Qualidade de vida, estresse, enfrentamento e sobrecarga de cuidadores de pessoas idosas com Alzheimer

Resumo

Introdução

O cuidado à pessoa idosa com doença de Alzheimer pode gerar um estado de estresse prolonga-do, principalmente quando a sobrecarga é intensa, o que impacta a qualidade de vida do cuidador.

Objetivo

Comparar a qualidade de vida, percepção de estresse e estratégias de enfrentamento em função do nível de sobrecarga de cuidadores de pessoas idosas com Alzheimer.

Métodos

Trata-se de um estudo quantitativo e transversal realizado com 126 cuidadores de pessoas idosas com Alzheimer. O World Health Organization Quality of Life Bref (WHOQOL-Bref), a Escala de Estresse Percebido, o Inventário de Sobrecarga de Zarit e a Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas foram utilizados. A análise dos dados foi realizada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov, procedimentos de bootstrapping e Anova one-way seguida por post-hoc de Tukey. Adotou-se significância de p < 0,05.

Resultados

Cuidadores com sobrecarga intensa apresentaram pior qualidade de vida (p < 0,001). Cuidadores sem sobrecarga apresentaram menor estresse (p < 0,001) e utilizavam estratégia de enfrentamento focada no problema (p < 0,001).

Conclusão

O nível de sobrecarga é um fator interveniente na qualidade de vida, sintomas de estresse e estratégias de enfrentamento de cuidadores de pessoas idosas com Alzheimer.

Envelhecimento; Cuidado domiciliar; Estresse psicológico; Adaptação psicológica

Abstract

Introduction

Caring for older people with Alzheimer's disease can generate a state of prolonged stress, especially when the overload is intense, which impacts the caregiver's quality of life.

Objective

To compare the quality of life, perception of stress, and coping strategies depending on the level of overload of caregivers of older people with Alzheimer's.

Methods

Quantitative and cross-sectional study carried out with 126 caregivers of older people with Alzheimer's. The World Health Organization Quality of Life Bref (WHOQOL-Bref), Perceived Stress Scale, Zarit Overload Inventory, and the Problem Coping Scale were used. Data analysis was performed using the Kolmogorov-Smirnov test, boot-strapping procedures, and one-way ANOVA, followed by Tukey's posthoc. A significance of p < 0.05 was adopted.

Results

Caregivers with intense burden had worse quality of life (p < 0.001). Caregivers without overload had less stress (p < 0.001) and used a problem-focused coping strategy (p < 0.001).

Conclusion

The level of overload is an intervening factor in the quality of life, stress symptoms, and coping strategies of caregivers of older people with Alzheimer's Disease.

Aging; Home Care Services; Psychological stress; Psychological adaptation

Introdução

Com o envelhecimento da população, prevê-se um aumento de doenças crônico-degenerativas associadas à idade, entre elas os quadros demenciais. A demência geralmente está presente em uma doença neurodegenerativa caracterizada por declínio de funções cognitivas, como a perda de memória.¹ A doença de Alzheimer (DA) é a causa mais comum de demência na pessoa idosa e, à medida que ela progride, aumenta-se a demanda de cuidadores para oferecer o suporte necessário às pessoas idosas com a doença.²

A DA, incurável, constitui-se em uma danificação de funções neurocerebrais, como perda de memória e linguagem, com tempo de vida estimado de oito a dez anos em fase latente. A necessidade de cuidados se mostra mais importante conforme a progressão da doença.³,⁴ No avançar da DA, o cuidador passa por vários tipos de situações, como aprender sobre a doença, aprender a passar por situações em que a pessoa idosa passa por sofrimento físico e psicológico, e sentimento de culpa. Tais situações demandam que o cuidador ignore suas dores e necessidades.⁵ Este cuidador é a pessoa que assume a responsabilidade dos cuidados básicos de maneira contínua ou regular, podendo ou não ser um familiar.⁶ Além disso, ele assume todos ou a maior parte dos cuidados. A realidade imposta ao cuidador pode acarretar em sobrecarga mental e física. Ademais, a falta de tempo para o lazer e autocuidado afeta diretamente sua qualidade de vida e autoestima, implicando no cuidado prestado à pessoa idosa.⁷ Tais circunstâncias podem gerar um estado de estresse prolongado, levando o cuidador a ignorar suas próprias necessidades e a negligenciar o autocuidado, resultando em doenças ou até mesmo em óbito precoce. Por outro lado, evidências sugerem que a sobrecarga dos cuidadores pode levar, em última instância, à negligência assistencial da pessoa.⁸

