Acessibilidade / Reportar erro

Programa Nacional de Inclusão de Jovens: possibilidades e contribuições na perspectiva dos adolescentes participantes

National Program for Inclusion of Young People: possibilities and contributions from the perspective of the participating adolescents

Resumo

O presente estudo objetiva discutir o processo socioeducativo do Programa Nacional de Inclusão de Jovens, na modalidade Projovem Adolescente (PJA), utilizando como recorte a perspectiva dos adolescentes participantes da cidade de Natal/RN. Para tanto, foram realizados três grupos focais com adolescentes participantes. Os resultados trataram sobre: as concepções dos jovens sobre adolescência e juventude, a participação nas ações socioeducativas e as possibilidades e contribuições do PJA em seus contextos de vida. Verificou-se a importância de dar voz aos jovens participantes para proporcionar uma reflexão sobre o modo como as políticas públicas juvenis têm atingido seu público, considerando as questões e perspectivas apresentadas pelos jovens como ferramentas a serviço das juventudes na construção de políticas democráticas e efetivas.

Palavras-chave:
Projovem Adolescente; juventude; políticas públicas

Abstract

This study aims to discuss the socio-educational process of the National Program for Inclusion of Young People, in the Projovem Adolescente (PJA) modality, using as clipping the perspective of the adolescents in the city of Natal / RN. Thus, we conducted three focus groups with participants adolescents. The results have treated about: the views of young people about adolescence and youth, participation in social and educational activities and the possibilities and PJA contributions in their life contexts. It was verified the importance of giving voice to young participants to provide a reflection on how youth policies have reached your audience, considering the issues and perspectives presented by young people as tools in the service of youth in building democratic and effective policies.

Keywords:
Projovem Adolescente; youth; public policies

Introdução

A partir dos diagnósticos das vulnerabilidades da condição juvenil contemporânea, as Políticas Públicas de Juventude têm ganhado maior força e um lugar mais definido nas pautas das demandas e conquistas sociais. Faz-se necessário, então, direcionar atenção para essas Políticas Públicas, a fim de promover uma reflexão sobre como ocorre a sua execução no âmbito do seu público alvo.

Lançar um olhar sobre a juventude na contemporaneidade, a partir de um enfoque crítico, significa conceber a noção de juventude como uma construção social, cultural e histórica, que só pode ser definida a partir de suas múltiplas relações e contextos sociais.

Desse modo, pensar o conceito de juventude é pensar sobre a diversidade de vivências a partir dos condicionantes de classe social, gênero, raça, moradia, entre outras condições. Sob o mesmo enfoque, refletir sobre as políticas públicas voltadas para esses jovens denota entender tais políticas para além da prestação de serviços e da realização de ações em benefício dos jovens. Assim, faz-se necessário entender que as políticas públicas para a juventude fazem parte de uma totalidade e refletem uma concepção de jovens e de formas de se lidar com eles, amparadas pelo cenário sócio-econômico-político excludente e desigual vigente no País. É através dessa ótica ampliada que se pretende analisar as questões e perspectivas apresentadas pelos jovens, considerando-as como ferramentas a serviço das juventudes na construção de políticas democráticas.

Este artigo centraliza sua análise no Projovem Adolescente (PJA), uma das modalidades de execução do Programa Nacional de Inclusão de Jovens - PROJOVEM - que se destina ao atendimento de jovens com específica faixa etária entre 15 a 17 anos, com caráter assistencial e socioeducativo. É uma ação que integra a Política Nacional de Juventude (PNJ) e a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), compondo o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Definir juventude não é tarefa simples e faz emergir a necessidade de se discutir diversos conceitos, os quais são complexos e, por vezes, até contraditórios. Considera-se que se trata de uma noção construída a partir das condições e processos de socialização vivenciados por essa parcela da população. Nesse sentido, não há um único conceito que dê conta de sistematizar a juventude. Segundo a Comisión Económica para América Latina y el Caribe, apesar do crescente incremento de pesquisas sobre a juventude e de sua inclusão nas agendas políticas, ainda continua sendo “una tarea compleja, tanto para el mundo académico como para los gobiernos, delimitar una categoría de juventud que permita establecer cuáles son los límites de esta etapa de la vida y cómo visibilizar sus particularidades sociohistóricas y necesidades” (CEPAL, 2004CEPAL. OIJ. COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE; ORGANIZACIÓN IBEROAMERICANA DE JUVENTUD. La juventud en iberoamérica: tendencias y urgencias. Santiago: CEPAL / OIJ, 2004., p. 290).

Nesse debate, ainda há que se esclarecer a existência e o uso simultâneo dos termos, ‘adolescência’ e ‘juventude’, os quais podem tanto se sobrepor, como constituir campos distintos, mas que se complementam. As diferenças e os atrelamentos entre os dois termos não são tão explícitos, o que, muitas vezes, pode gerar disputas e divergências de opiniões na formulação de políticas para esses segmentos.

O conceito de adolescência também pode ser polêmico e relativo, pois é bastante discutido que sua existência como lugar e função social varia em diferentes contextos sociais e históricos, chegando até a inexistir em algumas culturas. Assim, é válido ponderar a existência tanto da juventude como da adolescência como sendo variante de acordo com a condição social de classe (TRASSI; MALVASSI, 2010TRASSI, M. L.; MALVASSI, P. A. Violentamente pacíficos. São Paulo: Cortez, 2010.).

