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Complicações neurológicas em pacientes pós-COVID-19

Resumo

Introdução

A COVID-19 é causada pelo vírus SARS-CoV-2, o qual tem afinidade principalmente pelas células epiteliais alveolares, podendo acometer outras células do corpo, o que justifica o comprometimento dos sistemas digestivo, cardiovascular e nervoso. Os neurô-nios e células da glia são potencialmente afetados pelo vírus; logo, o sistema nervoso torna-se alvo do pató-geno, causando-lhe danos ou alterações neurológicas.

Objetivo

Verificar quais as complicações neurológicas em pacientes pós-COVID-19 e a associação das mesmas com as complicações clínicas, período de internação, proveniência e comorbidades.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional descritivo, realizado nas enferma-rias COVID-19 do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, a partir da análise de 162 pron-tuários de pacientes com diagnóstico de COVID-19 no período de março de 2020 a março de 2022. Utilizou-se o programa IBM Statistical Package for the Social Sci-ences versão 20.0 para a análise estatística.

Resultados

A amostra foi composta de 162 prontuários, cujos paci-entes apresentaram maior prevalência de idade entre 30 e 39 anos e etnia parda (61,1%). O acidente vascular encefálico foi o mais incidente (45%) e a tetraparesia (50%) foi a sequela motora mais prevalente. Essas com-plicações apresentaram associação significatica com o aumento do período de internação e complicações clínicas.

Conclusão

O acidente vascular encefálico e a polineuroparia foram as complicações neurológicas mais prevalentes em pacientes com COVID-19, sendo que complicações clínicas e o período de internação total hospitalar e nas enfermarias apresentaram associação significativa com tais complicações neurológicas.

COVID-19; Transtornos neurológicos; Deficiências fisicas

Abstract

Introduction

COVID-19 is caused by the SARS-CoV-2 virus, which has an affinity mainly for alveolar epithelial cells and can affect other cells in the body, which justifies the impairment of the digestive, cardiovascular, and nervous systems. Neurons and glial cells are po-tentially affected by the virus, thus the nervous system becomes a target of the pathogen, causing damage or neurological changes.

Objective

To verify the neuro-logical complications in patients after COVID-19 and their association with clinical complications, length of hospitalization, origin, and comorbidities.

Methods

This is a descriptive observational study, carried out in the COVID-19 infirmaries of the University Hospital of the Federal University of Maranhão, based on the analysis of data from 162 medical records of patients diagnosed with COVID-19, from March 2020 to March 2022. The IBM Statistical Package for the Social Sciences version 20.0 was used for statistical analysis.

Results

The sample consisted of 162 medical records, whose patients had a higher prevalence of age between 30 and 39 years and brown ethnicity (61.1%). Cerebrovascular accident was the most frequent (45%) and tetraparesis (50%) was the most prevalent motor sequelae. These complications were significantly associated with increased hospital stay and clinical complications.

Conclusion

Cerebrovascular accident and polyneuropathy were the most prevalent neurological complications in patients with COVID-19, and clinical complications and the total hospital and infirmary stay were significantly associated with such neurological complications.