Uma pesquisa realizada ressalta que o ato de cuidar é estressante, sendo as sensações de “aprisionamento” e de cansaço comumente vivenciadas pelos cuidadores.⁹ Tal sobrecarga tem chances de culminar no desenvolvimento de enfermidades e, em consequência, no uso de medicações psicotrópicas. É imprescindível a avaliação do nível de sobrecarga a fim de tornar as orientações do cuidado mais efetivas.¹⁰

Para os cuidadores, uma alternativa para auxiliá-los a assistirem pessoas idosas com DA, organizarem atividades e modificarem relacionamentos, a fim de evitar ou reduzir problemas, assim como fortalecer seu bem-estar, é a de oferecer suporte psicoeducativo.¹⁰ Do mesmo modo, priorizar a estratégia de resolução de problemas também pode servir como uma estratégia de enfrentamento. A estimulação cognitiva e de atividades cotidianas da pessoa idosa contribui para a manutenção da saúde mental, pois o cuidador controla o ambiente e estimula comportamentos adequados ao paciente, buscando evitar ocorrências de comportamentos problemáticos, o que tende a diminuir as percepções negativas do cuidador relacionadas com o cuidado, influenciando na diminuição desta sobrecarga tanto física quanto mental sobre o cuidador e em outros problemas decorrentes do estresse enfrentado rotineiramente no cuidado. Desta forma, melhora-se sua qualidade de vida, hábitos, relação social e excelência ao cuidar.¹,¹⁰

Embora haja pesquisas sobre a sobrecarga dos cuidadores,¹¹,¹² é necessário entender melhor como ela afeta diferentes aspectos da qualidade de vida, como saúde física e mental, relacionamentos sociais e bem-estar emocional. Da mesma forma, embora haja pesquisas sobre estratégias de enfrentamento utilizadas pelos cuidadores,¹³-¹⁵ é necessário identificar quais estratégias são mais eficazes na redução do estresse e na melhoria da qualidade de vida dos mesmos. Além disso, é importante entender como essas estratégias podem ser adaptadas a diferentes contextos e indivíduos.

Desta forma, é essencial avaliar a qualidade de vida, percepção de estresse e estratégias de enfrentamento dos cuidadores de pessoas idosas com DA. Esses dados poderão embasar ações intersetoriais, estratégias de educação permanente e formulação de políticas públicas. É fundamental direcionar o cuidado para uma abordagem holística e centrada na pessoa, considerando tanto o paciente quanto o cuidador em todos os níveis de atenção à saúde. Ademais, a necessidade de se pensar em políticas públicas voltadas à população de cuidadores de pessoas idosas com DA é uma questão urgente e multifacetada, visto que aquelas que reconheçam e abordem as necessidades específicas

dos cuidadores, como programas de suporte emocional, treinamento e assistência financeira, são essenciais para garantir que recebam o apoio necessário para continuar desempenhando seu papel de maneira eficaz e sustentável.

Compreender como os cuidadores lidam com o estresse e com a sobrecarga é crucial para desenvolver estratégias de apoio eficazes. Diante do exposto, esse estudo teve o objetivo de comparar a qualidade de vida, percepção de estresse e estratégias de enfrentamento em função do nível de sobrecarga de cuidadores de pessoas idosas com DA.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa quantitativa, analítica, observacional e transversal, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Cesumar, por meio do parecer de número 6.001.701/2023.

A amostra não probabilística, escolhida de forma intencional e por conveniência, foi composta por 126 cuidadores formais (profissionais) ou informais (familiares) de pessoas idosas com DA, residentes em diferentes regiões do país. Foram incluídos apenas cuidadores de pessoas idosas com diagnóstico de DA (relatado pelo próprio cuidador), de ambos os sexos e com idade igual ou superior a 18 anos. Os cuidadores de pessoas idosas institucionalizadas e hospitalizadas foram excluídos.

Instrumentos

Para a avaliação do perfil sociodemográfico, de saúde e de cuidado da pessoa idosa com DA, utilizou-se um questionário elaborado pelos próprios autores, com questões referentes à idade, faixa etária, sexo, renda familiar, nível de escolaridade, aposentadoria, uso de medicamentos, doenças associadas (comorbidades) e tempo de diagnóstico da DA. Já para a avaliação dos cuidadores, utilizou-se outro questionário contendo questões referentes à idade, faixa etária, sexo, renda familiar, nível de escolaridade, uso de medicamentos, presença de doenças, tempo de cuidado da pessoa idosa com DA, tempo diário de cuidado da pessoa idosa com DA e moradia (na mesma residência da pessoa idosa ou não).

