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O cangaceiro na França: do Festival de Cannes ao lançamento nas salas de cinema1 1 O presente trabalho traz novos dados e informações sobre um dos temas que foram inicialmente apontados na tese de doutorado desta autora, a qual foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PPGCTS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e defendida em junho de 2023.

O cangaceiro in France: from the Cannes Film Festival to the release in cinemas

Resumo

Este artigo examina a passagem do filme O cangaceiro, de Lima Barreto, nas salas de cinema da França, cujo circuito exibidor se estendeu regularmente por oito anos (1953-1960) e ainda contou com sessões esporádicas entre 1961 e 1982, somando mais de 1,7 milhão de espectadores, feito inédito para um filme brasileiro até os dias de hoje. Para isso, será analisado o papel da distribuidora norte-americana Columbia Pictures, assim como os reflexos da exibição e premiação do filme no Festival de Cannes de 1953. A pesquisa apresenta e destrincha dados estatísticos históricos e inéditos obtidos no Centre National du Cinéma et de l’Image Animée (CNC) e também avalia a recepção da crítica francesa em textos consultados nos periódicos da Bibliothèque Nationale de France (BnF) e da Cinémathèque Française.

Palavras-chave
O cangaceiro ; Festival de Cannes; distribuição cinematográfica; cinema brasileiro; França

Abstract

This article examines the premiere of the film O cangaceiro, by Lima Barreto, in French cinemas, which had a regular exhibition circuit of eight years (1953-1960) and also sporadic screenings between 1961 and 1982, totalling more than 1,7 million tickets sold, an unprecedented fact for a Brazilian film to this day. To this end, the role of the North American distribution company Columbia Pictures will be analysed, as well as the consequences of the film’s screening and awards in the 1953 Cannes Film Festival. This research is based on official historical data obtained from the Centre National du Cinéma et de l’Image Animée (CNC), and on specialized magazines and newspapers consulted at the Bibliothèque Nationale de France (BnF) and the Cinémathèque Française.

Keywords
O cangaceiro ; Cannes Film Festival; film distribution; Brazilian cinema; France

Introdução

O cangaceiro é reiteradamente lembrado como o filme mais custoso2 2 Segundo Jean-Claude Bernardet (2009, p. 126), “O cangaceiro custa uns 10 milhões de cruzeiros antigos, numa época em que ainda se faziam filmes por 800 mil ou 1 milhão”. Carlos Augusto Calil (2002, p. 169) também aponta para a cifra de 10 milhões de cruzeiros, superando o orçamento de Sinhá Moça (Tom Payne, 1953), produção anterior da Vera Cruz e que já tinha sido considerada a mais cara até então, mas que ficou na marca dos 9,5 milhões de cruzeiros. da produtora Vera Cruz e acabou se tornando um dos maiores símbolos da história do cinema brasileiro. Essa simbologia está atrelada em parte aos percalços da própria produção3 3 Para mais detalhes sobre as dificuldades do processo de realização de O cangaceiro, ver Galvão (1981). Neste livro, a autora traz depoimentos inéditos da equipe da Vera Cruz que produziu o filme e conviveu por quase um ano com o diretor Lima Barreto. e, em outra, ao seu alcance e premiações no Festival de Cannes, que impulsionaram a sua distribuição internacional realizada pela major norte-americana Columbia Pictures, cujos rendimentos de bilheteria não retornaram para a produtora brasileira (Figueiró, 2023FIGUEIRÓ, Belisa. O cinema brasileiro no Festival de Cannes (1949-2017): Políticas de internacionalização e abertura de mercado. 2023. 342p. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2023.).

Ao longo dos últimos 70 anos, foram muitas as especulações sobre a dimensão que o filme teria tomado no exterior, gerando lendas e anedotas cinematográficas das mais diversas, ainda que uma boa parte delas convergisse para um ponto em comum: o sucesso que O cangaceiro teria conquistado entre o público europeu, produzindo lucros volumosos apenas para a distribuidora dos Estados Unidos. A recorrência desses discursos, porém, não era acompanhada de dados que comprovassem tal feito, e essa lacuna motivou a realização desta pesquisa, cujo recorte é o circuito exibidor da França, país sede do Festival de Cannes, que, àquela altura, já era o maior festival de cinema do mundo e estava no radar da produtora brasileira.

Desde a sua criação na virada para os anos 1950, a Vera Cruz almejava realizar filmes com uma suposta qualidade internacional, com claros objetivos de lançá-los no mercado externo. Nesse contexto, a ascendência dos festivais europeus no pós-guerra — sobretudo Cannes, em 1946, e Berlim, em 1951 — era crescente e não demorou muito para que os dirigentes do estúdio percebessem que esses eventos seriam a melhor porta de entrada para uma circulação além-mar.

É nessa conjuntura também, segundo Maria Rita Galvão (1981)GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso da Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Embrafilme, 1981., que surge uma “reafirmação do cinema no mundo todo, sobretudo de um cinema entendido como forma de participação cultural” e, “enquanto possibilidade, o cinema se internacionaliza”. A retomada da produção cinematográfica de forma regular em diferentes países no pós-guerra incitou uma “grande expectativa com relação a outros tipos de filmes que não os de Hollywood”, desencadeando um “enorme interesse em torno do cinema, que acaba atingindo o Brasil” (idem, 1981). Para além da novidade sociocultural, os festivais começavam a assumir o papel fundamental de difusão dessas novas produções, “na medida em que abriam a possibilidade de colocação de filmes no mercado internacional” (Galvão, 1981GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso da Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Embrafilme, 1981., p. 40).

Embora houvesse essa abertura para novas nacionalidades na programação dos festivais, os filmes estrangeiros que efetivamente figuravam nas listas oficiais eram aqueles que seguiam certa tendência de linguagem e padrões técnicos muito inspirados no que se fazia na Europa ou nos Estados Unidos. No caso da Vera Cruz, a influência era manifestamente hollywoodiana, seguindo um modelo de studio system, no qual havia uma linha de produção com certa regularidade de filmes, profissionais técnicos e atores contratados com exclusividade, e a busca por uma exportação que rendesse bons dividendos (Figueiró, 2023FIGUEIRÓ, Belisa. O cinema brasileiro no Festival de Cannes (1949-2017): Políticas de internacionalização e abertura de mercado. 2023. 342p. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2023.).

De acordo com Arthur Autran (2009, p. 2)AUTRAN, Arthur. Ilusões, dúvidas e desenganos: a Vera Cruz e o Cinema Independente frente à questão da indústria. In: GATTI, André Piero; FREIRE, Rafael de Luna. (org.). Retomando a questão da indústria cinematográfica brasileira. Rio de Janeiro: Caixa Cultural: Tela Brasilis, 2009., a Vera Cruz procurava concretizar o “modelo de industrialização defendido desde os anos 1920 pelos principais ideólogos do pensamento industrial cinematográfico”, tendo o “modelo hollywoodiano de produção caracterizado pelo studio system um verdadeiro dogma” (idem, 2009). Ao mesmo tempo, “pretendia-se produzir filmes que tivessem circulação mundial, conforme se percebe no lema da empresa: ‘Do planalto abençoado para as telas do mundo’ ” (Autran, 2009AUTRAN, Arthur. Ilusões, dúvidas e desenganos: a Vera Cruz e o Cinema Independente frente à questão da indústria. In: GATTI, André Piero; FREIRE, Rafael de Luna. (org.). Retomando a questão da indústria cinematográfica brasileira. Rio de Janeiro: Caixa Cultural: Tela Brasilis, 2009.).

