Open-access Fatores associados à espera para o serviço de fisioterapia: análise a partir do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ)

Resumo

Introdução  Historicamente, discute-se a dificuldade de encaminhamentos para o serviço especializado de saúde.

Objetivo  Analisar os fatores associados ao tempo de espera para os serviços especializados de fisioterapia.

Métodos  Estudo transversal, multinível, realizado a partir do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Adotou-se a variável desfecho: tempo estimado de espera dos usuários para atendimento especializado de consultas de fisioterapia. Na análise estatística, utilizou-se a regressão multível de Poisson e adotou-se nível de significância de 5% (p < 0,05).

Resultados  Observou-se associação do tempo de encaminhamento para fisioterapia com as equipes de saúde que recebem apoio para o planejamento do processo de trabalho (n = 25,48; 83,4%; p < 0,0001), como também para a gestão que disponibiliza informações sobre a situação de saúde (n = 26,55; 86,8%; p < 0,0016), recebe apoio para a discussão dos dados de monitoramento (n = 24,149; 79,1%; p < 0,0001), recebe apoio institucional permanente (n = 25,14; 82,3%; p < 0,0001) e obtém retorno da avaliação realizada pelos especialistas (n = 22,80; 76,6%; p < 0,0001). Nas equipes que são apoiadas por fisioterapeutas do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (n = 5,67; 18,6%; p < 0,0001), verificou-se associação entre o Índice de Gini (p < 0,044) e o Índice de Desenvolvimento Humano (p < 0,0001).

Conclusão  O tempo de encaminhamento para o serviço especializado de fisioterapia mostrou-se associado tanto com fatores de organização e gestão do sistema quanto com variáveis contextuais.

Inquéritos epidemiológicos; Fisioterapia; Atenção Primária à Saúde; Fatores socioeconômicos

Abstract

Introduction  Historically, the difficulty of referrals to specialized health services has been discussed.

Objective  To analyze the factors associated with waiting time for specialized physiotherapy services.

Methods  Cross-sectional, multilevel study, with secondary data, based on the external evaluation of the second cycle of the Access and Quality Improvement Program and the United Nations Development Program. The explanatory variables for the outcome "Estimated waiting time of users for specialized consultations – Physiotherapy" were grouped according to the characteristics of the family health teams and contextual factors. In the statistical analysis, Poisson’s Multilevel Regression was used. A significance level of 5% was adopted (p < 0.05).

Results  Observed association of the time of referral to physiotherapy with the health teams that receive support for the planning of the work process (n = 25.476; 83,4%; p < 0.0001), that the management provides information about the health situation (n = 26.505; 86,8%; p < 0.0016), receives support for the discussion of monitoring data (n = 24.149; 79,1%; p < 0.0001), receives permanent institutional support (n = 25.140; 82,3%; p < 0.0001), gets feedback from the evaluation carried out by the specialists (n = 22.801; 76,6%; p < 0.0001) and in the teams that are supported by the NASF physiotherapist (n = 5.666; 18,6%; p < 0.0001), with an association for the Gini Index (p < 0.044) and the HDI (p < 0.0001).

Conclusion  The referral time to the specialized physiotherapy service was shown to be associated with both system organization and management factors, as well as contextual variables.

Healthy surveys; Physiotherapy; Primary Health Care; Socioeconomic factors

Introdução

O processo de organização e construção do Sistema Único de Saúde (SUS) é marcado por expressivo aumento na extensão da cobertura e realizado por meio de Redes de Atenção à Saúde, nas quais tem-se a Atenção Primária à Saúde (APS) como porta de entrada preferencial do sistema e como coordenadora e ordenadora do cuidado.1-5

Apesar dessa organização do sistema, observa-se uma grande dificuldade no acesso aos serviços especializados, cujos encaminhamentos são realizados a partir da APS. Vale ressaltar que a resolutividade da APS pode estar associada a processos de gestão do trabalho, capacitação dos profissionais e estrutura física dos serviços, e que a desorganização do fluxo dos usuários se relaciona diretamente com a dificuldade de acesso e, consequentemente, reclamações.3 Além desses fatores, subfinanciamento e pouca integração entre os níveis de atenção à saúde dificultam a integralização do cuidado e geram aumento no tempo de espera dos usuários para o serviço especializado.6

