casa e cuidado com os filhos, quanto os serviços agrícolas da propriedade,1111 Brumer A. Gênero e agricultura: a situação da mulher na agricultura do Rio Grande do Sul. Rev Estud Fem. 2004;12(1):205-27. DOI sendo que o excesso de carga de trabalho pode predispor a disfunções.
Assim, evidencia-se a importância de avaliar a prevalência e os fatores associados à presença de IU em mulheres agricultoras, pressupondo que as peculiaridades do trabalho rural sobrecarregam a MAP e a falta de informações sobre essa disfunção dificulta a procura por tratamento.
Métodos
Trata-se de um estudo de corte transversal, de análise quantitativa, realizado na área rural do município de São José do Cedro, localizado no Extremo Oeste de Santa Catarina. O projeto foi aprovado por comitê de ética (parecer n. 4.250.511) e os procedimentos do estudo obedeceram às normas e diretrizes de pesquisas com seres humanos, conforme a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
A amostra abrangeu 200 mulheres agricultoras com faixa etária de 25 a 50 anos, que atuam na propriedade rural pelo mínimo de 8 horas diárias, que não perceberam alterações no ciclo menstrual e não estavam gestantes. Para a seleção da amostra, buscaram-se as infor-mações citadas junto aos agentes comunitários de saúde. A coleta dos dados foi realizada na casa das selecionadas para evitar que o deslocamento fosse um fator dificultador da pesquisa. A entrevista foi realizada de forma individual e sem a presença de qualquer outro membro da família, seguindo a seguinte sequência:
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Ficha de avaliação: composta por dados pessoais, estatura, massa corporal, informações sobre a saúde geral, histórico uroginecológico, rotina de trabalho na propriedade e conhecimento sobre IU.
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International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF): versão em português, que consiste em três perguntas sobre frequência e volume da perda urinária e sua interferência na QV. O escore final consiste na soma dos pontos de cada questão, classificando a IU como: leve (1 - 3 pontos), moderada (4 - 6 pontos), grave (7 - 9 pontos) e muito grave (≥ 10 pontos).1212 Silva VA, D’Elboux MJ. Fatores associados à incontinência urinária em idosos com critérios de fragilidade. Texto Contexto Enferm. 2012;21(2):338-47. DOI
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Questionário de Saúde, versão portuguesa do King’s Health Questionnaire (KHQ): aplicado apenas para as mulheres que referiram escape urinário. Este questionário mede o impacto da IU no estado de saúde e QV, sendo composto por 30 perguntas e nove domínios (percepção da saúde, impacto da IU, limitações do desempenho das tarefas, limitação física, limitação social, relacionamento pessoal, emoções, sono/energia e medidas de gravidade). Para cada resposta é atribuído um valor numérico e a soma varia de 0 a 100, considerando que quanto maior o número obtido, pior a QV. A escala tipo Likert foi usada para classificar a QV como: muito boa (0 - 20 pontos), boa (21 - 40 pontos), regular (41 - 60 pontos), ruim (61 - 80 pontos) ou muito ruim (81 - 100 pontos).1313 Rodrigues SFNM. Estudo de adaptação e validação do King’s Health Questionnaire a mulheres com incontinência urinária de esforço [master´s thesis]. Portugal: Universidade do Porto; 2011. Full text link
Análise estatística
Os dados foram analisados por frequência absoluta e relativa a partir da divisão da amostra em dois grupos: continentes (GC) e incontinentes (GI). Para a comparação entre os grupos empregou-se o teste de Mann-Whitney e para relacionar os fatores com a presença de IU utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman. Todos os testes foram processados no software Bioestat 5.0, considerando p < 0,05.
Resultados
A perda involuntária de urina foi referida por 52 agricultoras (26%). Na Tabela 1 são apresentadas as características da amostra. Não foram observadas diferenças entre os grupos quanto à idade e às variáveis antropométricas. Em relação à escolaridade, 42,31% do GI e 35,81% do GC possuem ensino fundamental incompleto, tendo a maioria finalizado apenas a quarta série. O número de gestações não diferiu entre os grupos.
O GI apresenta maior frequência de comorbidades com tratamento contínuo (40,38%), sendo as mais relatadas hipertensão (13,46%), depressão (9,62%) e ansiedade (7,69%). Já o GC pratica exercícios físicos regularmente (19,59%) e cuida da alimentação (44,59%) com maior frequência do que o GI.
Na Tabela 2 pode-se observar que ambos os grupos trabalham, em média, mais de 10 horas por dia nas atividades agrícolas, sendo que 55,77% do GI classificam a intensidade do trabalho como moderada e 25% como forte. Já no GC, 67,57% a consideram como moderada e 13,51% como forte. Mais de 60% das agricultoras, independente do grupo, relatam transportar cargas de 15 kg ou mais durante aproximadamente uma hora.