Na Vera Cruz, portanto, muitos esforços seriam canalizados com o intuito de atingir um padrão de qualidade estética e técnica capaz de levar os filmes ao circuito dos festivais. O foco inicial foi direcionado ao Festival de Cannes, no qual foi exibido o primeiro filme da produtora — Caiçara, de Adolfo Celi, em 1951 —, e em 1952, Tico-tico no fubá, do mesmo diretor.

Na sequência, foi a vez de O cangaceiro, de Lima Barreto, em 1953, objeto central deste artigo. O Festival de Cannes, nesse sentido, será analisado como o abre-alas para o mercado francês, impulsionando o lançamento do longa-metragem meses depois. As estratégias de distribuição da Columbia Pictures para levar O cangaceiro às salas de todo o país, alcançando um público inédito até os dias de hoje para um filme brasileiro na França, também serão observadas com o intuito de verificar, na medida do possível, de que forma a major atuou nesse processo. Para isso, esta pesquisa se baseia nos dados brutos e oficiais obtidos com o departamento de Direction du Cinéma — Service des Entrées en Salles do Centre National du Cinéma et de l’Image Animée (CNC), assim como nos periódicos consultados presencialmente na Bibliothèque Nationale de France (BnF) e na Cinémathèque Française, em Paris.

O cangaceiro no Festival de Cannes

O cangaceiro foi exibido na edição de 1953 — ocorrida entre os dias 15 e 29 de abril — e deixou o Festival de Cannes com o inédito Prêmio Internacional de Melhor Filme de Aventura e uma Menção Especial pela música “Mulher rendeira”. A competição já era acirrada, com 35 longas-metragens, e reunia cineastas consagrados ou que estavam começando a despontar na cinematografia mundial. Entre eles figuravam Alfred Hitchcock, com A tortura do silêncio/I confess (1953); Henri-Georges Clouzot, com O salário do medo/Le salaire de la peur (1953); Jacques Tati, com As férias do sr. Hulot/Les vacances de monsieur Hulot (1953); John Ford, com O sol brilha na imensidão/The sun shines bright (1953); Laszlo Vajda, com Mascarada do amor/Doña Francisquita (1952); Luis Buñuel, com O alucinado/Él (1953); Vittorio De Sica, com Quando a mulher erra/Stazione termini (1953). Naquela edição, também concorria a animação Peter Pan (1953), produzida por Walt Disney e dirigida por Clyde Geronimi, Hamilton Luske e Wilfred Jackson (Figueiró, 2023FIGUEIRÓ, Belisa. O cinema brasileiro no Festival de Cannes (1949-2017): Políticas de internacionalização e abertura de mercado. 2023. 342p. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2023.).

O júri foi composto por 11 membros — sendo dez deles nascidos na França e todos atuantes no cinema francês — liderados pelo cineasta, poeta e dramaturgo Jean Cocteau. Além dele, estavam: Louis Chauvet, crítico responsável pelas páginas de cinema do jornal direitista Le Figaro; Guy Desson, representante da Comissão Imprensa-Rádio-Cinema na Assembleia Nacional; Philippe Erlange, sub-diretor encarregado do intercâmbio artístico no Ministério de Relações Internacionais; a atriz Renée Faure; Jacques-Pierre Frogerais, presidente do Sindicato Geral da Produção Cinematográfica Francesa; Abel Gance, cineasta, roteirista e produtor; André Lang, presidente da Associação Francesa da Crítica Cinematográfica; Georges Raguis, representante da Federação Nacional dos Cinemas Franceses; Georges Van Parys, compositor de trilha sonora de filmes; e o belga Charles Spaak, que era presidente do Sindicato dos Roteiristas e foi vice-presidente desse júri (Figueiró, 2023FIGUEIRÓ, Belisa. O cinema brasileiro no Festival de Cannes (1949-2017): Políticas de internacionalização e abertura de mercado. 2023. 342p. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2023.).

Um dos periódicos da época consultados para este trabalho foi o semanário Le Film Français. A sua edição especial, publicada semanas antes do início do evento, trazia o Regulamento do Festival de Cannes 1953 completo, o qual indicava no artigo 10º que somente dois prêmios eram obrigatórios: Grand Prix (Grande Prêmio) do Festival Internacional do Filme 1953, e o Prix Special (Prêmio Especial) da Melhor Seleção Nacional. Outros seis prêmios seriam determinados conforme as características das obras que o júri considerasse relevantes. É por essa razão que aquele júri, em particular, decidiu entregar o Prêmio de Melhor Filme de Aventura para O cangaceiro. O Grand Prix acabou sendo arrebatado pela produção francesa O salário do medo (Le salaire de la peur), do cineasta Henri-Georges Clouzot (Figueiró, 2023FIGUEIRÓ, Belisa. O cinema brasileiro no Festival de Cannes (1949-2017): Políticas de internacionalização e abertura de mercado. 2023. 342p. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2023.).

Vale frisar que essas seis categorias indeterminadas de premiação não correspondem à dinâmica atual do Festival de Cannes. Naquela época, somente após assistir a todos os filmes selecionados para aquele ano, o júri tinha a incumbência de definir a classificação de cada troféu entregue. Dessa forma, não havia uma relação de prêmios característicos deste festival. Ou seja, oficialmente e de antemão, as equipes de produção não sabiam quais seriam os requisitos específicos avaliados pelos jurados, e não havia muita preocupação com a transparência dos critérios de avaliação. Embora não fosse considerado um problema, pelos parâmetros contemporâneos, fica bastante claro que essa prática também não contribuía para o bom andamento do trabalho dos jurados, pois não facilitava a aplicação de um método de análise durante o visionamento. Toda essa dinâmica, portanto, tornava as escolhas bastante aleatórias e subjetivas, e não diminuía a possibilidade de reforçar um padrão estético de Cannes já naquela época, tanto que os filmes premiados igualmente acabavam se tornando referenciais para as obras futuras (Figueiró, 2023FIGUEIRÓ, Belisa. O cinema brasileiro no Festival de Cannes (1949-2017): Políticas de internacionalização e abertura de mercado. 2023. 342p. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2023.).

Em 1953, a atriz e cantora Vanja Orico representou a equipe de O cangaceiro durante o Festival de Cannes. Le Film Français destacou que, no dia 16 de abril, “uma das estrelas femininas do filme, Vanja Orico, uma jovem mestiça ítalo- indígena de vinte anos”, assistiu à projeção e foi “longamente aplaudida no final da sessão” (Les Projections de la Deuxième Journée, 1953LES PROJECTIONS de la Deuxième Journée. In: Le Film Français, p. 4, 01 maio 1953., p. 4). Pelos registros fílmicos oficiais realizados ao longo daquele festival, encontrados nos arquivos do Institut National de l’Audiovisuel (INA), a atriz também aparece ao lado de outras vedetes da época em almoços com os jurados. Não foram localizadas imagens que indicassem a presença do diretor Lima Barreto ou dos dirigentes da Vera Cruz no Festival de Cannes 1953 (Figueiró, 2023FIGUEIRÓ, Belisa. O cinema brasileiro no Festival de Cannes (1949-2017): Políticas de internacionalização e abertura de mercado. 2023. 342p. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2023.).