Covid-19; Neurological disorders; Physical disabilities

Introdução

No ano de 2002, houve um surto de vírus no mun-do, mais exatamente na China, chamado SARS-COV (coronavírus da síndrome respiratória aguda grave), com muitas mortes em decorrência de complicações respi-ratórias. Em 2012, aconteceu um novo surto por um ví-rus da mesma família do SARS-COV, porém mais letal, conhecido como MERS-CoV (coronavírus da síndrome respiratória do Oriente Médio).11. Das G, Mukherjee N, Ghosh S. Neurological insights of COVID-19 pandemic. ACS Chem Neurosci. 2020;11(9):1206-9. DOI https://doi.org/10.1021/acschemneuro.0c00201
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,22. Nunes MJM, Silva JCS, Oliveira LC, Marcos GVTM, Fernandes ACL, Santos WLS, et al. Alterações neurológicas na COVID-19: uma revisão sistemática. Rev Neurocienc. 2020;28:1-22. Link https://tinyurl.com/2rk5ubu7
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E mais recentemente, em 2020, uma pandemia mundial se estabeleceu, cujo protagonista foi o vírus que pertence à filogenia do beta-coronavírus, conhecido como SARS-CoV-2 (coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave), detectado inicialmente em Wuhan, na China, em dezembro de 2019. Sua circulação ocorreu em janeiro de 2020 e, em março do mesmo ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a pandemia por este vírus de alta morbidade e mortalidade que causa a doença do coronavírus 2019 (COVID-19).33. Silva Filho PSP, Sousa MVA, Pires CF, Cardoso AC, Cruz MM, Silva Jr VPF, et al. Riscos de acidente vascular encefálico como complicação neurológica em pacientes acometidos pela COVID-19. Res Soc Develop. 2021;10(11):e325101119696. DOI http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i11.19696
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,44. Costa DA, Dias BN, Pereira BMC, Coelho FAR, Santos GA, Silva JDV, et al. Encephalitis and encephalopathy in patients affected by COVID-19. Res Soc Develop. 2021;10(12):e46410 1220764. DOI https://doi.org/10.33448/rsd-v10i12.20764
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Segundo dados do Ministério da Saúde, até o final da Semana Epidemiológica 39, realizada de 26/09 a 2/10 de 2021,os casos confirmados da COVID-19 a nível mundial eram de 234.627.330 casos e o Brasil ocupava a terceira colocação. Em relação ao número de óbitos, até o dia 2 de outubro de 2021 foram confirmadas 4.797.562 mortes a nível mundial, com o Brasil ocupando a segun-da colocação. No Maranhão houve mais de 358.644 casos da doença, com mais de 10.211 óbitos, sendo que na capital São Luís os casos chegaram a mais de 46.968 e os óbitos a mais de 2.574. Esses dados refletem o momento da pandemia em que as vacinas ainda esta-vam em desenvolvimento e os protocolos de tratamento efetivo ainda não estavam estabelecidos.55. Brasil. Boletim epidemiológico especial: Doença pelo Novo Coronavírus - COVID-19. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. Link https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/covid-19/2021/boletim_epidemiologico_covid_83.pdf
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As principais vias de transmissão do novo coronaví-rus são por contato direto ou indireto, através de fluidos e saliva expelidos pela tosse, espirro e perdigotos, e a transmissão por contato com mucosa oral, nasal e dos olhos. Os sintomas clínicos da COVID-19 podem variar de uma infecção assintomática até um comprometimento multisistêmico. Na maioria dos casos, os sintomas des-critos são febre, tosse, mialgia, fadiga, dor de cabeça e diarreia. Os casos graves cursam com desconforto res-piratório intenso associado a baixos níveis de oxigênio no sangue, com necessidade de cuidados hospitalares e intensivos.66. Costa REAR, Cardoso AC, Martins SAS, Amaral SM, Campos LNR, Martins LRG, et al. Neurological complications in patients infected with coronavirus. Res Soc Develop. 2020;9(8):e24298 5687. DOI https://doi.org/10.33448/rsd-v9i8.5687
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,77. Silva MR, Costa FPR, Barbosa Jr L, Moreira S, Galvão RG, Silva AV. Complicações neurológicas do SARS-CoV-2. Braz J Hea Rev. 2020;3(5):14810-29. DOI https://doi.org/10.34119/bjhrv3n5-274
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A contaminação pelo vírus SARS-CoV-2 é desenca-deada pela ligação da sua proteína Spike à enzima con-versora de angiotensina 2 (ECA 2), a qual tem afinidade principalmente pelas células epiteliais alveolares (pul-monar), podendo acometer outras células do corpo, o que justifica o comprometimento nos sistemas digestivo, cardiovascular e nervoso.88. Gomes AS, Medeiros Filho OB, Sousa MNA. Associação entre o COVID-19 e manifestações neurológicas. Braz J Develop. 2020;6(11):88950-61. DOI https://doi.org/10.34117/bjdv6n11-350
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Os neurônios e células da glia são potencialmente afetados pelo vírus SARS-CoV-2, logo o sistema nervoso torna-se alvo do patógeno, causando-lhe danos ou alte-rações neurológicas como neuralgia, encefalopatia, me-ningite, encefalite, doenças cerebrovasculares agudas, além de sinais e sintomas como cefaleia, tontura, redu-ção do nível de consciência, alteração do olfato (anosmia, hiposmia) e do paladar (hipogeusia). A fisiopatologia da COVID-19 no sistema nervoso é complexa, pois há também o envolvimento de fatores autoimunes multifatoriais, causando neuroinflamação, seguida de gran-de liberação de citocinas inflamatórias, com grandes al-terações sistêmicas.99. Guardia Jr MT, Campos NES, Philippart KS, Shiraishi LS, Ribeiro LD, Tauyr LV. Doença neurológica como complicações da COVID-19: uma revisão da literatura. Estud Av Saude Natur. 2021;1:115-27. Link https://www.periodicojs.com.br/index.php/easn/article/view/201
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,1010. Gomes AS, Medeiros Filho OB, Sousa MNA. Associação en-tre o COVID-19 e manifestações neurológicas. Braz J Develop. 2020;6(11):88950-61. DOI https://doi.org/10.34117/bjdv6n11-350
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É importante compreender as complicações neuro-lógicas da COVID-19 para contribuir com as produções científicas na área, bem como com as discussões das estratégias de tratamento e provisão de pacientes nos sistemas de saúde, principalmente para a população sobrevivente da doença, que se tornou neurosequelada e que deixou de ser ativa economicamente na sociedade em decorrência das sequelas motoras temporárias ou permanentes. O objetivo desta pesquisa, portanto, é verificar quais as complicações neurológicas em pacientes pós-COVID-19 e a associação das mesmas com com-plicações clínicas, período de internação, proveniência e comorbidades.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional descritivo, realizado nas enfermarias COVID-19 do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão Unidade Presidente Dutra (HUUFMA-UPD), na cidade de São Luís, estado do Maranhão, sendo este aprovado pelo Comitê de Ética da UFMA, sob o número 5.558.765. Solicitou-se a dispensa de termo de consentimento livre e esclarecido, visto que a coleta de dados foi realizada por meio da investigação de prontuários.