Diversos são os autores que discutem a noção de juventude, definindo-a como ambígua, diversa e, por vezes, controversa (TRASSI; MALVASSI, 2010TRASSI, M. L.; MALVASSI, P. A. Violentamente pacíficos. São Paulo: Cortez, 2010.; JACCOUD; HADJAB; ROCHET, 2009JACCOUD, L.; HADJAB, P. D. E.; ROCHET, J. A política de assistência social e a juventude: um diálogo sobre a vulnerabilidade social? In: CASTRO, J. A.; AQUINO, L. M. C.; ANDRADE, C. C. (Org.). Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília: IPEA, 2009. p. 167-191.). Sposito (2003SPOSITO, M. P. Os jovens no Brasil: desigualdades multiplicadas e novas demandas políticas. São Paulo: Ação Educativa , 2003.) defende que, parte dessa imprecisão, pode ser decorrente da sobreposição indevida entre a fase de vida - juventude - e os sujeitos concretos - os jovens. Os dois aspectos são considerados importantes neste texto, pois é preciso considerar que os jovens são diferentes entre si, mas são também sujeitos que vivem em um determinado contexto social, econômico e político.

E por mais diferentes que os jovens sejam entre si, vivenciando e significando de múltiplas formas os fenômenos atuais, é inegável que todos vivem um momento bastante singular e com significados próprios. Na sociedade atual, a juventude se reveste de conteúdos muito particulares e de grande intensidade, sendo sua singularidade a característica que pode tornar a juventude visível como uma categoria social (FREITAS, 2005FREITAS, M. V. de. (Org.). Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais . São Paulo: Ação Educativa , 2005.).

Em virtude da diversidade de situações existenciais que afetam os indivíduos nessa etapa do ciclo de vida, tem sido recorrente a importância de se tomar a ideia de juventude e de adolescência em seu sentido plural - juventudes e adolescências (SPOSITO, 2003SPOSITO, M. P. Os jovens no Brasil: desigualdades multiplicadas e novas demandas políticas. São Paulo: Ação Educativa , 2003.), sentido este compartilhado pela presente pesquisa.

Devido à necessidade de uma definição operacional, a partir de uma perspectiva demográfica, tradicionalmente as Políticas Públicas de Juventude têm adotado os marcos etários para definição do seu público-alvo. Mais do que simples limites ou cortes populacionais, a demarcação de idade dos grupos jovens é uma definição do universo de sujeitos que habitariam o tempo da juventude (CARRANO, 2011CARRANO, R. C. P. Políticas públicas de juventude: desafios da prática. In: PAPA, F. C.; FREITAS, M. V. (Org.). Juventude em pauta: políticas públicas no Brasil. São Paulo: Peirópolis, 2011, v. 1, p. 237-250.).

Os limites da faixa etária que compreendem a população jovem não se apresentam de forma consensual. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos . Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. 1990. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm >. Acesso em: 22 fev. 2015.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
) estabelece que a adolescência abrange o período entre os 12 e 18 anos; já o Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm >. Acesso em: 23 fev. 2015.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), prevê que a juventude compreende o período entre 15 e 29 anos de idade, dividida nos seguintes subgrupos: 15 a 17 anos - jovem-adolescente; 18 a 24 anos - jovem-jovem; 24 a 29 anos - jovem adulto.

O marco etário inferior que delimita a faixa dos sujeitos jovens - 15 anos - acaba por atingir, também, parte do período que, no Brasil, é delimitado como a faixa etária da adolescência. Tem-se, então, um subgrupo, com idades entre 15 e 17 anos que se encontra em uma interseção dos limites etários definidos tanto para o adolescente, como para o jovem, constituindo-se em um segmento mesclado na fronteira entre a adolescência e a juventude, são denominados jovens-adolescentes. Esse segmento tem sido alvo de diversas ações tanto públicas como da própria sociedade civil. Um exemplo de ação pública destinada a eles é o Projovem Adolescente (PJA), o qual corresponde ao campo de análise deste trabalho.

Seus objetivos principais são a execução de mecanismos socioeducativos que harmonizem a convivência familiar e comunitária, a inserção ou reinserção do jovem no sistema educacional, estimulando a sua permanência, a ampliação do acesso às políticas públicas, o fortalecimento de sua autonomia e o estímulo ao seu protagonismo social. Busca-se atingi-los através de ações socioeducativas baseadas em três eixos estruturantes, quais sejam: o eixo da convivência social, o do mundo do trabalho e o da participação cidadã (BRASIL, 2009BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Adolescências, juventudes e socioeducativo: concepções e fundamentos. Brasília: MDS, 2009.).

O Projovem Adolescente faz parte do âmbito das políticas sociais, as quais possuem funções definidas enquanto mecanismos propostos pelo Estado para a redução das consequências da “questão social”, estruturados a partir do binômio inclusão-exclusão. Desta forma, o objetivo deste texto é discutir as ações do Projovem Adolescente, no que diz respeito a seu processo socioeducativo, utilizando como recorte a fala dos adolescentes participantes do programa na cidade de Natal, Rio Grande do Norte (RN).

Método

A metodologia adotada para a coleta das informações foi a realização de grupos focais com os adolescentes participantes do Projovem Adolescente da cidade de Natal, Rio Grande do Norte. A escolha de tal estratégia metodológica caracteriza a investigação como uma pesquisa empírica de natureza qualitativa. Os grupos focais foram filmados com anuência e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por cada um dos participantes ou seus responsáveis.

Foram realizados três grupos focais com os adolescentes participantes do PJA, os grupos foram realizados nos próprios núcleos de atendimento. O município de Natal possuía, no momento em que foram realizados os grupos focais deste estudo, dez núcleos de atendimento do Projovem Adolescente, com capacidade total para atender até dois mil adolescentes. Em cada núcleo os adolescentes eram distribuídos em grupos de até 25 pessoas, chamados coletivos.

O roteiro que norteou a discussão buscou abordar as relações pessoais, sentimentos sobre a participação no PJA e suas possibilidades para a construção de relações sobre a juventude, suas questões, seus projetos de vida. O que, por sua vez, possibilitou debater conteúdos específicos acerca das ações públicas para a juventude, educação, trabalho e formação profissional.