Em termos de recepção crítica, a maioria dos textos catalogados nos arquivos parisienses data do lançamento do filme, em setembro daquele mesmo ano, como veremos a seguir. No entanto, vale sublinhar que o balanço daquela edição do Festival de Cannes publicado na revista Cahiers du Cinéma, em maio de 1953, foi assinado por André Bazin e mencionava a passagem d’O cangaceiro neste trecho em que ele analisa os impactos financeiros e os rumos que o festival tomava:

É claro que a importância econômica do Festival de Cannes é uma garantia mais segura de sua existência do que seu escopo exclusivamente artístico. Nós também não temos a ingenuidade de negar que as intenções comerciais não possam eventualmente servir à arte. Um festival pode provar que a qualidade compensa. [...] Alertados por esses exemplos, os países de produção até então desajeitados comercialmente estão se esforçando para fazer uma imagem honrosa: dessa forma, este ano foi o Brasil. O sucesso de O cangaceiro em Cannes certamente fará muito mais pela exportação de um cinema brasileiro em desenvolvimento do que todos os esforços dos viajantes de comércio do cinema. Mas se a qualidade artística pode ser a consequência da emulação comercial, o raciocínio e a experiência provam que a arte frequentemente sofre com os interesses econômicos. Portanto, não devemos esconder o perigo que representa a dependência, cada vez maior, do Festival de Cannes ao seu aspecto mercantil.

(Bazin, 1953BAZIN, André. Pour un festival a trois dimensions. In: Cahiers du Cinéma, Paris, n. 23, p. 5-15, maio 1953., p. 14, tradução nossa).

Para O cangaceiro, nos interessa aqui analisar justamente os desdobramentos do filme após esse sucesso em Cannes, com foco no mercado francês, buscando compreender tais impactos diretos no público e na crítica.

Lançamento e recepção em Paris

No rastro efusivo da première no Festival de Cannes, a major norte-americana Columbia Pictures iniciou a distribuição europeia d’O cangaceiro naquele mesmo ano, com o intuito de aproveitar o burburinho e a curiosidade que o filme despertava no público e na crítica presentes no evento.

Nos primórdios da Vera Cruz, a Universal fora o estúdio norte-americano que distribuiu os seus primeiros filmes. Pouco tempo depois, a Columbia Pictures assumiu essa função, permanecendo até os últimos suspiros da produtora brasileira. A escolha por distribuidoras dos Estados Unidos estava diretamente relacionada com a busca pelo padrão e o alcance internacionais, mas, naquela época, os dirigentes não conseguiam enxergar que este seria um dos seus erros fatais, que levaria a produtora à bancarrota rapidamente.

Embora O cangaceiro tenha vendido milhões de ingressos pelo mundo, os lucros das vendas internacionais não voltaram para as contas bancárias da Vera Cruz. O acordo de distribuição no exterior foi assinado a um preço fixo, com valor considerado abaixo do que era praticado no mercado, mas que poderia cobrir uma parte das dívidas da produtora. Simultaneamente, os direitos foram transferidos para a Columbia, e esse contrato não previa o retorno das transações financeiras para o Brasil (Figueiró, 2023FIGUEIRÓ, Belisa. O cinema brasileiro no Festival de Cannes (1949-2017): Políticas de internacionalização e abertura de mercado. 2023. 342p. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2023.).

Como bem explica Arthur Autran (2009, p. 3)AUTRAN, Arthur. Ilusões, dúvidas e desenganos: a Vera Cruz e o Cinema Independente frente à questão da indústria. In: GATTI, André Piero; FREIRE, Rafael de Luna. (org.). Retomando a questão da indústria cinematográfica brasileira. Rio de Janeiro: Caixa Cultural: Tela Brasilis, 2009., “a Vera Cruz emulou Hollywood tal como ela era compreendida no Brasil e não de fato como a indústria se estruturou nos Estados Unidos”. Ou seja, faltou-lhe a percepção fundamental de que a verticalização era o pilar basilar do studio system, no qual uma mesma empresa controla a produção, a distribuição e a exibição dos filmes.

A Vera Cruz apenas se dedicava à produção e não se envolvia direta nem indiretamente com a distribuição (muito menos com a exibição), delegando tal encargo para a distribuidora norte-americana, sem dimensionar as perdas financeiras que isso lhe traria. Portanto, na Vera Cruz,

[...] não se tinha na devida conta as dificuldades no estabelecimento de um padrão que levasse em consideração a relação entre custos, qualidade do produto e as potencialidades concretas do mercado. Finalmente, não havia consciência das dificuldades de implantação e transplantação para o Brasil do processo industrial de produção cinematográfica, das barreiras à circulação de filmes pelo mundo e da necessidade de domínio do mercado interno

(Autran, 2009AUTRAN, Arthur. Ilusões, dúvidas e desenganos: a Vera Cruz e o Cinema Independente frente à questão da indústria. In: GATTI, André Piero; FREIRE, Rafael de Luna. (org.). Retomando a questão da indústria cinematográfica brasileira. Rio de Janeiro: Caixa Cultural: Tela Brasilis, 2009., p. 3).

Os testemunhos coletados por Maria Rita Galvão (1981)GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso da Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Embrafilme, 1981. denotam que a preocupação com a qualidade estética se sobrepunha a todos os demais requisitos. Ao entregar a distribuição para a Columbia Pictures, a produtora nem mesmo participava das estratégias comerciais para as vendas internacionais, menos ainda para a difusão nos festivais.

Para compreender como o lançamento se deu na França, foram examinados os dados oficiais do CNC, dissecados em dezenas de planilhas comparativas. O cangaceiro estreou inicialmente apenas em Paris, no dia 16 de setembro de 1953, e ficou circulando regularmente pelas salas de cinema do interior da França por oito anos — até 1960 —, alcançando a marca de 1.724.826 espectadores. Entre 1961 e 1982, também há registros oficiais de exibições por todo o país — embora não tão regulares — fechando um total de 1.742.390 pessoas que assistiram ao longa-metragem em sessões comerciais, em 1.293 cidades.

Com isso, começava a se desenhar uma carreira internacional, introduzindo o cinema brasileiro aos olhos dos cinéfilos franceses —, projetando não apenas o filme no exterior, mas também o tema do cangaço de maneira mais ampla. Na mesma esteira, a música “Mulher rendeira” foi regravada em diversas línguas, inclusive em francês, e a cantora Vanja Orico se apresentou até mesmo em programas da TV francesa em 1956, interpretando a canção (Figueiró, 2023FIGUEIRÓ, Belisa. O cinema brasileiro no Festival de Cannes (1949-2017): Políticas de internacionalização e abertura de mercado. 2023. 342p. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2023.).

Historicamente, o período também foi bastante favorável para os resultados d’O cangaceiro. Naquele momento, a televisão ainda não tinha se estabelecido e assistir aos filmes em um cinema era um verdadeiro acontecimento, muito apreciado pelo público no pós-guerra.

Entre 1950 e 1957, os franceses frequentaram as salas de maneira contínua e jamais registrada em outra época, atingindo uma média anual de 383 milhões de ingressos vendidos. Só em 1957, foram 412 milhões de espectadores (Creton, 2014CRETON, Laurent. Histoire économique du cinéma français dans les années 1950 et 1960: quelques analyses sur la fréquentation, la concentration et les parts de marché. In: VEZYVROGLOU, Dimitri. (org.). Le cinéma: une affaire d’État (1945-1970). Paris: Direction de l’information légale et administrative, 2014. p. 103-120.).