Os critérios de inclusão para o presente estudo fo-ram: pacientes acima de 18 anos, de ambos os sexos, internados no HUUFMA-UPD, nos setores das enfermarias COVID-19, com diagnóstico confirmado de COVID19 no período de março de 2020 a março de 2022 (Figura 1). Os critérios de não inclusão foram: prontuá-rios com informações insuficientes para responder às perguntas do questionário da pesquisa.

Figura 1
Fluxograma da análise dos prontuários de pacientes com suspeita de COVID-19 de março de 2020 a março de 2022.

Foram coletados dados dos prontuários referentes à identificação, situação socioeconômica e demográ-fica, diagnóstico, comorbidades, tempo de internação, complicações neurológicas, sequelas motoras, exames complementares e complicações clínicas. As variáveis sociodemográficas foram idade, etnia, sexo, nível de escolaridade, estado civil, renda familiar e ocupação. Para isso, formulou-se um processo via Sistema Ele-trônico de Informações (SEI) destinado à Gerência de Atenção à Saúde (GAS) do HUUFMA, para acessar a lista dos pacientes com seus respectivos números de prontuário. Em seguida, na plataforma Aplicativo de Gestão para Hospitais Universitários (AGHU), realizou-se o levantamento dos dados com a utilização de um questionário elaborado pelos pesquisadores.

