Resumo
Introdução: O Programa de Puericultura tem por intuito a promoção, prevenção, diagnóstico precoce e recuperação dos agravos na infância através do acompanhamento programado do crescimento e desenvolvimento da criança. O profissional fisioterapeuta pode contribuir na identificação precoce de desordens do desenvolvimento neuropsicomotor.
Objetivo: Caracterizar o desenvolvimento motor (DM) dos bebês atendidos durante as consultas de puericultura e discutir a importância do profissional fisioterapeuta na equipe de atenção básica à saúde.
Métodos: A amostra foi composta por 91 bebês de 0 a 6 meses de idade, atendidos em consultas de puericultura. Foram excluídos os bebês com afecções osteomioarticulares, neuropatologia e choro intenso que impedisse a avaliação. Foi realizada avaliação do DM com a Escala Motora Infantil de Alberta.
Resultados: Dos bebês de 0 a 3 meses de idade, 11,76% estavam com DM atípico, 23,62% com risco para o atraso motor, e 64,07% com DM típico. Já as crianças de 4 a 6 meses (25,3%), menos da metade das crianças (39,13%) atingiram o DM típico. Desses que não atingiram o DM típico no segundo trimestre de vida, 40% pertencem ao grupo de prematuros.
Conclusão: À medida que a criança cresce, suas vivências motoras devem ser mais desafiadoras para que o DM mantenha evolução constante. A inserção do fisioterapeuta na puericultura, junto à equipe de Estratégia de Saúde da família, pode ampliar o cuidado e garantir a avaliação, acompanhamento e promoção da estimulação precoce do DM infantil, além do reconhecimento de sua importância na atenção básica.
Palavras-chave: Puericultura; Desenvolvimento infantil; Fisioterapia
Abstract
Introduction: The Childcare Program aims at the health promotion, prevention and early diagnosis of diseases and recovery from diseases in childhood through programmed monitoring of the child's growth and development. A physical therapist can contribute to the early identification of neuropsychomotor developmental disorders.
Objective: To characterize the motor development (DM) of infants during childcare consultations and to discuss the importance of a professional physical therapist in primary health care teams. Methods: The sample comprised 91 infants aged 0-6 months attended in childcare consultations. Infants with musculoskeletal disorders, neuropathology, and those who cried bitterly, thereby preventing the evaluation were excluded. DM was evaluated using the Alberta Infant Motor Scale.
Results: Of the infants aged 0-3 months, 11.76% had atypical DM, 23.62% were at risk for motor delay, and 64.07% had typical DM. Among the infants aged 4-6 months (25.3%), less than half of the children (39.13%) had typical DM. Among the infants aged 4-6 months who did not have typical DM, 40% belonged to the group of premature infants.
Conclusion: As the child grows, the motor experiences should be more challenging for DM to constantly evolve. The insertion of a physical therapist in childcare, together with the Family Health Strategy team, can expand care and guarantee the assessment, monitoring, and promotion of early stimulation of childhood DM, in addition to the recognition of its importance in primary care.
