Acessibilidade / Reportar erro

A música e a estrutura cinematográfica dos filmes de Robert Bresson

The Music in the cinema of Robert Bresson

ALVIN, L. B.. A música no cinema de Robert Bresson. Curitiba: Appris, PUC-Rio, 2017. 335.

Resumo

Esta resenha apresenta o livro A música no cinema de Robert Bresson, de Luiza Beatriz Amorim Melo Alvin, destacando as análises musicais detalhadas, realizadas pela autora, para entender a relevância da música na estruturação do pensamento cinematográfico do cineasta.

Palavras-chave
Robert Bresson; música; som

Abstract

This review presents Luiza Beatriz Amorim Melo Alvin's book: The music in the cinema of Robert Bresson, emphasizing the detailed musical analysis performed by the author, in order to understand the relevance of the music in the structuring of the cinematographic thought of the filmmaker.

Keywords
Robert Bresson; music; sound

O livro A música no cinema de Robert Bresson é uma análise dos filmes do cineasta realizada sob a forma de categorização das ideias musicais recorrentes no conjunto da obra.

No início desta resenha, é importante enfatizar a abordagem singular escolhida pela autora para a análise da sonoridade na filmografia do cineasta. Como a própria autora aponta, a sonoridade dos filmes de Bresson costuma ser estudada, academicamente, partindo do viés do uso dos efeitos sonoros de forma criativa. Por esse motivo, em um primeiro momento, a música parece não ser uma sonoridade prioritária na obra de Bresson. Alvin (2017) utiliza justamente essa característica para lançar um novo olhar para o conjunto de filmes. Ao buscar entender de que forma Bresson concebia os filmes, a autora destaca a utilização do ritmo como um elemento fundante da estrutura cinematográfica do cineasta. Entendendo o processo criativo de Bresson como uma ação que cria ordem para o material com base no ritmo, as sonoridades musicais puderam ser abordadas.

Para a estruturação do livro, a autora partiu da divisão entre música diegética e música extradiegética, separando a filmografia do cineasta em três grandes fases: as duas primeiras, que compreendem a música extradiegética; e a última, que compreende prioritariamente a música diegética. Para além disso, Alvin (2017) trata da voz dos personagens, da voz off e dos efeitos sonoros, também como material musical, utilizando o conceito de paisagem sonora de Schafer (2001)SCHAFER, M. A afinação do mundo. São Paulo: Unesp, 2001..

O primeiro capítulo é dedicado à música extradiegética, incluindo tanto a música original, composta por Jean-Jacques Grünenwald, parceiro de Bresson, quanto a música preexistente, aquela pertencente ao repertório de música erudita1 1 Denominada pela autora de “música clássica”. . Logo no início da discussão, Alvin (2017) destaca a repetição e a variação como características musicais importantes para essas composições. Após definir o compositor como um organista influenciado pela tradição romântica-tardia e impressionista, discorre sobre a importância dos temas e dos leitmotivs nas trilhas musicais, enfatizando que o próprio Bresson requisitava, à época, a utilização de temas que fossem recorrentes durante a obra. Em filmes como As damas do Bois de Boulogne, Anjos do pecado e Diário de um padre, os temas foram utilizados seguindo a estrutura convencional da música aplicada ao cinema, quer dizer, acompanhando o aparecimento de personagens, situações específicas e/ou sublinhando os créditos dos filmes.

Na sequência, a autora inicia a análise da segunda fase de produção do cineasta, quando a música predominante continua sendo a extradiegética, porém utilizando música preexistente. Dentre os analisados dessa fase, estão os filmes Um condenado à morte escapou, Pickpocket, A grande testemunha e Mouchette. Destacando a oposição e o contraste, existe uma comparação entre as narrativas contemporâneas e as músicas selecionadas (como o Kyrie da Missa em dó menor K427 de Wolfgang Amadeus Mozart, a Suíte n. 7 em sol menor de Jean-Baptiste Lully e o Andantino em fá sustenido menor da Sonata D959 de Franz Schubert), que explicitam a preferência do cineasta pela música barroca e clássica (que pode ser identificada tanto nas músicas originalmente compostas para os filmes, quanto nas músicas preexistentes utilizadas).