Em termos de market share, eram os filmes franceses que dominavam a programação e as vendas dos ingressos. Em 1953, 47% da bilheteria foi registrada para as produções francesas, contra 35% para as obras norte-americanas , e apenas 18% para filmes de outros países. Em 1954, a alteração foi mínima: 47% para os filmes franceses, 34% para os filmes norte-americanos e 19% para os filmes de outras nacionalidades (Figueiró, 2018FIGUEIRÓ, Belisa. Coprodução de cinema com a França: mercado e internacionalização. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2018.).

Vale destacar também que, depois d’O cangaceiro, nenhum outro longa-metragem brasileiro alcançou um público tão amplo nas salas de cinema francesas. Em termos de comparação, O pagador de promessas (Anselmo Duarte, 1962) — o único filme brasileiro que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes até os dias de hoje —, vendeu 205.610 ingressos na França. Depois de O cangaceiro, a maior bilheteria nas salas francesas foi a de Central do Brasil (Walter Salles, 1998), com 889.565 espectadores, filme que tem coprodução minoritária da França (Figueiró, 2018FIGUEIRÓ, Belisa. Coprodução de cinema com a França: mercado e internacionalização. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2018.).

O relatório oficial do CNC sobre o parque exibidor e os filmes exibidos em 1953 informa que, naquela época, os longas-metragens estreavam em Paris, onde as salas tinham exclusividade por até seis semanas. Em alguns casos, uma cidade de província poderia lançá-lo também, mas não era a prática corrente. Dentro da capital, depois de estrear nas salas principais — que eles chamavam de salles de première exclusivité —, o filme poderia permanecer em cartaz nas salas de continuação (que cobravam um ingresso mais barato) e, posteriormente, seguiam para as salas de bairro (com preços ainda mais em conta). Em 1953, Paris possuía 30 salles de première exclusivité, 25 salas de continuação e mais 275 salas de bairro. Total de 330 salas de cinema na capital. Em toda a França, funcionavam 5.800 salas (CNC, 2019FRANÇA. Centre National du Cinéma et de l’Image Animée (CNC). 1953 – Toutes les données chiffrées/Le box-office. Paris, 2019. Disponível em: <https://www.cnc.fr/cinema/etudes-et-rapports/box-office/boxoffice-1953_975178>. Acesso em: 15 fev. 2024.
https://www.cnc.fr/cinema/etudes-et-rapp...
, p. 4).

O lançamento parisiense de O cangaceiro se deu em uma quarta-feira, como era de praxe, em apenas duas salles de première exclusivité: Avenue e Le Vendome. Naquela semana, o filme foi visto por 12.324 pessoas, número que foi aumentando significativamente ao longo dos meses seguintes.

Entre 16 de setembro e 03 de novembro de 1953, O cangaceiro ficou sete semanas seguidas em cartaz nas mesmas salas, chegando a 57.620 espectadores. Em 16 de dezembro, uma cópia retornou a Paris e foi exibida por mais duas semanas somente na sala Studio Agriculteurs, somando mais 7.173 espectadores, encerrando o ano com 64.793 ingressos vendidos apenas na capital4 4 No relatório geral do CNC (2019, p. 6), referente ao período de setembro a dezembro de 1953, encontramos alguns dos principais filmes concorrentes de O cangaceiro, em Paris: Moulin Rouge (John Huston, 1953), Peter Pan (Clyde Geronimi, Hamilton Luske, Wilfred Jackson, 1953), Os três mosqueteiros/Les trois mousquetaires (André Hunebelle), Desejos proibidos/Madame De (Max Ophüls), entre outros. .

Tamanha repercussão se deve não apenas aos resultados em Cannes, mas também pode ser diretamente associada à boa recepção da crítica parisiense e à forte campanha publicitária realizada pela distribuidora, que não poupou recursos financeiros na publicação de anúncios nos principais jornais da França, como o direitista Le Figaro e o Le Monde, de centro-esquerda.

Nos arquivos de periódicos da Bibliothèque Nationale de France (BnF) foi possível encontrar esse material em microfilme, visto que não estão digitalizados e precisam ser consultados edição por edição. Nesse processo de garimpo, nota-se a preocupação da Columbia Pictures em manter O cangaceiro em evidência, entre os meses iniciais de setembro e outubro de 1953, nos cadernos de espetáculos, nem que fosse com um tijolinho publicitário.

No dia da estreia, o Le Figaro apenas noticiou o lançamento de forma protocolar na seção Cette semaine sur les écrans de ParisCETTE semaine sur les écrans de Paris. In: Le Figaro, 16 set. 1953. (Esta semana nas telas de Paris) do caderno Les Spectacles, com breves informações: diretor, país, elenco principal, salas lançadoras e a enigmática logline, que marcava o exotismo da obra: “A história de foras-da-lei estabelecidos no pântano que se estende ao norte do Brasil”. Na mesma página, aparecia um anúncio publicitário da Columbia Pictures divulgando o filme, cuja peça mostrava o desenho de um cangaceiro com seu chapéu estrelado e destaque para o prêmio internacional de Melhor Filme de Aventura e a menção honrosa no Festival de Cannes 1953.

A crítica principal do Le Figaro foi publicada na segunda-feira seguinte, em 21 de setembro de 1953, para a qual o jornal designou ninguém menos que Louis Chauvet. Embora fosse o principal crítico do diário, Chauvet já tinha visto e premiado o filme no Festival de Cannes, ao lado de Jean Cocteau, quando participou do júri. Portanto, não se tratava de um olhar isento e ponderado, o que parece não ter incomodado os seus editores. Para O cangaceiro, foi o melhor holofote que o filme poderia receber ao entrar nos cinemas de Paris, visto que o texto de Chauvet também enaltecia todo o exotismo e o encantamento que ele aplaudiu antecipadamente em Cannes.

O Brasil teve os seus bandidos defensores da honra, os quais reinaram em uma região de matagal do Norte. O cineasta brasileiro Lima Barreto lhes dedica um filme no qual ele assinou a direção e o roteiro, merecendo, dessa forma, praticamente o título de autor total da obra. Neste personagem no qual ele se inspirou, não faltam nem traços horríveis nem traços curiosos. Seu nome é capitão Galdino Ferreira e ele comanda um bando de cavaleiros. Ornamentado tal qual todos os seus homens, vestindo um bicorne [chapéu de dois bicos] barroco em que aparecem triângulos entrelaçados, ele interpreta os imperadores da região com um orgulho que faz o espectador sorrir, mas com uma violência que também o faz estremecer. Ele saqueia e resgata, faz justiça, às vezes contra seu próprio povo, acredita em Deus, mas mata sem hesitação, fala respeitosamente com o padre, mas rouba o seu cavalo, nos traz um momento de sonho digno de pena, mas em seguida já volta a praticar atos bárbaros. Uma espécie de glória do mal lhe sorri. Ele finalmente cai ferido até a morte. Seu último ato não deixa de ser grandioso. Uma cena final em que o cineasta conseguiu lidar com uma maestria digna de John Ford. A obra também nos remete a Viva Zapata, de Elia Kazan [1952]. O mesmo cuidado é dedicado aos rostos por meio da dura expressão daquelas almas rudes. Igualmente encontramos a mesma busca por detalhes típicos ou sugestivos de uma maneira geral. No entanto, O cangaceiro não se assemelha aos filmes já vistos anteriormente. Esta epopeia cruel traz a marca de um narrador muito talentoso, capaz de enaltecer o tema retratado para capturar tanto o caráter dos protagonistas quanto a natureza de um país em suas características mais secretas. A trama é animada, repleta de surpresas, tem uma música cativante do folclore que, por vezes, interrompe o enredo e, em outras, o sustenta. As paisagens são lindas, os efeitos justos e marcantes. Por fim, os atores parecem surgir direto dos arbustos da Caatinga, guiados por Milton Ribeiro, ator que interpreta o capitão Galdino Ferreira sem ênfase, com uma espécie de desprezo presunçoso. Um filme fora do comum. Um filme cativante

(Chauvet, 1953CHAUVET, Louis. « O cangaceiro » (Sans Peur, Sans Pitié). In: Le Figaro, 21 set. 1953., tradução nossa).

