Resumo
Neste artigo, analisamos espaços públicos de brincar da cidade de Assis-SP considerando sua importância para as crianças. Fundamentada na Geografia da Infância e na Sociologia da Infância, a discussão envolve a relação da sociedade com as crianças ao definir os espaços de brincar na cidade. Ouvir a voz das crianças e reconhecê-las como sujeitos que devem participar da organização da cidade e que desenvolvem a espacialidade permitiu identificar seus desejos e quereres na constituição dos espaços de brincar. As crianças apresentaram como pontos positivos dos espaços de brincar a disponibilidade de áreas verdes e a oportunidade de fazer amizades e ponderaram sobre a necessidade de brinquedos, de sua manutenção e de condições adequadas de limpeza e segurança, evidenciando que as Paisagens de Infância da cidade de Assis-SP nem sempre correspondem a suas expectativas.
Palavras-chave: Criança; Paisagens de Infância; Brincar; Cidade; Espaços de brincar
Abstract
In this article, we present the analysis of public play spaces in the city of Assis-SP, considering their importance for the child. The discussion based on the Geography of Childhood and the Sociology of Childhood involves the relationship that society has with children when defining play spaces in the city. Hearing the children’s voice and recognizing them as subjects who must participate in the organization of the city and who develop spatiality, it was possible to identify the desires and wants in relation to the constitution of play spaces. The children presented as positive points of the play spaces the availability of green areas, the opportunity to make friends and pondered about the need for toys, their maintenance and adequate conditions for cleaning and safety, showing that the Landscapes of Childhood of the city de Assis-SP do not always live up to their expectations.
Keywords: Child; Landscapes of Childhood; Play; City; Play spaces
Resumen
En este artículo, presentamos el análisis de los espacios públicos de juego en la ciudad de Assis-SP, considerando su importancia para el niño. La discusión basada en la Geografía de la Infancia y la Sociología de la Infancia involucra la relación que la sociedad tiene con los niños al definir espacios de jugar en la ciudad. Escuchar la voz de los niños y reconocerlos como sujetos que deben participar en la organización de la ciudad y que desarrollan la espacialidad, fue posible identificar los deseos y las necesidades en relación con la constitución de los espacios de jugar. Los niños presentaron como puntos positivos de los espacios de jugar la disponibilidad de áreas verdes, la oportunidad de hacer amigos y reflexionaron sobre la necesidad de juguetes, su mantenimiento y las condiciones adecuadas de limpieza y seguridad, lo que demuestra que los Paisajes de Infantiles de la ciudad de Assis-SP no siempre cumplen con sus expectativas.
Palabras clave: Niño; Paisajes de infantiles; Jugar; Ciudad; Espacios de jugar
Introdução
Este artigo é um recorte da pesquisa de doutorado intitulada Constituição dos espaços de brincar oficiais da cidade de Assis-SP: uma análise da visibilidade de crianças” desenvolvida na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus Presidente Prudente-SP. A tese teve por objetivo apresentar a análise de determinados espaços públicos de brincar da cidade de Assis-SP, considerando sua importância e as expectativas das crianças e somada a outros estudos afins, busca contribuir com o avanço das pesquisas que abordam as crianças e a cidade, tendo como foco os espaços de brincar.
Müller (2012, p. 296) avalia que: “O reconhecimento da necessidade de estudos da relação das crianças com a cidade é decorrente da ruptura da associação da infância com uma etapa passiva, de incompletude e de total dependência”. Com essa mudança de concepção a criança passa a ser vista como sujeito que também influencia a organização da cidade.
Dialogando com estudos da Geografia da Infância e da Sociologia da Infância, analisamos questões relativas às Paisagens de Infância da cidade de Assis-SP e, ouvindo a voz dos sujeitos de nossa pesquisa, as crianças, consideramos o papel central que têm na construção de suas próprias identidades.
Nos espaços urbanos, as formas destinadas ao uso de crianças retratam a maneira como determinada sociedade concebe esse grupo social, sendo possível analisar a visibilidade que têm as crianças pela análise das formas urbanas (Lopes, 2008).
Lopes (2008, p. 36) ao desenvolver investigações na área da Geografia da Infância, considera que: “[...] a paisagem, as formas presentes na superfície terrestre, são reveladoras, numa primeira instância, das relações espaciais ocorridas em determinados grupos sociais, pois elas ‘guardam’ em suas materialidades os processos que animam as sociedades”. Nessa perspectiva, pelo estudo da paisagem, podemos perceber a expressão de determinado grupo na organização social, considerando que “[...] na produção de seu espaço, as sociedades constroem formas (configurações espaciais), cujas funções seriam destinadas para suas crianças” (Lopes, 2008, p. 40).