Os dados foram analisados qualitativamente utilizando-se o Método Comparativo Constante (MCC), baseado na Teoria Fundamentada nos Dados (Grounded Theory), o qual busca compreender o significado do fenômeno sob a perspectiva dos participantes. Na presente pesquisa, a elaboração das categorias e o processo de codificação ocorreu sempre vinculado à análise dos dados, atribuindo significados aos mesmos. Os códigos e as categorias não foram definidos a priori, mas somente a partir do contato com os dados coletados através dos grupos focais com os adolescentes (TRINIDAD; CARRERO; SORIANO, 2006TRINIDAD, A.; CARRERO, V.; SORIANO, R. Teoria Fundamentada “Grounded Theory”: la construcción de la teoria a través del análisis interpretacional. Madrid: Centro de investigacíones sociológicas, 2006.; CHARMAZ, 2009CHARMAZ, K. A Construção da Teoria Fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.; TAROZZI, 2011TAROZZI, M. O que é a grounded theory: metodologia de pesquisa e de teoria fundamentada nos dados. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.). O software QDA-Miner (Qualitative Data Analysis Software) foi utilizado como instrumento auxiliar na organização e análise dos dados coletados.

Resultados e discussão

Sobre conceitos de adolescência e juventude

Uma das concepções de juventude apontada com expressividade em todos os grupos foi a de juventude enquanto etapa de preparação para o mundo adulto. Os participantes entendem que ser jovem é viver um período de menos responsabilidades, principalmente na questão do provimento dos recursos financeiros da família, como assinala um adolescente: É uma preparação pra quando ficar adulto pra assumir a responsabilidade. Quando é adolescente ainda tá sabendo que é responsabilidade. Porque pra mim, responsabilidade é o quê? Quando você passa a trabalhar (Marcos, 15 anos).1 1 Todos os nomes utilizados são fictícios para preservar a identidade dos participantes e obedecer aos cuidados éticos.

Para os jovens participantes, o momento de preparação vivido culmina com o reconhecimento da idade adulta e com a aquisição de grandes responsabilidades. Para eles, as preocupações com trabalho, dinheiro e família não fazem parte do momento atual de vida: “Ser jovem pra mim é uma preparação para o nosso futuro. O que a gente quer daqui pra frente” (Carlos, 16 anos).

Ao expressarem essa concepção de juventude, os jovens revelam o quanto esses conceitos estão internalizados por eles próprios, bem como pelos profissionais operadores das políticas voltadas para a juventude, como o PJA. Considera-se que esse entendimento sobre a juventude pode se caracterizar como um problema quando não visualiza os jovens como sujeitos sociais do presente, alocando no futuro, ou seja, no mundo adulto, todo o sentido da vivência do momento presente, pois o futuro cumpre a função de eixo ordenador de sua preparação.

Concorda-se com ABRAMO (2005ABRAMO, H. W. O uso das noções de adolescência e juventude no contexto brasileiro. In: FREITAS, M. V. (Org.). Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais. São Paulo: Ação Educativa, 2005, p. 20-35. Disponível em: <Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/05623.pdf >. Acesso em: 15 set. 2017.
http://library.fes.de/pdf-files/bueros/b...
) quando apresenta que tal enfoque possui limitações, pois, baseia-se numa noção de uma condição universalmente homogênea de juventude, centrada na possibilidade de viver essa dedicação à preparação para o mundo adulto, que, muitas vezes, não se realiza para todos os jovens, o que acaba por gerar diversas situações de exclusão.

O que chama mais atenção nas falas dos jovens participantes do Projovem Adolescente é que a concepção por eles adotada se distancia da preconizada nas diretrizes do serviço. Segundo os documentos que dão embasamento às ações do PJA, o serviço adota uma perspectiva que avança essa discussão de período de preparação para o mundo adulto e avalia que é fundamental considerar os jovens ao mesmo tempo como singulares e universais, de forma a evitar a exclusão ou correr o risco de compreender a juventude apenas como etapa (BRASIL, 2009). A partir dessa constatação, pode-se entender que a maneira como as atividades socioeducativas estão sendo executadas poderiam contribuir para essa compreensão distorcida, como também pela absorção por parte dos adolescentes das expectativas e projeções dos adultos, diversos atores sociais, familiares dos adolescentes e profissionais do próprio Projovem depositada no futuro dos jovens.

Outro aspecto exposto nas falas dos jovens participantes corresponde à vivência da adolescência/juventude como um momento de crise, de confusão, de escolhas e incertezas diante do processo de passagem para a vida adulta. Esse momento é também marcado por mudanças nas relações familiares, caracterizando mais cobranças na medida em que se afastam da adolescência e vivenciam novas condições juvenis: “Escolher também se vai querer estudar ou se vai querer ser apenas mais um ali. Se vai se contentar apenas com um trabalho mesmo assim, sabe? De salário inicial. Se vai querer tentar subir na sua carreira” (Bruno, 16 anos).

Coloca-se em evidência o fato de que a realidade da condição juvenil ocasiona processos de transição diferentes, em que os diferentes caminhos exercem diferentes papéis sobre as maneiras de ser jovem. Notadamente, os caminhos percorridos pelos jovens de classes populares, como os jovens participantes do PJA, são marcados pelas dificuldades concretas de sobrevivência e pelas situações de tensão com as diversas instituições que permeiam suas vidas, como no caso, a escola, a família e o trabalho.

Outro aspecto apresentado pelos participantes da pesquisa diz respeito à vivência da condição juvenil em comunidades periféricas. Para eles, essa vivência foi apontada como sendo estigmatizada por preconceitos e permeada de dificuldades próprias à condição, ou à falta de condições, de moradia e sobrevivência, como assinalado por Felipe, de 17 anos: “Porque a gente sabe que o bairro onde a gente mora é famoso pela questão de drogas e violência.”

