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Testemunhar (in)finito: notas sobre as reminiscências de Rithy Panh em seus livros-testemunhos1 1 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no XXXII Encontro Anual da Compós, no Grupo de Trabalho Comunicação e Experiência Estética na Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, de 3 a 7 de julho de 2023, e publicada nos anais do evento.

Bearing witness to (in)finity: notes on Rithy Panh’s reminiscences in his testimonial books

Resumo

A partir dos desdobramentos do testemunho e das imagens reminiscentes do genocídio do Khmer Vermelho, o artigo analisa a obra literária de Rithy Panh, tomo artístico quase sempre ignorado diante da importância de seu trabalho como cineasta. Assim, o presente texto mostra como tais obras literárias se constituem enquanto exercícios reminiscentes nos quais uma transmissão histórica é irrompida por um incessante jogo entre imaginação e realidade, descrição e invenção poética, buscando constituir obstinadamente uma linguagem heurística para o seu testemunho infinito.

Palavras–chave
Rithy Panh; imagens reminiscentes; testemunho

Abstract

Based on testimonies and images reminiscent of the Khmer Rouge genocide, the article analyzes the literary work of Rithy Panh, an artistic volume that is almost always ignored given the importance of his work as a filmmaker. The present text shows how these literary works are constituted as reminiscent exercises in which a historical transmission is erupted in an incessant dialogue between imagination and reality, between simple description and poetic invention, obstinately seeking to constitute a heuristic language for testimony to the end.

Keywords
Rithy Panh; reminiscent images; testimony

Quero testemunhar até o fim

Victor Klemperer

A dor no centro de tudo

Rithy Panh

Rithy Panh. Um nome, um sobrenome. Um epíteto da dor. Mas como poderia ser diferente? Sua infância não apenas foi roubada, senão aniquilada pela ascensão ao poder do regime genocida do Khmer Vermelho2 2 A partir de agora, o termo Khmer Vermelho aparecerá abreviado como KV. entre 1975 e 1979. A vida de Panh — em que seus filmes, sua literatura de testemunho são marcas cruciais — se construiu como uma sobrevivência: ao escapar do horror cambojano quando muito jovem, todo o seu trajeto posterior foi constituído à luz de um pacto transmissional cuja dimensão da ética e da dignidade, da alteridade e do compromisso histórico foi erigido para que o seu testemunho pudesse florescer. Rithy Panh, portanto, sabe que deve testemunhar até o fim. Ou, outramente a dizer, um testemunho (in)finito ante a tragédia entranhada na constituição de um país, cujas marcas indeléveis são inescapáveis ao olhar atento de mulheres e homens que desejam partilhar de um porvir que ultrapasse e faça justiça aos horrores da violência do regime do KV.

Seus filmes mais reconhecidos, mais comentados são aqueles destinados a reconstruir, na complexidade intrínseca de seu itinerário, a cruel extensão dos crimes cometidos por Pol Pot e o genocídio por ele capitaneado. Então o cinema é carga artística em que Panh comumente trabalha, pesquisa, se doa3 3 Para mais desdobramentos sobre o cinema de Rithy Panh, longamente debatido nas últimas duas décadas, ver a obra de Sánchez-Biosca (2017), que destinou aos seus filmes textos importantes. Também recomendamos o livro organizado por Barnes e Mai (2021), além da tese de doutorado de Ito (2021) e dos ensaios, em uma dimensão mais filosófica, que publicamos recentemente (Lessa Filho; Vieira, 2022, 2023). . Rithy Panh sabe que para compreender um passado, sobretudo quando terrível, inimaginável, é preciso resgatar sua dimensão arqueológica por um lado e antropológica por outro. Ou seja: mergulhar nos arquivos que restaram de toda obra da destruição para que algo emerja, cintile em nosso presente, e reconhecer, à luz da antropologia, a potência que os rostos e os relatos de vítimas e vitimários têm para reimaginar — e exumar — o que há de cristalizado daquele passado.

Mas nas obras literárias L’élimination (2013)4 4 Utilizamos a versão em espanhol, conforme está nas referências. e La paix avec les morts (2020), escritas em parceria com o romancista e ensaísta francês Cristophe Bataille, Panh se adentra nas ramificações do testemunho. A literatura permite a Panh expor suas emoções e reminiscências, fazendo de seu testemunho e de sua sobrevivência um movimento destinado ao Outro. Se nos filmes as personagens-sobreviventes ofertam em maior medida suas memórias e silêncios, seus prantos ou reencenações, nas obras literárias são as próprias recordações do autor que transbordam. Panh, então, se vale da linguagem heurística e sensível para irradiar seus testemunhos. E se essa linguagem irradia por todos os lados, significa que ela não está separada de nada: por isso, ao longo de centenas de páginas, vemos irromper o próprio funcionamento da violência política que Panh descortina detalhadamente, transmutando-a nas reminiscências dos rostos-corpos de seus pais ou irmãos, amigos e familiares exterminados.

“Como tocar sem ferir?” (Didi-Huberman, 2021DIDI-HUBERMAN, Georges. Sair da escuridão. Belo Horizonte: C. da feira, 2021., p. 10). Como regressar à dimensão reminiscente de sua infância — de seu atroz pesadelo real — sem trair suas recordações mais profundas, mais terríveis? Assim, os livros de Panh são obras-chaves para compreensão do jogo entre o passado traumático (aquilo que não cessa de ressurgir no presente) e a atualidade não reconciliada (aquilo que não cessa de afundar-se no passado). Menos conhecidas e comentadas que seus filmes, essas duas obras literárias serão o foco de nosso ensaio.

Porque entre relatos descritivos de pesadelos ou de perspectivas filosóficas, entre crônicas de seu sofrimento e as montagens da memória, essas obras literárias se constituem como exercícios reminiscentes em que o evento histórico emerge à luz. Nisso dá-se um incessante jogo entre imaginação e realidade, entre descrição e invenção poética, buscando constituir obstinadamente uma linguagem heurística para o seu testemunho infinito.

As emoções testemunham

As emoções tanto podem nos partir como nos partilhar. Talvez seja exatamente isso — emoções, partilha — que tantas vezes desejamos transmitir aos outros. O que uma emoção faz primeiro quando surge, se expressa ou até mesmo explode? Ela cliva a unidade do eu. Ela quebra seu semblante, sua dureza imóvel. A emoção pode fazer sombras ou dobras no tecido do mundo, vincos temporários ou cesuras contínuas. É a própria fecundidade de uma emoção que constantemente evoca o nosso contramotivo ou o nosso contragesto, mas que, no entanto, ainda assim nos compartilha interiormente e nos lança à alteridade, seja em segredo, seja em voz alta.

