Resumos
O estado de má nutrição está ligado com a perda de massa muscular que, por sua vez, pode ser responsável pelo mal prognóstico de pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI). A relação entre câncer e estado nutricional tem sido amplamente estudada. No entanto, a relação entre estado nutricional e tempo de permanência em ventilação mecânica invasiva (VMI) em pacientes oncológicos ainda não está totalmente esclarecida. O objetivo do estudo foi verificar a relação do estado nutricional dos pacientes oncológicos em UTI com o tempo de permanência em VMI. Participaram do estudo 57 pacientes que estiveram internados na UTI do Hospital Erasto Gaertner e necessitaram de suporte ventilatório invasivo por no mínimo 48 horas. Foram coletados dados referentes ao gênero, à idade, ao índice de massa corporal (IMC), à localização topográfica do câncer, ao estádio clínico (EC) da doença, ao exame anatomopatológico (AP), ao tratamento realizado, ao motivo de internamento na UTI e ao APACHE II. O diagnóstico de desnutrição encontrado foi de 22,81%, 50,88% eram eutróficos, 14,04% tinham sobrepeso e 12,28% eram obesos. O escore de APACHE II obteve média de 26,4 pontos e taxa prevista de mortalidade de 60%. A média geral de tempo sob VMI foi de 11,2 dias. A correlação entre índice de massa corporal e tempo de permanência sob VMI foi de r=0,076 e p=0,575. Concluímos que a maior parte dos pacientes possui classificação nutricional de eutrofia e tempo de permanência sob VMI elevado. Ainda, o estado nutricional avaliado isoladamente não está relacionado com o tempo de permanência em VMI.
índice de massa corporal; neoplasias; respiração artificial; unidades de terapia intensiva
El estado de mal nutrición está ligado con la pérdida de masa muscular que, por su vez, puede ser responsable por el mal pronóstico de pacientes internados en la unidad de terapia intensiva (UTI). La relación entre cáncer y estado nutricional ha sido ampliamente estudiada. Sin embargo, la relación entre estado nutricional y tiempo de permanencia en ventilación mecánica invasiva (VMI) en pacientes oncológicos todavía no está totalmente esclarecida. El objetivo del estudio fue verificar la relación del estado nutricional de los pacientes oncológicos en la UTI con el tiempo de permanencia en VMI. Participaron del estudio, 57 pacientes que estuvieron internados en la UTI del Hospital Erasto Gaertner y que necesitaron de soporte ventilatorio invasivo por un mínimo de 48 horas. Fueron recolectados los datos referentes al género, edad, índice de masa corporal (IMC), localización topográfica del cáncer, estadio clínico (EC) de la enfermedad, examen anatomopatológico (AP), tratamiento realizado, motivo de internación en la UTI y APACHE II. El diagnóstico de mal nutrición encontrado fue de 22,81%; 50,88% eran eutróficos, 14,04% tenían sobrepeso y 12,28% eran obesos. El score de APACHE II obtuvo una media de 26,4 puntos y la tasa prevista de mortalidad de un 60%. La media general del tiempo de permanencia bajo VMI fue de r=0,076 y p=0,575. Concluimos que la mayor parte de los pacientes tuvo clasificación nutricional de eutrofia y tiempo de permanencia bajo VMI elevada. Además, el estado nutricional evaluado aisladamente no está relacionado con el tiempo de permanencia en VMI.