Keywords: Child care; Child development; Physical therapy
Introdução
O Ministério da Saúde (MS) instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), que utiliza a promoção da saúde, prevenção, diagnóstico precoce e recuperação dos agravos na infância em conjunto ao acompanhamento programado do crescimento e desenvolvimento.1 Um dos recursos utilizados para esse acompanhamento é o Programa de Puericultura, que compreende um conjunto de técnicas utilizadas para acompanhar e avaliar o desenvolvimento físico e mental da criança desde o período de gestação até a idade de 4 ou 5 anos.2 A recomendação do MS é de no mínimo sete consultas de rotina do primeiro ano de vida do bebê.3
As ações da puericultura não se atêm ao acompanhamento e controle do crescimento.2 A observação do desenvolvimento infantil, especialmente do desenvolvimento motor (DM), é de extrema importância.4 O DM é sequencial e contínuo, evoluindo à medida que ocorre a maturação do sistema nervoso central (SNC) e que estímulos são recebidos no contexto ambiental, sendo, portanto, influenciado por características multifatoriais.4,5 Desvios do DM podem ser um primeiro sinal de desordem ou atraso motor, podendo ser detectados tanto em bebês a termo, quanto em pré-termos no primeiro ano de vida.6,7 Neste período, o DM é rápido e extenso devido à grande plasticidade neural. Diante disso, o diagnóstico precoce é muito importante para que a intervenção inicie o mais rápido possível. Durante a fase inicial do desenvolvimento, o bebê usa informações fornecidas pela exploração do ambiente através do movimento. Essas explorações podem tanto fortalecer quanto inibir o seu próprio desenvolvimento. Pesquisas destacam a influência e importância de vários fatores no desenvolvimento, entre eles a idade da mãe, as práticas maternas através do manuseio diário, oportunidades ambientais, além do nível socioeconômico e grau de instrução dos pais.7,8
Para que ocorra a assistência integral ao cuidado e à saúde das crianças na atenção básica (AB), é necessária a inclusão do fisioterapeuta na equipe interdisciplinar a fim de contribuir na puericultura identificando precocemente alguma alteração cinético-funcional e atraso no DM da criança.9,10 Este atraso pode repercutir negativamente nas atividades da vida diária, levando a baixo desempenho nas habilidades de autocuidado, bem como pobre coordenação manual com consequente dificuldade na escrita, acarretando prejuízo escolar e muitas vezes necessidade de encaminhamento à intervenção terapêutica.7
A presença do fisioterapeuta na equipe da AB é um diferencial para que ocorra a avaliação do desenvolvimento infantil, bem como para conhecer o perfil motor dessa população, já que esse profissional realiza avaliações que auxiliam na identificação precoce de alterações motoras. Além disso, o fisioterapeuta pode traçar um plano de cuidados diários para a promoção e prevenção dos agravos decorrentes desses atrasos, principalmente com orientações domiciliares, encontrando estratégias junto às famílias que proporcionem um ambiente rico em estímulos para um bom desenvolvimento.4,10,11
Atualmente o fisioterapeuta não faz parte da equipe mínima da Estratégia de Saúde da Família (ESF); em contrapartida, esse profissional pode compor a equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), o que trouxe uma grande evolução ao seu papel na atenção básica e ampliou o acesso da população ao serviço de fisioterapia. No modelo atual, o NASF apoia pelo menos cinco equipes de saúde da família,11,12 inviabilizando a presença do fisioterapeuta na rotina de consultas de puericultura. Sabe-se que a inserção deste profissional na equipe da ESF é capaz de promover um cuidado contínuo, resolutivo e integral a essa população.10
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi caracterizar, através das ações do fisioterapeuta residente, inserido na puericultura, o DM dos bebês atendidos durante as consultas de puericultura na ESF e Centro de Atenção à Criança do município de Uruguaiana, RS, e discutir a importância do profissional fisioterapeuta na equipe de atenção básica à saúde.
Métodos
Delineamento do estudo
Trata-se de um estudo observacional transversal, de cunho quantitativo e descritivo, com dados coletados em consultas de puericultura em uma ESF e do Centro de Atenção à Criança do município de Uruguaiana, RS, mediante autorização da ESF e da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos pais e/ou responsáveis. A pesquisa ocorreu no período de março a setembro de 2019, durante a inserção da residente fisioterapeuta neste serviço de saúde. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal do Pampa, sob parecer nº 2.351.501.
Amostra
A amostra foi composta por 91 bebês de 0 a 6 meses de idade, atendidos mensalmente em consultas de puericultura em uma ESF e no centro de atendimento à criança do município de Uruguaiana, RS, conforme preconizado pelo MS. Os dados dos usuários foram recrutados de forma intencional, de acordo com a demanda das unidades de saúde. Cada criança foi avaliada uma vez. Os mesmos foram incluídos respeitando os critérios de idade (cronológica e corrigida para os prematuros) de 0 a 6 meses, brasileiros, sem participação em programas de intervenção, sendo excluídos os bebês com afecções osteomioarticulares ou qualquer outra neuropatologia e choro intenso que impedisse a avaliação.
Instrumentos de avaliação
Foram coletados dados neonatais e gestacionais registrados na caderneta de vacina do bebê e nos prontuários de atendimento do usuário, como: peso, comprimento e perímetro cefálico ao nascer, idade gestacional e idade da mãe.