Então podemos dizer que a emoção presta seu testemunho, que ela mesma é capaz de fazer ressurgir à superfície do mundo os traumas e recordações mais profundas, mais convulsivas. Porque o testemunho é também uma emoção. O testemunho deve sempre ser um gesto — uma linguagem — destinado a alguém ou a uma comunidade, pois “quando uma emoção nos divide, ela nos encoraja a sair de nós mesmos e nos voltar para os outros” (Didi-Huberman, 2022DIDI-HUBERMAN, Georges. Le témoin jusqu’au bout. Paris: Minuit, 2022., p. 9). Assim, ante a um testemunho, estamos cindidos, mas nem por isso estamos separados do mundo ou dos outros. Assumir isso seria, em suma, posicionar-se na — e apesar da — fragilidade constitutiva de nossos afetos e da nossa linguagem.

Contudo, como articular a emoção quando o que a forja é o espectro do totalitarismo? Como constituir uma linguagem para o testemunho que saiba organizar as estruturas reminiscentes de seu gesto, de sua inscrição no mundo? E não é de outro modo senão com uma rigorosa articulação de suas emoções que Rithy Panh abre seu livro L’élimination:

Aos treze anos perdi toda a minha família em poucas semanas. Meu irmão mais velho, que marchou sozinho a pé para nossa casa em Phnom Penh. Meu cunhado, médico, executado em uma sarjeta. Meu pai, que decidiu não continuar se alimentando. Minha mãe, que no hospital se deitou na cama onde acabava de morrer uma de suas filhas. Minhas sobrinhas e meus sobrinhos. Todos eles varridos pela crueldade e loucura dos Khmers Vermelhos. Fiquei sem família. Fiquei sem nome. Fiquei sem rosto. E foi assim como segui com minha vida, porque eu tinha ficado sem nada

(Panh e Bataille, 2013PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013., p. 3).

O autor traduz a experiência de morte atravessada pelos rostos das vítimas familiares como se formassem corpo na palavra escrita; nela se manifesta o que Panh testemunhou, do que hoje dá fé. Mas ele continua e continuará, com isso, a testemunhar sobre o horror vivido no Camboja, para além de sua própria morte e da morte dos seus: a cada vez que o relato é (re)lido, tal experiência do testemunho é atualizada ad infinitum.

O clamor ético desses rostos vistos e relatados por Panh viceja apesar de tudo. Não são os rostos nus da neutralidade esvaziada de sentido, são rostos nomeados, corpos dos outros deste outro que escreve (meu pai, minha mãe, meu irmão…). O autor não testemunha algo transcendente, desinvestido de forma. São mulheres e homens que comparecem ao testemunho como discurso, como palavras que nos endereçam, no contato com o texto, aquele dizer dos rostos de sujeitos cujas alteridades são (in)violáveis.

Tal perspectiva acerca do rosto guia o pensamento de Lévinas (1980)LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70, 1980.. Para o filósofo, um rosto já é discurso e nele se revelam as infinitas possibilidades que os múltiplos e violentados cambojanos levam à derivação do Infinito. O eu de Rithy Panh a um só tempo se vê sem poderes perante o horror, mas também aponta para um Infinito cuja estrutura é sobretudo ética. Do que Panh diz, as vítimas emergem em singularidade a denunciar o genocídio; e a despeito do extermínio, seguem na afirmação da impossibilidade de lhes apagar o Infinito que se apresenta por meio do Rosto. Eis o mandamento ético levinasiano: não matarás! Para que a eliminação não seja obliterada, é preciso da epifania do testemunho do outro, de escrevê-lo já que “a epifania do infinito é expressão e discurso” (Lévinas, 1980LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70, 1980., p. 178).

Assim, como compreender o teor sempre arriscado da experiência testemunhante, em especial entre o horror e a epifania dos rostos? Como fazê-la tomando frontalmente a ética da representação e de onde um gesto poético — literário — pode ser extraído? É certo que uma emoção do testemunho radica na potência de inventar uma linguagem para suportar o relato; potência do discurso-rosto capaz de constituir uma experimentação temporal e impura das próprias recordações.

P. Levi (2004)LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes. São Paulo: Paz e Terra, 2004., A. Appelfeld (2005)APPELFELD, Aharon. Histoire d’une vie. Paris: Seuil, 2005. ou I. Kertész (2004)KERTESZ, Imre. A língua exilada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. parecem representar tanto o elo literário quanto a ética do testemunho em que Panh edifica seus relatos. Recordemos, por exemplo, as linhas onde Primo Levi assume que a arte foi a presença fulcral de sua resistência à morte após a liberação de Auschwitz: “A razão, a arte, a poesia não nos ajudam a decifrar o lugar de onde foram banidas”, e conclui: “Quanto a mim, a cultura tem sido útil: nem sempre, às vezes, talvez por meios subterrâneos e imprevistos, mas ela me serviu e talvez me salvou” (Levi, 2004LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes. São Paulo: Paz e Terra, 2004., p. 118). Contiguamente, Panh (2013, p. 18)PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013. também alicerça na arte um modo de descomprimir uma emoção atroz, de “desafogar a fúria”, fazendo do testemunho sua possibilidade mesma de sobrevivência.

Imagens reminiscentes, filiais, repetitivas

É preciso destacar o alastramento da diferença que reside entre as dimensões que a literatura de testemunho pode apresentar quando comparamos, por exemplo, os relatos de Primo Levi com os de Panh: o italiano fora arrancado de sua pátria e enviado à Alta Silésia, onde se encontrava Auschwitz-Birkenau. Já o cambojano vivenciou o extermínio na própria terra. Por isso não nos surpreende o fato de que Panh não cesse de retornar às suas imagens reminiscentes e filiais, e que são, portanto, as mais devastadoras em sua literatura. Nas páginas iniciais de La paix avec les morts, escreve:

A noite nasce, com seus cheiros de carvão onde as tarântulas cozinham. A morte está perto de nós. Penso em meu irmão mais velho e na partitura de rock que ele estava aprendendo no violão em 1975. Penso em minha mãe deitada nas tábuas onde minha irmã morreu, antes dela. Penso na folha de metal onde meu pai foi enrolado. Onde vocês estão agora? Vocês encontraram a paz? Hoje passei da idade que vocês tinham. Vocês são como meus filhos

(Panh e Bataille, 2020PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020., p. 3).

Na dimensão da própria infância roubada pelo genocídio, as imagens reminiscentes de Panh apelam violentamente para esse infortúnio dos povos, mas um infortúnio sem limites e atravessado por uma ideologia da morte que não cessara de erguer o punho de sua absoluta violência:

Eu era criança, mas não me lembro de nenhum limite para o infortúnio. A forma de poder se confundia com a morte, assim como a fuga ou a revolta. Repetimos interminavelmente os mesmos slogans, cruéis e friamente poéticos: a ideologia era a própria morte, a morte com o punho erguido

(Panh e Bataille, 2020PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020., p. 6).

Ao ler essas linhas, compreendemos em suma que a linguagem não é um domínio: ela é o ambiente irradiador de toda vida humana constituída. E Panh a articula com uma tenacidade que mesmo recebendo esses “golpes da memória” consegue encontrar os subterfúgios para que suas imagens reminiscentes irradiem, reconfigurem os modos de sentir, os modos de existência, as razões pelas quais elas se sedimentam em seu próprio mundo psíquico ou filosófico, histórico ou afetivo.