Para avaliar a qualidade de vida dos cuidadores, utilizou-se o World Health Organization Quality of Life Bref (WHOQOL-Bref), uma versão abreviada do questionário de avaliação da qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde. O WHOQOL-Bref é composto por 26 questões, das quais duas referem-se à percepção individual da qualidade de vida e de saúde e as restantes são subdivididas em domínios físicos, psicológicos, relações sociais e meio ambiente. Cada domínio tem um escore de quatro a 20 pontos, sendo que quanto mais próximo de 20, melhor é a qualidade de vida no domínio avaliado.¹⁶

Para a análise do estresse percebido, aplicou-se o questionário de estresse percebido, que possui 14 questões com opções de resposta que variam de zero a quatro (0 = nunca; 1 = quase nunca; 2 = às vezes; 3 = quase sempre; 4 = sempre). As questões com conotação positiva (4, 5, 6, 7, 9, 10 e 13) têm sua pontuação somada invertida (0 = 4; 1 = 3; 2 = 2; 3 = 1; 4 = 0) e as demais questões são negativas, devendo ser somadas diretamente. O total da escala é a soma das pontuações destas 14 questões, sendo que os escores podem variar de zero a 56.¹⁷

Já para a avaliação da sobrecarga do cuidador, utilizou-se o Inventário de Sobrecarga de Zarit (Zarit Caregiver Burden Interview). Este instrumento tem como principal objetivo avaliar a percepção de sobrecarga de cuidadores de pessoas idosas, com foco sobre a percepção do cuidador a respeito de como a atividade exercida por ele impacta sua vida pessoal, social e financeira e sua saúde física e mental. O instrumento possui 22 itens que devem ser respondidos pelo próprio cuidador, a partir de uma escala do tipo Likert de cinco pontos: 0 (nunca), 1 (raramente), 2 (algumas vezes), 3 (muito frequentemente) e 4 (sempre). A pontuação total pode variar entre 0 e 88 pontos, sendo que quanto maior, maior a sobrecarga do cuidado para o cuidador.¹⁸

A Escala de Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP) foi utilizada para identificar o modo como o sujeito enfrenta a situação estressora, no caso, o cuidado ao idoso com DA. Trata-se de um questionário tipo Likert de cinco pontos. É composta por 45 itens que englobam pensamentos e ações dos quais as pessoas se utilizam para lidar com as demandas internas ou externas de um estressor específico. Tem como possibilidade de resposta: 1 = eu nunca faço isso, 2 = eu faço isso pouco, 3 = eu faço isso às vezes, 4 = eu faço isso muito e 5 = eu faço isso sempre.¹⁹

Procedimentos de coleta dos dados

A coleta de dados quantitativos ocorreu através de um formulário on-line disponibilizado pela plataforma Survey Monkey. Os sujeitos que tiveram interesse em participar da pesquisa primeiramente deveriam aceitar o termo de consentimento livre e esclarecido no formulário on-line, indicando “concordo”.

O link foi criado para hospedar os questionários do estudo e circulou pelas mídias sociais (Facebook, Instagram e WhatsApp) dos autores. A plataforma para preenchimento dos questionários ficou disponível para receber as respostas por 90 dias (fevereiro a maio de 2023). Antes do início do preenchimento do questionário, os participantes receberam uma breve instrução contendo informações sobre o objetivo da pesquisa, público-alvo e tempo estimado para preenchimento (aproximadamente 15 minutos).

Análise dos dados

A análise dos dados foi realizada por meio do software SPSS 25.0, mediante abordagem de estatística descritiva e inferencial. Frequência e percentual foram utilizados como medidas descritivas para as variáveis categóricas. Para as variáveis numéricas, a normalidade dos dados foi analisada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov e por meio dos coeficientes de assimetria e curtose. Foram realizados procedimentos de bootstrapping (1000 reamostragens; 95% IC BCa) para a obtenção de uma maior confiabilidade dos resultados, para corrigir possíveis desvios de normalidade da distribuição da amostra e diferenças entre os tamanhos dos grupos e, também, para apresentar um intervalo de confiança de 95% para as médias.²⁰ Para a comparação dos domínios de qualidade de vida, percepção de estresse e estratégias de enfrentamento em função do nível de sobrecarga, empregou-se Anova one-way seguida de post-hoc de Tukey. Adotou-se significância de p < 0,05.