O termo “tempo de espera” é utilizado para designar o período em que as pessoas aguardam para obter os serviços de saúde que necessitam. Trata-se de um indicador importante, sendo utilizado como medida de desempenho e avaliação da qualidade dos serviços de saúde de outros países como Canadá, Reino Unido e Nova Zelândia.7-9 Um dos serviços especializados que gera grande fila de espera é o da fisioterapia. Segundo Ferrer et al.,6 a falta de organização do sistema pode repercutir em longa lista de espera para o serviço especializado de fisioterapia e tais problemas podem estar relacionados à baixa resolutividade da APS ou até a uma baixa capacitação da equipe quanto aos critérios utilizados para o encaminhamento desses usuários.

Atualmente, a lista de espera do serviço especializado se configura como um dos principais “gargalos” do SUS, com pouca integração entre os níveis de atenção à saúde, o que dificulta a integralidade da atenção ao usuário e fere diretamente um dos seus principais princípios.2,6 Além disso, o alto número de pacientes na lista de espera para os serviços de fisioterapia no nível secundário gera insatisfação e indagação dos usuários quanto à resolutividade do sistema. Identificar fatores que contribuam para a diminuição deste quadro poderá ajudar na melhora do serviço para os usuários. Desta forma, este estudo objetivou analisar os fatores associados ao tempo de espera para os serviços de fisioterapia no serviço especializado.

Métodos

Trata-se de um estudo com delineamento transversal, multinível e de abordagem quantitativa, realizado a partir de dados secundários da avaliação externa do segundo ciclo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ). O banco de análise do PMAQ é composto por 29.778 equipes de saúde da família, distribuídas em 5.041 municípios. Os dados foram coletados em formulários eletrônicos, instalados em tablets para registro e envio automatizado ao servidor central no Ministério da Saúde.8-11 O desfecho foi medido pela seguinte variável do PMAQ: “Tempo estimado de espera dos usuários para atendimento especializado de consultas - Fisioterapia (dos usuários encaminhados nos últimos três meses)”, com respostas dadas em número de dias.

As variáveis independentes, selecionadas em nível de equipes de saúde, foram: apoio para o planejamento e organização do processo de trabalho; informações que auxiliem na análise de situação de saúde; apoio para a discussão dos dados de monitoramento do sistema de informação; apoio institucional; ferramenta para classificação de risco e vulnerabilidade; contrarreferenciamento; práticas integrativas e complementares; “Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF) com profissional Fisioterapeuta”. As respostas eram categorizadas em “sim” ou “não”, com exceção da contrarreferência em que as respostas eram “sim, sempre”, “sim, na maioria das vezes”, “sim, poucas vezes” ou “não há retorno” (Quadro 1).

Quadro 1
Variáveis características das equipes de saúde da família e contextuais: descrição geral e estratégias de adaptação ao modelo de análise

Este banco de dados foi vinculado a outro banco, com nível de agregação a nível municipal: o Censo Nacional, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujos dados foram compilados pela agência brasileira do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

O PMAQ é um programa que tem como objetivo induzir o processo de avaliação na Atenção Básica. Desenvolvido pelo governo federal, é executado por 41 instituições federais de pesquisa e ensino, conduzido pela Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelas universidades federais da Bahia (UFBa), de Minas Gerais (UFMG), de Pelotas (UFPel), do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Piauí (UFPi).8-11 O programa é dividido em quatro fases. A primeira consiste na adesão-contratualização de indicadores e compromissos; a segunda, no desenvolvimento do projeto para gerar mudanças na gestão do cuidado prestado pelas equipes; a terceira é a avaliação externa, com avaliação da população; e a quarta é a recontratualização, com delineamento de novos objetivos e compromissos com indicadores.