Nosso estudo se insere nessa perspectiva: analisa os espaços públicos de brincar da cidade, tece reflexões sobre a relação das crianças com a cidade e dialoga com as expectativas das crianças a respeito dos espaços destinados ao brincar.
Ao analisar os espaços de brincar considerados pelo poder público da cidade de Assis-SP, avaliamos as materialidades criadas para uso das crianças. Partimos do pressuposto de que o brincar se constitui em uma importante atividade desenvolvida pelas crianças. O brincar possibilita a interação entre os pares, o pensar e o agir no mundo e estimula o desenvolvimento criativo e reflexivo.
O brincar se constitui como elemento essencial das culturas infantis (Sarmento, 2003), por meio das brincadeiras as crianças podem expressar sua visão sobre o mundo, modificando e/ou reproduzindo aspectos da cultura infantil a que pertencem.
Corroboramos as ideias defendidas por Corsaro (2011). O autor, em seus estudos relativos à infância, propõe a noção de reprodução interpretativa e explica que as crianças, durante as ações desenvolvidas, criam e participam da culturas de pares, sendo também responsáveis por modificações culturais. Na reprodução interpretativa, as crianças se esforçam para interpretar a cultura de que fazem parte, não se limitando apenas a imitar os adultos, mas procurando participar do meio em que estão inseridas (Corsaro, 2011).
Nesse sentido, este artigo entende a criança como sujeito ativo na leitura e análise do meio urbano, sendo os sujeitos da pesquisa considerados capazes de opinar sobre a realidade em que estão inseridos e avaliar os espaços públicos de brincar.
Escolhas e instrumentos da pesquisa com crianças
Para o desenvolvimento desta pesquisa a opção metodológica selecionada foi a abordagem qualitativa. O objeto de estudo foram os espaços de brincar situados fora de casa na cidade de Assis-SP e experimentados por crianças, analisados a partir do conceito paisagem.
Escolhemos a metodologia estudo de caso. De acordo com Maia, G. (2007, p. 87) a metodologia estudo de caso: “[...] deve ser escolhida quando o objetivo é estudar algo singular, que tenha valor em si mesmo, pois seu interesse incide naquilo que o objeto em questão tem de único e particular”.
Para iniciar a coleta de dados sobre nosso objeto de estudo, enviamos primeiramente um requerimento à prefeitura municipal de Assis-SP solicitando a lista dos espaços de brincar públicos situados no perímetro urbano da cidade e seus respectivos endereços.
A prefeitura municipal forneceu a lista dos espaços públicos de brincar da cidade de Assis-SP, onde constam o nome dos espaços de brincar, sua localização e seus croquis, totalizando 54 espaços de brincar na cidade.
Para a realização da pesquisa, foram selecionadas 10 crianças, sendo cinco de uma escola pública situada em área de exclusão social e outras cinco de uma escola particular que atende um grupo social que tem de melhores condições de renda. As crianças tinham entre 8 e 11 anos de idade, foram consultadas sobre a participação na pesquisa e 5 de cada escola aceitaram participar; apresentamos a elas a pesquisa antes do consentimento.
Para a realização do trabalho, fizemos pesquisa bibliográfica sobre os campos de estudos da Geografia da Infância e da Sociologia da Infância, pesquisa documental (acervo documental - Plano Diretor da cidade e relação de seus espaços de brincar) e de campo. Os instrumentos e técnicas da pesquisa de campo se constituíram em: fotografias dos espaços de brincar reconhecidos pelo governo local, observação destes espaços de brincar para verificar as suas características, entrevistas com as crianças, produção do texto ilustrado e legendado,1 seleção visual2 das fotos dos espaços de brincar pelas crianças e posterior apontamento de aspectos positivos e negativos, no caso, dos espaços conhecidos por elas e confecção do poema dos desejos3 sobre como gostariam que fossem os espaços de brincar situados fora de casa.
A produção do texto ilustrado e legendado teve como intuito motivar as crianças a se expressarem sobre os espaços de brincar da cidade de Assis-SP, foi solicitado a elas que escrevessem a respeito dos espaços de brincar da cidade, ilustrassem o conteúdo do texto e fizessem uma legenda caso fosse necessário para explicar a ilustração.