Os pacientes selecionados para pesquisa tiveram o diagnóstico de COVID-19 confirmado por exames de reverse-transcriptase polymerase chain reaction (RTPCR) e/ou sorologia positivos, a partir dos sinais e sin-tomas detectados na avaliação médica. Com relação às complicações neurológicas da fase aguda ou subagu-da da COVID-19, estas foram confirmadas por meio de exames de neuroimagem e/ou outros complementares padrão-ouro, por meio de tomografia computadorizada, rssonância magnética, coleta de líquor cefalorraquidia-no, eletroneuromiografia e eletroencefalograma.1111. Afonso TO, Santos SL, Silva RKB, Souza DRF, Araújo GB, Carvalho IO, et al. Síndrome de Guillain-Barré na síndrome pós-COVID-19: revisão de literatura. Res Soc Develop. 2021; 10(7):e18910716480. DOI https://doi.org/10.33448/rsd-v10i7.16480
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12. Barreto AD, Nascimento ALP, Rocha FP, Souza HJS, Macedo IB, Reis LEV, et al. Encefalopatia relacionada a COVID-19: uma revisão narrativa. Braz J Health Rev. 2021;4(5):21193-203. DOI https://doi.org/10.34119/bjhrv4n5-214
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-1313. Alves LF, Oliveira KP, Amorim GEDP, Ribeiro TC, Silva GVR, Câmara MF, et al. Aspectos do AVE isquêmico: uma revisão bibliográfica. Braz J Health Rev. 2022;5(2):4098-113. DOI https://doi.org/10.34119/bjhrv5n2-009
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Análise estatística

Para a análise dos dados foram utilizados os proce-dimentos usuais da estatística descritiva, tais como dis-tribuição de frequência absoluta (n) e relativa (%). Para testar a associação entre as variáveis sociodemográ-ficas e clínicas com as complicações neurológicas dos pacientes, realizou-se análise bivariada por meio dos testes qui-quadrado de Pearson e exato de Fisher. Os dados foram exportados do Google Forms para a pla-nilha eletrônica Microsoft Excel Office e analisados no programa IBM Statistical Package for the Social Sciences versão 20.0. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05).

Resultados

A amostra foi composta de 162 prontuários, sendo 63% homens e 37% mulheres, com idade entre 18 e 90 anos, que apresentaram com maior prevalência idade entre 30 a 39 anos (21%) e etnia parda (61,1%). Entre os participantes, 44,4% eram de São Luís e a maioria possuía ensino médio completo e ensino superior completo, com 38,3% e 22,2%, respectivamente. Em relação à ocupação, 30,9% eram empregados, sendo a renda familiar entre 1 a 3 salários mínimos (80,9%) a mais frequente (Tabela 1).

Tabela 1
Perfil sociodemográfico dos pacientes com diagnóstico de COVID-19 internados no HUUFMA-UPD de março/2020 a março/2022

Grande parte dos pacientes era procedente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), correspondendo a 61,1%, com período de internação na enfermaria de 1 a 7 dias (40,7%) e de internação hospitalar total de 8 a 15 dias (40,1%). Entre as comorbidades, a hipertensão arterial foi a que apresentou maior prevalência (60,3%). A prevalência das complicações neurológicas foi de 12,3%, sendo o acidente vascular encefálico o mais incidente (45%). Em relação às sequelas motoras, a tetra-paresia (50%) foi a mais prevalente, seguida da hemi-paresia (35%). Em relação às complicações clínicas, a traqueostomia e a sonda nasoenteral foram as mais prevalentes, com 88,2% e 76,5% respectivamente, con-forme a Tabela 2.

Tabela 2
Perfil clínico dos pacientes com diagnóstico de COVID-19 internados no HUUFMA-UPD de março/ 2020 a março/2022

Entre as variáveis analisadas, o tempo total de in-ternação e na enfermaria e as complicações clínicas apresentaram relação significativa com as complica-ções neurológicas, não havendo relação apenas com a proveniência e comorbidades (Tabela 3).

Tabela 3
Associação do perfil clínico da COVID-19 com as complicações neurológicas dos pacientes internados no HUUFMA-UPD de março/ 2020 a março/2022