E se a linguagem irradia por todos os lados, isso também significa que tudo ao seu redor a (retro)alimenta. Assim, seu próprio funcionamento é afetado pela violência política, e por isso que Rithy Panh a descortina com circunspecção. Panh compreende que a linguagem, em seu terrível paradoxo, é também capaz de transmitir seu terror para servir de braço armado. Daí que, para revelar tais paradoxos, a repetição precisa ser obstinada: refazer, remontar, retornar incansavelmente aos espaços da linguagem e das reminiscências totalitárias para que o horror não se repita — nem que para isso seja necessário procurar o túmulo da infância:

Uma maneira de dizer ações, pensamentos, sentimentos, uma vez, mil. Para dizê-los de novo e de novo. Para prender o leitor. Não temer a complexidade, a repetição, a escuridão. Procurar a casa da infância é procurar um túmulo. Às vezes uma imagem se apresenta, graciosa, perturbadora. Minha mãe cantarolando, no primeiro andar. Uma canção de ninar do passado que seria sábio esquecer

(Panh e Bataille, 2020PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020., p. 7).

Terrível paradoxo dessas imagens reminiscentes: aparição ao mesmo tempo graciosa e perturbadora, aparição recorrente, obstinada e sem dúvida terrível. Mas é nessa encruzilhada entre o desespero do “preciso esquecer” e da potência do “preciso lembrar para testemunhar” que consiste o rigor e a obstinação desse trabalho reminiscente elaborado por Panh: significa seguir, com confiança, a força da imagem como processo de testemunho e de reminiscência. Mas como poderia dar-se, então, um pensamento rigoroso capaz de sustentar tantas recordações devastadoras? Rithy Panh parece responder tal inquietação à luz de uma insistência fundamental, que, assim como Deleuze (2018)DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. São Paulo: Paz e Terra, 2018. ou Agamben (1998)AGAMBEN, Giorgio. Image et mémoire. Paris: Hoëbeke, 1998., ele denominará de repetição: “Repito-me, mas a repetição é indispensável para abordar os grandes crimes” (Panh e Bataille, 2013PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013., p. 85).

Temporalidades impuras do testemunho

Seligmann-SilvaSELIGMANN-SILVA, Márcio. O local do testemunho. In: Tempo e Argumento, v. 2, n. 1, p. 3-20, 2010. propõe que “devemos aceitar o testemunho com o seu sentido profundamente aporético, de exemplar idade possível e impossível, de singularidade que nega o universal da linguagem”, porque, continua o autor, o “testemunho revela a linguagem e a lei como constructos dinâmicos, que carregam a marca de uma passagem constante, necessária e impossível entre o ‘real’ e o simbólico, entre o ‘passado’ e o ‘presente’ ”(idem, 2010, p. 5). Isso quer dizer que o “testemunho diante da catástrofe” implica regressar às temporalidades impuras que inevitavelmente irromperão na dimensão psíquica e que nunca cessam de coexistir dentro do sobrevivente, independentemente do tempo transcorrido de sua sobrevivência, manifestando-se nos gestos mais simples ou corriqueiros, portanto, na própria relação de dinamicidade entre linguagem e imagem, fazendo surgir uma aparição involuntária como marca reminiscente (traumática) do acontecimento.

É justamente à luz da dimensão dessas “memórias involuntárias” (e que Benjamin tão bem analisou ao falar de Proust) que tanto L’élimination quanto La paix avec les morts são prenhes: sempre insistentes em suas páginas são as memórias retorcidas, outrora soterradas que ressurgem do fundo da terra humilhada para conclamar a violência exercida, propagada pelo KV entre 1975 e 1979.

Contudo, se as imagens reminiscentes de Panh se aproximam de Benjamin, isso significa que elas se distanciam de Bergson (1999, p. 90)BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: M. Fontes, 1999., para quem a evocação do passado como imagem só poderia dar-se “abstraindo-se da ação do presente”, dando “valor ao inútil” para “querer sonhar”. Ou seja, Bergson propõe que o ato de presentificar o passado depende do abstrair da ação presente. Nada mais diametralmente oposto às recordações de Panh, já que ele reelabora infinitamente suas imagens do passado para atualizar os crimes perpetrados pelo KV que não deixam de ressoar com toda a violência no presente. Em suas investigações, Panh sabe que não há espaço ou tempo, simplesmente, para “abstrair-se da ação do presente”, porque é justamente o presente que modula e busca nomear toda a ação da memória, ainda que involuntária ou evanescente.

Rithy Panh sabe muito bem que ao lado de memórias trabalhadas com vistas à construção de um testemunho, as imagens reminiscentes rompem a continuidade do devir e surgem como manchas violentas da memória, e não como meros elementos recordatórios de uma história articulada cronologicamente. Daí o teor essencialmente anacrônico de seu testemunho reminiscente, que caracteriza a própria organização das páginas de L’élimination e La paix avec les morts. Eis a impureza das temporalidades que ele busca abarcar em seus livros e do retorno sem fim às imagens filiais, genealógicas.

E na esteira do que fez Aby Warburg (Diers, 1995DIERS, Michael. Warburg and the Warburgian Tradition of Cultural History. In: New German Critique, n. 65, p. 59-73, 1995., p. 68) ao nomear de modo admirável a história da violência do mundo como um tesouro de sofrimentos (Leidschatz), o cineasta e escritor cambojano denomina seus rostos filiais e reminiscentes como talismãs:

Vejo minhas irmãs, meu irmão mais velho e seu violão, meu cunhado e meus pais. Todos mortos. Seus rostos são talismãs. Ainda vejo meus sobrinhos e minha sobrinha, famintos. Quantos anos eles teriam? Cinco e sete anos? [...] Lembro dos últimos dias, do corpo que já anuncia o desfecho. Lembro da impotência, dos lábios infantis fechados

(Panh e Bataille, 2013PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013., p. 13).

Como, então, não compreender em que medida a reminiscência e o testemunho são marcados por uma temporalidade fatalmente tensa, conflitante ou contraditória, que assinala tanto sua fragilidade (quando se perde, na pletora da reminiscência, o fio da história) quanto sua potência (quando tocamos na verdade profunda de suas montagens anacrônicas, impuras)? Rithy Panh está narrando a história de sua vida, mas também sabe que a sua capacidade de “decifrar o lugar” dessa história é limitada: como testemunha ou como escritor e cineasta, apenas associa tensamente lascas de memórias, essas nódoas violentas e recordatórias, por meio de uma montagem de imagens reminiscentes que ele compara, em determinado momento, a uma “certa estupidez” atravessada pela exaustão do trabalho sobre a memória e as imagens: “É estúpida, a memória. Um cansaço atravessado por imagens” (Panh e Bataille, 2020PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020., p. 6).