Além da crítica extremamente favorável ao filme, o jornal também publicou mais um anúncio publicitário naquela edição, agora mostrando a imagem de um cangaceiro montado em um cavalo. Ao todo, foram encontrados dez anúncios publicados no Le Figaro, nos quais apareceram sete artes gráficas diferentes, até o final de outubro de 1953. Nos dias 14 e 16 de outubro, os reclames incluíram a informação de unanimidade da crítica e reproduziram algumas frases escritas por Louis Chauvet e pelo jornal France Soir. Os dias escolhidos pela Columbia Pictures para essas divulgações também não eram aleatórios: de quarta-feira a domingo, quando o público cinéfilo frequentava as salas com maior regularidade e, provavelmente, consultava os jornais para se programar.

No diário Le Monde, não foram localizadas críticas ao filme no período de setembro a dezembro de 1953, mas as publicidades foram frequentes. De 16 de setembro a 24 de outubro, seis reclames foram publicados: três na primeira semana de exibição e os demais em semanas diferentes, na quinta-feira ou no sábado. Curioso notar que havia uma alternância entre os tipos de peças publicadas no Le Figaro e no Le Monde, para que não fossem iguais nos mesmos dias, o que demonstra mais um cuidado fino na estratégia da distribuidora.

Figuras 01, 02, 03, 04, 05, 06 e 07
Imagens dos anúncios publicitários de O cangaceiro publicados nos jornais de Paris (1953).

Entre as revistas especializadas da época, disponíveis no acervo da Cinémathèque Française, em Paris, a primeira a publicar uma crítica após a estreia do filme foi a Image et Son, em sua edição de outubro de 1953. No texto de Jacques Chevallier, o prêmio em Cannes aparecia na primeira frase, o que já comprovava o peso do festival ante àqueles críticos e certo deslumbramento com a possibilidade de assistir e analisar um filme proveniente de um país tão distante, com imagens nunca antes vistas.

Em suas palavras, “foi quase necessário” que aquela edição do evento os “levasse a conhecer a existência de um cinema brasileiro capaz de produzir obras valiosas” (Chevallier, 1953CHEVALLIER, Jacques. “O’cangaceiro” et le film d’aventures. In: Image et Son, n. 66, p. 13, out. 1953., p. 13, tradução nossa). Ainda no começo, ele também ressalta que, quando chegou ao circuito exibidor, O cangaceiro “acabou sendo apresentado ao público parisiense todo aureolado pelo seu sucesso, assim como pelo seu mistério de uma produção que conhecemos mal ou absolutamente nada” (idem, 1953, p. 13, tradução nossa).

E ele segue ovacionando sem parcimônia:

Nós podemos felicitar o diretor de O cangaceiro, Lima Barreto, por dar à sua história o tom épico e a grandeza que lhe convinha. O drama que ele descreve evoca a coragem, que foi chamada no século de Corneille de a nobreza da alma, e, por motor, tem a violência das paixões. No plano puramente dramático, ele é perfeitamente aprofundado, equilibrado com a felicidade e, se às vezes há algum tom excessivo que o estraga, a culpa talvez seja apenas dos intérpretes. No plano de técnica cinematográfica, podemos direcionar a Lima Barreto os mesmos elogios. Munido de uma música notável, de imagens contrastadas assim como as do mexicano Figueroa, o filme é levado por um movimento crescente que não carece de grandeza. A atenção aos detalhes (durante o saque aos povoados), o senso de “atmosfera” (no acampamento, as suas canções e danças) lhe são familiares

(Chevallier, 1953CHEVALLIER, Jacques. “O’cangaceiro” et le film d’aventures. In: Image et Son, n. 66, p. 13, out. 1953., p. 13, tradução nossa).

Ao final, o redator aponta para uma “grande esperança” no futuro do novo cinema brasileiro, relembrando que os romances de Jorge Amado ensinaram aos franceses que “não há apenas cangaceiros no Brasil, mas um povo tão corajoso quanto os seus foras-da-lei, capaz de aplicar a sua coragem a tarefas, mesmo de aventuras (mas é preciso realmente distinguir as duas) mais nobres” (Chevallier, 1953CHEVALLIER, Jacques. “O’cangaceiro” et le film d’aventures. In: Image et Son, n. 66, p. 13, out. 1953., p. 13, tradução nossa).

Na Cahiers du Cinéma, o filme foi analisado na edição de novembro de 1953, dentro da seção Notes sur d’autres films, que reúne breve comentários sobre vários longas-metragens. Jacques Doniol-Valcroze, um dos críticos mais renomados da revista já naqueles anos, foi quem se debruçou sobre a obra de Lima Barreto e, assim como Chevallier, inicia rememorando o prêmio em Cannes e elencando motivos para estimar O cangaceiro.

Este filme foi a revelação do cinema brasileiro no Festival de Cannes deste ano, tal como Maria Candelaria [Emilio Fernández, 1944] havia sido para o cinema mexicano no festival de 1946. Violento, áspero, selvagem, O cangaceiro é uma espécie de poema épico sobre questões bastante diferentes daquelas dos cineastas mexicanos e, entre elas, a da “terra”, com uma noção bem especial que nada tem a ver com a terra do camponês e que nos escapa quase completamente. Neste filme, há menos pesquisa estética, menos dessas imagens congeladas de esplendor ao estilo Figueroa-Fernandez, mas há mais autenticidade. Esta história sobre as aventuras de um bando de foras-da-lei que realmente existiu e causou terror há menos de vinte anos, traz um som tão fascinante quanto a música encantadora que nós ouvimos no começo e no final do filme

(Doniol-Valcroze, 1953DONIOL-VALCROZE, Jacques. Notes sur d’autres films. In: Cahiers du Cinéma, n. 28, p. 62-63, nov. 1953., p. 62-63, tradução nossa).

No encerramento do seu texto, no entanto, ele repreende duramente a técnica de Lima Barreto e promete não fazer vistas grossas nos próximos filmes do diretor.

É lamentável que uma intriga sentimental bastante insípida comprometa a densidade da obra e que Barreto tenha tido um senso de decupagem muito rudimentar. Seu filme é muito mal construído e muito mal montado. O “charme” supera, apesar dessas fraquezas, por causa da novidade da empreitada, mas atenção para os próximos filmes: seremos menos condescendentes e mais sensíveis às falhas técnicas

(Doniol-Valcroze, 1953DONIOL-VALCROZE, Jacques. Notes sur d’autres films. In: Cahiers du Cinéma, n. 28, p. 62-63, nov. 1953., p. 62-63, tradução nossa).