índice de masa corporal; neoplasias; respiración artificial; unidades de terapia intensiva
Bad nutrition is related with the loss of muscle mass, which, in turn, may be responsible for the poor prognosis of patients in the intensive care unit (ICU). The relationship between nutritional status and cancer has been widely studied. However, the relationship between nutritional status and time spent under invasive mechanical ventilation (IMV) in cancer patients is not yet fully understood. The aim of this study was to investigate the relationship between the nutritional status in cancer patients in the ICU and their time of permanence under IMV. Fifty seven patients admitted to Hospital Erasto Gaertner's ICU on invasive ventilatory support for at least 48 hours were included in this study. Patient data were collected regarding gender, age, body mass index (BMI), topographic location of the cancer, clinical stage of the disease, anatomopathological examination, treatment administered, reason for ICU admission, and APACHE II score. The nutritional diagnosis were malnutrition (22.81%), normal weight (50.88%), overweight (14.04%), and obese (12.28%). The APACHE II score average was 26.4 points and the expected rate of mortality was 60%. The average time on mechanical ventilation was 11.2 days. The correlation between body mass index and time on IMV was r=0.076 and p=0.575. We concluded that most cancer patients' nutritional classification was normal weight, and their time of permanence under IMV was high. Still, when analyzed in isolation, the nutritional status is not related to the time of permanence under IMV.
body mass index; neoplasms; respiration; artificial; intensive care units
PESQUISA ORIGINAL
Relação do estado nutricional e dependência de ventilação mecânica em pacientes críticos oncológicos
Relación entre estado nutricional y dependencia de ventilación mecánica en pacientes críticos oncológicos
Juliana Carvalho SchlederI; Doris Naoko SuzumuraII; Ana Cristina MatioskiIII; Woldir Wosiacki FilhoIV; Cesar CostaV; José Henrique Schetinni WasilewskiVI
IFisioterapeuta; Mestre em Tecnologia em Saúde e Especialista em Fisioterapia Oncológica; Docente do Curso de Fisioterapia do Centro de Ensino Superior dos Campos e Fisioterapeuta do Hospital Regional de Ponta Grossa, Responsável pelo Ensino e Pesquisa do (HEG) - Ponta Grossa (PR), Brasil
IIFisioterapeuta; Especialista em Fisioterapia Oncológica e Mestranda em Fisiologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR); Docente do Curso de Fisioterapia da Faculdade Educacional de Araucária e Fisioterapeuta da Prefeitura Municipal de Quatro Barras - Curitiba (PR), Brasil
IIINutricionista; Especialista em Nutrição Clínica e em Gestão em Serviços de Saúde.; Responsável técnica do Setor de Nutrição do Hospital e Maternidade NovaClínica - Curitiba (PR), Brasil
IVFisioterapeuta; Mestre em Engenharia e Especialista em Fisioterapia Oncológica; Preceptor da Residência em Fisioterapia em Oncologia do HEG - Curitiba (PR), Brasil
VFisioterapeuta; Especialista em Fisioterapia Oncológica; Chefe do Serviço de Fisioterapia do HEG - Curitiba (PR), Brasil
VIMédico Intensivista; Chefe da Unidade de Terapia Intensiva do HEG - Curitiba (PR), Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Juliana Carvalho Schleder Liga Paranaense de Combate ao Câncer Hospital Erasto Gaerter Rua Dr. Ovande do Amaral, 201 CEP: 81520-060 - Curitiba (PR), Brasil E-mail: juschleder@yahoo.com.br
RESUMO
O estado de má nutrição está ligado com a perda de massa muscular que, por sua vez, pode ser responsável pelo mal prognóstico de pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI). A relação entre câncer e estado nutricional tem sido amplamente estudada. No entanto, a relação entre estado nutricional e tempo de permanência em ventilação mecânica invasiva (VMI) em pacientes oncológicos ainda não está totalmente esclarecida. O objetivo do estudo foi verificar a relação do estado nutricional dos pacientes oncológicos em UTI com o tempo de permanência em VMI. Participaram do estudo 57 pacientes que estiveram internados na UTI do Hospital Erasto Gaertner e necessitaram de suporte ventilatório invasivo por no mínimo 48 horas. Foram coletados dados referentes ao gênero, à idade, ao índice de massa corporal (IMC), à localização topográfica do câncer, ao estádio clínico (EC) da doença, ao exame anatomopatológico (AP), ao tratamento realizado, ao motivo de internamento na UTI e ao APACHE II. O diagnóstico de desnutrição encontrado foi de 22,81%, 50,88% eram eutróficos, 14,04% tinham sobrepeso e 12,28% eram obesos. O escore de APACHE II obteve média de 26,4 pontos e taxa prevista de mortalidade de 60%. A média geral de tempo sob VMI foi de 11,2 dias. A correlação entre índice de massa corporal e tempo de permanência sob VMI foi de r=0,076 e p=0,575. Concluímos que a maior parte dos pacientes possui classificação nutricional de eutrofia e tempo de permanência sob VMI elevado. Ainda, o estado nutricional avaliado isoladamente não está relacionado com o tempo de permanência em VMI.