Independente do grupo, mais de 80% das mulheres relataram permanecer caminhando, em média, por quatro horas, e as principais atividades desempenhadas envolvem ordenha e hortaliças, além das tarefas domésticas. Das agricultoras do GI que trabalham com a produção leiteira, 71,11% possuem estrutura da estrebaria do tipo “balde ao pé”, que é quando a pessoa mantém a posição de cócoras para colocar a ordenha no animal, e 28,89% possuem a estrebaria com fosso, que é quando a posição em pé é mantida durante a colocação da ordenha no animal. No GC, 58,54% possuem estrebaria “balde ao pé” e 41,46% com fosso. As mulheres ainda auxiliam no trato dos animais e serviços na roça como piqueteamento, plantação de mandioca, batata, cebola, feijão, milho e soja.
Ao serem questionadas em relação à definição de IU, 61 (30,5%) das agricultoras responderam indicando termos como “perda de urina”, “não conseguir segurar xixi”, “quando o xixi escapa”, sendo que a maioria destas (97,7%) considera não ser normal a perda involuntária de urina. Das 52 mulheres incontinentes, apenas duas (3,84%) relataram a disfunção para o médico e aguardam procedimento cirúrgico.
A frequência de constipação, bem como o número de micções e de partos, não diferiu entre os grupos. A via de parto mais realizada no GI foi a cesárea (50%), seguida do parto vaginal com episiotomia (41,30%); já no GC, a frequência maior foi parto vaginal com episiotomia (49,59%), seguido de cesárea (47,29%).
As mulheres do GI relatam maior frequência de infecções urinárias (25%) e com número maior de episódios por ano (3,23 ± 1,42). Apesar de não significativa, a frequência de cirurgias ginecológicas foi maior no GI (23,08%) do que no GC (12,16%), bem como a presença de endometriose (3,85%).
Quanto aos dados do ICIQ-SF, a maior parte das incontinentes referiu perda com frequência de 1x/semana ou menos (73,08%), em pequena quantidade (82,69%) e mais presente em atividades como tossir, espirrar, erguer peso e atividade física, classificada como IU de esforço (IUE) (57, 69%), seguida da IU mista (IUM) (26,92%), que é a associação das perdas durante esforço e em situações em que há desejo repentino e forte de urinar, ocorrendo escapes antes de chegar ao banheiro, típico da IU de urgência (IUU) cuja prevalência isolada foi de 15,38%. Em relação ao impacto da IU na QV das incontinentes avaliadas pelo ICIQ-SF, 15,38% relataram baixa interferência (graduação 2), 38% média (graduação 5) e 13,46% alta (graduação 8). Quanto ao escore, 9,59% das incontinentes foram classificadas com IU leve, 25% moderada, 34,62% severa e 30,77% muito severa (Tabela 3).
Frequência absoluta e relativa das questões do International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF) das agricultoras incontinentes (n = 52)
A Tabela 4 apresenta o resultado do KHQ, onde 59,62% das incontinentes obtiveram classificação da QV como muito boa, 25% como boa e 15,38% como regular. Na Tabela 5, observa-se que a IU apresentou correlação positiva fraca com a infecção urinária, indicando a frequência da infecção urinária como fator predisponente da IU nesta população. Além disso, houve correlação negativa forte entre a gravidade da IU e a QV, ressaltando o impacto negativo da IU. As variáveis relacionadas ao trabalho das mulheres na agricultura não apresentaram correlação com a IU.
Frequência absoluta e relativa da classificação da qualidade de vida das mulheres agricultoras incontinentes, obtida através do King’s Health Questionnaire (n = 52)
Correlação entre presença de incontinência urinária (IU) e demais variáveis de saúde das mulheres agricultoras incontinentes e entre os questionários ICIQ-SF e KHQ (n = 52)
Discussão
O presente estudo evidenciou uma prevalência de IU de 26% em agricultoras com idade entre 25 e 50 anos. A perda de urina ocorre em situações que caracterizam IUE em 57,69%, IUU em 15,38% e IUM em 26,92%. Tais resultados se assemelham aos estudos destacados a seguir, realizados em outros países, já que não foram encontradas publicações relacionadas à prevalência de IU na população rural brasileira.