Discussão

Neste estudo, com 162 pacientes infectados com COVID-19, a maioria era do sexo masculino e a faixa etária mais acometida foi entre 30 e 39 anos (21,0%). Estes dados corroboram os estudos de Flores-Silva et al.1414. Flores-Silva FD, García-Grimshaw M, Valdés-Ferrer SI, Vigue-ras-Hernández AP, Domínguez-Moreno R, Tristán-Samaniego DP, et al. Neurologic manifestations in hospitalized patients with COVID-19 in Mexico City. PLoS One. 2021;16(4):e0247433. DOI https://doi.org/10.1371%2Fjournal.pone.0247433
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e de Romero-Sánchez et al.,1515. Romero-Sánchez CM, Díaz-Maroto I, Fernández-Díaz E, Sánchez-Larsen Á, Layos-Romero A, García-García J, et al. Neu-rologic manifestations in hospitalized patients with COVID-19: The ALBACOVID registry. Neurology. 2020;95(8):e1060-70. DOI https://doi.org/10.1212/wnl.0000000000009937
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que encontraram pessoas do sexo masculino e idade economicamente ativa acometidas pela COVID-19. A etnia autodecla-rada prevalente foi a parda (61,1%) e a maioria era natural da cidade de São Luís (44,4%). Vale ressaltar que entre os 19,8% pacientes admitidos no HUUFMA-UPD provenientes de outros estados, a maior parte era do Amazonas, em decorrência da falta de oxigênio e do colapso na sua rede de saúde.

Referente ao nível de escolaridade, o ensino médio completo obteve a maior frequência, correspondendo a 38,3%. Em relação à ocupação profissional, a maior parte da amostra era formada por uma população economicamente ativa (30,9% empregados e 30,2% autô-nomos) que, com o surgimento da pandemia, subme-teu-se ao risco de contaminação por COVID-19 em bus-ca de sustento para a sua família. Em relação à renda, a maior prevalência foi de 1 a 3 salários mínimos, com 80,9%, que correspondeu aos pacientes que possuíam principalmente o ensino médio completo, visto que esse nível de escolaridade não possibilita uma maior variação de renda.

Dos pacientes internados nas enfermarias COVID-19, 61,1% foram provenientes da UTI, dado este que pode justificar as complicações clínicas encontradas, tais como a traqueostomia, presente em pacientes que necessitaram de ventilação mecânica invasiva por um período prolongado na UTI, uso de sonda nasoenteral ou da gastrostomia para garantir o suporte nutricional adequado, e presença da lesão por pressão, ferimento na pele decorrente do tempo de imobilidade do paciente no leito, principalmente em decorrência da necessidade de ventilação mecânica e do uso de sedativos. Estas complicações clínicas mostram associação significativa com os pacientes que apresentaram complicações neu-rológicas (p = 0,001), assim como houve associação das complicações neurológicas com o tempo total de internação hospitalar (p = 0,001) e tempo de internação na enfermaria (p = 0,001), dados que corroboram o estudo de Frontera et al.1616. Frontera JA, Sabadia S, Lalchan R, Fang T, Flusty B, Millar-Vernetti P, et al. A prospective study of neurologic disorders in hospitalized patients with COVID-19 in New York City. Neurology. 2021;96(4):e575-86. DOI https://doi.org/10.1212/wnl.0000000000010979
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Os pacientes com COVID-19 que apresentaram complicações neurológicas tiveram maior tempo de internação hospitalar, com tempo médio de 60 dias ou mais, o que reflete a associação com as complicações clínicas e motoras adquiridas ao decorrer da hospitalização. Em relação ao tempo de internação nas enfermarias, 40,7% dos pacientes com COVID-19 ficaram internados de 1 a 7 dias; neste grupo estavam aqueles sem complicações neurológicas e clínicas, que obtive-ram alta da UTI com quadro clínico estável. Já os pacientes que tiveram um período total de internação hospitalar de 8 a 15 dias (40,1%) refletem aqueles que não necessitaram de suporte de ventilação mecânica, mesmos provenientes da UTI.

Entre as comorbidades mais presentes nos pacien-tes internados, a hipertensão e diabetes foram as mais frequentes, dados estes que se assemelham ao estudo de Frontera et al.1616. Frontera JA, Sabadia S, Lalchan R, Fang T, Flusty B, Millar-Vernetti P, et al. A prospective study of neurologic disorders in hospitalized patients with COVID-19 in New York City. Neurology. 2021;96(4):e575-86. DOI https://doi.org/10.1212/wnl.0000000000010979
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Outra comorbidade frequente foi a doença renal crônica, que se justifica pelo fato do HUUFMA-UPD ser um centro de referência em saúde renal, ao qual muitos dos pacientes eram admitidos diretamente da hemodiálise ou transplante renal da unidade. Além disso, destaca-se que a maioria dos pacientes com doença renal crônica apresentaram uma ou mais comorbidades, mas não apresentaram asso-ciação significativa com as complicações neurológicas.