Descritores: índice de massa corporal; neoplasias; respiração artificial; unidades de terapia intensiva.
RESUMEN
El estado de mal nutrición está ligado con la pérdida de masa muscular que, por su vez, puede ser responsable por el mal pronóstico de pacientes internados en la unidad de terapia intensiva (UTI). La relación entre cáncer y estado nutricional ha sido ampliamente estudiada. Sin embargo, la relación entre estado nutricional y tiempo de permanencia en ventilación mecánica invasiva (VMI) en pacientes oncológicos todavía no está totalmente esclarecida. El objetivo del estudio fue verificar la relación del estado nutricional de los pacientes oncológicos en la UTI con el tiempo de permanencia en VMI. Participaron del estudio, 57 pacientes que estuvieron internados en la UTI del Hospital Erasto Gaertner y que necesitaron de soporte ventilatorio invasivo por un mínimo de 48 horas. Fueron recolectados los datos referentes al género, edad, índice de masa corporal (IMC), localización topográfica del cáncer, estadio clínico (EC) de la enfermedad, examen anatomopatológico (AP), tratamiento realizado, motivo de internación en la UTI y APACHE II. El diagnóstico de mal nutrición encontrado fue de 22,81%; 50,88% eran eutróficos, 14,04% tenían sobrepeso y 12,28% eran obesos. El score de APACHE II obtuvo una media de 26,4 puntos y la tasa prevista de mortalidad de un 60%. La media general del tiempo de permanencia bajo VMI fue de r=0,076 y p=0,575. Concluimos que la mayor parte de los pacientes tuvo clasificación nutricional de eutrofia y tiempo de permanencia bajo VMI elevada. Además, el estado nutricional evaluado aisladamente no está relacionado con el tiempo de permanencia en VMI.
Palabras clave: índice de masa corporal; neoplasias; respiración artificial; unidades de terapia intensiva.
INTRODUÇÃO
O câncer provoca esgotamento das reservas nutricionais, o que resulta em perda ponderal1. A perda de massa corporal indica que a desnutrição e a caquexia associam-se à diminuição da resposta ao tratamento específico e à qualidade de vida, favorecendo maior risco de infecção e aumento da morbi-mortalidade2.
Quando os pacientes estão sob cuidados intensivos, a desnutrição é considerada alarmante e um fator de risco independente para a sobrevida, pois um aporte nutricional inadequado às necessidades do organismo ocasiona alterações na composição corporal, o que gera uma diminuição da massa muscular3, afetando inclusive o diafragma e intercostais.
O sistema respiratório é um dos mais afetados3 devido aos efeitos de depleção nutricional sobre suas proteínas musculares3-5. Os distúrbios minerais, eletrolíticos e energéticos, decorrente da desnutrição em nível muscular, são responsáveis pela diminuição da contratilidade dos músculos6 e afeta negativamente a estrutura, a elasticidade, a função, a massa muscular, a força, a resistência e os mecanismos de defesa imunológica pulmonar e o controle da respiração7,8.
De acordo com Mota et al.9, o comprometimento do sistema respiratório, secundário à desnutrição, induz a redução de massa celular corporal, podendo levar à fadiga muscular e, consequentemente, à insuficiência respiratória aguda. Ainda, segundo Laaban10, a redução da capacidade em manter níveis adequados de ventilação tem consequências clínicas importantes na insuficiência respiratória que leva à menor resistência muscular, aos esforços e à dificuldade para o desmame da ventilação artificial.