Conforme Biswas et al.,1414 Biswas B, Bhattacharyya A, Dasgupta A, Karmakar A, Mallick N, Sembiah S. Urinary incontinence, its risk factors, and quality of life: a study among women aged 50 years and above in a rural health facility of West Bengal. J Midlife Health. 2017;8(3):130-6. DOI em um estudo desenvolvido com 177 mulheres de faixa etária acima de 50 anos e que frequentavam uma unidade de saúde rural em Bengala Ocidental, Índia, a prevalência de IU foi de 27,7%, sendo que o tipo mais prevalente foi IUE (51%), seguido por IUM (32,7%) e IUU (16,3%). Os autores concluem que as agricultoras apresentam alto risco de desenvolver IU, já que a maioria delas não procurou tratamento para a disfunção, o que é motivo de preocupação. Como medida, os autores referem que a conscientização sobre IU pode ajudar a melhorar o comportamento de busca por melhores condições de saúde e QV. Ressalta-se que no presente estudo a idade máxima incluída foi 50 anos e, mesmo assim, alcançou-se uma prevalência similar a de Biswas et al.,1414 Biswas B, Bhattacharyya A, Dasgupta A, Karmakar A, Mallick N, Sembiah S. Urinary incontinence, its risk factors, and quality of life: a study among women aged 50 years and above in a rural health facility of West Bengal. J Midlife Health. 2017;8(3):130-6. DOI o que alerta para o desenvolvimento de IU em mulheres mais jovens e para a importância da identificação precoce de tal disfunção.
No estudo de Ganapathy,66 Ganapathy T. Impact of urinary incontinence on quality of life among rural women. Muller J Med Sci Res. 2018;9(2):71-7. DOI realizado com 611 mulheres com mais de 18 anos, residentes na zona rural de Bangalore, Índia, 23,08% apresentaram IU. Entre elas, a maioria (54,61%) apresentou IUE, seguida de IUM (27,66%) e IUU (17,73%), sendo mais comum em mulheres com idade acima de 40 anos (59,57%).
O aumento da prevalência de IU com a idade geral-mente está relacionado à redução hormonal, diminuição da contratilidade da bexiga e perda progressiva de força muscular do assoalho pélvico, reduzindo a capacidade de manter a pressão intrauretral durante o enchimento vesical, facilitando, dessa forma, a perda involuntária de urina especialmente durante esforços.1515 Cestári CE, Souza THC, Silva AS. Impact of urinary incontinence in the quality of living of elderly. Rev Cienc Estud Acad Med. 2017;7:27-37. Full text link A idade é um fator de risco conhecido para IU, porém neste estudo não foi um diferencial entre os grupos.
A menor referência de cuidado com a alimentação e prática de exercícios físicos e a maior frequência de depressão e ansiedade encontradas no GI alertam para a influência de tais fatores. Manter uma rotina de alimentação saudável traz inúmeros benefícios para a saúde e possibilita prevenir possíveis doenças.1616 Martinelli SS, Cavalli SB. Healthy and sustainable diet: a narrative review of the challenges and perspectives. Cienc Saude Coletiva. 2019;24(11):4251-61. DOI A prática regular de exercícios físicos melhora o humor e o bem-estar, reduz o nível de ansiedade e estresse, aumenta a disposição física e ainda melhora o funcionamento dos sistemas corporais.1717 Silva LB, Santos WO, Araujo NS, Rodrigues CNC, Nunes EFC. Urinary dysfunction in women practicing physical activity in academies - a cross-sectional study. J Phys Res. 2018;8(1):71-8. DOI No estudo de Melotti,1818 Melotti IGR, Juliato CRT, Tanaka M, Riccetto CLZ. Severe depression and anxiety in women with overactive bladder. Neurourol Urodyn. 2018;37(1):223-8. DOI do qual participaram 274 mulheres com diagnóstico de IU, constatou-se que a depressão ou ansiedade, moderada ou grave, esteve presente em 59,8% das mulheres e a ansiedade, moderada ou grave, esteve presente em 62,4% das entrevistadas. O estudo apontou exclusivamente uma significativa correlação entre as intensidades de IU e dos transtornos mentais.
Lamerton et al.1919 Lamerton TJ, Mielke GI, Brown WJ. Urinary incontinence in young women: Risk factors, management strategies, help-seeking behavior, and perceptions about bladder control. Neurourol Urodyn. 2020;39(8):2284-92. DOI avaliaram as respostas de 8.457 mulheres na faixa etária de 22 a 27 anos via questionário eletrônico, identificando uma prevalência de 11,7% de IU e relacionando-a a fatores como maior peso corporal, menor nível de atividade física e maior sofrimento psicológico. Os autores enfatizam a forte relação encontrada entre IU e alterações psicológicas, indicando a possibilidade de uma associação bidirecional entre as disfunções que pode ser explicada pela redução nos níveis de serotonina e/ou pelo aumento da ativação do eixo hipotálamo-hipófise ou do sistema nervoso simpático.