O erro, nessa situação, consistiria em considerar os limites do testemunho e da reminiscência apenas de forma unilateralmente defeituosa ou negativa. Não existe um evento puro, então, não esperemos encontrar a memória exata dele. Tudo é julgado na construção reminiscente, ou seja, na montagem do que é dado (escrito em um documento ou visível em uma fotografia, por exemplo) com o que não é (o que não foi registrado ou o que permaneceu no fora de campo). Tudo é julgado pela forma como cada um dos fragmentos surgem em apoio, como organizam, trabalham e voltam no tempo da história.

A linguagem do massacre

Em tudo isso, em todas essas recordações, a linguagem também se torna testemunha. De tal modo, é preciso apontar que Panh, em seus livros, posiciona-se na linguagem em torno de si — pois como Victor Klemperer (2009)KLEMPERER, Victor. LTI. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. já nos tinha mostrado em seu estudo in loco sobre a linguagem nazista, um regime totalitário terá como um dos símbolos cruciais de sua violência a perversão da própria língua materna — reconhecendo nela sua dimensão ética e testemunhante por excelência.

Não é por acaso que Panh, em L’élimination, evoca Klemperer ao comentar a adesão e cooptação dos cambojanos aos slogans do KV: “Os slogans”, escreve Panh, “pensam por nós. V. Klemperer: ‘A língua livremente utilizada está vinculada com a cultura’. Mas o que é uma língua ‘livremente utilizada’? A língua khmer vermelha é sempre uma cominação, uma ordem, uma ameaça” (Panh e Bataille, 2013PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013., p. 159). O que Klemperer quis propor com a afirmação de uma “língua livremente utilizada” pelos nazistas não foi outra coisa senão criticar o uso perverso do alemão com o propósito de pôr em prática a escravização de todo um povo, dedicando-se violentamente a afetos desconexos, incongruentes, sedimentando pensamentos unilaterais e atos de horror extremo.

Quando de sua longa e exaustiva entrevista com Duch, mestre dos torturadores e assassinos do KV, Panh capta o momento fulcral da violência de sua linguagem do massacre, como ele mesmo denomina ao se ver numa foto:

Duch olha para uma foto dele, diante de um microfone: “Olha a minha cara! Não é um rosto triste, mas um rosto ansioso para explicar a essência daquela língua. Essa linguagem do massacre, da posição firme, da ditadura do proletariado, fui eu quem espalhou no S21. Aquele quem o partido prendeu deve ser considerado um inimigo”

(Panh e Bataille, 2013PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013., p. 166).

F. Ponchaud (1977)PONCHAUD, François. Cambodge année zéro. Paris: Kailash, 1977. tematizou essa linguagem do massacre evocada por Duch no olho do furacão (tal qual Klemperer quarenta anos antes na Alemanha nazista já percebera e antes de alguns grandes intelectuais franceses ou norte-americanos5 5 Como Rithy Panh faz questão de ressaltar nos livros, não foram nada irrelevantes os intelectuais de esquerda, na França ou nos Estados Unidos, que apoiaram o regime do KV. Alguns desses nomes mencionados por Panh são, por exemplo, Badiou e Chomsky. ). Ele aponta que a língua do Angkar (a Organização) daquele Camboja era caracterizada por um certo “vocabulário guerreiro”: “lutar para pegar o peixe”, “lutar para produzir com coragem”. Assim, Ponchaud oferece exemplos infindáveis de que, sob o domínio do KV, todos eram — ou deveriam ser — “combatentes” e aspirantes, a todo custo, da “vitória sobre o dilúvio”, da “vitória sobre a natureza”. Panh (2013, p. 180)PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013. também anotaria, com certa razão filológica, que a linguagem do KV era a de “Organizar. Forjar. Combater. Essas eram as palavras que irrigavam o país, a língua e nossos cérebros. Uma cascada de slogans”.

Tanto em L’élimination quanto em La paix avec les morts, Panh sabe observar a linguagem, portanto, de qualquer maneira, ele a observa na própria dimensão de sua expressão, pois a observação rigorosa de uma linguagem totalitária radica-se na exigência de um desdobramento a um só tempo político e antropológico, como propõe Didi-Huberman (2022, p. 30)DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Lisboa: KKYM, 2012.: “Observar a linguagem é uma operação fundamental para toda a antropologia em geral e para toda a antropologia política em particular”. Todavia, continua Didi-Huberman ao falar da linguagem do Terceiro Reich — e que com as devidas ressalvas utilizamos para aproximarmos da linguagem do Angkar —: ela, a linguagem totalitária, “reifica, mecaniza toda a humanidade e para isso terá de se mecanizar. Sua pobreza será dureza imóvel, ausência de fluidez ou plasticidade” (idem, 2022, p. 31).

Ora, uma década antes de Didi-Huberman propor acerca dessa pobreza de “dureza imóvel” em seu livro sobre Victor Klemperer e a linguagem nazista, Rithy Panh já observava, ao seu próprio modo, a pobre dureza imóvel da nova língua khmer sob jugo totalitário, dessa língua sem diálogos, sem trocas —sem fluidez ou plasticidade —, de uma língua que parecia apenas ser capaz de derivar violência, e como se nessa derivação uma crueldade ou perversidade pudessem ser forjadas pelo simples fato de sua utilização cotidiana:

Os líderes Khmers Vermelhos tinham desenvolvido essa língua sem diálogos, sem trocas, essa língua derivada, violenta, baseada em palavras khmeres que deixava de lado algumas e forjava outras novas. Ainda hoje não desapareceu por completo essa gramática na qual não há lugar para a emoção, a dúvida ou a preocupação

(Panh e Bataille, 2013PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013., p. 180).

A crueldade intrínseca da linguagem do KV como uma “peste psíquica” (Faye, 2009FAYE, Jean Pierre. Introdução às linguagens totalitárias. São Paulo: Perspectiva, 2009., p. 87), como uma pobre dureza imóvel e sem emoções, ou ainda, mais precisamente, porque:

Uma linguagem totalitária não usa a “traição do afeto”: ela trai o que se poderia chamar de verdade das emoções. [...] Falsifica-as, separa-as de si mesmas, submete-as à clausura. Será necessário, portanto, fazer com esse bem comum que é a afetividade o mesmo raciocínio que se pode fazer, com maior facilidade, com a linguagem ou a sexualidade: a propaganda não mostra que a linguagem é traiçoeira em essência, mas trai a linguagem ao desmembrá-la; a pornografia não mostra que a sexualidade é inerentemente suja, mas mancha a sexualidade ao reificá-la. Nunca se deve abandonar ao inimigo político o que ele monopoliza e do qual afirma ter o monopólio (linguagem ou desejo, imagem ou afeto)

(Didi-Huberman, 2022DIDI-HUBERMAN, Georges. Le témoin jusqu’au bout. Paris: Minuit, 2022., p. 34).