Os adolescentes apontaram as diferenças de classe na vivência da adolescência deles, exemplificada através dos locais de moradia. Os bairros que moram e que também abrigam os núcleos do Projovem Adolescente quase não possuem, ou possuem de forma precária, os equipamentos públicos sociais básicos, como unidades de saúde, escolas, e principalmente, na visão deles, equipamentos e espaços de lazer e socialização. Além disso, os bairros têm sido usados como mais um critério de diferenciação, segregação e vulnerabilização das juventudes, principalmente nos momentos de busca de emprego.

NOVAES (2007NOVAES, R. R. Juventude e sociedade: jogos de espelhos. Sentimentos, percepções e demandas por direitos e políticas públicas. Revista Sociologia Especial: Ciência e Vida, v. 1, n. 2, p. 6-15, 2007. Disponível em: <http://antropologia.com.br/arti/colab/a38-rnovaes.pdf>. Acesso em: 12 out. 2017.
http://antropologia.com.br/arti/colab/a3...
) corrobora a discussão assinalando que, no Brasil, e pelo mundo afora, existem hoje jovens que são vistos com preconceito por morarem em áreas pobres classificadas como violentas. A observação dos jovens demonstra a necessidade de por fim a essa estigmatização da juventude, sobretudo da juventude pobre. Entende-se que esse é um dos maiores desafios de ações voltadas à juventude decididamente comprometidas com as questões que, literalmente, destroem a vida dos jovens brasileiros.

A participação nas ações socioeducativas do Projovem Adolescente

Acredita-se que a entrada do jovem no PJA não acontece de forma aleatória, mas sim, que é influenciada por um conjunto de relações e situações nas quais os jovens estão envolvidos. Relações essas que envolvem suas motivações, expectativas e sonhos somados às suas histórias de vida, condições materiais e necessidades. Se a entrada no PJA envolve as relações estabelecidas por um sujeito, a sua permanência depende do somatório de outra gama de relações formadas por diversos atores, entre eles o coletivo de jovens, os profissionais diretamente envolvidos, as condições materiais, as ações socioeducativas (e sua capacidade de envolver), entre outros.

Quando perguntados sobre como eles (os próprios adolescentes) avaliavam, de um modo geral, o Projovem Adolescente, a partir de suas próprias participações nas ações socioeducativas do serviço, percebeu-se que apresentaram argumentos que refletem o quanto suas expectativas e seus sonhos influenciaram suas escolhas de participar e permanecer no Projovem.

De uma forma geral, o PJA foi avaliado positivamente por todos os adolescentes participantes dos grupos. No que diz respeito às ações socioeducativas, foi possível identificar, através das falas dos participantes, o quanto existem contradições e limitações nas ações do serviço. Os adolescentes, em sua totalidade, apresentaram uma visão muito crítica sobre a execução do serviço no município de Natal, relatando conhecer bem as dificuldades de ordem da gestão. Os jovens, durante os grupos, apontaram como essas dificuldades foram contornadas ou amenizadas pelos profissionais do serviço, muitas vezes com a participação e discussão dos próprios adolescentes.

Eles elegeram como sendo as melhores coisas do serviço: as amizades que fizeram por intermédio do Projovem; a relação de cumplicidade e intimidade com os profissionais, que é bem diferente da relação mantida com os professores da escola; os passeios realizados, entre outras coisas. Também elencaram as questões mais problemáticas, as quais foram: a falta de recursos para a realização das atividades; demissões dos profissionais; a estrutura dos prédios, entre outras.

A construção de amizades foi unanimemente considerada pelos adolescentes como sendo o maior ganho da participação no PJA. Todos relataram que a participação nas ações do serviço, a partir das discussões, debates e orientações em grupo, sobre as mais variadas temáticas, contribuiu para que os adolescentes fortalecessem seus laços de amizade entre si: “Aqui a gente aprende a ser mais social, a conversar com todo mundo. Aqui todo mundo se fala, todo mundo se conhece. Acaba virando até meio que uma família, porque todo mundo conhece todo mundo. A gente não é amigo só aqui, A gente é amigo em todos os cantos.” (Juliana, 16 anos).

Entende-se que o PJA tem representado, então, um importante papel na construção de um espaço de vivência e produção de sociabilidades na vida desses jovens participantes (DAYRELL, 2007DAYRELL, J. O jovem como sujeito social. In: FÁVERO, O. et al. (Org.). Juventude e contemporaneidade. Brasília: UNESCO, MEC, ANPEd, 2007. p. 155-179.). A amizade estabelecida a partir dos diversos momentos vividos e compartilhados coletivamente faz do PJA uma referência importante para cada um deles. Os trechos apresentados exemplificam o quanto os adolescentes enfatizam as relações de confiança existentes, nas quais podem contar uns com os outros, trocando ideias sobre suas vidas pessoais e afetivas, construindo uma identidade individual, mas também coletiva.

Outro ponto abordado nos grupos focais, como sendo algo que consideram positivo no PJA, foi a relação de cumplicidade estabelecida entre os adolescentes e os profissionais que atuam diretamente com eles, ou seja, as equipes dos núcleos de atendimento do Projovem. Segundo a própria fala dos jovens expressa, essa relação com os profissionais foi decisiva para sua permanência e continuidade no serviço. Apesar de nem sempre haver identificação imediata com os profissionais e por vezes existir até atritos com os jovens, eles admitem que aprenderam a conviver com as diferenças e cobranças, fortalecendo os vínculos: “Os orientadores fazem assim. Eles fazem a gente debater. O que a gente não quer, eles mudam.... Quando a gente começa, a gente vai longe. Até os que não falam, falam.” (Mariana, 17 anos).

Os participantes também elencaram pontos problemáticos que versaram sobre “o que menos gostavam na participação do Projovem”. Tais questões foram apontadas pelos adolescentes, enquanto problemas que interferiam na execução das ações socioeducativas do serviço, e que necessitavam de urgente atenção dos órgãos competentes para contribuir com a manutenção do interesse dos adolescentes em participar do serviço.