No caso da seleção visual, a partir da lista oficial dos espaços de brincar situados fora de casa fornecida pelo poder público local, tiramos fotografias e solicitamos que as crianças selecionassem os espaços de brincar em que desenvolviam brincadeiras, foi apresentada a elas uma foto de cada espaço de brincar. Após as crianças terem selecionado os espaços de brincar, foi-lhes solicitado que indicassem os pontos positivos e negativos desses locais e também elencassem as brincadeiras que desenvolviam em cada um desses espaços.
Na confecção do poema dos desejos, as crianças representaram o espaço de brincar desejado fazendo um desenho acompanhado de sua descrição, deixando em evidência os seus quereres e pontos de vista sobre o que incentiva o desenvolvimento do lúdico nos espaços de brincar localizados fora de casa.
Corsaro (2011, p. 57, grifos do original) ao tratar das tendências contemporâneas relativas ao estudo da infância, explica que: “uma tendência geral nessa pesquisa ao longo dos últimos 20 anos tem sido um movimento da pesquisa sobre para a pesquisa com ou para crianças”.
As pesquisas que estão sendo desenvolvidas têm como objetivo ouvir a voz das crianças, apreender as suas visões e perspectivas de mundo, colocando as crianças no papel de sujeitos de pesquisa e não como objetos de pesquisa que são apenas estudados por meio da captação de pontos de interesse dos adultos (Corsaro, 2011).
Lopes (2008, p. 33) avalia que:
Nos últimos anos um novo olhar sobre as crianças e suas infâncias tem sido sistematizado em diversas áreas do conhecimento. Os estudos da Sociologia da Infância, da Antropologia da Infância, Psicologia do Desenvolvimento, entre outras, têm contribuído para a emergência de um novo paradigma, novos ângulos de se perceber e compreender as crianças e suas ações frente ao mundo em que se inserem, mas uma de suas facetas tem sido constantemente negada: as interações entre as crianças e seus espaços.
Assim, com o intuito de compreender justamente este aspecto, nosso trabalho analisou se as formas urbanas destinadas a crianças atendiam às suas expectativas, a partir das considerações delas.
Assim, nosso estudo se alinha ao campo de estudo denominado Geografia da Infância, que tem como propósito compreender as contradições que configuram as práticas espaciais, buscando apreender a forma como são construídas as diferentes espacialidades das crianças.
Sobre a Sociologia da Infância, Saramago (2001) explica que esse campo de investigação atribui visibilidade sociológica às crianças, levando em consideração a existência de diferentes identidades infantis, fundamentadas na capacidade de protagonismo social das crianças, considerando a competência desses sujeitos na construção de suas próprias identidades e enfatiza a noção de que as crianças são autoras de suas vivências.
Nesta perspectiva, ao ouvir a voz dos nossos sujeitos da pesquisa apontamos contribuições a respeito de como as crianças concebem os espaços de brincar situados fora de casa que foram construídos pelo poder público para o desenvolvimento do brincar.
O reconhecimento da infância como uma fase específica do desenvolvimento humano e não como um ser incompleto, ocorre no decorrer dos séculos XVII e XVIII (Sarmento, 2007). De acordo com Sarmento (2007, p. 28), nesse período: “[...] a moderna ideia da infância se cristaliza definitivamente, assumindo um caráter distintivo e constituindo-se como referenciadora de um grupo que não se caracteriza pela imperfeição, incompletude ou miniaturização do adulto [...]”.
Lopes e Vasconcellos (2006) assinalam que a mudança de concepção relativa à infância ocorre devido a mudanças sociais, econômicas, religiosas e políticas do final do século XVII, surgindo junto com a organização da sociedade burguesa a construção de uma nova forma de conceber a criança.
Reconhecemos que a criança é um sujeito ativo na sociedade (Sarmento, 2003, 2007) e que também tem sua própria cultura (Corsaro, 2011) e defendemos a ideia de que a infância como categoria social existe em sua diversidade (Sarmento, 2007).
Sarmento (2007) constata que ao diferenciar a criança do adulto, a modernidade ocidental chamou a atenção para a diversidade da infância, sustentando que há diversas culturas infantis em virtude das diferenças econômicas, étnicas, sociais, entre outras.