Considerando o IMC das participantes do presente estudo, os dois grupos apresentaram valores médios classificados como sobrepeso. Uma pesquisa Sueca comprovou o aumento do risco de IU em mulheres obesas, com resultados maiores do que o dobro se comparadas com mulheres com IMC normal.2020 Gyhagen M, Bullarbo M, Nielsen TF, Milsom I. The prevalence of urinary incontinence 20 years after childbirth: a national cohort study in singleton primiparae after vaginal or caesarean delivery. BJOG. 2013;120(2):144-51. DOI O acúmulo de gordura no interior do abdômen pode gerar aumento da pressão intra-abdominal transmitido para a bexiga, facilitando a perda urinária.2121 Higa R, Rivorêdo CRSF, Campos LK, Lopes MHM, Turato ER. Vivências de mulheres brasileiras com incontinência urinária. Texto Contexto Enferm. 2010;19(4):627-35. DOI,2222 Pedersen LS, Lose G, Høybye MT, Elsner S, Waldmann A, Rudnicki M. Prevalence of urinary incontinence among women and analysis of potential risk factors in Germany and Denmark. Acta Obstet Gynecol Scand. 2017;96(8):939-48. DOI O aumento de peso na região da cintura/quadril pode comprometer a capacidade de contração da MAP nas situações de incremento da pressão intra-abdominal, dificultando sua contribuição para um mecanismo de fechamento efetivo da uretra, favorecendo o escape.2323 Fuganti PE, Gowdy JM, Santiago NC. Obesity and smoking: Are they modulators of cough intravesical peak pressure in stress urinary incontinence? Int Braz J Urol. 2011;37(4):528-33. DOI Contudo, apesar do IMC elevado, as agricultoras permanecem caminhando durante a maioria das atividades na propriedade e, considerando a diferença não significativa do IMC entre os grupos, sugere-se que o fato de permanecerem em movimento possa ser um fator compensador.
Tendo em vista o aumento da expectativa de vida, dos índices de obesidade, da depressão e da ansiedade2222 Pedersen LS, Lose G, Høybye MT, Elsner S, Waldmann A, Rudnicki M. Prevalence of urinary incontinence among women and analysis of potential risk factors in Germany and Denmark. Acta Obstet Gynecol Scand. 2017;96(8):939-48. DOI e a relação de tais condições com a IU, fica evidente a urgência em abordar estes fatores nas medidas de educação em saúde. A presença de perda urinária, mesmo que em pequena quantidade, determina adequação nos hábitos diários, como redução nos níveis de atividade física, uso de protetor e perturbação do sono devido à necessidade de levantar várias vezes para ir ao banheiro, fatores agravantes no ganho de peso e no sofrimento psicológico.1919 Lamerton TJ, Mielke GI, Brown WJ. Urinary incontinence in young women: Risk factors, management strategies, help-seeking behavior, and perceptions about bladder control. Neurourol Urodyn. 2020;39(8):2284-92. DOI
Assim como as comorbidades discutidas, os casos de hipertensão arterial também apareceram com maior frequência no GI. Estudos recentes indicam tal comorbidade como um risco significativo para IU.1414 Biswas B, Bhattacharyya A, Dasgupta A, Karmakar A, Mallick N, Sembiah S. Urinary incontinence, its risk factors, and quality of life: a study among women aged 50 years and above in a rural health facility of West Bengal. J Midlife Health. 2017;8(3):130-6. DOI,2222 Pedersen LS, Lose G, Høybye MT, Elsner S, Waldmann A, Rudnicki M. Prevalence of urinary incontinence among women and analysis of potential risk factors in Germany and Denmark. Acta Obstet Gynecol Scand. 2017;96(8):939-48. DOI,2424 Al Kiyumi MH, Al Belushi ZI, Jaju S, Al Mahrezi AM. Urinary incontinence among Omani women: Prevalence, risk factors and impact on quality of life. Sultan Qaboos Univ Med J. 2020;20(1):e45-53. DOI Por outro lado, na população estudada não foi registrada presença de diabetes mellitus1414 Biswas B, Bhattacharyya A, Dasgupta A, Karmakar A, Mallick N, Sembiah S. Urinary incontinence, its risk factors, and quality of life: a study among women aged 50 years and above in a rural health facility of West Bengal. J Midlife Health. 2017;8(3):130-6. DOI,2222 Pedersen LS, Lose G, Høybye MT, Elsner S, Waldmann A, Rudnicki M. Prevalence of urinary incontinence among women and analysis of potential risk factors in Germany and Denmark. Acta Obstet Gynecol Scand. 2017;96(8):939-48. DOI ou de tosse crônica,1414 Biswas B, Bhattacharyya A, Dasgupta A, Karmakar A, Mallick N, Sembiah S. Urinary incontinence, its risk factors, and quality of life: a study among women aged 50 years and above in a rural health facility of West Bengal. J Midlife Health. 2017;8(3):130-6. DOI,2323 Fuganti PE, Gowdy JM, Santiago NC. Obesity and smoking: Are they modulators of cough intravesical peak pressure in stress urinary incontinence? Int Braz J Urol. 2011;37(4):528-33. DOI,2424 Al Kiyumi MH, Al Belushi ZI, Jaju S, Al Mahrezi AM. Urinary incontinence among Omani women: Prevalence, risk factors and impact on quality of life. Sultan Qaboos Univ Med J. 2020;20(1):e45-53. DOI comorbidades fortemente relacionadas à IU em estudos anteriores. A associação da IU com diferentes comorbidades alerta para a necessidade de maiores investigações visando estabelecer relações de causa e efeito que possibilitem intervenções precoces e mais assertivas.