Resultados

Participaram da pesquisa 126 cuidadores, de ambos os sexos (feminino = 118; masculino = 8), com idade entre 22 e 80 anos [média (M) = 51,36; desvio-padrão (DP) = 10,90]. Houve a predominância de cuidadores na faixa etária de 40 a 59 anos (61,9%), com companheiro (54,8%), com ensino superior completo (60,3%), de cor branca (64,2%%) e que tinham renda mensal de um a dois salários mínimos (42,1%). Ao analisar o nível de sobrecarga dos cuidadores de pessoas idosas com DA (Figura 1), nota-se que 52,4% (n = 66) apresentaram sobrecarga intensa, 24,6% (n = 31) apresentaram sobrecarga ligeira e 23,0% (n = 29) apresentaram ausência de sobrecarga.

Figura 1
Nível de sobrecarga dos cuidadores de pessoas idosas com doença de Alzheimer. Brasil, 2023.

A Tabela 1 apresenta a M e DP dos domínios de qualidade de vida, percepção de estresse e estratégias de enfrentamento dos cuidadores de pessoas idosas com DA. Em relação à qualidade de vida, observou-se maior escore no domínio físico (M = 12,92; DP = 3,39), seguido pelos domínios de meio ambiente (M = 12,73; DP = 2,50), autoavaliação (M = 12,50; DP = 3,42), psicológico (M = 12,37; DP = 3,27) e relações sociais (M = 11,89; DP = 3,90). O escore médio da percepção de estresse foi de 29,20 (DP = 10,05). Por fim, a maior média nas estratégias de enfrentamento foi na estratégia focada no problema (M = 64,59; DP = 11,31), seguida pelas estratégias focadas na emoção (M = 40,35; DP = 6,31), práticas religiosas/pensamentos fantasiosos (M = 23,85; DP = 4,60) e busca de suporte social (M = 16,48; DP = 3,47).

Tabela 1
Análise descritiva dos domínios de qualidade de vida, percepção de estresse e estratégias de enfrentamento dos cuidadores de pessoas idosas com doença de Alzheimer. Brasil, 2023

Variáveis	Média (desvio-padrão)
Domínios de qualidade de vida
Físico	12,92 (3,39)
Psicológico	12,37 (3,27)
Relações sociais	11,89 (3,90)
Meio ambiente	12,73 (2,50)
Autoavaliação	12,50 (3,42)
Estresse	29,20 (10,05)
Estratégias de enfrentamento
Focada no problema	64,59 (11,31)
Focada na emoção	40,35 (6,31)
Práticas religiosas/fantasiosas	23,85 (4,60)
Busca de suporte social	16,48 (3,47)

A Tabela 2 apresenta a comparação da percepção de qualidade de vida dos cuidadores em razão do nível de sobrecarga percebido. Verificou-se diferença significativa (p < 0,001) entre os grupos em todos os domínios de qualidade de vida. Destaca-se que os cuidadores com sobrecarga intensa apresentaram média inferior em todos os domínios de qualidade de vida quando comparados aos cuidadores com sobrecarga ligeira e sem sobrecarga.

Tabela 2
Comparação da percepção de qualidade de vida dos cuidadores de pessoas idosas com doença de Alzheimer em razão do nível de sobrecarga percebido. Brasil, 2023

Domínios de qualidade de vida	Nível de sobrecarga			p-valor*
	Sem sobrecarga (n = 29)	Sobrecarga ligeira (n = 31)	Sobrecarga intensa (n = 66)
Físico	15,41 (2,48)	13,81 (2,64)	11,40 (3,28)a	<0,001
Psicológico	15,01 (2,67)	13,29 (2,11)	10,79 (3,06)a	<0,001
Relações sociais	14,76 (3,04)	13,46 (2,65)	9,90 (3,63)a	<0,001
Meio ambiente	14,34 (2,23)	13,27 (2,37)	11,77 (2,25)a	<0,001
Autoavaliação	14,41 (2,23)	13,81 (2,60)	11,06 (3,56)a	<0,001

• Nota: Dados expressos em média (desvio-padrão).^aAnova one-way seguida por post-hoc de Tukey entre sobrecarga intensa com sobrecarga ligeira e sem sobrecarga. *Diferença significativa (p < 0,05).

Ao comparar a percepção de estresse e as estratégias de enfrentamento dos cuidadores de pessoas idosas com DA em razão do nível de sobrecarga percebido (Tabela 3), encontrou-se diferença significativa entre os grupos na percepção de estresse (p < 0,001), nas estratégias focadas no problema (p < 0,001) e na emoção (p = 0,003) e nas práticas religiosas/pensamentos fantasiosos (p = 0,021). Destaca-se que os cuidadores sem sobrecarga apresentaram menor média de estresse e maior escore na estratégia de enfrentamento focada no problema quando comparados aos cuidadores com sobrecarga ligeira e intensa. Além disso, nota-se que os cuidadores com sobrecarga ligeira apresentaram maior média nas estratégias de enfrentamento focadas na emoção e nas práticas religiosas/pensamentos fantasiosos quando comparados aos cuidadores com sobrecarga intensa.