A falta de recursos, vivenciada no cotidiano das ações socioeducativas do PJA, foi o principal problema apontado. As falas demonstraram que eles conhecem as formas de financiamento do serviço e possuem um pensamento crítico quanto aos problemas vivenciados, principalmente no que diz respeito à baixa destinação de recursos. Bruno, 16 anos, exemplifica essa visão do grupo: “Esse dinheiro não podia tá faltando. Porque esse dinheiro vem do Governo Federal e já é destinado pra o Projovem.”

Ainda sobre os obstáculos na execução do serviço, os adolescentes apontaram problemas referentes à infraestrutura dos locais em que são realizadas as atividades, bem como a falta de condições de trabalho dos profissionais: “Esse ano tá sendo ainda mais difícil. Tá todo mundo se virando como pode. A gente tá vindo aqui, porque a gente gosta de tá aqui. Porque tá chato pra eles e tá chato pra gente. Chato pra eles por quê? Porque eles não tão recebendo o salário deles e não tão dando a orientação devida pra gente. E fica chato pros dois lados” (Bruno, 16 anos).

No município de Natal todos os núcleos do serviço funcionavam em prédios alugados. Sobre este aspecto, foi consenso entre os adolescentes que os referidos prédios não apresentavam infraestrutura adequada para a realização dos encontros, oficinas e, principalmente, das atividades de esporte, cultura e lazer. Além dos prédios não possuírem tal infraestrutura, as atividades são ainda mais afetadas pela ausência de espaços públicos adequados nos bairros em que se localizam os núcleos.

A denúncia feita pelos adolescentes, a partir de suas falas nos grupos, aliadas à falta de condições dignas de moradia; de saneamento básico; de escolas públicas, que deem conta da demanda existente; e de serviços de saúde com instrumentos e equipe com condições de atender a população, são exemplos da ineficácia do poder público em ofertar ações e serviços capazes de concretizar a garantia dos direitos da população, principalmente da população jovem. Apesar desses últimos aspectos não estarem diretamente vinculados às ações socioeducativas do PJA, por sua vez, estes interferem diretamente na eficácia de tais ações. De fato, são reflexos da insuficiência do Estado em proporcionar as condições necessárias para que o PJA consiga atender seus objetivos, os quais são: proporcionar alternativas emancipatórias aos adolescentes participantes, abrindo-lhes oportunidades de desenvolvimento humano, inserção social e participação cidadã, para assim conseguirem enfrentar as situações de vulnerabilidade social decorrentes das condições de pobreza e de desigualdades sociais.

Com relação às condições de trabalho e vínculos empregatícios dos profissionais, os adolescentes apontaram que esse é um dos pontos problemáticos na execução do serviço, tanto pela questão dos atrasos salariais, como pelo frágil vínculo desses profissionais com a Secretaria, o que ocasionava demissões e, de tal modo, desestímulo aos adolescentes, uma vez que rompia as ligações afetivas que eles haviam estabelecido com tais profissionais.

As dificuldades apontadas encontram embasamento nas próprias características históricas das políticas sociais, as quais têm se caracterizado pela oferta de serviços de forma precarizada. Tem-se que a falta de condições materiais para o desenvolvimento do trabalho, bem como a desvalorização dos profissionais do PJA caracterizada pela fragilidade nos vínculos empregatícios, são reflexo desse processo de precarização, que por sua vez é operado através de dois mecanismos:

a descentralização dos serviços (que implica a transferência, aos níveis locais do governo, da responsabilidade pela oferta de serviços, deteriorados e sem financiamento) e a focalização (introduzindo um corte de natureza discriminatória para o acesso aos serviços sociais básicos pela necessidade de comprovação da “condição de pobreza”, resgatando a lógica da “cidadania regulada”) (YAMAMOTO; OLIVEIRA, 2010YAMAMOTO, O. H.; OLIVEIRA, I. F. Política Social e Psicologia: uma trajetória de 25 anos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 26, n. especial, p. 9-24, 2010., p. 12).

Percebe-se uma baixíssima qualidade na execução das ações voltadas para um público que, justamente, não tem acesso a outro tipo de ações ou serviços ofertados com qualidade, ou seja, tem-se uma política pobre, voltada para os pobres.

Tem-se que as políticas sociais aplicadas nesse contexto segregador não objetivam acabar com as diversas formas das mazelas sociais que atingem os jovens, mas apenas o de controlar altos índices nacionais de miséria, pobreza, fome, violência, mortalidade, etc. Entende-se que, nacionalmente, o financiamento das políticas sociais, principalmente voltadas para a juventude, apesar de terem tido um avanço desde a criação do Projovem, ainda necessitam de um melhor investimento.

À falta de melhores investimentos somam-se as questões decorrentes da forma como tem ocorrido o processo de municipalização das políticas sociais, principalmente no município de Natal/RN. Tal processo, por sua vez, objetiva oferecer melhores condições para a participação cidadã na implantação, execução e avaliação das políticas sociais, uma vez que aproxima os públicos potenciais dos gestores locais das políticas, proporcionando condições para o fortalecimento das reivindicações, da população atendida, por uma melhor atenção às desigualdades vivenciadas. Fica evidente, através das falas dos adolescentes sobre as dificuldades encontradas pelo PJA para a realização de suas ações, que o município de Natal/RN carece dessa participação cidadã atuante nas formas de controle social, participação essa tão necessária para fiscalizar e tornar transparente os motivos da baixa qualidade de execução dos serviços, dentre os quais se encontra a questão da baixa dotação orçamentária para as políticas sociais.