Corroborando a afirmação sobre a existência de diferentes culturas infantis, Lopes e Vasconcellos (2006, p. 110) argumentam: “Não podemos falar da existência de uma única cultura própria das crianças, mas sim de culturas infantis, caracterizando desse modo a pluralidade que lhes é inerente” e, acrescentamos, decorre da relação da infância com determinado lugar. Em cada lógica espaço-temporal se desenvolve uma cultura infantil, como resultado da interação vertical com os adultos e da interação horizontal com as outras crianças (Lopes; Vasconcellos, 2006).
Assis-SP é uma cidade de porte médio, onde ainda encontramos as crianças brincando nos espaços públicos da cidade. Sabemos que brincar na rua não faz parte da vivência de muitas crianças moradoras de cidades de portes maiores do Brasil. Principalmente nas grandes cidades, a rua foi perdendo sua função de espaço de lazer e sociabilidade. As maneiras e os locais de brincar dependem da cultura em que a criança está inserida e revelam a pluralidade da infância.
A cidade, a criança e o brincar
A cidade se constitui em um produto da ação do homem no espaço, sendo, portanto, uma construção social, caracterizada pela presença de inúmeros elementos sociais. Maia, D. (2007, p. 1) ao definir a cidade explica que: “A cidade é a base material, portanto concreta, da vida urbana”.
Os elementos sociais e também os elementos naturais compõem o espaço urbano, entre os elementos sociais, Maia, D. (2007, p. 1) destaca: “As ruas, as praças, os bairros, o centro, os estabelecimentos comerciais, as casas, os edifícios, os hospitais, as escolas, os terrenos, os vazios urbanos, o solo urbano são elementos que compõem a estrutura interna da cidade”. Tais elementos estão em constante transformação devido à ação do homem, que modifica os elementos levando em consideração as necessidades que surgem em um determinado contexto histórico.
A cidade de Assis-SP fica a oeste da capital paulista e tem uma população estimada, em 2019, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 104.386 pessoas. Tem notável importância econômica, sendo considerada a principal cidade da microrregião a que pertence.
Quanto à propriedade dos espaços que compõem a cidade, podemos definir os públicos e os privados. O espaço privado pertence a um indivíduo, que pode fazer dele variados usos, desde que respeite as regras da sociedade a que pertence. O espaço público pertence a todos os cidadãos, e pode ser usado por todos (Almeida, 2012). Sobre os variados espaços públicos que constituem a cidade, Almeida (2012, p. 79) evidencia sua importância no plano urbano: “Para os urbanistas, a importância do espaço público se dá na medida em que também organiza a cidade criando acessos, vias e espaços de expansão para a população”.
Na medida em que organizam a cidade, os espaços públicos possibilitam que as pessoas vivenciem diversas experiências que marcam sua história de vida. Para Almeida (2012, p. 80): “Cada cidadão, ao nascer ou viver em uma cidade, tem sua própria história pessoal entrelaçada com a da cidade, dotando os espaços, as ruas, os itinerários, etc. de significados que lhe são próprios”. Os espaços públicos, portanto, precisam ser organizados para possibilitar que todos os cidadãos possam participar das decisões sobre a cidade e vivenciar variadas experiências, tanto os adultos como as crianças.
As crianças têm o brincar como a principal atividade que podem praticar, sendo fundamental para o seu desenvolvimento e que possibilita a interação com os pares. Wajskop (1995, p. 66) explica que o brincar, na perspectiva sociocultural, “[...] define-se por uma maneira que as crianças têm para interpretar e assimilar o mundo, os objetos, a cultura, as relações e os afetos das pessoas”, por meio do brincar as crianças experimentam o mundo adulto, sem de fato adquirir as suas responsabilidades.
Essa concepção foi primeiramente elaborada por pesquisadores da Escola Russa, no início do século XX, tendo como base a crítica ao subjetivismo da psicologia ocidental e ao espontaneísmo proveniente das teorias relativas ao inatismo do brincar (Wajskop, 1995). A autora explica que de acordo com essa concepção o brincar: “[...] é ao mesmo tempo, espaço de constituição infantil e lugar de superação da infância, pela relação que estabelece com a representação e o trabalho adulto”, e ainda complementa que, visto dessa perspectiva, “[...] é uma forma de atividade social infantil, cujo aspecto imaginativo e diverso do significado cotidiano da vida fornece uma oportunidade única para as crianças” (Wajskop, 1995, p. 66).