Masenga et al.,2525 Masenga GG, Shayo BC, Msuya S, Rasch V. Urinary incontinence and its relation to delivery circumstances: A population-based study from rural Kilimanjaro, Tanzania. PLoS One. 2019;14(1):e0208733. DOI investigando a prevalência de IU em 1.048 mulheres residentes na zona rural de Kilimanjaro, Tanzânia, com idade entre 18 e 90 anos, verificaram que cerca de 42,1% delas apresentaram algum tipo de IU, sendo que 39% apresentaram sintomas de IUE, 22% de IUU e 39% de IUM. O estudo evidenciou ainda que as mulheres que não tiveram educação formal eram mais propensas a desenvolver IU. Na presente pesquisa, a maioria das mulheres entrevistadas não completou o ensino fundamental.
Os estudos realizados por Casey et al.2626 Casey MM, Call KT, Klingner JM. Are rural residents less likely to obtain recommended preventive healthcare services? Am J Prev Med. 2001;21(3):182-8. DOI e por Demircan et al.2727 Demircan N, Ozmen U, Kokturk F, Kucuk H, Ata S, Harma M, et al. What are the probable predictors of urinary incontinence during pregnancy? Peer J. 2016;4:e2283. DOI comprovaram que mulheres de mais idade, que residem em ambientes rurais asiáticos, demonstram contexto socioeconômico e condições de vida mais vulneráveis, pouca acessibilidade a serviços de saúde e desconhecimento quando trata-se de IU. Por esses motivos, os autores acreditam que esse desconhecimento e pouca acessibilidade são os principais fatores responsáveis pela maior prevalência de IU nessa população. No presente estudo, apenas 30,5% das mulheres entrevistadas referiram algum conhecimento sobre o assunto, comprovando o desconhecimento dos sinais e sintomas dessa disfunção, bem como a pouca instrução sobre a área e musculatura pélvica, sendo possível evidenciar a limitação da população quando se trata de educação em saúde e compreensão da doença.
As mulheres que trabalham com a agricultura estão expostas a uma grande demanda de mão de obra e esforços físicos.1010 Martins AJ, Ferreira NS. A ergonomia no trabalho rural. Rev Eletron Atualiza Saude. 2015;2(2):125-34. Fulltext link Neste estudo, a presença de IU não apresentou correlação estatística com as variáveis do trabalho rural analisadas, como intensidade do trabalho, posição mantida, peso carregado, tempo carregando o peso e atividades na propriedade. Masenga et al.2525 Masenga GG, Shayo BC, Msuya S, Rasch V. Urinary incontinence and its relation to delivery circumstances: A population-based study from rural Kilimanjaro, Tanzania. PLoS One. 2019;14(1):e0208733. DOI também não observaram relação entre IU e horas carregando peso ao avaliarem mulheres da zona rural da Tanzânia. Ressalta-se, contudo, que a percepção da intensidade do trabalho foi maior no GI do que no GC, talvez por identificarem escape urinário durante os esforços.
Observou-se ainda que no GI a maioria das mulheres responsáveis pela ordenha das vacas possui estrebaria “balde ao pé”, adotando a postura de cócoras durante a ordenha. Segundo Carvalho,2828 Carvalho CC, Coelho B, Moraes C, Souza IS, Silva J. Alterações posturais em povos indígenas. Anais do III EPEP e da Semana de Extensão e Jornada Científica. Univ Recife. 2018;5(1). Full text link essa postura oferece forte estabilização da pelve, treina o equilíbrio, previne dores lombares e fortalece os membros inferiores. Por outro lado, a postura de cócoras, especialmente se os quadris estiverem rodados internamente, promove a abertura do estreito inferior da pelve,2929 Calais GB, Paré NV. A pelve feminina e o parto. São Paulo: Manole; 2013. o que aumenta a tração sobre a MAP. Assim, mesmo que a posição adotada beneficie a região pélvica, quando realizada com compensações biomecânicas e/ou na presença de uma MAP não preparada para manter a posição pode resultar em sobrecarga desta musculatura e gerar sintomas urinários.