Rithy Panh descreve em detalhes um meio totalitário capaz de modificar profundamente não apenas a política de uma época, mas também a psique e a linguagem de todo um povo. Ele radiografa a disjunção veiculada pelas palavras de ordem paranoicas, as fórmulas do ódio radical e o comportamento assassino que delas resultava.

Em seus livros-testemunhos, Panh (2020, p. 61)PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020. mostrará o valor dessas palavras e, mais ainda, a impregnação das palavras e das formas sintáticas de seu veneno — dessa “traição do afeto” ou como ele próprio afirma, dessa “linguagem da negação”. Tal linguagem totalitária com considerável poder de fogo será adotada muito rapidamente e com desconcertante facilidade nas conversas cotidianas, inclusive por aqueles que não podem se conciliar com a ideologia dominante. As palavras da linguagem do massacre e da negação vão afetar pessoas, orná-las e dificultar a resistência necessária ao processo de desumanização em curso, pois essa linguagem também “ajudou a aperfeiçoar” a máquina de matar: “Quem lê pode acessar as palavras, a história e a história das palavras. Eles sabem que a linguagem molda, lisonjeia, esconde e mantém firme. Quem lê, lê na própria língua: percebe a falsidade; a crueldade; a traição” (Panh e Bataille, 2013PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013., p. 27).

A linguagem da sobrevivência – e do testemunho

De Saussure a Benveniste, os linguistas nos mostram que é crucial distinguir a língua da fala — distinção que em nada coincide com a de escrever e falar. P. Encrevé e M. Braudeau (2007, p. 128)ENCREVÉ, Pierre; BRAUDEAU, Michel. Conversations sur la langue française. Paris: Gallimard, 2007. sublinharam a importância de distinguir claramente entre a linguagem, definida como um “tesouro comum”, como um “sistema coletivo de signos” disponível a princípio para todos, e a fala, este “uso individual efetivo da linguagem”, utilizando-a assim como a forma escrita. “Existem duas realidades diferentes”, insistiram: por um lado, o “tesouro comum” e todas as suas regras e, por outro, o uso diário feito por cada falante de qualquer língua.

É esse “equilíbrio funcional”, escreve Frédéric Joly (2019, p. 12)JOLY, Frédéric. La langue confisquée. Paris: Premier Parallèle, 2019., “entre linguagem e fala que torna a linguagem possível, e é isso que a violência política vem sabotar”, e que consequentemente a violência totalitária busca reduzir a quase nada. De fato, quando opta por atacar as palavras, o totalitarismo visa a linguagem em sua essência, tanto como condição da fala quanto como meio de um senso comum reificado.

Como Hannah Arendt apontara em uma entrevista televisiva em 1964, não é a língua (a alemã sob jugo do nazismo no caso dela) que enlouqueceu, mas, como dimensão comunicativa cooptada pela violência totalitária, ela foi envenenada por meio do uso contínuo e cruel, e para tal foi necessário empobrecê-la sistematicamente, torná-la imóvel — sem emoção —, para que a perversidade cotidiana do totalitarismo pudesse, por meio dela, ramificar-se.

Mas a linguagem também encontra suas formas de sobrevivência, isto é, encontra e revela as condições fundamentais com as quais o testemunho pode se constituir. A linguagem, em sua dimensão profundamente elusiva, porta uma promessa. Pelo que deixara passo a passo assentar no silêncio, longe da solene tentação verborrágica, pletórica; mas também numa relação de contiguidade com as imagens reminiscentes. Eis, então, a promessa possível de que a linguagem do testemunho presta conta dada a sua capacidade de inscrever-se no mundo com base em fragmentos de sua sobrevivência.

Rithy Panh, como sobrevivente e como um homem sensível às imagens e à linguagem, conhece bem a potência de suas reminiscências e sabe que elas irromperão, a todo custo, de forma furtiva ou insistente (e, portanto, sempre sintomáticas) para que a sua sobrevivência (sua fuga do Camboja quando adolescente) resplandeça e para que seu testemunho (suas imagens, suas palavras) emerja à luz, apesar de tudo. Embora carregadas de temporalidades secretas, as imagens jamais serão suficientes em si mesmas. Eis o segredo de sua promessa; e o que a linguagem persegue é justamente o que reside nesse segredo, nessa promessa. Ou como Didi-Huberman escreveu:

Ora, é preciso fazer com a imagem, de um modo teoricamente rigoroso, o que fazemos já, sem dúvida com mais facilidade, com a linguagem. Pois em cada produção testemunhal, em cada ato de memória, ambos — linguagem e imagem — são absolutamente solidários, não cessando de compensar as suas respectivas lacunas: uma imagem surge no momento em que a palavra parece falhar, uma palavra surge frequentemente quando é a imaginação que parece falhar

(Didi-Huberman, 2012DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Lisboa: KKYM, 2012., p. 43).

Esse duplo e belo jogo aporético (linguagem, imagem) talvez nos ajude a compreender um pouco melhor acerca do retorno sempre dolorido — e infinito — às imagens reminiscentes daqueles corpos jacentes e de sua atmosfera estertora na qual Panh resvala constantemente em seus livros-testemunhos sem jamais temer a complexidade, a repetição, a escuridão de tais recordações:

Uma noite eu senti algo acontecer. A respiração da minha sobrinha estava mais lenta. O ritmo ficou agitado. Fechei os punhos. Queria estar ali e não estar ao mesmo tempo, segurar a mão dela e não ouvir nada. Lembro que seu torso magro, como um pano de pele transparente, de repente parou de estremecer. Minha sobrinha soltou um pequeno suspiro de surpresa. Havia morrido. [...] Uma semana depois, meu sobrinho também morreu. Esses dois desaparecimentos foram um golpe terrível para minha mãe, que deixou minha irmã mais velha enterrá-los sozinha. Suas pernas literalmente não a sustentavam. Já não conseguia mais andar. Minha mãe, que sempre foi muito forte, desistiu. Quantas mortes e desaparecimentos a família já sofreu? O Angkar decidiu mandá-la também para o hospital vizinho. Ela se encontrou lá com minhas duas irmãs, a mais nova das quais, e como havíamos sido avisados, logo morreria

(Panh e Bataille, 2013PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013., p. 119).

Aqui, a linguagem — a palavra — preenche materialmente onde a imagem — a reminiscência — por si mesma não seria capaz de converter o testemunho ao mundo. Essas imagens reminiscentes constituem a própria linguagem da sobrevivência, embora vestigiosa e lacunar, porque ainda assim uma desaparição consumada também deixará um rastro ao alcance de nosso mundo sensível. A linguagem é, portanto, a vida potencial da reminiscência e onde o testemunho sobrevive — como Rithy Panh tão bem nos mostra — para que a história não seja apagada integralmente.