Almeida (2012, p. 42) ao analisar a importância do brincar para as crianças, afirma que: “O brincar é um poderoso instrumento de diversão, de socialização, de inclusão, de desenvolvimento e de integração, além de ser um direito de todas as crianças (meninos e meninas)”.
Friedmann (2004), ao discorrer sobre a importância do brincar, explica que a ação se constitui um fenômeno universal que tem passado por diversas transformações, mas perpetua-se na sua essência. Acrescenta que o homem sempre brincou; nos mais de 7.000 anos em que predominaram as sociedades rurais, até o fim do século XVIII, o brincar era comum entre adultos e crianças. Com o advento da sociedade industrial, no período que se estende do final do século XVIII ao início do XIX, a atividade lúdica passa a compor especificamente a vida das crianças. No período atual, na chamada sociedade pós-industrial, caracterizada pela produção de serviços, informática, estética, símbolos e valores, o brincar perdeu seu espaço físico e temporal.
No entanto, apesar dessa condição do brincar atual, Friedmann (2004) avalia que pesquisas e estudos realizados sobre o brincar resgatam a valorização das brincadeiras tradicionais e regionais e o debate sobre o uso do tempo livre das crianças, a criação de espaços e tempos para o desenvolvimento do brincar.
Ao analisar os espaços de brincar considerados pelo poder público da cidade de Assis-SP, avaliamos as materialidades criadas para uso das crianças. Os diferentes lugares que compõem a cidade são planejados e construídos pelos adultos, sendo estes os sujeitos responsáveis por pensar e criar os espaços conforme as suas visões de mundo. Para tanto, nos valemos das contribuições da Geografia da Infância, em especial dos estudos voltados a Paisagens de Infância.
A Geografia da Infância e as Paisagens de Infância
A Geografia da Infância como campo de estudos tem como objetivo perceber as relações das crianças com o espaço, evidenciando as formas como as diferentes infâncias desenvolvem a espacialidade ao interagir com seus pares e com outros grupos sociais em diferentes contextos e épocas. A criança é considerada um ser histórico-cultural, que ocupa determinado espaço e vivência um contexto histórico específico e também um ser geográfico, desenvolvendo práticas espaciais, seu ser e estar no mundo (Silva; Carvalho, 2014).
Em relação ao campo de estudos da Geografia da Infância, Lopes e Vasconcellos (2006, p. 122) afirmam:
[...] a geografia da infância tem como questão básica a compreensão da infância em seus diferentes contextos, ou seja, como os arranjos sociais, culturais, produzem as infâncias em seus diferentes espaços e tempos e como as crianças ao se apropriarem dessas dimensões sociais, as reconfiguram, as reconstroem, e ao se criarem, criam suas diferentes geografias.
Nesse sentido, a Geografia da Infância procura compreender as especificidades das diferentes infâncias que se desenvolvem, na busca de apreender a forma como as crianças se apropriam do espaço.
Os estudos desenvolvidos no campo da Geografia da Infância têm apresentado contribuições da teoria histórico-cultural de Vygotsky e de seus colaboradores, ao reconhecerem que no processo de humanização as experiências de cada indivíduo se tornam únicas no contexto coletivo (Lopes, 2013).4
A partir do reconhecimento da criança como sujeito de direitos, no fim da década de 1980, e da infância como uma construção social e variada, passam a ter destaque nos estudos da Geografia da Infância as Paisagens de Infância, que se referem às formas como a sociedade cria materialidades destinadas ao uso das crianças, principalmente em espaços urbanos, e também como elas se apropriam ou transgridem nesses espaços (Lopes, 2013).
Santos (2006, p. 104) assinala que: “A paisagem existe através das suas formas” e acrescenta que a paisagem: “Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc.” (Santos, 1988, p. 61). Tudo aquilo que podemos apreender nesta perspectiva faz parte da paisagem, de modo que cada elemento que constitui uma determinada paisagem pode desvendar aspectos da ocupação que o homem realizou naquele meio, possibilitando o entendimento da dinâmica da sociedade.
Assim, as modificações que vão ocorrendo nas paisagens que formam o espaço geográfico são resultantes das ações que a sociedade desenvolve no decorrer do tempo, caracterizando um processo contínuo e dinâmico. Tais mudanças provocadas pela ação do homem podem causar estranhamento diante das novas formas construídas, devido à transformação total do arranjo de elementos naturais e sociais presentes na configuração da paisagem.