No segundo capítulo, a autora trata da música diegética, que é o tipo de música mais relevante no conjunto da obra de Bresson. A música diegética esteve sempre justificada no mundo narrativo do cineasta. Nos três primeiros longas-metragens, também existem momentos em que a música do compositor Jean-Jacques Grünenwald se torna diegética. Porém, já que no decorrer da vida profissional, Bresson evitou progressivamente o uso da música extradiegética, a análise da música extradiegética se concentra em filmes como A grande testemunha, Mouchette, Quatro noites de um sonhador e O diabo, provavelmente, integrantes do que foi denominado por Alvin (2017) de segunda e terceira fases cinematográficas de Bresson. A música diegética, nesses filmes, evidenciam dois aspectos: a crítica e o reflexo do mundo.

Nos dois primeiros, a trilha sonora é constituída por diversos gêneros, como rock, jazz e canções francesas de sucesso com letra de fácil memorização, divididas em estrofes e refrão. Nesses filmes, Bresson criticou cinematograficamente a desatenção e a falta de comprometimento da juventude, assim como fez em trechos do livro Notas sobre o cinematógrafo (BRESSON, 1977BRESSON, R. Notes on Cinematography. New York: Urizen, 1977.). Nos dois últimos, a música popular é predominante, o que enfatiza a contemporaneidade da narrativa, que trata da juventude parisiense dos anos 1970. Nesses filmes, ao invés de reforçar a crítica, Bresson parece mais preocupado em retratar a contemporaneidade da juventude dos anos 1970. Em Quatro noites de um sonhador, por exemplo, a música se torna protagonista. Nessa obra, que só contém música diegética, ouve-se a música do grupo Batuki, formado por brasileiros e angolanos. As canções possuem letras em português, que muitas vezes retratam textualmente o que vai acontecer na história. A música é de contemplação, estabelecendo relações com imagens, sentimentos e emoções; sendo mais um personagem na história.

No terceiro capítulo, a autora aborda os efeitos sonoros e as vozes, enfatizando a organização musical presente em cada uma dessas sonoridades, com base no conceito de paisagem sonora de Murray Schafer. Iniciando com uma categorização similar à proposta por Schafer (2001)SCHAFER, M. A afinação do mundo. São Paulo: Unesp, 2001., Alvin (2017) separa os filmes do cineasta, considerando a predominância da paisagem do campo e da paisagem urbana em cada uma das obras. Apesar de não se limitar a essa abordagem, é um ponto de início interessante na medida em que situa previamente o leitor já familiarizado com a teoria. Para justificar a aproximação entre os efeitos sonoros e a música, o ritmo novamente ganha posição de destaque. A ideia da repetição é retomada no aspecto visual, no aspecto estritamente musical e no aspecto amplo da compreensão de todas as sonoridades da trilha sonora. Além disso, são aplicados alguns conceitos musicais na análise das sonoridades, como a utilização das métricas relativas ao binário, ao ternário e ao quaternário para análise do ritmo da emissão vocal dos modelos (atores/personagens) de Bresson.

Bresson discute o elemento musical na obra cinematográfica por meio de uma análise detalhista de toda a filmografia do cineasta. Apesar de iniciar apresentando uma tabela que pretende situar o leitor na ordem cronológica da produção de longas-metragens do cineasta (dividindo a análise em três grandes fases), no decorrer da leitura, fica claro que a autora cria as categorias seguindo as ideias sonoras que se relacionam com a narrativa, muito mais do que a ordem cronológica. Um exemplo acontece nos vínculos narrativos realizados entre o elemento da água e as mais diversas situações, como o nome do personagem Fontaine em Um condenado à morte escapou, e a pureza do som da água correndo nas mais variadas formas, como em O dinheiro e Uma mulher suave. Além disso, o ritmo e a estrutura formal se tornam aspectos fundamentais para a análise, na medida em que organizam o pensamento não apenas musical, mas também cinematográfico do cineasta. No caso da música preexistente, por exemplo, ao criar analogias entre a forma da música no filme e a forma da música original escolhida para compor a trilha musical, Bresson cria um filme estruturalmente musical. Ao final, o livro prova para o leitor que a música é um elemento sonoro imprescindível para a compreensão do pensamento cinematográfico de Robert Bresson.

  • 1
    Denominada pela autora de “música clássica”.

Referências

  • BRESSON, R. Notes on Cinematography. New York: Urizen, 1977.
  • SCHAFER, M. A afinação do mundo. São Paulo: Unesp, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018
Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica - PUC-SP Rua Ministro Godoi, 969, 4º andar, sala 4A8, 05015-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3670 8146 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: aidarprado@gmail.com