A frequência de complicações neurológicas de pa-cientes pós-COVID-19 hospitalizados no HUUFMA-UPD (12,3%) foi semelhante àquela encontrada no estudo de Heneka et al.,1717. Heneka MT, Golenbock D, Latz E, Morgan D, Brown R. Immediate and long-term consequences of COVID-19 infec-tions for the development of neurological disease. Alzheimers Res Ther. 2020;12(1):69. DOI https://doi.org/10.1186/s13195-020-00640-3
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(13,5%). Tais complicações, como o acidente vascular encefálico, encefalite e poli-neuropatia, associadas à lesão por pressão, ao uso de sonda, à nasoenteral, gastrostomia e traqueostomia, que muitas vezes se apresentavam de forma simultâ-nea, favorecem o aumento do tempo de internação hospitalar, gerando mais custos, mais risco de novas infeccções aos pacientes em situação vulnerável e, consequentemente, atraso na desospitalização e rotati-vidade do leito. Além disso, a internação hospitalar contribui muito para a imobilidade do paciente, diminu-indo os estímulos necessários para a recuperação das possíveis sequelas motoras dos pacientes acometidos por complicações neurológicas.

O acidente vascular encefálico foi a complicação neurológica mais frequente, com 45%, o que pode ser explicado pelo fato de a COVID-19 causar alterações de coagulação e, em particular, coagulação intravas-cular disseminada (DIC) induzida por inflamação. Junto à disfunção endotelial, a DIC pode causar isquemia cerebrovascular, mesmo em pacientes jovens, e consequente acidente vascular encefálico isquêmico de gran-des vasos.

Existem várias hipóteses de como o SARS-CoV-2 atinge o sistema nervoso, como essas complicações neurológicas surgirem através de mecanismos imuno-lógicos secundários e do estado inflamatório grave em resposta à infecção e hipoxemia grave promovida pela doença crítica e pelas comorbidades.1717. Heneka MT, Golenbock D, Latz E, Morgan D, Brown R. Immediate and long-term consequences of COVID-19 infec-tions for the development of neurological disease. Alzheimers Res Ther. 2020;12(1):69. DOI https://doi.org/10.1186/s13195-020-00640-3
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Entre os pacientes acometidos por complicações neurológicas, todos apresentaram sequela motora. A tetraparesia, que se caracteriza pela paralisia parcial dos movimentos de membros superiores e inferiores, como sequela da polineuropatia, foi a mais frequente (50%), causando grande limitação física ao paciente e com prognóstico reservado para seu retorno às atividades de vida diária e ao mercado de trabalho, bem como a hemiparesia (35%), presente nos pacientes acometidos por acidente vascular encefálico.

Tal cenário reflete o impacto deletério da COVID-19 na vida do paciente, na rotina de sua família e nos aspectos socioeconômicos, visto que a continuidade do seu tratamento em um centro de reabilitação, além de necessária enquanto direito do cidadão, gera mais gastos ao governo e à própria família até que este paciente tenha seu ganho de autonomia, seja total ou parcial.

Conclusão

A partir desse estudo, pode-se verificar que o acidente vascular encefálico e a polineuropatia foram as complicações neurológicas mais prevalentes em pacientes com COVID-19, complicações estas que geram um grande comprometimento físico, afetando o âmbito pessoal e social. As complicações clínicas e o período total hospitalar e de internação nas enfer-marias apresentaram associação significativa com tais complicações neurológicas.

Diante disso, recomenda-se o desenvolvimento de estratégias de cuidado assistencial para reduzir o tempo de hospitalização, tais como fazer reuniões multipro-fissionais, com o objetivo de definir metas e condutas a serem realizadas para a resolução de problemas, promover protocolos de alta hospitalar segura, garantir atendimento de referência e contrarreferência e otimi-zar as políticas públicas que priorizem e assegurem a dignidade humana, principalmente a dos pacientes neurosequelados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    3 Fev 2024
  • Recebido
    28 Maio 2024
  • Aceito
    5 Ago 2024
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