Nessa perspectiva, Santos (1988, p. 66/68) explica: “Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos [...]. A paisagem não é dada para todo o sempre, é objeto de mudança. É um resultado de adições e subtrações sucessivas”. Permanências e modificações podem estar presentes em uma mesma paisagem.
Em virtude da atual dinâmica da sociedade, o que temos em nosso contexto é um constante processo de modificação das paisagens, principalmente em espaços dotados de mais aparatos tecnológicos. De acordo com Santos (1988, p. 66): “Em cada momento histórico os modos de fazer são diferentes, o trabalho humano vai tornando-se cada vez mais complexo exigindo mudanças correspondentes às inovações”. As paisagens estão em contínua transformação, sendo que a ação humana é um dos principais fatores que transformam as paisagens num curto período de tempo.
O processo de inovações, no entanto, não ocorre da mesmo modo em todos os espaços, o que também ocasiona a presença ou ausência de estruturas e formas modernas nas paisagens. Devido ao atual período técnico-científico-informacional, temos paisagens que apresentam um maior número de elementos ligados ao aparato tecnológico, em decorrência de sua maior inserção no processo de globalização, e outras que podem se caracterizar por ter elementos representativos de períodos anteriores.
Como exemplo desse processo de inovação tecnológica em espaços públicos, citamos o Projeto WIFI LIVRE SP, que disponibiliza acesso gratuito à internet por sistema wi-fi em 120 praças ou localidades públicas do município de São Paulo. No caso da cidade de Assis-SP também há iniciativas do poder público local em oferecer acesso digital em alguns espaços públicos.
Dessa maneira, tomamos o conceito paisagem para analisar as formas destinadas às crianças na cidade de Assis-SP, de acordo com Lopes (2008, p. 40) temos: “[...] na configuração das paisagens, na estrutura ou organização espacial, locais destinados para as crianças, gestados por diferentes agentes produtores do espaço e que só podem ser compreendidos a partir das representações de infâncias que pré-existem nessas sociedades”.
Nesse contexto, podemos refletir sobre as paisagens das cidades que se constituem em espaços públicos de brincar e questionarmos se essas paisagens respondem às necessidades das crianças que usufruem desses locais na atualidade, pois, à medida que analisamos as paisagens que compõem determinada cidade, verificamos a visibilidade dos cidadãos nas formas existentes.
Em nosso estudo, identificamos as Paisagens de Infância na cidade de Assis-SP, reconhecidas pelo poder público local como espaços de brincar, evidenciamos os aspectos positivos e negativos dos espaços públicos de brincar na perspectiva das crianças e identificamos as necessidades e desejos das crianças com relação a esses espaços, considerando-as sujeitos de direitos e capazes de opinar.
Em relação às Paisagens de Infância de Assis-SP, constatamos que 25 dos 54 espaços de brincar da cidade de Assis-SP nunca foram utilizados para o desenvolvimento do brincar pelas crianças. Também verificamos que apenas um espaço de brincar público foi utilizado por todas as crianças e que havia espaços públicos de brincar conhecidos por elas, mas que não eram utilizados para o desenvolvimento do brincar.
Os espaços públicos de brincar eram conhecidos pelas crianças durante a transição no espaço urbano. Eram cenários que as crianças identificavam ao realizar os trajetos percorridos na cidade de Assis-SP, como por exemplo, percurso para a escola, visita à casa de algum familiar ou amigo, ida ao comércio.
Espaços de brincar da cidade de Assis-SP: falas e expectativas das crianças
Na coleta de dados com os sujeitos da pesquisa, buscamos ouvir a voz das crianças para que colocassem suas percepções a respeito dos espaços de brincar da cidade com a finalidade de relatarmos suas opiniões e expectativas.
No documento que a prefeitura de Assis-SP enviou, contendo os dados dos 54 espaços de brincar, todos são designados como praça, e não são de uso exclusivo desses atores sociais.
Com base em Almeida (2012), consideramos a importância das praças como espaços públicos que possibilitam a interação. O brincar que se desenvolve nestes espaços se caracteriza pelo imprevisível, com o surgimento de situações inesperadas estimulando o agir e pensar no mundo.
A praça é um espaço público importante para as interações entre as pessoas, se configurando em um lugar de encontro e pertencimento. No entanto, para que a praça seja considerada um lugar seguro, possível de ser frequentado pelos moradores, é necessário investimento. É relevante que seja um espaço agradável, aconchegante, iluminado, com lugares para sentar e com calçadas adequadas para o pedestre.