Possibilidades e contribuições do PJA em seus contextos de vida

Com base nas trajetórias individuais e coletivas dos adolescentes, vividas através da participação nas ações do PJA, das suas vivências familiares e comunitárias, os adolescentes constroem expectativas, as quais se expressam em objetivos e projeções futuras a serem conquistadas com a contribuição da participação no Projovem Adolescente.

Os adolescentes emitiram falas positivas quanto à contribuição do PJA nas suas vidas, principalmente no que diz respeito à confiança nas oportunidades que o serviço pode oferecer. Para eles, essas oportunidades contribuem para que possam desenvolver habilidades para concretizarem seus projetos de vida, os quais muitas vezes são considerados como sonhos inatingíveis, devido às diversas barreiras de integração social que os jovens vivenciam no contexto das políticas sociais no capitalismo.

Quando perguntados sobre suas perspectivas futuras, após a participação no serviço, os jovens demonstraram consenso em suas respostas. As respostas apresentaram projeções futuras fortemente vinculadas a objetivos profissionais, na perspectiva de alcançarem um posto de trabalho qualificado, através, principalmente, da concomitante busca por elevação da escolaridade. As projeções também demonstram que as questões relacionadas ao mundo do trabalho são apreendidas como principais possibilidades advindas da participação no serviço.

A minha ideia quando sair do Projovem é arrumar um curso, arrumar um emprego pra quando for de maior ficar num trabalho certo. Usar o que eu tô recebendo aqui de bom no Projovem pra o mundo lá fora. Quando eu tiver a idade mais avançada assim, né? E conseguir o meu emprego (Carlos, 16 anos).

Quero terminar meus estudos, arranjar um emprego e correr atrás dos meus objetivos (Renata, 16 anos).

As respostas apontam para a existência de possibilidades de construir diferentes caminhos, através da participação no serviço, caminhos estes que oportunizem vivenciar uma trajetória escolar e profissional que vá além de suas rotinas cotidianas, projetando sonhos para além das fronteiras dos contextos estigmatizados que vivenciam, com objetivo de superar os limites que conhecem sobre seus contextos de vida. As falas evidenciam que os adolescentes buscam diminuir as condições de desigualdade, através do estudo e da qualificação profissional, principalmente através do desejo de cursar futuramente uma faculdade.

Ao avaliar a expressividade dos anseios dos jovens participantes quanto ao ingresso no ensino superior, compreende-se que o ingresso e a conclusão de um curso universitário constituem-se como indicadores de ascensão social. De regra, os que possuem curso superior conseguem se empregar em postos de trabalho que ofereçam melhores salários, embora a remuneração ainda seja, muitas vezes, influenciada por fatores como raça, gênero e origem social. No entanto, tem-se que, nem sempre concluir o curso superior possibilita um maior nível de renda, mas ele pode possibilitar uma ascensão em termos de status e uma mudança subjetiva de individuo frente ao mundo (MARIZ; FERNANDES; BATISTA, 2003MARIZ, C.; FERNANDES, S. R. A.; BATISTA, R. Os universitários da favela. In: ZALUAR, A.; ALVITO, M. (Org.). Um século de favela. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 323-337.).

Apesar das reais possibilidades de mobilidade social advindas da formação de nível superior, cabe aqui ponderar as afirmações dos jovens participantes sobre esse aspecto. Pesquisas apontam que são poucos os jovens pobres que expressam o desejo de ingressar na universidade. Quiroga (2002QUIROGA, C. O (não-) trabalho: identidade juvenil construída pelo avesso. Praia Vermelha: estudos de política e teoria social. Rio de Janeiro, v. 1, n. 7, p. 36- 52, jan./jun. 2002.) apresenta, em seu estudo, que os jovens reivindicam oportunidades de trabalho que proporcionem condições para ganharem algum dinheiro para seu próprio sustento e, às vezes, o de sua família. Eles aspiram trabalhar e muitas vezes se submetem a condições precárias de trabalho devido à necessidade de sobrevivência. Pode-se dizer que suas expectativas de ascensão estão mais relacionadas ao trabalho que à formação escolar, principalmente, porque realizar um curso superior exige um grande investimento dos jovens, tanto financeiro como temporal, cujo retorno só ocorre a longo prazo. Para Lopes, Silva e Malfitano (2006LOPES, R. E.; SILVA, C. R.; MALFITANO, A. P. S. Adolescência e juventude de grupos populares urbanos no Brasil e as políticas públicas: apontamentos históricos. HISTEDBR On-line, Campinas, v. 23, p.114-130, 2006. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/23/art08_23.pdf >. Acesso em: 13 ago. 2017.
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revist...
), a dualidade escola secundária/superior para as elites e a primária/profissional para trabalhadores persiste ainda hoje, apesar do esforço existente para superá-la.

Levando-se em consideração o alto número de adolescentes que manifestaram nos grupos o desejo de aprofundar seus estudos, através da realização de um curso superior, e tomando como referência o fato de que essa aspiração não tem sido comum para muitos dos jovens das classes subalternizadas, pode-se inferir que a participação no PJA pode ter sido um dos fatores responsáveis por despertar tal interesse nos adolescentes.

Considerando-se a importância das expectativas e desejos expressos nas falas dos adolescentes relacionados à educação, cabe ainda destacar o quanto essa tem sido recorrentemente considerada como ponto central para a superação da desigualdade social (COHN, 2004COHN, A. O modelo de proteção social no Brasil: qual o espaço da juventude? In: NOVAES, R.; VANNUCHI, P. (Org.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p. 130-159. ). O discurso pode ser encontrado tanto na fala dos jovens, quanto na própria composição das políticas públicas para a juventude, as quais, em sua maioria, possuem como foco a elevação da escolaridade. Cabe aqui, então, questionar esse discurso da centralidade da educação na diminuição das desigualdades sociais, o qual estabelece uma relação linear entre escolaridade e superação individual de desigualdades e que é largamente difundido e absorvido pelos jovens, bem como pelos profissionais que trabalham no PJA.