O número de gestações e de partos, bem como as características do parto, não diferiram entre os grupos, salientando o fato da relação não obrigatória entre tais variáveis e a prevalência de IU.3030 Lima MC, Moccelin GBA, Silva MB, Nogueira GB. Effect of mode of delivery and parities on the occurrence of urinary incontinence during pregnancy. Fisioter Mov. 2015;28(1):107-15. DOI Apesar de não significativa, a frequência relativa de cirurgias ginecológicas foi maior no GI. Tais procedimentos podem afetar a integridade da inervação da bexiga e da MAP, bem como a integridade do esfíncter uretral, propiciando um distúrbio no controle voluntário da micção.3131 Coelho SM, Perez ELTC, Lins CDM, Gomes MTV, Di Bella ZIKJ, Andres MP, et al. Perfil epidemiológico e complicações pós-operatórias das mulheres submetidas à cirurgia ginecológica em centro de referência do extremo setentrional da amazônia legal brasileira. Rev Col Bras Cir. 2015;42(6): 372-6. DOI Além disso, o relato de infecções urinárias frequentes foi maior no GI (25%), tendo relação direta entre o número de infecções anuais e a gravidade da IU. No estudo de Ganapathy,66 Ganapathy T. Impact of urinary incontinence on quality of life among rural women. Muller J Med Sci Res. 2018;9(2):71-7. DOI 37,59% das mulheres rurais com IU também relataram infecções frequentes do trato urinário. As mulheres são mais vulneráveis às infecções urinárias, pois possuem menor extensão anatômica da uretra e maior proximidade entre a vagina e ânus quando comparadas aos homens, o que facilita a presença de agentes infecciosos.3232 Sociedade Brasileira de Nefrologia. Infecção urinária: infecção do trato urinário. Infecção do trato urinário. 2020 [cited 2020 Oct 15]. Available from: https://tinyurl.com/46du9vn3
https://tinyurl.com/46du9vn3...
Com infecções urinárias repetidas, a bexiga torna-se hiperativa devido à inflamação da sua superfície interna. A permanência com absorvente íntimo úmido (medida comumente adotada para evitar molhar a roupa) propicia um ambiente favorável para a proliferação de fungos e bactérias.55 Benício CDAV, Luz MHBA, Lopes MHBM, Carvalho NAR. Urinary incontinence: prevalence and risk factors in women at a basic health unit. ESTIMA. 2016;14(4):161-8. DOI,3333 Treister-Goltzman Y, Peleg R. Urinary incontinence among Muslim women in Israel: risk factors and help-seeking behavior. Int Urogynecol J. 2018;29(4):539-46. DOI Além disso, maus hábitos urinários como prolongar a micção, urinar semiagachada, dificultando o relaxamento da MAP, ou impossibilidade de higiene adequada no momento do esvaziamento vesical podem se tornar rotina, considerando a distância entre a casa e os locais das tarefas rurais, gerando condições propícias à infecção do trato urinário. Fatores de risco para infecção urinária podem ser comportamentais, anatômicos ou de natureza genética, devendo ser consideradas as particularidades populacionais e individuais a fim de adaptar as estratégias preventivas e profiláticas.3434 Storme O, Saucedo JT, Garcia-Mora A, Dehesa-Dávila M, Naber KG. Risk factors and predisposing conditions for urinary tract infection. Ther Adv Urol. 2019;11:1756287218814382. DOI Alerta-se para a necessidade de investigação adequada nos casos de infecções urinárias frequentes, pois quando corrigidas as causas transitórias, os sintomas da IU podem ser resolvidos.3535 Khandelwal C, Kistler C. Diagnosis of urinary incontinence. Am Fam Physician. 2013;87(8):543-50. Full text link
Em relação à percepção do impacto da IU na QV, analisada pelo ICIQ-SF, quase 50% relataram pouca ou média interferência. Esse achado pode ser decorrente da pouca quantidade de urina perdida e da baixa frequência referida. Apesar disso, o escore do ICIQ-SF demonstrou que 34,62% apresentam severidade dos sintomas. Resultados semelhantes foram encontrados em estudo realizado por Treister-Goltzman e Peleg.3333 Treister-Goltzman Y, Peleg R. Urinary incontinence among Muslim women in Israel: risk factors and help-seeking behavior. Int Urogynecol J. 2018;29(4):539-46. DOI
Ao considerar-se a percepção do impacto da IU na QV, fica evidente a falta de conhecimento sobre essa disfunção e os problemas advindos de sua evolução, bem como a compreensão das suas causas e impactos na vida das mulheres. É necessário considerar que a limitação do conhecimento sobre a doença pode ser considerado fator de risco determinante para a evolução do quadro clínico. O questionário KHQ mostrou que a percepção da QV do GI é considerada de regular a muito boa. Por outro lado, observou-se que quanto maior a gravidade da IU estabelecida pelo ICIQ-SF, menor a QV indicada no KHQ. Embora a IU não seja considerada uma causa significativa de morbidade ou mortalidade, sua presença impacta negativamente na QV das mulheres,3131 Coelho SM, Perez ELTC, Lins CDM, Gomes MTV, Di Bella