Tabela 3
Comparação da percepção de estresse e das estratégias de enfrentamento dos cuidadores de pessoas idosas com doença de Alzheimer em razão do nível de sobrecarga percebido. Brasil, 2023

Domínios de qualidade de vida	Nível de sobrecarga			p-valor
	Sem sobrecarga (n = 29)	Sobrecarga ligeira (n = 31)	Sobrecarga intensa (n = 66)
Estresse	20,76 (8,87)a	27,16 (7,41)	33,86 (8,89)	<0,001*
Estratégias de enfrentamento
Focada no problema	72,24 (10,09)a	64,13 (10,90)	61,44 (10,53)	<0,001*
Focada na emoção	38,97 (6,01)	37,87 (4,57)b	42,12 (6,67)	0,003*
Práticas religiosas/fantasiosas	22,97 (4,92)	22,42 (5,17)b	24,90 (3,93)	0,021*
Busca de suporte social	16,03 (3,04)	15,77 (3,37)	17,00 (3,65)	0,199

• Nota: Dados expressos em média (desvio-padrão). ^aAnova one-way seguida por post-hoc de Tukey entre sem sobrecarga com sobrecarga ligeira e sobrecarga intensa; ^bAnova one-way seguida por post-hoc de Tukey entre sobrecarga ligeira com sobrecarga intensa. *Diferença significativa (p < 0,05).

Discussão

Os principais resultados do presente estudo revelaram que os cuidadores com sobrecarga intensa apresentaram menor qualidade de vida, enquanto os cuidadores sem sobrecarga apresentaram menor estresse e utilizavam mais a estratégia de enfrentamento focada no problema. Os cuidadores com sobrecarga ligeira utilizavam mais as estratégias de enfrentamento focadas na emoção e nas práticas religiosas/pensamentos fantasiosos quando comparados aos cuidadores com sobrecarga intensa.

Os cuidadores de pessoas idosas com DA que experimentam sobrecarga intensa podem apresentar pior qualidade de vida devido a uma série de fatores físicos, emocionais e sociais. Cuidar de uma pessoa idosa com DA pode ser fisicamente desgastante. O constante acompanhamento, ajuda com as atividades diárias e a necessidade de levantar ou mover o paciente podem levar à exaustão física, resultando em uma menor qualidade de vida para o cuidador.²¹ A intensa demanda de cuidar de uma pessoa idosa com DA muitas vezes limita o tempo e a capacidade do cuidador de manter relacionamentos sociais. O isolamento social pode levar à solidão, depressão e a uma sensação de desconexão, afetando negativamente a qualidade de vida.²² Vale destacar que a gestão das mudanças de comportamento, confusão e esquecimento associados à DA pode ser emocionalmente esgotante. A constante preocupação com a segurança e o bem-estar da pessoa idosa pode levar a altos níveis de estresse e ansiedade, afetando a saúde emocional do cuidador.

Os cuidadores muitas vezes negligenciam seu próprio autocuidado devido às demandas do cuidado da pessoa idosa. A falta de tempo para exercícios, alimentação adequada e descanso pode resultar em problemas de saúde física e mental para o cuidador.¹,²³,²⁴ Além disso, a assistência a longo prazo para uma pessoa com DA pode ser dispendiosa e os cuidadores podem enfrentar dificuldades financeiras devido a despesas médicas adicionais, redução de horas de trabalho ou até mesmo cessação completa do emprego.²

Muitos cuidadores se dedicam inteiramente ao papel de cuidador, perdendo sua própria identidade e objetivos pessoais. Essa perda de autonomia e propósito fora do cuidado do paciente pode prejudicar significativamente a qualidade de vida. A falta de acesso a recursos de apoio, como grupos de apoio, serviços de respiro e ajuda domiciliar, pode sobrecarregar ainda mais os cuidadores. Isso pode resultar em sentimento de impotência e isolamento.²⁵

Não podemos esquecer que, à medida que a DA progride, a capacidade da pessoa idosa de se comunicar diminui, tornando a interação mais desafiadora. Isso pode causar frustração e tristeza no cuidador. Ainda, os cuidadores muitas vezes vivenciam o luto antecipatório à medida que testemunham a progressão da doença em seus entes queridos. Esse processo emocional prolongado pode ter um impacto negativo na qualidade de vida do cuidador.²⁶

Segundo Rebêlo et al.,²⁷ existe uma correlação entre níveis de sobrecarga e qualidade de vida. Geralmente, maiores níveis de sobrecarga estão associados a menores índices de qualidade de vida e vice-versa.