O tratamento da insuficiência respiratória aguda dispõe de diversos recursos, entre eles a ventilação mecânica invasiva (VMI)11. A utilização da VMI agrava a desnutrição e prolonga a permanência hospitalar que, por sua vez, favorece o desenvolvimento da má nutrição calórica-proteica nos pacientes12, resultando numa perda de massa magra corporal13, fechando assim, um ciclo vicioso.
A ligação da má nutrição com a perda muscular e o mal prognóstico está bem elucidada na literatura, no entanto, a relação entre o estado nutricional e o tempo de permanência na VMI ainda não estão totalmente esclarecidos. Portanto, o objetivo desse estudo é verificar a relação do estado nutricional dos pacientes oncológicos em terapia intensiva com o tempo de permanência em ventilação mecânica invasiva.
METODOLOGIA
Esse estudo retrospectivo descritivo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Erasto Gaertner (HEG) sob o número de registro 1853.
Foram incluídos 61 prontuários de pacientes que estiveram internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do HEG, no período de janeiro de 2007 a junho de 2010, que necessitaram de suporte ventilatório invasivo por no mínimo 48 horas, e que possuíam diagnóstico nutricional feito pelo serviço de nutrição do hospital baseado no Índice de Massa Corporal (IMC)14, obtido a partir da divisão da massa corporal pela estatura ao quadrado. Estes valores antropométricos foram mensurados com o paciente em pé sobre uma balança biométrica devidamente calibrada, num período não superior a dois meses da internação na UTI, pois se entende que as possíveis variações destes valores no período de sessenta dias não afetem significativamente o resultado final. Em adultos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs os pontos de corte do IMC de 18,5, 25 e 30 kg/m2 para o diagnóstico de desnutrição, sobrepeso e obesidade, respectivamente15.
Foram excluídos do estudo quatro pacientes, devido três não apresentarem diagnóstico neoplásico fechado e outro por não apresentar registros suficientes nos prontuários, ficando a amostra constituída por 57 pacientes.
Nos prontuários foram coletados dados como: gênero; idade; IMC; localização topográfica do câncer; estádio clínico (EC) da doença; exame anatomopatológico (AP); tratamento realizado; motivo de internamento na UTI e APACHE II (Acute Physiology And Chronic Health Evaluation II), que é uma medida do índice de gravidade de pacientes em UTI, utilizada geralmente nas primeiras 24 horas de internamento para avaliar o risco de óbito e o prognóstico dos pacientes16; risco de mortalidade estimada; uso de sedativos; tempo sob ventilação mecânica e desfecho do internamento na UTI.
Os critérios para desmame da VMI, utilizados em todos os pacientes, seguiram as orientações do III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica17, e consistiam em pacientes conscientes, estáveis hemodinâmicamente, sem uso de drogas vasoativas, pacientes que conseguissem permanecer em ventilação espontânea (PSV de 8 - 7 cmH2O e CPAP de 5 cmH2O) normocárdicos, normotensos, eupnéicos, com saturação periférica de oxigênio maior que 90% a uma fração inspiração de oxigênio de 0,4, em equilíbrio ácido básico e com relação pressão parcial de oxigênio e fração inspirada de oxigênio maior que 200.
A análise estatística foi feita por cálculos de frequências, médias e desvio padrão. Em casos onde o desvio padrão incluía os indivíduos em classificações diferentes das médias, foi utilizada mediana. As associações foram avaliadas por meio dos cálculos dos coeficientes de correlação e significância, com auxílio do software Statistical Package for Social Science (SPSS) for Windows® na versão 20.0.
RESULTADOS
A amostra ficou constituída de 57 pacientes, 61,40% do gênero masculino e 38,60% do gênero feminino. A idade média foi 57,2 (±15,84) anos.