ZIKJ, Andres MP, et al. Perfil epidemiológico e complicações pós-operatórias das mulheres submetidas à cirurgia ginecológica em centro de referência do extremo setentrional da amazônia legal brasileira. Rev Col Bras Cir. 2015;42(6): 372-6. DOI independente do estado hormonal,3636 Rett MT, Wardini EB, Santana JM, Mendonça ACR, Alves AT, Saleme CS. Female urinary incontinence: quality of life comparison on reproductive age and postmenopausal period. Fisioter Mov. 2016;29(1):71-8. DOI envolvendo aspectos físicos, sociais, profissionais, sexuais e emocionais.3737 Knorst MR, Royer CS, Basso DMS, Russo JS, Guedes RG, Resende TL. Quality of life assessment before and after a physical therapy intervention for urinary incontinence. Fisioter Pesqui. 2013;20(3):204-9. DOI,3838 Carvalho MP, Andrade FP, Peres W, Martinelli T, Simch F, Orcy RB, et al. The impact of urinary incontinence and their associated factors in elderly women. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2014;17(4):721-30. DOI Por outro lado, é intrigante a naturalidade com que as agricultoras aprendem a conviver com a IU, relatando que a mesma não compromete as atividades diárias desempenhadas, nem as relações interpessoais e/ou sexuais. Nesse contexto, salienta-se ainda que a maioria das entrevistadas reconhece a perda involuntária como algo não normal quando questionadas, contudo, a taxa de procura por assistência profissional foi mais baixa (3,84%) quando comparada a estudos realizados na Austrália (18,9%),1919 Lamerton TJ, Mielke GI, Brown WJ. Urinary incontinence in young women: Risk factors, management strategies, help-seeking behavior, and perceptions about bladder control. Neurourol Urodyn. 2020;39(8):2284-92. DOI no Paquistão (11,3%),2424 Al Kiyumi MH, Al Belushi ZI, Jaju S, Al Mahrezi AM. Urinary incontinence among Omani women: Prevalence, risk factors and impact on quality of life. Sultan Qaboos Univ Med J. 2020;20(1):e45-53. DOI em Israel (10%)3333 Treister-Goltzman Y, Peleg R. Urinary incontinence among Muslim women in Israel: risk factors and help-seeking behavior. Int Urogynecol J. 2018;29(4):539-46. DOI e na Índia (30,6%),1414 Biswas B, Bhattacharyya A, Dasgupta A, Karmakar A, Mallick N, Sembiah S. Urinary incontinence, its risk factors, and quality of life: a study among women aged 50 years and above in a rural health facility of West Bengal. J Midlife Health. 2017;8(3):130-6. DOI este último exclusivamente com mulheres residentes na zona rural.
Higa et al.2121 Higa R, Rivorêdo CRSF, Campos LK, Lopes MHM, Turato ER. Vivências de mulheres brasileiras com incontinência urinária. Texto Contexto Enferm. 2010;19(4):627-35. DOI sugerem que a baixa procura por tratamento acontece, principalmente, porque para as mulheres a perda urinária é um assunto que deve ser escondido, um obstáculo nas interações interpessoais, um estigma que impede a busca de tratamento. Corroborando os autores, durante a entrevista percebeu-se receio e vergonha de algumas mulheres em falar sobre o assunto, apesar de não considerarem a IU como um incômodo. Outros motivos ressaltados na literatura são a referência de que a perda de urina é algo que afeta todas as mulheres e, portanto, não é considerado um problema,1919 Lamerton TJ, Mielke GI, Brown WJ. Urinary incontinence in young women: Risk factors, management strategies, help-seeking behavior, and perceptions about bladder control. Neurourol Urodyn. 2020;39(8):2284-92. DOI,2424 Al Kiyumi MH, Al Belushi ZI, Jaju S, Al Mahrezi AM. Urinary incontinence among Omani women: Prevalence, risk factors and impact on quality of life. Sultan Qaboos Univ Med J. 2020;20(1):e45-53. DOI a espera pela recuperação espontânea1919 Lamerton TJ, Mielke GI, Brown WJ. Urinary incontinence in young women: Risk factors, management strategies, help-seeking behavior, and perceptions about bladder control. Neurourol Urodyn. 2020;39(8):2284-92. DOI,2424 Al Kiyumi MH, Al Belushi ZI, Jaju S, Al Mahrezi AM. Urinary incontinence among Omani women: Prevalence, risk factors and impact on quality of life. Sultan Qaboos Univ Med J. 2020;20(1):e45-53. DOI e a convicação de que a perda de urina é incurável.1414 Biswas B, Bhattacharyya A, Dasgupta A, Karmakar A, Mallick N, Sembiah S. Urinary incontinence, its risk factors, and quality of life: a study among women aged 50 years and above in a rural health facility of West Bengal. J Midlife Health. 2017;8(3):130-6. DOI,2424 Al Kiyumi MH, Al Belushi ZI, Jaju S, Al Mahrezi AM. Urinary incontinence among Omani women: Prevalence, risk factors and impact on quality of life. Sultan Qaboos Univ Med J. 2020;20(1):e45-53. DOI Tais relatos reforçam que o comportamento de busca por assistência é determinado pelas crenças das mulheres e que a falta de conhecimento sobre sua progressão e sobre as possibilidades de tratamento interferem na atenção dada ao problema.