Mas esse cristal da recordação e da linguagem terá esperado muito tempo para encontrar sentido e necessidade na montagem de uma escrita reminiscente em que não se trata mais da obstinação propriamente dita, mas de sobrevivência, ou seja, um regime de memória no qual o que não está mais lá, no entanto, continua sua paradoxal pós-vida (este é o Nachleben teorizado por Aby Warburg com vistas a uma antropologia histórica da memória e suas imagens). E o modo como Panh articula seus pensamentos, consolidando-os à luz de uma escrita reminiscente, é um gesto cujas dimensões heurísticas lhe permitem abrir as temporalidades de suas recordações, concedendo-lhe a possibilidade de compreender experimentalmente sua própria sobrevivência. E, para compreendê-la, Rithy Panh não titubeia e assume a tarefa de testemunhar infinitamente, de insistir, de reinventar sua própria linguagem e transmitir aos outros algumas imagens de pensamento arrancadas do horror extremo.

“Testemunhar até o fim” (Klemperer, 2009KLEMPERER, Victor. LTI. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009.): é, de fato, não deixar de incluir-se naquilo que se testemunha. É, portanto, acordar para testemunhar suas emoções. Além disso, se é verdade que a observação da linguagem totalitária mostra como ela consegue impor a seus sujeitos “emoções desconexas” (JOLY, 2019JOLY, Frédéric. La langue confisquée. Paris: Premier Parallèle, 2019.) que tornam a tirania aceitável e, até mesmo, efetiva, então será necessário saber testemunhar as próprias emoções articulando-as em uma escrita reminiscente. E Panh dosa essas emoções reminiscentes para que o horror não o devaste totalmente, para que uma ética do testemunho aflore e conduza a sua linguagem naquilo que lhe é crucial: revelar a sobrevivência para além da dimensão da sobrevida somática (isto é, o próprio corpo de Panh), e consolidá-la também na dimensão literária, poética da linguagem.

O testemunho como a coragem da verdade

Rithy Panh encarna admiravelmente essa figura da parresia e dessa “coragem da verdade” intrínseca destacada por Michel Foucault:

[...] no seu ato de dizer a verdade, o indivíduo se constitui ele mesmo e é constituído pelos outros como sujeito detentor de um discurso de verdade. [...] A Parresia é então [...] a coragem da verdade daquele que fala e corre o risco de dizer, apesar de tudo, toda a verdade que ele pensa, mas é também a coragem do interlocutor que aceita receber como verdadeira a verdade ofensiva que ele escuta

(Foucault, 2011FOUCAULT, Michel. A Coragem da verdade. São Paulo: M. Fontes, 2011., p. 4, 14).

É então que tal coragem de dizer, de testemunhar infinitamente, se torna em Panh a coragem da linguagem, porque se acompanharmos Foucault, a dimensão da coragem da verdade é inseparável do próprio ato de falar, dessa exposição intercambiável mediante a linguagem — “a coragem do interlocutor” (Foucault, 2013FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.). Porque o testemunho — sua ética, mas também a sua responsabilidade que se radica na própria coragem da verdade, em sua obstinação infinita — não pode coexistir se não buscar a todo custo o (re)estabelecimento da verdade à luz da alteridade. Daí a razão do gesto testemunhante se direcionar sempre ao Outro — ao desaparecido, ao exterminado —, porque ninguém “jamais testemunha para si mesmo”, mas sim, sempre, “para o outro”, pois o “testemunho dá forma tanto ao que deve – no sentido de uma dívida ética — como ao que vê” (Lessa Filho e Vieira, 2020LESSA FILHO, Ricardo; VIEIRA, Frederico. Entre travessias e escuridão: notas sobre os espectros (i)migrantes em Border. In: Logos, v. 27, n. 1, p. 134-151, 2020., p. 136).

E se a coragem da verdade se vincula profundamente nas raízes da linguagem, é porque o que está em jogo, filosófica ou filologicamente, é a experiência da linguagem e do testemunho que se localiza na própria experiência da origem, ao menos se concordarmos com Walter Benjamin em a Origem do drama trágico alemão (2013). Na obra, ele propõe que a verdade se apresenta na materialidade das línguas particulares. Segundo Gagnebin, para Benjamin, a origem é a base de uma investigação historiográfica que não pressupõe uma casualidade linear e exterior aos acontecimentos. A perspectiva que impulsiona essa noção é a de que “o tempo está no objeto” (Gagnebin, 2009GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2009., p. 11). O próprio Benjamin compreende a origem como um devir de algo ainda não nascido e na iminência da desaparição, ou seja, filosoficamente falando, o que Benjamin esperava de uma prática histórica articulada não era a busca de uma origem pura, mas a capacidade de observar uma dimensão micrológica da origem-redemoinho, impura (outra forma, talvez, de nomear as imagens reminiscentes evocadas por Panh):

Origem não designa o processo de devir de algo que nasceu, mas antes aquilo que emerge do processo de devir e desaparecer. A origem insere-se no fluxo do devir como um redemoinho que arrasta no seu movimento o material produzido no processo de gênese. O que é próprio da origem nunca se dá a ver no plano do factual, cru e manifesto. O seu ritmo só se revela a um ponto de vista duplo, que o reconhece, por um lado como restauração e reconstituição, e por outro como algo de incompleto e inacabado

(Benjamin, 2013BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., p. 34).

A perspectiva da origem como redemoinho de Walter Benjamin é oposta, por exemplo, à de Heidegger, que compreendia a origem enquanto enraizamento na terra-solo como fator determinante para a (a)firmação dos autóctones. Benjamin subverte a noção de origem-raiz heideggeriana. Enquanto uma é permanente, bem ancorada ao chão, e é isso que permite a Heidegger falar da terra, invólucro sobre si mesmo como o reino do Mesmo, do Imutável; a outra é impermanente, da ordem das alteridades, do que nos toma de assalto em sua outridade. O redemoinho surge de tempos em tempos, na maioria das vezes de forma imprevisível, no curso do rio. Fenômeno temporário, frágil, aparecendo e desaparecendo. A raiz está sempre no mesmo lugar, enquanto aquele sempre vagando aqui e ali, sempre onde menos se espera. Como a raiz é perpendicular do solo ao porão, distinguir entre superfície e fundo é tarefa simples. O redemoinho, com sua dinâmica fluida, traz as coisas das profundezas à superfície e as faz, da mesma forma, mergulhar de volta. Isso significa que a origem se dá, fundamentalmente, como sintoma do tempo soterrado.

Contudo, qual seria a origem impura das recordações de Rithy Panh? Não se constituiriam, precisamente, na dimensão mesma da terra, isto é, das anfractuosidades do Camboja com todos os seus pântanos e rios? E, ao mesmo tempo, por portarem a dimensão reminiscente do horror — e da sobrevivência —, não se constituem como recordações de temporalidades impuras, anacrônicas, que sintomaticamente não cessam de conduzir a sua escrita — o seu testemunho — aos olhos do mundo? Todo o esforço de Panh (porque não há testemunho possível de um genocídio que não implique uma exaustão física e psíquica) parece se concretizar nessa coragem de dizer a verdade ao custo, sem dúvida devastador, de fazer irromper as raízes do inconsciente e seus redemoinhos reminiscentes, ou seja, os pesadelos mais atrozes. Os testemunhos de Panh são formas, como ele mesmo anota, de “mostrar os pesadelos” (2013, p. 167).