A avaliação do DM foi realizada com a Escala Motora Infantil de Alberta (AIMS), desenvolvida para medir a maturação motora grossa de crianças desde o nascimento até a idade da marcha independente ou 18 meses de idade e validada para crianças brasileiras.13 Trata-se de um teste observacional que se baseia no repertório de movimentação espontânea demonstrada pela criança nas posturas de prono (21 itens), supino (9 itens), sentado (12 itens) e em pé (16 itens). Durante a avaliação é observada a movimentação espontânea do bebê em cada uma das posturas, com o mínimo de manuseio por parte do avaliador. A mesma foi aplicada por um único avaliador, sendo o mesmo em toda a amostra, o qual recebeu treinamento teórico-prático do método.14 O escore total atingido pelo bebê é convertido em percentil de DM, sendo que o DM típico é classificado acima de 25 na curva percentílica. Há risco de atraso motor quando o bebê atinge entre 25 e 5 na curva percentílica e de desenvolvimento motor atípico quando abaixo de 5.13 Os materiais necessários para a avaliação foram: manual da AIMS, um chocalho infantil e brinquedo de borracha que emitia som. Além disso, as crianças deveriam estar com roupas leves, que não restringissem a movimentação. A pontuação do teste foi registrada na ficha de atendimento da criança.
Após a avaliação, e conforme o resultado, as mães foram orientadas de forma individualizada sobre práticas favoráveis ao desenvolvimento, como oportunizar posturas desafiadoras, trocas posturais com incentivos sonoros, visuais e táteis, exploração de ambientes domiciliares e interação familiar, e sobre práticas desfavoráveis como utilização de andadores, exposição prolongada a eletrônicos e permanência excessiva na mesma posição.
Análise estatística
Para descrever as características socioeconômicas e biológicas dos participantes e famílias envolvidas no estudo foram utilizados frequência absoluta e relativa, média e desvio padrão. Para todos os dados coletados foram realizadas análises descritivas das características biológicas por idade e análises descritivas do desenvolvimento motor nas posturas por idade. Os valores considerados para análise do desenvolvimento motor de crianças foram o escore total e a categorização do desenvolvimento motor. O nível de significância considerado foi de 5% (p < 0,05). O programa SPSS versão 20.0 foi utilizado para a análise dos dados.
Resultados
A amostra foi composta por 91 bebês, sendo 44 (48,35%) meninos e 47 (51,64%) meninas, com idade gestacional de 29 a 41 semanas, com média de 38,27 (± 2,33), sendo 28,57% prematuros. A média de peso ao nascer foi de 3262,56 g (± 822,22). A caracterização da amostra com as características biológicas do bebê, idade da mãe e as variáveis citadas acima está descrita na Tabela 1.
Desempenho motor geral
O desempenho motor dos bebês foi categorizado através do escore total e percentil obtido no teste de acordo com a idade, assim classificado em: desenvolvimento motor atípico (0 a 5 na curva percentílica), risco para o atraso motor (entre 6 a 25 na curva percentílica) e desempenho motor típico (acima de 25 na curva percentílica).
É possível observar na Figura 1 que a maior parte da amostra está concentrada na faixa etária de 0 a 3 meses de idade (74,72%). Desses, há oito bebês (11,76%) com DM atípico, 16 (23,62%) com risco para o atraso motor, e a maioria restante, 44 (64,07%), está classificada com DM típico. Em contrapartida, entre as crianças de 4 a 6 meses (n = 23, equivalente a 25,3%), observa-se desempenho inferior aos mais novos (0 a 3 meses), sendo que menos da metade das crianças (n = 9; 39,13%) atingiu o DM típico (r2 = 0,014). Desses que não atingiram o DM típico no segundo trimestre de vida, 40% pertencem ao grupo de prematuros.
Diagrama de dispersão da amostra de acordo com a categorização do desenvolvimento motor de crianças pela idade.
Em uma visão global, tem-se na amostra do presente estudo uma relação inversamente proporcional entre a idade e a categorização da AIMS para bebês com atraso motor, ou seja, os bebês mais velhos apresentaram percentil pior do que os mais novos, demonstrando que sua aquisição motora foi pobre com o passar do tempo. No entanto, a curva de desempenho motor típico tem crescimento proporcional à idade das crianças; enquanto os bebês mais novos tiveram um percentil adequado para a idade, os mais velhos conseguiram superar esse percentil, demonstrando um enriquecimento de aquisições motoras em idade superior. Mesmo a maioria das crianças estando dentro do esperado para a sua idade, ainda observam-se percentis inadequados para sua faixa etária.