No presente estudo foram extraídos dados do segundo ciclo do PMAQ, o qual traz informações referentes às equipes de saúde da família. Desse, foram selecionadas as variáveis do módulo II, que traz informações coletadas por meio de entrevista com um profissional da equipe. Além dessas informações, foram analisadas variáveis contextuais extraídas da PNUD, como o Índice de Gini e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Desse modo, o presente estudo foi baseado na realização de uma análise multinível, em que foram consideradas todas as variáveis com informações sobre as equipes de saúde no primeiro nível.

No segundo nível foram incluídas variáveis referentes ao contexto socioeconômico, cujas associações com a variável desfecho eram plausíveis do ponto de vista teórico. Incluiu-se, portanto, o Índice de Gini, que no Brasil é usado como um índice-chave dos objetivos de desenvolvimento do milênio das Nações Unidas,12-14 servindo para medir o grau de concentração de renda nas cidades. Utilizado como medida de desigualdade social, varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade no local. A outra variável adicionada foi o IDH, que consiste na média geométrica da soma da expectativa de vida ao nascer, índice de educação e índice de renda, por se tratar de uma ferramenta importante para avaliar o desenvolvimento de diversos locais.

Na análise estatística, utilizou-se a modelagem multinível para avaliar a influência das variáveis de equipes de saúde e contextuais sobre a variável dependente. De maneira geral, o nível contextual pode ser considerado como agregados sociais, devido ao seu efeito sobre as equipes e população. Assim, dados da equipe geralmente são considerados como o primeiro nível (nível mais interno) e os locais onde se situam são considerados como o segundo nível (nível mais externo).15-17

Realizou-se análise descritiva para verificar os pontos de corte ou critérios para categorização, sendo as variáveis métricas categorizadas em três estratos com base nos tercis. Foram realizados testes de associação, como o teste qui-quadrado de Rao Scott, entre a variável desfecho e todas as variáveis independentes, selecionando aquelas com p ≤ 0,2 para serem incluídas na regressão múltipla. Inicialmente foram estimadas as razões de prevalência (RP) não ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Vale salientar que a interpretação da RP seguiu um modelo de razão de médias, de acordo com o modelo teórico. Em seguida, realizou-se modelo de regressão multinível de Poisson, incluindo as variáveis dos diferentes níveis. A modelagem foi iniciada por um modelo nulo para verificar a viabilidade da modelagem multinível e, posteriormente, foram incluídas as variáveis de todas as dimensões. Finalmente, o termo de interação entre variáveis contextuais e individuais socioeconômicas foi criado para analisar a presença de crosslevel interaction. Adotou-se nível de significância de 5% (p < 0,05).

Resultados

Avaliou-se um total de 24.055 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e 29.778 equipes de saúde, distribuídas em 5.041 municípios brasileiros, no Ciclo II do PMAQ. A média de tempo de encaminhamento para o serviço especializado de fisioterapia foi de 26,28 dias.

A análise descritiva dos dados encontra-se na Tabela 1, onde também podem ser observadas as associações iniciais baseadas na análise bivariada, tanto das variáveis a nível equipe quanto às variáveis contextuais, mostrando uma associação de todas as variáveis observadas com o tempo de encaminhamento para o serviço especializado de fisioterapia.

Tabela 1
Relação entre o desfecho "tempo de encaminhamento para fisioterapia" (em dias) e as variáveis independentes do estudo

Na modelagem multinível observa-se que tanto no modelo 1, modelo 2 e modelo final, todas as variáveis se mantêm associadas com o desfecho do estudo, com exceção dos locais com Índice de Gini superior a 0,56. No modelo final, pode-se observar aumento de 5% no tempo de encaminhamento para o serviço especializado de fisioterapia nos locais em que a equipe não recebe apoio para o planejamento e organização do processo de trabalho: razão de prevalência (RP) = 1,05; intervalo de confiança (IC) = 1,03–1,09. Conforme apresentado na Tabela 2, observou-se, também, aumento de 4% nas equipes em que a gestão não disponibiliza informações que auxiliem na análise de situação de saúde (RP = 1,04; IC = 1,01–1,08); aumento de 5% nas equipes que não recebem apoio para a discussão dos dados de monitoramento do sistema de informação (RP = 1,05; IC = 1,02–1,08); aumento de 15% nas equipes que não recebem apoio institucional permanente (RP = 1,15; IC = 1,13-1,17); aumento de 26% nas equipes que obtém retorno da avaliação realizada pelos especialistas dos usuários encaminhados (RP = 1,26; IC = 1,23–1,30); e aumento de 10% nas equipes que não são apoiadas pelo fisioterapeuta do NASF (RP = 1,10; IC = 1,08–1,13) (Tabela 2).