Acredita-se que o relato da grande maioria das agricultoras (97,7%) de reconhecerem a IU como algo não normal tenha sido influenciado pelo assunto da pesquisa - reforçando a conclusão de Oliveira et al.3939 Oliveira M, Ferreira M, Azevedo MJ, Firmino-Machado J, Santos PC. Pelvic floor muscle training protocol for stress urinary incontinence in women: A systematic review. Rev Assoc Med Bras. 2017;63(7):642-50. DOI de que a população, de forma geral, não enxerga a IU como uma doença-, porém demonstrando que abordar o assunto, mesmo que em uma situação de pesquisa, pode alterar a concepção sobre a sua condição de saúde e desencadear a necessidade de saná-la. Lamerton et al.1919 Lamerton TJ, Mielke GI, Brown WJ. Urinary incontinence in young women: Risk factors, management strategies, help-seeking behavior, and perceptions about bladder control. Neurourol Urodyn. 2020;39(8):2284-92. DOI afirmam que os profissionais de saúde estão em uma posição privilegiada para identificar precocemente as mulheres com maior risco de IU e discutir estratégias de prevenção e tratamento, desde que adequadamente treinados e informados.
Desmistificar os conceitos pré-estabelecidos sobre IU, incluir questionamentos sobre a condição nas consultas de rotina, acolher as queixas com empatia, informar sobre a progressão dos sinais e sintomas, “desnaturalizar” a disfunção e indicar as possibilidades de tratamento e, principalmente, de prevenção são medidas urgentes que devem ser incluídas nos programas de atenção à saúde, lembrando de considerar as particularidades da população assistida.
Conclusão
A prevalência de IU nas agricultoras foi similar aos valores encontrados em outros países. A perda urinária ocorre especialmente ao realizar atividades de esforço como tossir, espirrar e carregar pesos. As mulheres incontinentes apresentam maior número de infeções urinárias anuais. Sugere-se, ainda, a influência de procedimentos cirúrgicos pélvicos, comorbidades e sedentarismo na presença de IU.
As características do trabalho na agricultura não apresentaram correlação com o aparecimento dos sintomas urinários. Admite-se que o movimento constante, especialmente caminhando, possa ser um fator protetor que contrabalanceia fatores de risco como o IMC elevado e a carga carregada diariamente, presentes em ambos os grupos. Por outro lado, avaliar a ativação da MAP durante a posição de cócoras para realizar a ordenha em estrebaria do tipo "balde ao pé" poderia esclarecer sua relação com a maior frequência desse tipo de sistema de ordenha no GI.
A falta de conhecimento sobre IU pode justificar a referência de pouca ou média interferência dessa disfunção na QV, apesar do escore “severa” ser predominante. Outros fatores que podem influenciar nesse contexto e merecem uma investigação mais específica são o receio e a vergonha de falar sobre o assunto, já que identificou-se que quanto maior a gravidade da IU, pior a QV.
Ressalta-se a importância de se abordar o assunto, bem como outras questões de saúde específicas do público feminino, junto às agricultoras, a fim de incentivar a adoção de maiores cuidados com o próprio corpo, pois apesar de a grande maioria considerar a perda de urina como algo anormal, a procura por assistência foi baixa. Tal abordagem provavelmente irá facilitar a identificação precoce de disfunções e o acesso a um tratamento adequado e digno, melhorando a autoestima, qualidade de vida e satisfação com o trabalho e a vida no meio rural.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Set 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
31 Jul 2021 -
Revisado
28 Nov 2021 -
Aceito
01 Dez 2021