Isso significa que quando alguém experimenta altos níveis de estresse, responsabilidades excessivas ou pressões, sua qualidade de vida tende a diminuir. O equilíbrio entre esses fatores pode desempenhar um papel importante na sensação geral de bem-estar dos cuidadores de pessoas idosas com DA.

Cuidar de alguém, especialmente quando se trata de um cuidado constante e sob tensão, pode levar a níveis significativos de estresse. Isso pode afetar tanto a saúde física quanto mental dos cuidadores, além de ter impacto no equilíbrio familiar e em sua qualidade de vida. O reconhecimento desses desafios é crucial para oferecer o suporte necessário aos cuidadores e minimizar os efeitos negativos do estresse.²⁸ Zhang et al.,²⁶ em uma revisão de âmbito internacional, apontaram que considerar em conjunto a qualidade de vida dos cuidadores e dos destinatários dos cuidados pode potencialmente melhorar a compreensão das necessidades de cuidados, prestação de serviços de cuidados e resultados positivos na própria qualidade de vida. Queiroz et al.²⁹ revelam que os cuidados prestados à pessoa idosa com demência, como na DA, repercutem na qualidade de vida do cuidador e, assim como no presente estudo, a maior média foi encontrada no domínio físico e a pior no de relações sociais.

Em contrapartida, verificou-se no presente estudo que os cuidadores sem sobrecarga apresentaram menor estresse. Cuidar de uma pessoa idosa com DA, mesmo sem sobrecarga intensa, ainda pode ser uma tarefa desafiadora, mas cuidadores que conseguem gerenciar essa situação de forma equilibrada podem experimentar menor estresse em comparação com aqueles que estão sobrecarregados.²⁸ Este resultado pode ser explicado pelo fato de cuidadores que têm acesso a apoio adequado, como ajuda de familiares, amigos ou serviços profissionais de cuidados domiciliares, poderem compartilhar a responsabilidade do cuidado, o que reduz a pressão sobre um único cuidador e diminui o estresse associado à sobrecarga. Além disso, cuidadores que conseguem organizar e gerenciar as tarefas de cuidado de forma eficaz podem reduzir o estresse. Isso inclui estabelecer rotinas, usar estratégias de comunicação eficazes e garantir que o idoso tenha acesso a serviços médicos apropriados.³⁰-³²

Cesário et al.²⁸ verificaram que cuidadores de pessoas idosas apresentam condições de saúde profundamente afetadas, propiciando um quadro de estresse. Desta forma, aqueles que não percebem uma alta sobrecarga geralmente apresentam menor estresse. Destaca-se que cuidadores de idosos com DA que priorizam seu próprio autocuidado, incluindo a busca por tempo para descanso, atividades de lazer e apoio psicológico, têm uma melhor capacidade de lidar com o estresse; isso pode incluir a participação em grupos de apoio ou sessões de aconselhamento. Da mesma forma, aqueles bem informados sobre a DA e suas implicações podem estar mais preparados para lidar com as mudanças comportamentais e as demandas do cuidado. O conhecimento pode reduzir a ansiedade e o estresse relacionados à incerteza.³³,³⁴

Cuidadores que relatam ausência de sobrecarga e, consequentemente, menores níveis de estresse, são aqueles que utilizam mais a estratégia de enfrentamento focada no problema. Essas estratégias são utilizadas quando as consequências de uma situação estressante são percebidas como passíveis de serem alteradas ou removidas. Isso envolve lidar diretamente com o problema para encontrar soluções e reduzir o estresse.³⁵ Provavelmente, estes cuidadores experimentam benefícios significativos devido a essa abordagem. O enfrentamento focado no problema envolve a identificação e a resolução ativa de desafios e dificuldades específicas relacionadas ao cuidado da pessoa idosa com DA. Isso pode incluir a criação de rotinas, o desenvolvimento de estratégias de comunicação eficazes e o gerenciamento de questões práticas, como a segurança do ambiente. Essa abordagem pragmática permite que os cuidadores enfrentem os problemas de frente. Ao enfrentar ativamente os desafios e problemas associados ao cuidado de uma pessoa idosa com DA, os cuidadores podem experimentar uma redução no estresse. Isso ocorre porque a sensação de ter algum controle sobre a situação e a capacidade de tomar medidas concretas para melhorar a qualidade de vida da pessoa idosa e do próprio cuidador pode ser empoderadora e tranquilizadora.¹⁴,³⁶,³⁷