Atualmente, nas cidades grandes é difícil encontrar crianças brincando nas praças desacompanhadas de adultos, a mobilidade das crianças nesses espaços urbanos está restrita devido à violência urbana.
Ao analisarmos os resultados relativos às vivências das crianças em uma cidade menor, constatamos que todas as crianças que participaram da pesquisa indicaram que em algum momento frequentaram as praças, mas também verificamos que as crianças saem acompanhadas por adultos. Nos relatos os sujeitos da pesquisa mencionaram que os pais ou algum parente próximo as acompanhavam durante o passeio em espaços públicos.
Na Figura 1, vemos o perímetro urbano da cidade de Assis-SP e a localização dos espaços de brincar.
Pela Figura 1, que representa os espaços de brincar da cidade de Assis-SP, constatamos uma concentração desses espaços na região central da cidade, e há bairros onde não há espaços de brincar disponíveis para as crianças; portanto, há uma distribuição desigual na cidade.
Quanto às características do espaço, Lopes Júnior e Santos (2010, p. 110) avaliam que: “[...] o espaço, enquanto produto social é desigual, devido às próprias condições de desenvolvimento do capitalismo que além de se produzir e reproduzir desigualmente, também produz e reproduz as desigualdades”. Nesse contexto, os atores responsáveis pela produção e reprodução do espaço urbano o organizam de acordo com seus interesses, provocando uma distribuição desigual dos espaços.
Quanto ao uso dos espaços de brincar pelos sujeitos da pesquisa, o único espaço de brincar oficial da cidade de Assis-SP que todos usaram para o desenvolvimento de brincadeiras foi a Praça Durvalino R. Coutinho, no interior do Parque João Domingos Coelho, popularmente conhecido como Parque Buracão. Esse é um espaço de brincar muito frequentado pelas crianças da cidade.
As crianças relataram que brincaram nos brinquedos e na quadra de esportes presentes no Parque Buracão. Apontaram como características positivas os brinquedos e a área verde, no entanto as crianças também reclamaram da falta de manutenção dos brinquedos. Esse espaço de brincar oficial é arborizado e tem lugares adequados para os visitantes se sentarem, sendo frequentado diariamente por muitos moradores da cidade.
Sobre a disponibilidade de áreas verdes, avaliamos, com base em Almeida (2012), que esse é um elemento considerado um estímulo ao lúdico, portanto, esse dado constatado em nossa pesquisa corrobora o de outras pesquisas e evidencia a importância do verde para as pessoas.
Luz e Kuhnen (2013, p. 559) também apresentam resultados relativos à importância da vegetação para as crianças: “A presença da vegetação, sobretudo quando abundante, parece estimular a atividade física e mobilidade das crianças, através da exploração do ambiente”.
Esse espaço de brincar atualmente tem brinquedos adaptados ao uso de deficientes, sendo o único dos espaços públicos de brincar da cidade, outro fator que nos faz considerar que os espaços destinados ao lazer, como por exemplo os parques inclusivos, não são vistos como prioridade pelo poder público local.
Entre os espaços de brincar da cidade de Assis-SP, também encontramos rotatórias. As crianças questionaram, com propriedade, o fato de esses espaços serem considerados espaços de brincar da cidade de Assis-SP, por se constituírem em lugares perigosos para o desenvolvimento de brincadeiras.
Avaliamos que estes espaços de brincar são inadequados para o desenvolvimento do brincar, consideramos que além de perigosos, não são confortáveis, aconchegantes e muito menos convidativos para as crianças sentarem para conversar. No entanto, apesar da proximidade com o trânsito, duas destas praças foram utilizadas pelas crianças para o desenvolvimento de brincadeiras, de acordo com Luz e Kuhnen (2013, p. 559): “[...] mesmo impróprias para o uso, as praças são espaços utilizados para as brincadeiras e convívio infantil”.
Nesse sentido, os dados coletados se assemelham aos resultados encontrados por Luz e Kuhnen (2013) sobre os espaços públicos serem utilizados por crianças mesmo quando apresentam condições vulneráveis quanto a riscos físicos ou sociais.