A mediana do IMC foi 21 com moda igual a 20. Com base nessa avaliação, o diagnóstico nutricional traçado da amostra foi que 22,81% eram desnutridos, 50,88% eram eutróficos, 14,04% tinham sobrepeso e 12,28% eram obesos.
A distribuição e frequência topográfica das neoplasias primárias da amostra podem ser observadas na Tabela 1.
O EC IV foi o mais frequente, com 22,81% dos casos, seguido do EC III (19,30%) e por último EC II (10,53%). No entanto, 47,37% dos pacientes não tinham EC descrito no prontuário.
Em relação ao tipo histológico, o carcinoma foi o mais frequente (41,38%), seguido pelo adenocarcinoma (22,41%), linfoma com 8,62% e leucemia em 3,45% dos casos. Adenoma, glioblastoma, mieloma e pineocitoma representaram menos de 2% cada. Ainda, 17,24% dos prontuários analisados não haviam registros do tipo histológico dos pacientes.
Dos 57 pacientes, 71,92% foram submetidos a tratamento cirúrgico. Destes, 43,90% realizaram também tratamento quimio ou radioterápico.
Os motivos de internamento na UTI foram pós-operatório imediato, 47,37% dos casos, seguido de complicações clínicas como insuficiência respiratória e queda do nível de consciência, que somaram 35,09%, e parada cardiorrespiratória, 17,54%.
O escore de APACHE II obteve média de 26,4 (±8,51) pontos e taxa prevista de mortalidade obteve média de 60% (±0,24). E a média geral do tempo sob ventilação mecânica foi de 11,2 (±8,84) dias.
Os pacientes permaneceram, em média, 172 horas em uso de sedativo com midazolam em infusão contínua, e 183 horas em uso de fentanil combinado para analgesia. Em relação ao uso de bloqueadores musculares, utilizados em 54,4% dos pacientes, ele foi reservado para situações específicas de intubação endotraqueal, no cálculo da PEEP ideal, e recrutamento alveolar, nos casos de síndrome da angústia respiratória aguda.
Os valores encontrados na verificação de correlações, obtida através do teste paramétrico de Pearson, entre as variáveis estudadas, estão escritas na Tabela 2.
Em relação ao desfecho do suporte intensivo, 31,58% dos pacientes receberam alta da UTI e 68,42% foram a óbito.
O desfecho dos pacientes do grupo desnutrido foi três altas da UTI e dez óbitos. A evolução dos pacientes eutróficos deu-se com 10 altas da UTI e 19 óbitos. O grupo de pacientes com sobrepeso teve desfecho com duas altas da UTI e seis óbitos. Dos pacientes obesos, três receberam alta da UTI e quatro foram a óbito. As características desses grupos nutricionais podem ser observadas na Tabela 3.
DISCUSSÃO
No presente estudo, houve uma predominância do gênero masculino com idade média de 57,2 (±15,84) anos, dados semelhantes aos de outros estudos18,19. A neoplasia primária mais incidente foi de esôfago, seguido pela de sistema sanguíneo e orofaringe tratando-se, em sua maioria, de pacientes no pós-operatório imediato de cirurgias de urgência e eletivas. Este resultado pode ser devido ao protocolo das cirurgias de compartimento abdominal superior e torácico utilizado na instituição onde os pacientes são encaminhados à UTI no pós-cirúrgico imediato devido à maior incidência de morbidade e mortalidade de causa respiratória20,21.
A média do escore do APACHE II foi de 26,40 pontos com taxa prevista de mortalidade média de 60%. Com esse resultado, pode-se observar que o APACHE II maior tem correlação direta com aumento da mortalidade. De acordo com um estudo22 realizado durante 13 meses na UTI geral do Hospital São Paulo, onde foram selecionados 520 pacientes e aplicado o índice de prognóstico APACHE II, os pacientes com pontuação acima de 25 apresentam evolução significativa para o óbito.