Para os espectadores de Paris, e sobretudo os do interior da França, tanto o “charme” quanto a “novidade da empreitada” foram suficientes para angariar um público assíduo a cada nova sala ou cidade em que O cangaceiro ia chegando, como veremos a seguir.

O cangaceiro ganha força no interior da França

Em novembro de 1953, o filme chegou a Versalhes (a cerca de 20 quilômetros de Paris) e a Angers (oeste da França), em duas semanas diferentes. Nessas duas cidades, o filme registrou um total de 1.285 ingressos vendidos no mês. A virada ocorreu em dezembro, quando O cangaceiro foi exibido em mais sete cidades diferentes, sendo Marselha a principal delas. Para lá, somente na semana de 16 de dezembro, duas cópias foram enviadas às salas Majestic e Odeon, e o público chegou a 24.074 pessoas, o dobro da audiência de estreia de Paris.

Ainda em dezembro, O cangaceiro estreou em Estrasburgo (na região nordeste, na fronteira com a Alemanha) e ficou duas semanas em cartaz, somando 7.321 ingressos vendidos. Cannes também teve o seu lançamento oficial no mesmo mês, contabilizando 3.264 espectadores. Charleville, Louviers, Sarrebourg e Sedan foram as outras localidades. Em Paris, o filme voltou a ser exibido em mais duas semanas de dezembro, fechando um público total de 106.412 pessoas entre setembro e dezembro de 1953, em dez cidades francesas e 11 salas diferentes.

Gráfico 01
Público total de O cangaceiro na França por cidade (1953).
Mapa 01
Localização das cidades que exibiram O cangaceirona França em 1953.

Os dados referentes a 1954 demonstram que este foi o ano de maior impacto na difusão do filme na França e decisivo para que O cangaceiro continuasse em cartaz por muito mais tempo do que se poderia imaginar nas previsões mais otimistas.

De janeiro a dezembro, o longa-metragem circulou pelas salas ininterruptamente, somando 429 cidades, entre as quais foi possível detectar 42 que tiveram a volta das sessões em distintas semanas do mesmo ano. Inserindo tais cidades no mapa da França, fica ainda mais clara e inequívoca a abrangência com que O cangaceiro foi distribuído e exibido no país, em todas as regiões, circulando de maneira eficiente e conquistando novos públicos sistematicamente.

O pico foi registrado em setembro, quando o filme esteve em cartaz em 63 cidades. O aumento ocorreu a partir de maio e se manteve regular até dezembro. A média mensal foi de 41,33 cidades exibindo O cangaceiro simultaneamente, algo impensável para um filme brasileiro nos padrões atuais.

Gráfico 02
Total de cidades que exibiram O cangaceiro por mês (1954).
Mapa 02
Localização das cidades que exibiram O cangaceiro na França em 1954.

Cinco cidades se destacaram por exibir o filme em cinco semanas ou mais. Paris é a principal delas. Depois de retornar ao circuito em dezembro de 1953, O cangaceiro ficou em cartaz até julho de 1954 de maneira ininterrupta. Portanto, pode-se afirmar que, depois do período inicial de estreia (setembro a outubro), o filme ficou sete meses e meio consecutivos em cartaz na capital francesa. Após esse período, até o final de 1954, a exibição deixa de ser regular e fica bem esporádica: duas semanas em setembro, uma em novembro e mais duas em dezembro. O público total de Paris, em 1954, foi de 289.341 pessoas (cerca de 30% de toda a França), e o maior foi registrado em maio (87.005), quando 24 salas exibiram o longa-metragem. Na semana de 12 de maio de 1954, o auge foi de nove cópias, algo que não se repetiu em nenhuma outra época ou cidade. A média mensal de público na capital foi nada menos do que 24.111,75 pessoas.

Gráfico 03
Público d'O cangaceiro em Paris por mês (1953-1954).

Em Marselha, O cangaceiro foi exibido em 17 semanas (raramente consecutivas) nos meses de janeiro, março, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro. Ao todo, 20 salas exibiram o filme em 1954, somando 30.162 ingressos vendidos, o que também deixa Marselha na segunda posição entre as localidades com maior público. Em Lyon, foram nove semanas de exibição nos meses de janeiro, março, julho, outubro e novembro, contabilizando 25.008 espectadores. Bordeaux também exibiu o filme por nove semanas, nos meses de junho, agosto, setembro, outubro e novembro, com público de 23.913 pessoas. Nice recebeu O cangaceiro em cinco semanas, em fevereiro, março, maio, junho, e fechou com 17.963 espectadores.

Saindo desse ranking das principais cidades e olhando para toda a França, verifica-se que a distribuição realizada pela Columbia Pictures igualmente surtiu efeito no número geral de ingressos vendidos. Ao todo, 971.969 pessoas assistiram ao filme em 1954, ou seja, 55,78% do período completo de análise (1953-1982). Maio foi o mês com maior público (141.712 pessoas), impulsionado especialmente pelos ingressos vendidos em Paris (61,39%). A média mensal bateu o recorde de 80.997 ingressos vendidos. Um verdadeiro blockbuster brasileiro em salas francesas.

Gráfico 04
Público d'O cangaceiro na França por mês (1954).

Para finalizar o ano, também é importante observar que, entre 24 e 30 de novembro de 1954, o fôlego ainda se mantinha e foi registrado o auge do número de salas (21) na mesma semana na França, quando as seguintes cidades estavam exibindo uma cópia: Auchel, Bagneux, Bayonne, Bohain, Bois-Guillaume, Douvrin, Knutange, Lens, Les Échelles, Lormont, Marselha, Mitry-Mory, Ottange, Paris, Puteaux, Romainville, Saint-Laurent, Thonon-les- Bains, Toulon, Vendin-le-Vieil e Villeneuve.

Em 1955, O cangaceiro continuou em cartaz e foi exibido em todas as semanas do ano, contabilizando um público de 381.143 pessoas. Embora esse número corresponda a 40% dos ingressos vendidos em 1954, trata-se de um resultado excelente, pois ele já estava em seu terceiro ano de exibição. O maior público foi registrado em agosto, mês de férias na França, quando 44.913 pessoas assistiram ao longa-metragem. A média mensal chegou a 31.761 espectadores. Em junho, 72 cidades francesas exibiam a fita simultaneamente. Em Paris, houve sessões do começo ao fim do ano (com exceção de março), mas não de forma contínua. Na soma, 60.383 ingressos foram vendidos na capital — apenas 16% do país, o que demonstra a continuidade da boa receptividade nas províncias, onde estava 84% do público.

O ano de 1956 também foi de plena exibição em todas as semanas, de janeiro a dezembro. O número de espectadores totais caiu para 165.049 (menos da metade de 1955), porém ainda bastante relevante, considerando o quarto ano de circulação. A média mensal de público se manteve em 13.754 pessoas e o pico se deu em abril, quando foram vendidos 29.266 ingressos. O maior número de cidades exibindo O cangaceiro simultaneamente foi em fevereiro, com 41 localidades. Em Paris, o filme foi exibido ocasionalmente nos meses de fevereiro, abril, agosto, setembro e novembro, somando 19.769 pessoas (12% do total do país).

A partir de 1957, a regularidade das exibições começa a cair um pouco e o filme deixa de ser exibido em todas as semanas do ano. Porém, ele continua circulando pela França, com sessões comerciais em todos os meses. O público total foi de 51.635 pessoas, com média mensal de 4.302 ingressos vendidos. O auge ocorreu em janeiro, quando 11 cidades exibiam O cangaceiro e 11.691 ingressos foram vendidos. Na capital, 26.493 pessoas (51,3% do país) assistiram ao longa-metragem em 1957, número maior do que o do ano anterior.