Tabela 2
Análise da regressão multinível de Poisson para o tempo de encaminhamento para o serviço especializado de fisioterapia e as variáveis independentes do estudo

Quanto às variáveis contextuais, observa-se associação da variável desfecho com o IDH (RP = 2,19; IC = 1,97–2,43) e associação do Índice de Gini apenas nos locais com índice intermediário (Gini de 0,50 a 0,55) (RP = 1,09; IC = 1,00–1,19) (Tabela 2).

Discussão

Este estudo propôs uma análise multinível para identificar quais fatores estão associados ao tempo de espera para o serviço especializado de fisioterapia, observando fatores em nível de equipe de saúde e fatores contextuais. Encontrou-se associação entre o tempo de encaminhamento para fisioterapia e equipes de saúde que recebem apoio para o planejamento e organização do processo de trabalho naquelas em que a gestão disponibiliza informações sobre a situação de saúde, quando a equipe recebe apoio para a discussão dos dados de monitoramento do sistema de informação, nas equipes que recebem apoio institucional permanente, nas que obtém retorno da avaliação realizada pelos especialistas sobre os usuários encaminhados e naquelas que são apoiadas pelo fisioterapeuta do NASF, com associação ainda para o Índice de Gini e o IDH.

Percebe-se que houve associação entre critérios de organização, planejamento e gestão com um menor tempo de espera. O trabalho de gestão dos profissionais da APS amplia a participação dos profissionais deste nível de atenção e tende a estreitar os laços com centrais de regulação.18 Observa-se, ainda, que um sistema de APS organizado e com capacidade de gestão na regulação pode produzir mais informações e qualificações que subsidiem a tomada de decisão, enquanto baixa qualificação pode limitar condições que poderiam ser resolutivas na APS e gerar filas excessivas e aumento no tempo de espera.18,19 Considerando as potencialidades das Redes de Atenção à Saúde, que se desenvolvem com base em um conjunto de elementos em que a APS funciona como centro comunicador para os serviços especializados, sistemas de apoio, de logística e de governança, uma boa gestão e organização dos serviços primários contribuiria para uma melhor resolutividade das condições de saúde.19,20

O resultado positivo encontrado para um menor tempo de encaminhamento nas equipes que obtém retorno da avaliação realizada pelos especialistas confirma a importância da boa comunicação entre os níveis de saúde para melhor oferta de seus serviços. O principal elemento para a integração das redes de saúde é um efetivo sistema de referência e contrarreferência, entendido como mecanismo de encaminhamento mútuo de pacientes entre os diferentes níveis de complexidade dos serviços. O Ministério da Saúde define este sistema como um dos elementos-chave de reorganização das práticas de trabalho, que devem ser garantidas pelas equipes de saúde da família.21 A referência acontece quando um serviço de menor complexidade encaminha pacientes para um serviço de maior complexidade, acompanhando-o e marcando seu atendimento. A contrarreferência acontece quando a situação é resolvida e o paciente é encaminhado novamente ao serviço de procedência para continuar o seu acompanhamento.22 A política de regulação tem como premissa a viabilização do cuidado integral, resguardando a qualidade e a equidade na atenção à saúde, consoante com as necessidades dos usuários, sem perder de vista sua pluralidade epidemiológica, sanitária e social. A estruturação do complexo regulador surge como estratégia de organizar a oferta e demanda em saúde, firmando pactos de compromissos entre gestores, profissionais do serviço e usuários.23

Os estudos de Protasio et al.24 e Pereira et al.,25 contudo, apontam para uma descontinuidade do processo de regulação pela baixa ocorrência e efetividade da ação de contrarreferência dos serviços encaminhados e prestados na Atenção Básica. Isso fragiliza o mecanismo de controle do usuário dentro da rede e diminui sua adesão, ferindo o princípio da longitudinalidade do cuidado, haja vista que não é realizado o acompanhamento contínuo dos casos dentro da rede.