Comparações entre grupos por idade: aquisições motoras
Ao considerar os itens avaliados da AIMS, é possível observar na Tabela 2 o comportamento motor dos bebês a termo e prematuros em cada postura, conforme a idade.
Na postura de prono, os bebês prematuros tiveram escore superior aos a termos no primeiro mês de vida. Mesmo assim, as crianças apresentam um repertório melhor a partir do quinto mês, quando obtiveram ganho substancial de aquisições motoras em relação às idades anteriores. Na faixa etária de 6 meses, houve diferença média de quatro itens na pontuação dos bebês a termo em comparação aos prematuros. Nas demais idades, porém, eles alcançaram menores escores que os bebês prematuros.
Na postura sentada houve uma diferença sutil entre os grupos, no qual, a termos tiveram um resultado melhor de maneira geral nas faixas etárias. Deve-se levar em consideração que há apenas seis crianças na faixa dos 6 meses de idade e que três dessas não possuem DM típico, o que interfere no valor final da média desse escore, de forma que os prematuros da amostra tiveram resultado superior aos a termos.
Na postura supina, contudo, os bebês a termo obtiveram um resultado melhor em comparação aos prematuros em algumas idades. Já na postura em pé, é possível observar uma inferioridade dos comportamentos motores, em que as crianças apresentam pouca variabilidade e pouco avanço ao longo das faixas etárias avaliadas. Bebês a termo, porém, atingem as posturas mais altas anteriormente aos prematuros, o que é possível observar nos bebês avaliados aos 4 meses de idade.
Na Figura 2 está exposta a dispersão do desempenho motor dos bebês a termo e pré-termo, conforme a idade, dentro das posturas da AIMS. Os bebês prematuros estão representados pelo quadrado em vermelho e os bebês a termo pelo círculo azul. Os pontos vermelhos circundados por azul representam um bebê a termo e um prematuro com a mesma pontuação. Salienta-se que há uma relação linear entre a categorização da AIMS com a postura de prono e em pé (Figura 2A e 2D, respectivamente), as quais tem maiores características antigravitacionais, exigindo, portanto, maior controle postural. Além disso, há também relação entre a idade e os subtestes, resultado este esperado, pois o desenvolvimento motor é contínuo, portanto, a aquisição de habilidades motoras aumenta com o avançar da idade.
Diagrama de dispersão da amostra de acordo com o desempenho motor nas posturas da Escala Motora Infantil de Alberta (AIMS) entre prematuros e a termos.
A Figura 2A demonstra o desempenho motor dos bebês a termo e prematuros na postura de prono, sedo que os bebês a termo atingiram maior pontuação aos 6 meses de idade. Em relação à postura sentada, apresentada na Figura 2B, é possível observar que os prematuros obtiveram um desempenho melhor que os bebês a termo nos primeiros meses de vida, porém os bebês avaliados com idades de 5 e 6 meses possuem um repertório motor inferior quando comparados aos a termos. A postura supina (Figura 2C) apresentou um comportamento semelhante nos dois grupos: os bebês prematuros foram superiores aos a termos ao longo das faixas etárias, porém a aquisição de posturas ao longo dos meses foi linear. Por fim, quanto à postura em pé, visualizada na Figura 2D, observa-se que os bebês prematuros obtiveram escores melhores a partir dos 2 meses de idade, porém um dos bebês prematuros pontuou de forma muito superior aos demais. Na faixa etária dos 3 meses, os bebês prematuros obtiveram escores inferiores aos a termos.
Discussão
O estudo propôs caracterizar o DM dos bebês avaliados por fisioterapeuta durante as consultas de puericultura na ESF e Centro de Atenção à Criança do município de Uruguaiana, RS, além de discutir a importância do profissional fisioterapeuta na inserção da equipe de atenção básica à saúde. A amostra foi composta por 91 bebês na faixa etária de 0 a 6 meses de idade, período em que as mães mais procuram a unidade de saúde. Por meio da categorização da AIMS foi possível observar que a maioria dos bebês (n = 68) apresentou desempenho motor típico no primeiro trimestre, sendo que nessa faixa etária havia nove bebês prematuros, que corresponde a 29% da amostra. Já no segundo trimestre, menos da metade (46,43%) atingiu o desenvolvimento motor típico, portanto, vale ressaltar que nessa faixa etária a porcentagem de prematuros foi de 38%.