Alterações do balanço hídrico estão comumente associadas ao paciente crítico, provocando modificações significativas na massa corporal. Deste modo, a utilização de dados antropométricos no período que se segue a internação na UTI pode levar a interpretação equivocada do estado nutricional. Os dados de IMC utilizados neste estudo foram de avaliações realizadas em um período de até 60 dias antes da internação na UTI, considerando que as distorções ou alterações deste índice na evolução de dois meses não comprometeriam significativamente o resultado final.
Alguns estudos13,26-28 sugerem que a inclusão do IMC em escores preditores de mortalidade deveria ser considerada.
Um estudo26 conduzido em seis UTIs gerais avaliou a associação entre mortalidade e IMC em 1.698 pacientes internados em UTI, divididos em quatro grupos com base no IMC: <18,5; 18,5 - 24,9; 25 - 29,9; e >30 kg/m2. Aproximadamente metade dos pacientes apresentou IMC normal, 10% estavam abaixo do peso e 40% com sobrepeso, observando-se mortalidade significativamente maior em pacientes com IMC<18,5 kg/m2 e IMC>30, como fator de proteção de mortalidade. De acordo com Fontoura et al.13, estudos analisados apresentaram o IMC como um bom método de avaliação e, portanto, concluiu-se que baixo IMC é um preditor de mortalidade, e que alto IMC parece estar associado com resultados favoráveis, independente dos preditores convencionais. Entretanto, Goulenok et al.27 mostrou aumento na mortalidade hospitalar em pacientes obesos mórbidos (IMC>40 kg/m2) e Cislagui et al.28 afirmou em seu estudo que um IMC>27 kg/m2 é preditivo de aumento na mortalidade, associado com tempo prolongado em UTI, aumento na gravidade da doença e maior taxa de mortalidade, não sendo obeservada diferença no tempo de ventilação mecânica. Com base nisso, pesquisas que avaliaram a influência do IMC, envolvendo pacientes em estado crítico, têm mostrado resultados variados. Ainda, a maioria desses estudos salienta as limitações do método, visto que pacientes críticos têm seu peso alterado devido às alterações dos compartimentos intra e extracelulares13.
Avaliando-se aspectos de cada método de avaliação nutricional para pacientes graves, foi visto que não há consenso entre os autores sobre o melhor método de avaliação, não sendo aconselhável a eleição de uma única técnica de avaliação, especialmente quando o foco é o paciente em terapia intensiva13.
A maior prevalência do diagnóstico nutricional foi de pacientes eutróficos, seguido pela desnutrição, sobrepeso e obesidade, sendo o IMC médio de 22,47 kg/m2. Resultado diferente foi encontrado por Andréjak et al.23, que observou um IMC médio de 26±4 kg/m2 em um estudo onde foram avaliadas as complicações secundárias à internação e fatores associados à mortalidade de pacientes com câncer de pulmão avançado admitidos em duas UTIs de hospitais universitários.
A falta de correlação do IMC com o APACHE II e a taxa de mortalidade encontrada também foi relatada em outro estudo24, o qual avaliou o efeito do IMC nas complicações secundárias da internação em uma UTI geral. Foram avaliados 2.148 pacientes divididos em cinco grupos de acordo com o IMC: baixo peso (IMC<20 kg/m2), normal (20 a 24,9 kg/m2), sobrepeso (25 a 29,9 kg/m2), obeso (30 a 39,9 kg/m2) e obeso severo (≥40 kg/m2). Os autores concluiram que o aumento do IMC não está relacionado com aumento da morbidade e mortalidade em pacientes em UTI, não devendo o IMC ser considerado um fator preditivo de mortalidade.
No entanto, num outro estudo realizado por Garrouste-orgeas et al.25 de análise multicêntrica, que avaliou o impacto do IMC na evolução de 63.646 pacientes críticos não oncológicos classificados em baixo peso (IMC<20), normal ou controle (20 - 24,9 kg/m2), sobrepeso (25 - 30 kg/m2), obesos (30 - 40 kg/m2) e obeso severo (>40 kg/m2), observou-se mortalidade aumentada em pacientes com baixo IMC associado à pior estado funcional na alta hospitalar.