No presente estudo, observou-se que nas equipes que eram apoiadas por equipes do NASF e que possuíam fisioterapeuta na equipe, o tempo de espera para o serviço especializado de fisioterapia era menor. Atualmente o NASF é a principal forma de inserção do fisioterapeuta no nível primário de atenção. Ao avaliarem dados da lista de espera para a fisioterapia no nível secundário em um município brasileiro, Ferrer et al.6 observaram que 88% dos encaminhamentos eram realizados pelos centros de especialidades médicas do município, sendo os principais casos osteoartroses (36%), lombalgias/lombociatalgias (21%) e tendinites (15%). Além disso, a equipe de fisioterapia identificou que 72% dos pacientes não necessitavam do serviço especializado de fisioterapia naquele momento.6

A presença de um fisioterapeuta na APS pode melhorar a interlocução entre estes profissionais e a utilização de critérios adequados para a triagem e encaminhamento para o serviço especializado, diminuindo a lista de espera e, por consequência, o tempo de espera.6 O fisioterapeuta já vem sendo implementado como profissional de primeiro contato na realidade de outros países como Inglaterra, Escócia, País de Gales, entre outros, nos quais observa-se um percentual de 86% de encaminhamentos adequados.26,27

Quanto às variáveis contextuais, observou-se relação direta entre o IDH e o tempo de espera, mostrando que as cidades com maiores índices de desenvolvimento possuem um maior tempo de espera. Este resultado pode ter ocorrido devido às políticas governamentais que visam aumentar o acesso, principalmente na APS, por meio do Programa Saúde da Família. Neste sentido, e com base no princípio da equidade, municípios com maior vulnerabilidade e com baixo IDH podem receber maiores investimento neste setor.28,29 Quanto ao Índice de Gini, observou-se associação apenas entre as cidades com melhores indicadores e indicadores intermediários. Medidas de desigualdade parecem estar associadas com problemas de saúde em estudos envolvendo grandes áreas, na qual a unidade de análise seja país, pois estes são mais influenciados por políticas nacionais do que estaduais. Além do mais, observa-se em outros estudos que a desigualdade de renda ainda é uniforme em todo o Brasil, o que dificulta sua interpretação.13,14

Apesar dos resultados encontrados, esse estudo apresenta algumas limitações por se tratar de um levantamento de dados secundários, adquiridos por plataformas públicas, e porque uma parcela da população é assistida pela saúde suplementar, não entrando nas estatísticas do estudo. Contudo essa limitação não minimiza sua plausibilidade, pois foram utlizadas fontes de dados do governo brasileiro, que são o meio de avaliar indiretamente a qualidade assistencial dos serviços de atenção primária. Além disso, trata-se de um estudo de corte transversal, que impossibilita a inferência de relação de causa e efeito. Estudos longitudinais talvez confirmem a relação de causa e efeito de algumas variáveis independentes sobre o desfecho do estudo. Ainda, o modelo teórico explicativo assumido é reducionista, diante da complexidade de fatores que afetam o tempo de encaminhamento para o serviço especializado. No entanto tais limitações não invalidam as descobertas aqui apresentadas. Estudos posteriores podem complementar esses achados e aprofundar a discussão.

Conclusão

O tempo de encaminhamento para o serviço especializado de fisioterapia mostrou-se associado tanto com fatores de organização e gestão do sistema quanto com variáveis contextuais. Compreender os fatores que mais contribuem para a continuidade do fluxo dos usuários na rede de atenção à saúde pode resultar em melhores indicadores. O tempo de espera para um atendimento de fisioterapia pode repercutir em ganhos funcionais ou prejuízos significativos, quando este se torna excedente. A organização dos fluxos, somada à comunicação contínua e participação dos profissionais de primeiro contato na APS, parece contribuir com a melhor qualidade dos serviços.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2021
  • Revisado
    30 Set 2023
  • Aceito
    2 Out 2023
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