Variáveis biológicas
O município onde foi realizado este estudo apresentou uma taxa de prematuridade de 11,25% em 2020, conforme dados Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).15 Tais dados condizem com a realidade do país, uma vez que nasceram aproximadamente 1.722.907 bebês no Brasil em 2020, sendo que 202.843 nasceram prematuros, o que equivale a 11,77%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que 5 a 18% dos nascidos vivos em 184 países são prematuros.16 No presente estudo a porcentagem de prematuros foi de 28,57%.
Chiquetti et al.6 observaram que o desempenho motor dos bebês foi inversamente proporcional à prematuridade, portanto, esta condição compõe um dos fatores de risco para o atraso motor, desfecho desfavorável do desenvolvimento motor. É comum encontrarmos na literatura relatos de que prematuros nascem com menor peso e comprimento, o que vai ao encontro dos achados deste estudo, pois a maioria dos bebês da amostra apresentaram peso e estado nutricional adequados para a idade gestacional (87,91% e 73,62%, respectivamente).17 Dos onze bebês com baixo peso ao nascer, dez são prematuros, entretanto, o comprimento ao nascer e o perímetro cefálico dos bebês deste estudo apresentaram a média dentro do esperado.6,18
Quando unimos os fatores de baixo peso ao nascer e prematuridade, temos uma soma de fatores de risco ao DM, pois o primeiro predispõe a menor motricidade e integração viso-motora, enquanto o segundo tem como característica uma redução de tônus muscular.6
Desenvolvimento motor geral
Tendo em vista que o DM é sequencial e contínuo, é esperado que exista uma correlação positiva entre o controle postural e aquisição de novas habilidades motoras conforme a idade avança. Entretanto os valores de percentil das crianças avaliadas no primeiro trimestre de vida foram superiores ao daquelas que foram avaliadas no segundo trimestre de vida. Alguns estudos apontam que esse pode ser um período de estabilidade em algumas posturas, no qual os bebês estariam modificando padrões de movimento em determinadas aquisições motoras.7,19
É necessário levar em consideração, porém, a sensibilidade da escala para faixas etárias extremas. Alguns estudos já apontam que a AIMS tem demonstrado limitações quanto à representatividade dos itens, baixa sensibilidade às mudanças comportamentais e menor dispersão dos escores totais no primeiro e sexto trimestres. Dessa forma, o estudo de Saccani e Valentini14 sugere utilizar outros instrumentos para avaliar crianças no primeiro trimestre de vida.
Desenvolvimento motor - comparação entre grupos
Postura prono: Na postura de prono, os bebês prematuros tiveram escore superior aos a termos no primeiro mês de vida. Ainda que bebês prematuros apresentem dificuldades para integrar e modular os estímulos logo após o nascimento, estudos salientam que os mesmos desenvolvem estratégias para subjugar as desvantagens inerentes a sua condição, promovendo intensa maturação;19 esse é um período de adaptação aos estímulos decorrentes da vida extrauterina precoce, que não irá ocorrer com os lactentes a termo.20,21-23 Essa pequena vantagem dos prematuros não perdura com o passar do tempo, já que os bebês do segundo trimestre apresentaram melhor desempenho motor, assim como estudos longitudinais observaram que bebês nascidos a termo ostentam maior variedade de aquisições motoras e escores de desempenho motor superiores quando comparados aos bebês prematuros.18,22-24
Postura supino: Neste estudo, as crianças a termo demonstraram melhores aquisições motoras na postura supino. Uma vez que os resultados foram semelhantes em outros estudos com número amostral mais expressivo, é possível fundamentar esses achados na dificuldade de regulação dos tônus muscular axial e processamento sensorial deficitário típicos de bebês nascidos pré-termo.20,22 Essas características podem repercutir negati-vamente nas respostas de controle postural e nas funções dos membros superiores como, por exemplo, trazer as mãos à linha média, alcançar e pegar objetos.18,23,24
Postura em pé: As crianças tendem a ter uma pontuação menor nesse item no início do primeiro ano de vida, o que pode decorrer das baixas oportunidades ambientais e poucas posturas antigravitacionais experimentadas anteriormente, como a postura prono, que irá favorecer a formação da curvatura da coluna e oportunizar o controle motor em pé, fatores esses essenciais para a manutenção de posturas altas.18 Ainda assim, os bebês a termo atingiram aquisições altas importantes antes dos prematuros.