O enfrentamento focado no problema geralmente leva a uma maior eficácia no cuidado. Identificar e abordar questões específicas pode melhorar a qualidade do cuidado prestado à pessoa idosa, proporcionando-lhe mais conforto e segurança. Isso, por sua vez, pode reduzir os conflitos e as situações de crise, melhorando a qualidade de vida de ambos, cuidador e pessoa idosa.³⁸

É importante salientar que lidar com os problemas de maneira proativa pode ajudar a prevenir complicações e dificuldades adicionais no futuro. Ao criar um ambiente seguro e implementar estratégias de gerenciamento de comportamento, por exemplo, os cuidadores podem evitar acidentes e situações estressantes. Da mesma forma, encontrar soluções para os desafios do cuidado pode proporcionar uma sensação de realização pessoal e competência. Os cuidadores que se veem fazendo progresso e melhorando a situação da pessoa idosa podem experimentar um aumento na satisfação pessoal e autoestima.¹⁰,¹¹ Ainda, ao abordar os problemas diretamente e de forma eficaz, os cuidadores podem reduzir os conflitos com outros membros da família, colegas de trabalho ou profissionais de saúde. Uma abordagem orientada para a solução pode promover uma comunicação mais eficaz e colaborativa.³⁹,⁴⁰

Quando os cuidadores conseguem resolver problemas relacionados à segurança, comunicação e bem-estar da pessoa idosa com DA, a qualidade de vida do próprio idoso pode melhorar. Isso é benéfico tanto para a pessoa idosa quanto para o cuidador, pois resulta em menos situações de estresse e conflito.⁴¹ O enfrentamento focalizado na emoção é mais utilizado quando o cuidador nota que esse fato é inalterável, ou seja, quando sabe que o quadro de demência não se reverterá.¹⁴,³⁸ É possível encontrar na literatura estudos que demonstram que cuidadores de pessoas com DA tendem a utilizar estratégias de enfrentamento focadas na emoção, estando relacionadas com a redução na ansiedade, depressão e sintomas comportamentais e psicológicos, como o estresse e sobrecarga, do cuidador.¹³,¹⁴ Abojabel et al.,³⁹ em seu estudo realizado com cuidadores de pessoas idosas com DA, concluíram que nem o enfrentamento focado no problema e nem o enfrentamento focado na emoção resultaram significativamente na sobrecarga de cuidado.

No presente estudo, verificou-se que os cuidadores com sobrecarga ligeira utilizam mais as estratégias de enfrentamento focadas na emoção e nas práticas religiosas/pensamentos fantasiosos quando comparados aos cuidadores com sobrecarga intensa, fato este que pode ocorrer por várias razões. Cuidadores com sobrecarga ligeira podem estar em uma fase inicial da experiência de cuidado, quando a DA ainda não progrediu tanto. Isso pode significar que enfrentam menos desafios práticos e emocionais em comparação com cuidadores em uma fase mais avançada da doença, o que pode reduzir a necessidade de estratégias de enfrentamento focadas em problemas. Estes cuidadores podem ser mais capazes de lidar com as demandas atuais de cuidado sem recorrer a estratégias de enfrentamento focadas no problema. Isso pode incluir lidar com sintomas iniciais da doença, como leves lapsos de memória, sem a necessidade de solucionar problemas mais complexos.³⁶,⁴²

Quando a sobrecarga é ligeira, os cuidadores podem se sentir mais capazes de lidar com o estresse emocional por meio de estratégias de enfrentamento focadas na emoção. Isso pode envolver compartilhar seus sentimentos com amigos ou familiares, praticar a expressão emocional ou buscar apoio psicológico. Cuidadores que enfrentam sobrecarga ligeira podem usar estratégias de enfrentamento emocional como uma forma de prevenir a sobrecarga intensa no futuro, podendo se concentrar em cuidar de seu próprio bem-estar emocional para evitar o esgotamento que pode ocorrer com o tempo.⁷

Para alguns cuidadores, práticas religiosas ou pensamentos fantasiosos podem ser uma fonte de conforto e apoio emocional. A fé e a espiritualidade podem ajudar a aliviar o estresse e a ansiedade associados ao cuidado de um idoso com DA, proporcionando uma sensação de propósito e esperança. Além disso, cuidar de uma pessoa idosa com DA pode ser desafiador e muitas vezes exige uma busca de significado para lidar com as dificuldades. Práticas religiosas ou pensamentos fantasiosos podem oferecer uma maneira de encontrar um propósito maior no cuidado. Em estágios iniciais da doença, as relações interpessoais podem ser menos complicadas e menos conflituosas do que em estágios avançados. Isso pode permitir que os cuidadores foquem mais em estratégias emocionais e religiosas para lidar com a situação.⁴³-⁴⁵