O tempo médio sob ventilação mecânica encontrado nesse estudo (Tabela 3) pode ser considerado um tempo prolongado de permanência, pois está na faixa entre 8 horas até 7 - 14 dias18. Porém, não foi observada correlação entre o IMC e o tempo de permanência em VMI. Acredita-se que seja devido ao tempo de permanência em VMI estar relacionado a outros fatores, como idade, performance status, estadio clínico da doença, força muscular respiratória e falência de órgãos29-31, e não ao estado nutricional determinado pelo IMC, que é uma medida subjetiva, não quantificando comprometimento muscular, que interferiria no tempo de permanência na VMI.
O estudo mostrou que há uma alta taxa de mortalidade (Tabela 3) que, no entanto, não foi influenciada pelo tempo de permanência na VMI. Valor semelhante ao estudo de Depuydt et al.32, que observaram uma taxa de mortalidade de 65% em ambos os grupos, dos pacientes com doença hematológica maligna que tinham insuficiência respiratória aguda (IRA) e receberam ventilação não-invasiva (VNI) e dos que receberam VMI. Em alguns estudos33,34, a necessidade de VMI tem sido considerada um dos fatores associados ao óbito de pacientes com câncer. Acredita-se que essa não correlação seja devido ao fato de a presente pesquisa envolver apenas pacientes que necessitaram de VMI por mais de 48 horas, ou seja, a gravidade do quadro geral do paciente era mais elevada e mais homogênea, se comparada a uma amostra que apresente pacientes não intubados associados.
Outra questão importante é o tempo entre a admissão na UTI e a data da intubação. Segundo Groeger et al.35, pacientes oncológicos que desenvolvem IRA necessitando de VMI por mais de 24h após a internação apresentam uma taxa prevista de mortalide duas vezes maior do que pacientes que foram ventilados mecanicamente no prazo de 24 horas de internação.
No presente estudo não foi observada diferença em relação aos grupos de IMC e o desfecho dos pacientes. Isto se explica devido a todos os grupos estarem expostos, na mesma proporção, à presença de infecção, ao desenvolvimento de falência de múltiplos órgãos, à necessidade de VMI e à severidade da doença, que são fatores prognósticos de mortalidade nos doentes com câncer30,31,36.
Devido ao número da amostra, não foi possível separar os tipos de canceres e os estadiamentos clínicos, para verificar se a relação entre o tempo de permanência na VMI e estas duas variáveis. Por se tratar de um estudo retrospectivo, não foram coletados exames laboratoriais de dosagem de creatinina e aplicado teste de função pulmonar para quantificação do consumo de massa muscular e determinação prévia do perfil pulmonar.
Dessa forma, acredita-se que a realização de estudos prospectivos seja essencial para elucidar os resultados aqui obtidos ou expandi-los, incluindo variáveis como função pulmonar, níveis séricos de creatinina e acrescentar experiências de outras UTIs oncológicas, aumentando o número da amostra e o poder estatístico da pesquisa.
CONCLUSÃO
O estado nutricional, determinado pelo IMC, de pacientes oncológicos internados na UTI, quando avaliado isoladamente, não está relacionado com o tempo de permanência em VMI.
Apresentação: maio 2012
Aceito para publicação: jun. 2013
Fonte de financiamento: nenhuma
Conflito de interesse: nada a declarar
Parecer de aprovação no Comitê de Ética nº PP1853.
Estudo desenvolvido no Setor de Fisioterapia do Hospital Erasto Gaertner (HEG) - Curitiba (PR), Brasil
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Ago 2013 -
Data do Fascículo
Jun 2013
Histórico
-
Recebido
Maio 2012 -
Aceito
Jun 2013