Valentini et al.18 avaliaram bebês até os 12 meses e observaram que o maior período de aquisições motoras se deu entre 6 e 12 meses de vida para a postura em pé, entretanto, no presente estudo não foi possível captar esse crescimento por conta da limitação de idade dos bebês (6 meses).
Atuação do fisioterapeuta
O presente estudo foi realizado pela fisioterapeuta do programa de residência em saúde coletiva, atuante em uma ESF do município, onde a mesma realizava atendimentos multiprofissionais semanalmente, durante as consultas de puericultura. Percebe-se, assim, que para modificar o cenário motor das crianças é importante a identificação precoce dos atrasos e déficits motores, de forma que seja realizada a intervenção e a reabilitação precoce de possíveis alterações no desenvolvimento.12,25,26
Esse acompanhamento é mais efetivo quando realizado pela equipe de atenção básica, pois essa equipe é capaz de intervir no ambiente e domicílio onde a criança vive, ou seja, agir nas barreiras e facilitadores do desenvolvimento infantil.12,27,28 Estudos apontam que incorporar profissionais que não fazem parte da equipe mínima da ESF é capaz de aumentar a resolutividade dos casos na atenção básica, corroborando para uma atenção primária de qualidade.17
É de responsabilidade do fisioterapeuta o estudo do desenvolvimento motor, ou seja, este profissional tem formação para atuar tanto na avaliação como na intervenção dos distúrbios decorrentes do desenvol-vimento motor, além de focar em funcionalidade e independência, algo que se busca na evolução de uma criança para que futuramente ela tenha autonomia no seu cuidado e melhor desempenho escolar.
Este profissional na atenção básica, com a atuação na puericultura, tem a atribuição de orientar as mães, que são na maioria das vezes as principais cuidadoras, sobre o desenvolvimento motor esperado para cada fase da vida e como otimizar a evolução do mesmo, alertar sobre os riscos do uso prolongado de carrinhos de bebê, manutenção do bebê na mesma posição, sobre a importância da interação familiar e com o ambiente, e importância da estimulação sensório-motora.9,10,27,28 Já que os cuidadores exercem uma função primordial na promoção da saúde da criança, são eles que desempenharão os cuidados e executarão as orientações necessárias para o crescimento e desenvolvimento de seus bebês.26,28
Conclusão
Os resultados do presente estudo mostram que os bebês avaliados no primeiro trimestre de vida apresentaram melhores resultados na categorização da AIMS do que bebês mais velhos. À medida que o DM evolui, a dificuldade dos movimentos e exigência de controle motor aumenta, por isso as crianças precisam ser desafiadas e oportunizadas para favorecer o DM. Na avaliação intergrupos, os bebês prematuros demonstraram um DM inferior aos a termos na maior parte das posturas. Essa diferença é mais expressiva nos bebês de maior idade, o que mostra a evolução mais lenta do DM desses bebês e como a prematuridade configura um risco ao atraso motor.
Apesar da evolução na formação acadêmica, a fisioterapia ainda precisa quebrar o paradigma de profissão puramente reabilitadora e firmar suas atribuições na prevenção de doenças e promoção da saúde, no qual tem muito a contribuir. Para isso, é necessário inserir esse profissional na atenção básica de forma rotineira, o que permitirá aumentar a resolutividade dos casos, evitando a sobrecarga do setor secundário e terciário e reduzindo listas de espera e custos para a saúde pública. No presente trabalho, observa-se que a inserção do fisioterapeuta no atendimento ao público infantil, junto à equipe multiprofissional, pode ampliar o cuidado e garantir uma avaliação do DP mais específica e eficaz, capaz de diagnosticar precocemente alterações motoras, uma vez que trata-se de um profissional altamente capacitado e voltado ao movimento e funcionalidade.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Set 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
17 Dez 2020 -
Revisado
03 Mar 2021 -
Aceito
10 Maio 2021