Em 1958, o filme só não foi exibido no mês de outubro e manteve uma média mensal de quatro cidades exibidoras e 2.319 ingressos vendidos, totalizando 25.516. Em Paris, houve sessões apenas na semana de 29 de janeiro a 4 de fevereiro, com 3.207 pessoas (12,5%). Já em 1959, o público total diminuiu para 14.541 espectadores. Não houve sessões nos meses de março, maio, junho e setembro. Nos demais, a média mensal ficou em 1.817 ingressos vendidos. Em Paris, o filme foi visto em fevereiro, abril e julho, totalizando um bom público: 9.228 pessoas (63,46%).

Os dados referentes a 1960 demonstram que este foi o último ano em que se pode considerar um circuito exibidor regular desde o lançamento. O cangaceiro só não teve público nos meses de março, junho, outubro e dezembro. No total, 8.561 pessoas foram aos cinemas, com média mensal de 1.070. Paris foi responsável por 3.740 dos ingressos vendidos ou 43,68٪ de toda a bilheteria.

Sendo assim, o circuito exibidor d’O cangaceiro fechou um ciclo de oito anos de permanência nas salas de cinema francesas, concorrendo com filmes de outros países e da própria França, alcançando um total de 1.724.826 espectadores. No gráfico a seguir, a variação desse público ao longo dos anos fica mais evidente.

Gráfico 05
Público d'O cangaceiro na França por ano (1953-1960).

De 1961 a 1982, O cangaceiro ainda teve fôlego para mais algumas sessões, em uma ou duas semanas de cada ano. Ainda assim, é surpreendente constatar que o público foi se renovando por mais duas décadas após o lançamento oficial, e que 19 cidades diferentes tenham exibido o filme, alcançando mais 17.564 espectadores. Dentro desse recorte, verifica-se uma continuidade maior entre 1961 e 1969, que concentra 84,18% desse público. De 1970 a 1982, as semanas de exibição são bem mais episódicas e o público vai diminuindo, com picos em 1974 e 1975.

Em 1961, as cidades exibidoras foram Versalhes e Toulon (1.588 espectadores); em 1962, Nice e Paris (4.192); em 1963, Asnieres, Creil, Le Havre, Limoges e Paris (2.851); em 1964, Hossegor e Paris (4.278); em 1965, Cabourg e Nancy (331); em 1966, apenas Estrasburgo exibiu o filme (321); em 1967, Tours e Talence (990); em 1968, somente Grenoble (205); em 1969, Saint-Pierre (31); em 1970, nenhuma cidade foi registrada. Em 1971, Estrasburgo volta a aparecer com 322 ingressos vendidos; em 1972 e 1973, não ocorreu nenhuma sessão comercial. O ano de 1974 é um ponto fora da tendência histórica desse período, visto que Paris exibiu O cangaceiro em seis semanas consecutivas entre março e abril (o que não acontecia desde 1955), chegando a um público extra de 1.042 pessoas. Em 1975, o longa-metragem foi exibido em Luxeuil e Paris (937); de 1976 a 1978, não há registros. Em 1979, Marselha vendeu mais 194 ingressos; e, por fim, a derradeira cidade foi Rennes, em 1982, com 282 pessoas.

Gráfico 06
Público d'O cangaceiro na França por ano (1961-1982).

Na capital francesa, a última sessão comercial aparece em outubro de 1975. Antes disso, há exibições nos anos de 1962, 1963, 1964 e 1974. Sendo assim o público integral de Paris, entre 1953 e 1975, foi de 488.383 pessoas, ou 28% do máximo de espectadores d’O cangaceiro na França (1953-1982).

Na sequência, Marselha lidera entre as cidades de província em alguns quesitos. O que chama mais a atenção é o público: O cangaceiro foi visto por 67.545 pessoas em três anos consecutivos (1953, 1954, 1955) e mais quatro ocasionais (1957, 1958, 1960 e 1979). A quantidade de semanas em cartaz também é maior nesta cidade do sul da França: foram 31 em todo o período. Na estreia em 1953, Marselha registrou mais ingressos vendidos do que Paris, como já vimos. E, em 1954, foi a localidade do interior com maior público (30.162) e na qual o filme ficou mais tempo em cartaz: 17 semanas (apenas cinco delas consecutivas). Somente nos meses de fevereiro e abril de 1954 é que o longa-metragem não foi exibido. Além de ser a segunda maior cidade da França até os dias de hoje, Marselha fica próxima a Cannes, e é provável que o burburinho e o prêmio no festival tenham influenciado na curiosidade da população local por anos a fio, o que também demonstra a estratégia da Columbia Pictures em manter a atenção dos espectadores de maneira contínua e o interesse de diferentes exibidores em trazer o filme para as suas salas.

Depois de Marselha, O cangaceiro teve a segunda melhor acolhida das províncias em Lyon, cidade dos Irmãos Lumière. O público total foi de 34.945 pessoas, concentradas sobretudo no ano de 1954 (71,56%). Em 1955 e 1956, o filme também foi exibido em cinco semanas diferentes, além de sessões esporádicas em 1957 e 1958. Na soma final, foram 21 semanas de exibição em cinco anos subsequentes.

Localizada ao lado de Cannes, Nice aparece em terceiro lugar no ranking das cinco cidades mais destacadas. Pela proximidade, fica ainda mais evidente o peso do festival nesses resultados, tal como observado em Marselha, pois a população local consegue se deslocar mais facilmente entre as três cidades para conseguir assistir ao filme quando estava em cartaz em uma ou outra. A estreia em Nice ocorreu em 10 de fevereiro de 1954 e chama a atenção pelo público daquela primeira semana: 12.620 pessoas, número levemente superior ao registrado em Paris (12.324). Naquele ano, foram mais quatro semanas distintas em cartaz, voltando às salas em 1955, 1956, 1958, 1960 e 1962. Por fim, foram dez semanas diferentes de exibição e 31.730 espectadores.

Em Bordeaux, cidade turística da região sudoeste da França, O cangaceiro foi visto por 27.880 pessoas, a maioria delas no segundo semestre de 1954 (85,77%). O retorno do filme às salas de lá ocorreu pontualmente em duas semanas de 1955 e uma em 1960.

Do outro lado do país, na fronteira com a Alemanha e em uma das mais importantes cidades francesas, Estrasburgo fecha o ranking principal, com 24.543 espectadores e exibições nos anos de 1953, 1954, 1955, 1956, 1966 e 1971. A média era de duas semanas por ano, totalizando 11 em cartaz.

Considerações finais

Ao projetar essa lupa milimétrica nos dados oficiais de lançamento de O cangaceiro na França e localizar no mapa as cidades onde ele foi exibido entre os anos de 1953 e 1982, foi possível comprovar que o sucesso do filme, ao menos naquele país, não foi apenas uma narrativa hiperbólica que tanto se recontou no meio cinematográfico ao longo dos últimos 70 anos, ou uma jogada mercadológica para impulsionar outras vendas. Trata-se, efetivamente, do longa-metragem majoritário brasileiro com o maior número de espectadores na França: 1.742.390 pessoas, exibido em 1.293 cidades, com um circuito regular de oito anos (1953-1960) e mais 32 semanas esporádicas em cartaz entre 1961 e 1982. Algo que nunca mais se repetiu até a atualidade.