Mostrar os pesadelos e retornar à terra materna

Se recorremos a Benjamin e sua célebre concepção acerca da origem é justamente para apontar, na origem impura das recordações de Rithy Panh, que o testemunho pode vincular-se abertamente à origem inconsciente, campo dos sonhos e pesadelos. Prolifera tenazmente nas dimensões reminiscentes tanto de L’élimination quanto de La paix avec les morts (este livro, inclusive, com um capítulo intitulado justamente “Pesadelos”) os retornos de seus pesadelos mais sufocantes.

Em A interpretação dos sonhos, de 1900, Freud (2019)FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos (Obras completas, v. 4). São Paulo: Companhia das Letras, 2019. já propunha fenômenos de alterações, metamorfoses e inatualidades na cena do sonho, pois ela é capaz de transcender as distâncias no tempo e espaço de maneira soberana. Quinze anos depois, Freud publica Considerações atuais sobre a guerra e a morte6 6 Esse título é da edição brasileira. Mas utilizamos aqui a versão portuguesa que tem por título Escritos sobre a guerra e a morte (Freud, 2009). , ensaio no qual constata a perturbação de nossa relação com a morte, uma maneira de dizer que ela transforma determinantemente nossa relação com o corpo, o tempo, o outro, com o nosso próprio pensamento: “desencaminhados andamos no significado por nós atribuído às impressões que nos oprimem e no valor dos juízos que formamos” (Freud, 2009FREUD, Sigmund. Escritos sobre a guerra e a morte. Covilhã: L.S. Press, 2009., p. 4). Ele, portanto, percebe que as misérias da guerra convergirão, cedo ou tarde, para uma miséria psíquica. No entanto, essa miséria pode chegar ao desespero ou à dessubjetivação total, devido àquela condição particular e inelutável que a guerra exerce ao nos colocar diante da morte.

Tais textos de Freud conservam um valor paradigmático, no sentido de que a situação descrita não é unilateral e deve ser compreendida por meio da articulação, para as recordações de Panh, como um pathos do luto que vem para contribuir potencialmente para a conversão do extermínio no ethos moral da vida política. Portanto, é preciso compreender a irrupção dos relatos de pesadelos nos livros de Rithy Panh como uma espécie de rituais de lamentação e luto, como processos destinados a materializar, a visualizar e, inclusive, a gestualizar ou poetizar essa relação complexa entre o acontecimento (o genocídio do KV), o afeto (pathos) e a (re)construção simbólica das relações genealógicas (sua família e seu país exterminados). O trabalho de Panh é, a um só tempo, reminiscente e enlutado: deixa entrever a morte envolvida em si (morte do próximo, morte tão próxima) e a morte arrancada de si (excessivamente próxima, mas que inesperadamente a ela se sobrevive).

Talvez mais do que seus importantes filmes documentais, os livros-testemunhos de Rithy Panh se constituam como formas de mostrar o horror mais pessoal, de mostrar aos olhos do mundo a faceta exterminante da condição humana. Daí que Panh, com toda razão poética ou filosófica, encontre na literatura o gesto artístico capaz de converter suas imagens reminiscentes e filiais em obra do testemunho:

Se eu fechar meus olhos hoje, me lembro de tudo. [...] Homens de preto contra o horizonte ardente. Tenho treze anos. Estou só. Se mantenho os olhos fechados, vejo o caminho. Sei onde fica a vala comum, atrás do hospital, só tenho que estender a mão: a vala está bem na minha frente. No entanto, abro os olhos a tempo. Não verei essa nova manhã, nem a terra recém-arada, nem o pano amarelado com que envolvemos os corpos. Vi muitos rostos, imóveis. Eu enterrei muitos homens com barrigas inchadas e bocas abertas

(Panh e Bataille, 2013PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La eliminación. Barcelona: Anagrama, 2013., p. 13).

Mais adiante uma recordação maternal irrompe — ainda que seja para deixar na boca, amargamente, uma mistura de açúcar e cinzas:

No meu aniversário, no dia seguinte, minha mãe encontrou um pouco de carne de porco, que ela conseguiu cozinhar no caramelo. Foi adorável e tão triste. Eu queria ir para casa. Queríamos ir para casa. Lembro-me das lágrimas. Não me esqueci daquela refeição, que me deixa um gosto de açúcar e cinzas na boca

(Panh e Bataille, 2020PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020., p. 42).

E quando, três décadas depois, Panh retorna ao lugar apesar de tudo (Didi-Huberman, 1995DIDI-HUBERMAN, Georges. Le lieu malgré tout. In: Ving. Siècle, n. 46, p. 36-44, 1995.) com seu irmão, um dos raros familiares que não morreu durante o período, escreve tais impressões envolvendo-as, como não poderia deixar de ser, na dimensão psíquica e reminiscente em que seu irmão se vê “dominado pela selva”, “numa emoção intensa”, e desejando entrar em contato com sua mãe e irmãs mortas:

Uma noite, venho aqui com meu irmão, caminhamos juntos. Há trinta anos ele estava esperando e temendo este momento. Ele é dominado pela selva. Não quer mais sair. Ele procura, se vira, numa emoção intensa. Nossa mãe e nossas irmãs estão lá, mas onde? Ele gostaria de entrar em contato com elas. Ele não quer deixá-las

(Panh e Bataille, 2020PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020., p. 53).

Quase como uma inversão da figura da Pietá: é o filho que porta e chora a mãe morta, moribunda. É Rithy Panh, o filho órfão, que usará a literatura para retornar, custe o que custar, às imagens reminiscentes de sua progenitora sempre que puder experimentar ou inventar uma linguagem própria para seu testemunho:

Aqui estou eu ao volante, em um sonho: estou levando mi- nha mãe para nossa casa em Phnom Penh. Eu nunca pude voltar lá desde que partimos no dia 17 de abril (de 1975). A casa então não existe mais: foi repintada, transformada em casa de jogo, vendida. Eu dirijo, devo ter quatorze anos. Uma foto aérea do grande hospital em Phnom Penh, onde meu cunhado trabalhava. Executado pelo Khmer Vermelho na beira da estrada, quando se ofereceu para tratar os feridos. [...] Minha mãe parece preocupada. De repente, como numa elipse cinematográfica, estamos ambos batendo o cimento: descubro então que nossa casa está abandonada. Minha mãe murmura: “Você precisa de fundamentos...” Senti-me esgotado, com esse coração perdido, (e com) tanto amor por minha mãe

(Panh e Bataille, 2020PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020., p. 88-89).