Não se trata de negar a importância do conhecimento científico e tecnológico e da qualificação profissional como requisitos para um crescimento econômico. Faz-se necessário atentar para o fato de que somente os investimentos em educação não são capazes de impedir o desemprego e a concentração de renda. Segundo apresentam Carvalho e Noma (2011CARVALHO, F. X; NOMA, A. K. Políticas públicas para a juventude na perspectiva neoliberal: a centralidade da educação. Roteiro (Joaçaba), v. 36, n. 1, p. 167-186, jan./jun. 2011. Disponível em: <http://editora.unoesc.edu.br/index.php/roteiro/article/view/650/pdf_122>. Acesso em: 15 jul. 2017.
http://editora.unoesc.edu.br/index.php/r...
), a crença que a educação possa corrigir as desigualdades sociais pressupõe, equivocadamente, que ela seja compreendida enquanto um elemento independente e autônomo da ordem social que produz tais desigualdades. Tal compreensão de educação, enquanto fator principal de desenvolvimento juvenil esbarra na questão do funcionamento do sistema produtivo capitalista e desigual, o qual é o próprio responsável pelas dificuldades de acesso dos jovens ao mercado de trabalho.

O que se verifica a partir das falas dos adolescentes participantes do PJA é a apropriação de um discurso, presente na própria formulação das Políticas Públicas de Juventude, dentre as quais faz parte o PJA, que credita à educação, particularmente à educação enquanto preparação para entrada no mercado de trabalho, a possibilidade de inserção e mobilidade social dos jovens, quando, na verdade, tem se caracterizado como sendo apenas uma das possibilidades de inserção social, tendo em vista a crescente informalidade do mercado e a falta de garantias de acesso ao sistema de proteção social.

Ao registrar as expectativas dos jovens participantes e suas projeções de um futuro, após a participação nas ações socioeducativas do PJA, buscou-se analisar, principalmente, o quanto tais expectativas estão relacionadas às formas de inserção social compartilhadas pelos jovens. E, o quanto as políticas públicas de juventude, com destaque para o Projovem Adolescente, estão associadas à lógica de mercado, atuando sobre os efeitos da “questão social” que produz a desigualdade e não sobre suas causas estruturais, não oferecendo assim, respostas concretas às situações de vulnerabilidade as quais os jovens estão expostos.

Considerações finais

Os dados aqui discutidos destacaram pontos importantes sobre a gestão e execução do serviço no munícipio de Natal/RN, como também, ofereceram indicativos sobre o modo como as imagens comumente relacionadas à juventude são absorvidas e incorporadas pelos próprios jovens.

Com base na análise das falas dos jovens nos grupos foi possível apreender que determinadas concepções estereotipadas de adolescência e juventude são compartilhadas por eles, como por exemplo, a concepção de juventude enquanto período de transição e preparação para a vida adulta, considerada neste estudo enquanto um conceito reduzido de juventude, pois desconsidera a diversidade presente nessa categoria social.

A relação dos jovens com o trabalho expressa, por sua vez, o anseio da juventude em garantir, pela via do trabalho a sua inserção social. No entanto, entende-se que, no modo como se configura nossa sociedade, atingir a “inclusão” social pela via do trabalho tem se tornado cada vez mais difícil, ainda mais para os jovens pobres, pois, além de não existirem postos de trabalho suficientes para absorver os jovens, essa “inclusão” não é do interesse do modo de produção baseado na acumulação de capital e na desigualdade. Compreende-se ainda, que nem o PJA, nem nenhum serviço ou política pública focalizada, por si só, é capaz de proporcionar a supressão das desigualdades sociais existentes no nosso sistema. Nesse cenário, os jovens são diretamente afetados, pois sentem os efeitos do desemprego, além de serem, muitas vezes, impelidos a se submeter a uma inserção precária no mundo do trabalho.

No que diz respeito às possibilidades e contribuições das ações socioeducativas do Projovem Adolescente em seus contextos de vida, os jovens consideram que a participação proporcionou mudanças comportamentais visíveis nas diversas relações que constituem suas vidas. Contribuindo para que em suas projeções futuras os jovens anunciassem o anseio de superar as limitações estabelecidas pelos seus contextos de vida, principalmente através da busca por elevação da escolaridade e formação superior.

Diante do exposto, cabe ressaltar que, os jovens, em suas falas, consideram que a participação no PJA teve importante contribuição em suas vidas e suas relações com o serviço, a escola, a família e a comunidade. No entanto, eles também avaliam criticamente as ações das quais participaram e sugerem alterações que podem contribuir para melhorar a permanência no serviço. Dessa forma, os jovens sugeriram que com mudanças urgentes na aplicação dos recursos destinados ao PJA, como através da contratação de profissionais com vínculos formais, da capacitação contínua, bem como, da melhoria da infraestrutura dos locais de atendimento do serviço, e ainda da garantia de condições materiais de realização das atividades, poderia ser possível uma maior adesão e consequentemente uma real contribuição na diminuição das situações de vulnerabilidade a que estão expostos essa parcela da população.

Entende-se, então, que o Projovem Adolescente, enquanto uma política pública social instaurada no contexto neoliberal, não possui como meta (nem se propõe a tal) produzir mudanças na constituição das relações sociais capitalistas, apesar de se reconhecer que esse serviço pode trazer melhorias nas condições de vida dos adolescentes participantes, como ficou claro nas próprias falas aqui analisadas. A desigualdade social, não obstante a intenção do PJA em enfrentá-la e diminui-la, continua sendo um dos principais problemas que os jovens brasileiros enfrentam, pois se verifica que existe uma grande distância entre os objetivos e intentos das ações e sua real atuação e impacto nas juventudes.