A década de 1950, auge da exibição do filme nas salas comerciais, também foi marcada por uma forte audiência do público nos cinemas de uma maneira geral, quando comparado aos anos seguintes, em que a televisão começou a ganhar força e dividiu a atenção dos espectadores. No entanto, é importante reforçar que, mesmo no melhor momento do cinema na França, quando se chegou a vender 412 milhões de ingressos em 1957, não eram os filmes provenientes de países considerados exóticos que mais reverberavam nas bilheterias. A França ocupava o seu mercado interno e, na sequência, apareciam os Estados Unidos. A competição principal, portanto, era entre a soberania dos filmes franceses em seu próprio território e os longas-metragens norte-americanos, que buscavam dominar o mercado francês, assim como em todo o mundo. A fatia que sobrava para as outras obras internacionais era muito menor, o que demonstra, ainda mais, a potência d’O cangaceiro, que rapidamente foi percebida e abocanhada pela distribuidora norte-americana.

Com base nas informações solicitadas ao CNC e prontamente enviadas por eles para este estudo, igualmente fica muito evidente não só toda a estratégia de cauda longa muito bem planejada pela Columbia Pictures em todo esse percurso, mas também que os resultados econômicos obtidos pela major, de fato, foram estrondosos. Mesmo não tendo acesso aos valores financeiros da renda dessa bilheteria, é notório que os ganhos foram muito acima do que se previa inicialmente, até mesmo pela Vera Cruz.

O diretor Lima Barreto e os dirigentes do estúdio paulista não estavam totalmente equivocados quando sonharam com a repercussão internacional e os altos dividendos d’O cangaceiro, o faroeste brasileiro que chegou ao Festival de Cannes. Mas ao entregar o filme nas mãos dos distribuidores norte- americanos, perdia-se toda a possibilidade de concretizar tais ambições.

Ao delegar a distribuição e a difusão internacionais — e posteriormente não receber os lucros do sucesso de O cangaceiro —, a Vera Cruz deixou uma lição essencial para outros cineastas e produtores. Para além da própria produção, era necessário traçar uma estratégia que englobasse as vendas, tanto no mercado interno quanto no exterior, prevendo o retorno dos lucros para o estúdio produtor. Essa mentalidade, no entanto, demorou um pouco mais para ser compreendida pelos agentes de todo o setor, levando algumas décadas para ser percebida inclusive pelo poder público, que só foi implementar políticas cinematográficas mais robustas nos anos 1970 com a Embrafilme, as quais foram reestruturadas pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) somente nos anos 2000.

  • 1
    O presente trabalho traz novos dados e informações sobre um dos temas que foram inicialmente apontados na tese de doutorado desta autora, a qual foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (PPGCTS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e defendida em junho de 2023.
  • 2
    Segundo Jean-Claude Bernardet (2009, p. 126)BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009., “O cangaceiro custa uns 10 milhões de cruzeiros antigos, numa época em que ainda se faziam filmes por 800 mil ou 1 milhão”. Carlos Augusto Calil (2002, p. 169)CALIL, Carlos Augusto. A Vera Cruz e o mito do cinema industrial. In: MARTINELLI, Sérgio. (org.). Vera Cruz: Imagens e histórias do cinema brasileiro. São Paulo: A Books, 2002. p. 164-172. também aponta para a cifra de 10 milhões de cruzeiros, superando o orçamento de Sinhá Moça (Tom Payne, 1953), produção anterior da Vera Cruz e que já tinha sido considerada a mais cara até então, mas que ficou na marca dos 9,5 milhões de cruzeiros.
  • 3
    Para mais detalhes sobre as dificuldades do processo de realização de O cangaceiro, ver Galvão (1981)GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso da Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Embrafilme, 1981.. Neste livro, a autora traz depoimentos inéditos da equipe da Vera Cruz que produziu o filme e conviveu por quase um ano com o diretor Lima Barreto.
  • 4
    No relatório geral do CNC (2019, p. 6)FRANÇA. Centre National du Cinéma et de l’Image Animée (CNC). 1953 – Toutes les données chiffrées/Le box-office. Paris, 2019. Disponível em: <https://www.cnc.fr/cinema/etudes-et-rapports/box-office/boxoffice-1953_975178>. Acesso em: 15 fev. 2024.
    https://www.cnc.fr/cinema/etudes-et-rapp...
    , referente ao período de setembro a dezembro de 1953, encontramos alguns dos principais filmes concorrentes de O cangaceiro, em Paris: Moulin Rouge (John Huston, 1953), Peter Pan (Clyde Geronimi, Hamilton Luske, Wilfred Jackson, 1953), Os três mosqueteiros/Les trois mousquetaires (André Hunebelle), Desejos proibidos/Madame De (Max Ophüls), entre outros.

Referências

  • AUTRAN, Arthur. Ilusões, dúvidas e desenganos: a Vera Cruz e o Cinema Independente frente à questão da indústria. In: GATTI, André Piero; FREIRE, Rafael de Luna. (org.). Retomando a questão da indústria cinematográfica brasileira Rio de Janeiro: Caixa Cultural: Tela Brasilis, 2009.
  • BAZIN, André. Pour un festival a trois dimensions. In: Cahiers du Cinéma, Paris, n. 23, p. 5-15, maio 1953.
  • BERNARDET, Jean-Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
  • CALIL, Carlos Augusto. A Vera Cruz e o mito do cinema industrial. In: MARTINELLI, Sérgio. (org.). Vera Cruz: Imagens e histórias do cinema brasileiro. São Paulo: A Books, 2002. p. 164-172.
  • CETTE semaine sur les écrans de Paris. In: Le Figaro, 16 set. 1953.
  • CHAUVET, Louis. « O cangaceiro » (Sans Peur, Sans Pitié). In: Le Figaro, 21 set. 1953.
  • CHEVALLIER, Jacques. “O’cangaceiro” et le film d’aventures. In: Image et Son, n. 66, p. 13, out. 1953.
  • CRETON, Laurent. Histoire économique du cinéma français dans les années 1950 et 1960: quelques analyses sur la fréquentation, la concentration et les parts de marché. In: VEZYVROGLOU, Dimitri. (org.). Le cinéma: une affaire d’État (1945-1970). Paris: Direction de l’information légale et administrative, 2014. p. 103-120.
  • DONIOL-VALCROZE, Jacques. Notes sur d’autres films. In: Cahiers du Cinéma, n. 28, p. 62-63, nov. 1953.
  • FIGUEIRÓ, Belisa. Coprodução de cinema com a França: mercado e internacionalização. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2018.
  • FIGUEIRÓ, Belisa. O cinema brasileiro no Festival de Cannes (1949-2017): Políticas de internacionalização e abertura de mercado. 2023. 342p. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2023.
  • FRANÇA. Centre National du Cinéma et de l’Image Animée (CNC). 1953 – Toutes les données chiffrées/Le box-office Paris, 2019. Disponível em: <https://www.cnc.fr/cinema/etudes-et-rapports/box-office/boxoffice-1953_975178>. Acesso em: 15 fev. 2024.
    » https://www.cnc.fr/cinema/etudes-et-rapports/box-office/boxoffice-1953_975178
  • GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso da Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Embrafilme, 1981.
  • LES PROJECTIONS de la Deuxième Journée. In: Le Film Français, p. 4, 01 maio 1953.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2024
  • Aceito
    26 Jun 2024
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