Retornar ao lugar de sua sobrevivência, porque ninguém retorna a um lugar em que nunca esteve. Retornar à terra materna, ainda que seja para conjurar a mãe morta. Retornar quando não há mais nada para ver, mesmo quando até as fundações já não existem mais ou foram profundamente modificadas. Mas é porque é o duplo lugar — o duplo espaço — do horror e da sobrevivência, da vida física e psíquica, que está em jogo. Panh sabe exatamente que é preciso retornar ao lugar infinitamente, mesmo embora não haja “nada mais para ver” (como o fez tão bem Claude Lanzmann). É preciso sempre retornar para que o trabalho reminiscente do testemunho — irrigado aqui, sem dúvida, pelo pesadelo atroz — se constitua como obra da sobrevivência.

Considerações finais

O que está no fundo dessa insistência de Rithy Panh em constantemente retornar ao lugar do horror? Talvez o desejo sem fim de testemunhar enquanto tal, isto é, a vocação de um sujeito de sempre recomeçar, de persistir — e repetir — apesar de tudo o que poderia afundá-lo, silenciá-lo. É o que Espinosa (2008, p. 243)ESPINOSA, Baruch de. Ética. Lisboa: Relógio D’Água, 2008., na Ética, chamou, em nível antropológico, de conatus, ou seja, a própria faculdade de desejar, o esforço tenso da própria vida; talvez também o que ele chamou, em um nível mais estritamente ético, de spes: esse afeto de esperança definido como uma “alegria inconstante nascida da imagem (ex imagine) de uma coisa futura ou passada”.

Nos livros-testemunhos de Panh não encontramos certamente nada otimista por natureza. Mas grande parte de sua potência — de sua faculdade de resistência, de sua própria virtude política e psíquica — parece advir da possibilidade ética que deve abrir o espaço de seu sofrimento e dos rostos de outrem. E isso passou decididamente por um trabalho de reminiscência. Isso exige que a sua potência de imaginação se constitua por meio de uma extrema sensibilidade ao tempo, uma maneira de sentir — ou de saber esperar — a transformação dos estados de coisas aparentemente mais imóveis, mais infelizes. A grande força do testemunho infinito de Panh reside em insistir — e repetir — rigorosamente na ideia mesma de que as coisas podem se tornar e se metamorfosear através do tempo, por mais angustiantes ou inelutáveis que possam parecer.

Por isso que, mesmo diante da assunção de que o testemunho jamais o libertará ou o salvará, Panh ousa insistir no próprio trajeto desse redemoinho da reminiscência que não cessa de jorrar no presente seus movimentos inesperados, suas formas impensáveis:

Testemunhar não liberta nem salva. Para um sobrevivente, sem livro, sem tela, sem amor, sem espelho, sem nova inocência a quem confiar a morte. Que ela esteja em outro lugar. Flutua em formas impensáveis e em movimento a cada segundo: um gesto, um som, uma imagem, a morte passa e continua a nos deixar viver

(Panh e Bataille, 2020PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020., p. 58).

Se Panh ousa testemunhar infinitamente é porque essas imagens reminiscentes ardem “no peito”, por meio do clamor ético que os rostos das vítimas a ele direcionam, e que não há uma manhã ou madrugada em que ele não acorde com a sensação terrível de estar “envolto em chamas” (Panh e Bataille, 2020PANH, Rithy; BATAILLE, Christophe. La paix avec les morts. Paris: Grasset, 2020., p. 75), daí que a história da vida de Panh — de sua sobrevivência — só poderia envolver-se, literalmente, em uma espécie de memória somática, corporal, na qual as imagens se agitam, estremecem e queimam.

“Testemunhar até o fim” é a condição fundamental que Panh (e como, antes dele, P. Levi ou A. Appelfeld, e, depois dele, S. Mukasonga ou I. Ilibagiza) concebe para suportar o mundo ao redor, para ser capaz de “sobreviver à própria sobrevivência” (Kertesz, 2004KERTESZ, Imre. A língua exilada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004., p. 24). Porque se comprometer a “testemunhar até o fim” (como de modo extraordinário fizera Klemperer com o seu LTI) é esperar infinitamente na linguagem no sentido de que esta seja capaz de revelar a verdade — por mais incompleta ou lacunar que seja a palavra da testemunha que a profere. Portanto, há em Panh um desejo de testemunhar sem fim para escrever e entender o que se sente tanto quanto um dever de testemunhar para observar, analisar ou elucidar a sua própria atualidade psíquica e temporal.

E por fim: porque Rithy Panh sabe muito bem que tudo o que se toca vem do passado, daí as incessantes e atrozes imagens reminiscentes que ele anota, reelabora, prescruta. Panh doma o desespero no recuar do tempo que, pelos contrastes experimentados entre sua existência cotidiana e a emergência de certas imagens da memória, só faz acentuar a condição trágica, mas fundamental, do trabalho infinito de seu testemunho.

  • 1
    Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no XXXII Encontro Anual da Compós, no Grupo de Trabalho Comunicação e Experiência Estética na Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, de 3 a 7 de julho de 2023, e publicada nos anais do evento.
  • 2
    A partir de agora, o termo Khmer Vermelho aparecerá abreviado como KV.
  • 3
    Para mais desdobramentos sobre o cinema de Rithy Panh, longamente debatido nas últimas duas décadas, ver a obra de Sánchez-Biosca (2017)SÁNCHEZ-BIOSCA, Vicente. Miradas criminales, ojos de víctima. Buenos Aires: Prometeo, 2017., que destinou aos seus filmes textos importantes. Também recomendamos o livro organizado por Barnes e Mai (2021)BARNES, Leslie; MAI, Joseph. The Cinema of Rithy Panh. New Jersey: Rutgers U. Press, 2021., além da tese de doutorado de Ito (2021)ITO, Tomyo. A elaboração da memória em Rithy Panh. 257f. Tese (Doutorado em Comunicação) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH), Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021. e dos ensaios, em uma dimensão mais filosófica, que publicamos recentemente (Lessa Filho; Vieira, 2022LESSA FILHO, Ricardo; VIEIRA, Frederico. Perante o rosto violado: o Mugshot de Bophana e a tragédia do Camboja. In: MATRIZes, v. 16, n. 2, p. 239-260, 2022, 2023LESSA FILHO, Ricardo; VIEIRA, Frederico. Entre o Perdão e o Testemunho: Vann Nath e as imagens reminiscentes do genocídio cambojano. In: Revista FAMECOS, v. 30, n. 1, p. 1-17, 2023.).
  • 4
    Utilizamos a versão em espanhol, conforme está nas referências.
  • 5
    Como Rithy Panh faz questão de ressaltar nos livros, não foram nada irrelevantes os intelectuais de esquerda, na França ou nos Estados Unidos, que apoiaram o regime do KV. Alguns desses nomes mencionados por Panh são, por exemplo, Badiou e Chomsky.
  • 6
    Esse título é da edição brasileira. Mas utilizamos aqui a versão portuguesa que tem por título Escritos sobre a guerra e a morte (Freud, 2009FREUD, Sigmund. Escritos sobre a guerra e a morte. Covilhã: L.S. Press, 2009.).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2023
  • Aceito
    02 Nov 2023
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