De acordo com Barreto et al.,⁴⁶ compreende-se que há uma ausência de estudos em relação a estratégias de enfrentamento com prática religiosa e suporte social, pois compreender a relação entre espiritualidade, qualidade de vida e depressão dos familiares cuidadores de idosos com demência pode ajudar a fornecer um suporte mais abrangente e adequado a esses cuidadores. O reconhecimento do risco de sobrecarga emocional e física nesse contexto ressalta a importância de direcionar a atenção dos profissionais de saúde para esse grupo específico de cuidadores.

Ampliar a atenção para cuidadores de idosos com DA, especialmente em relação à espiritualidade, qualidade de vida e depressão, é crucial para oferecer um suporte mais abrangente e eficaz.

Os profissionais de saúde devem receber treinamento sobre os desafios enfrentados pelos cuidadores de idosos com DA, o que inclui conscientização sobre questões espirituais e religiosas e seu papel na saúde mental e bem-estar dos cuidadores. Através de workshops, seminários e materiais educacionais, os profissionais de saúde podem aprender estratégias para abordar essas questões de maneira sensível e empática, integrando-as aos planos de cuidados personalizados para os cuidadores.

Mesmo diante dos importantes resultados, essa pesquisa possui limitações que precisam ser consideradas ao interpretar seus resultados. Uma das principais é o viés de seleção, já que a amostra não representa adequadamente a população de cuidadores de idosos com DA. Além disso, a natureza do estudo pode envolver relatos subjetivos dos cuidadores sobre sua qualidade de vida, nível de estresse, estratégias de enfrentamento e sobrecarga. Isso pode introduzir viés de autorrelato, já que as respostas podem ser influenciadas pela percepção individual dos participantes e pela vontade de apresentar-se de maneira favorável. Outra limitação potencial é a falta de controle de variáveis externas que podem influenciar os resultados. Fatores como apoio social, condições de saúde dos próprios cuidadores, recursos financeiros e acesso a serviços de saúde, por exemplo, podem desempenhar um papel importante na qualidade de vida e no estresse dos cuidadores, mas não foram controlados no estudo. É importante considerar essas limitações ao interpretar e aplicar os resultados do estudo para garantir uma compreensão precisa do impacto do cuidado de idosos com DA na qualidade de vida e bem-estar dos cuidadores.

Conclusão

Pode-se concluir que o nível de sobrecarga é um fator interveniente na qualidade de vida, sintomas de estresse e estratégias de enfrentamento de cuidadores de idosos com DA. Ressalta-se que a maior sobrecarga parece prejudicar a qualidade de vida e desencadear mais sintomas de estresse, além de favorecer a utilização de estratégias mais focadas na emoção e na busca de práticas religiosas. Do ponto de vista prático, aponta-se a necessidade de profissionais de saúde que lidam com cuidadores de idosos com DA estarem atentos à possibilidade de sobrecarga. É importante realizar avaliações regulares do nível de sobrecarga dos cuidadores para identificar aqueles em risco de enfrentar altos níveis de estresse e qualidade de vida reduzida.

Os resultados deste estudo têm implicações práticas importantes. Para a sociedade, é crucial reconhecer que a sobrecarga dos cuidadores de pessoas idosas com DA afeta negativamente sua qualidade de vida e aumenta os sintomas de estresse. Isso destaca a necessidade de oferecer apoio comunitário e programas de respite care (hospedagem temporária assistida pela enfermagem) para aliviar o fardo desses cuidadores.

Para os profissionais de saúde, é fundamental estar atento à possibilidade de sobrecarga entre os cuidadores, realizando avaliações regulares e oferecendo suporte emocional e acesso a serviços de apoio. Para o sistema de saúde, é necessário desenvolver políticas e programas que atendam às necessidades específicas dos cuidadores, incluindo serviços de respite care e programas de treinamento. Investir em pesquisa sobre o impacto da sobrecarga dos cuidadores pode informar a alocação de recursos e a implementação de intervenções eficazes.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação Araucária pelo financiamento recebido.

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Editado por

Editora associada: Mariana Asmar Alencar Collares

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Set 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  16 Out 2023
• Revisado
  15 Maio 2024
• Aceito
  2 Ago 2024