Compreende-se a perspectiva da inclusão social no contexto neoliberal em que são implementadas as políticas sociais, contudo acredita-se que dar voz aos jovens participantes contribuiu para proporcionar uma reflexão sobre o modo como as políticas sociais, através do Projovem Adolescente, têm atingido seu público, considerando as questões e perspectivas apresentadas pelos jovens como ferramentas a serviço das juventudes na construção de políticas democráticas e efetivas.

Por fim, em última análise, cabe destacar que este estudo considera que a real transformação na vida dos jovens brasileiros, sobretudo os jovens pobres, os quais mais sofrem violações de seus direitos, passa por uma reconfiguração das políticas públicas, através de uma transformação estrutural, com a instalação de uma política de Estado, que tenha como objetivos a busca pelo fim da desigualdade social, de forma a oportunizar uma real inclusão social, com participação ativa da juventude, através de formação política e de controle social.

Referências

  • ABRAMO, H. W. O uso das noções de adolescência e juventude no contexto brasileiro. In: FREITAS, M. V. (Org.). Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais. São Paulo: Ação Educativa, 2005, p. 20-35. Disponível em: <Disponível em: http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/05623.pdf >. Acesso em: 15 set. 2017.
    » http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/05623.pdf
  • BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos . Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. 1990. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm >. Acesso em: 22 fev. 2015.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
  • BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Adolescências, juventudes e socioeducativo: concepções e fundamentos. Brasília: MDS, 2009.
  • BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013 Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm >. Acesso em: 23 fev. 2015.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm
  • CARRANO, R. C. P. Políticas públicas de juventude: desafios da prática. In: PAPA, F. C.; FREITAS, M. V. (Org.). Juventude em pauta: políticas públicas no Brasil. São Paulo: Peirópolis, 2011, v. 1, p. 237-250.
  • CARVALHO, F. X; NOMA, A. K. Políticas públicas para a juventude na perspectiva neoliberal: a centralidade da educação. Roteiro (Joaçaba), v. 36, n. 1, p. 167-186, jan./jun. 2011. Disponível em: <http://editora.unoesc.edu.br/index.php/roteiro/article/view/650/pdf_122>. Acesso em: 15 jul. 2017.
    » http://editora.unoesc.edu.br/index.php/roteiro/article/view/650/pdf_122
  • CHARMAZ, K. A Construção da Teoria Fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.
  • CEPAL. OIJ. COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE; ORGANIZACIÓN IBEROAMERICANA DE JUVENTUD. La juventud en iberoamérica: tendencias y urgencias. Santiago: CEPAL / OIJ, 2004.
  • COHN, A. O modelo de proteção social no Brasil: qual o espaço da juventude? In: NOVAES, R.; VANNUCHI, P. (Org.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p. 130-159.
  • DAYRELL, J. O jovem como sujeito social. In: FÁVERO, O. et al. (Org.). Juventude e contemporaneidade Brasília: UNESCO, MEC, ANPEd, 2007. p. 155-179.
  • FREITAS, M. V. de. (Org.). Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais . São Paulo: Ação Educativa , 2005.
  • JACCOUD, L.; HADJAB, P. D. E.; ROCHET, J. A política de assistência social e a juventude: um diálogo sobre a vulnerabilidade social? In: CASTRO, J. A.; AQUINO, L. M. C.; ANDRADE, C. C. (Org.). Juventude e políticas sociais no Brasil Brasília: IPEA, 2009. p. 167-191.
  • LOPES, R. E.; SILVA, C. R.; MALFITANO, A. P. S. Adolescência e juventude de grupos populares urbanos no Brasil e as políticas públicas: apontamentos históricos. HISTEDBR On-line, Campinas, v. 23, p.114-130, 2006. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/23/art08_23.pdf >. Acesso em: 13 ago. 2017.
    » http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/23/art08_23.pdf
  • MARIZ, C.; FERNANDES, S. R. A.; BATISTA, R. Os universitários da favela. In: ZALUAR, A.; ALVITO, M. (Org.). Um século de favela 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 323-337.
  • NOVAES, R. R. Juventude e sociedade: jogos de espelhos. Sentimentos, percepções e demandas por direitos e políticas públicas. Revista Sociologia Especial: Ciência e Vida, v. 1, n. 2, p. 6-15, 2007. Disponível em: <http://antropologia.com.br/arti/colab/a38-rnovaes.pdf>. Acesso em: 12 out. 2017.
    » http://antropologia.com.br/arti/colab/a38-rnovaes.pdf
  • QUIROGA, C. O (não-) trabalho: identidade juvenil construída pelo avesso. Praia Vermelha: estudos de política e teoria social Rio de Janeiro, v. 1, n. 7, p. 36- 52, jan./jun. 2002.
  • SPOSITO, M. P. Os jovens no Brasil: desigualdades multiplicadas e novas demandas políticas. São Paulo: Ação Educativa , 2003.
  • TAROZZI, M. O que é a grounded theory: metodologia de pesquisa e de teoria fundamentada nos dados. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
  • TRASSI, M. L.; MALVASSI, P. A. Violentamente pacíficos São Paulo: Cortez, 2010.
  • TRINIDAD, A.; CARRERO, V.; SORIANO, R. Teoria Fundamentada “Grounded Theory”: la construcción de la teoria a través del análisis interpretacional. Madrid: Centro de investigacíones sociológicas, 2006.
  • YAMAMOTO, O. H.; OLIVEIRA, I. F. Política Social e Psicologia: uma trajetória de 25 anos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 26, n. especial, p. 9-24, 2010.
  • 1
    Todos os nomes utilizados são fictícios para preservar a identidade dos participantes e obedecer aos cuidados éticos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2015
  • Aceito
    20 Set 2017
Universidade Federal Fluminense, Departamento de Psicologia Campus do Gragoatá, bl O, sala 334, 24210-201 - Niterói - RJ - Brasil, Tel.: +55 21 2629-2845 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista_fractal@yahoo.com.br