Em relação aos espaços de brincar da cidade de Assis-SP, podemos constatar que poucos têm brinquedos disponíveis para as crianças usarem no desenvolvimento de brincadeiras. Com base em Santos (1988), as paisagens estão sujeitas a mudanças, no entanto, o processo de inovações não ocorre de forma homogênea, acarretando a presença ou ausência de estruturas nas paisagens. Avaliamos que, nos poucos espaços onde há brinquedos, estes estão desgastados, ou seja, ocorreu o que Santos (1988) chama de envelhecimento físico das formas.
Nas entrevistas as crianças apontaram como necessidade a disponibilidade de mais brinquedos e também a manutenção dos espaços de brincar para que ocorra a plena utilização dos mesmos. A seguir, apresentamos algumas falas das crianças quando perguntadas sobre os espaços públicos de brincar da cidade:
Bom, eles são úteis, mas eu acho que poderia dar uma reforma neles, assim, para ficarem mais adequados (Entrevista: Bia, 2016).
[...] eu acho que teria que colocar mais brinquedos, cortar grama, algumas mudanças (Entrevista: Lolo, 2016).
[...] eu mudaria e colocaria alguns brinquedos (Entrevista: Ti, 2016).
Também há nas Paisagens de Infância da cidade de Assis-SP, na Praça Werner Jaschke, uma academia ao ar livre. Podemos afirmar, mediante a observação do espaço apresentado, que a construção de uma academia ao ar livre representa uma modificação, uma tendência da sociedade atual. A esse respeito, Santos (2006) ressalta que as mudanças na paisagem respondem a necessidades da sociedade. Atualmente, podemos perceber em diversas cidades do interior do estado de São Paulo que está ocorrendo a construção de academias ao ar livre para a população utilizar para a prática de esportes e lazer. Contudo, estas academias são voltadas para o uso da população adulta.
Uma das crianças relatou que já usou os aparelhos de ginástica para brincar na Praça Werner Jaschke. A utilização destes equipamentos pelas crianças para o desenvolvimento de brincadeiras pode ser prejudicial à saúde, pois os aparelhos não foram planejados para esta finalidade.
Outro aspecto que as crianças apontaram foi a questão da limpeza dos espaços de brincar, elas gostariam que não houvesse lixo. Consideramos que o brincar livre e criativo é influenciado pelas condições dos espaços de brincar, pois as crianças não manifestam vontade de frequentar espaços que não tenham condições adequadas de limpeza e de segurança.
Almeida (2012, p. 49) tece considerações sobre a falta de manutenção dos espaços públicos:
[...] a falta de manutenção adequada dos espaços públicos construídos desvirtua toda a possibilidade educativa podendo se transformar em espaços não educativos. Se os parques se deterioram, os pavimentos se deterioram, os monumentos se estragam, as árvores não repostas, tudo perde sua eficácia educadora e tudo se integra em um processo de degradação.
O autor afirma que é fundamental as administrações públicas criarem espaços lúdicos para a população infantil e salienta que os espaços públicos possibilitam que as pessoas vivenciem diversas situações que marcam a sua história de vida. Desta maneira, as crianças ao utilizarem os espaços de brincar interagem com diversas pessoas e vivenciam inúmeras situações.
Perguntadas sobre a frequência de brincar, as crianças relataram na entrevista e durante a seleção visual que brincavam apenas alguns dias da semana nos espaços de brincar localizados fora de casa e umas das crianças disse que não costumava sair de casa para brincar. As crianças também afirmaram que geralmente brincavam com crianças que conheciam, como amigos, primos, irmãos.
No entanto, também houve crianças que afirmaram fazer novas amizades quando brincavam nos espaços de brincar utilizados fora de casa, a seguir apresentamos trechos da transcrição das entrevistas:
Bom, quando eu vou lá e tem criança, chega criança pedindo pra ser minha amiga eu faço, começo a brincar (Entrevista: Gi, 2016).
Tem vezes que eu faço amizade ali mesmo, mas na maioria das vezes eu conheço (Entrevista: Lolo, 2016).
Desta maneira, retomamos Almeida (2012), que afirma que os espaços públicos possibilitam que as pessoas vivenciem diversas situações que marcam a sua história de vida. As crianças, ao utilizarem os espaços de brincar, interagem com diversas pessoas e vivenciam inúmeras situações de interação social que, além de fazer parte da história de vida de cada um, também possibilita aprendizados.
Assim, por meio da interatividade, a qual se constitui um dos eixos estruturadores das culturas das infâncias, as crianças partilham conhecimentos, brincadeiras, rituais e jogos (Sarmento, 2003), sendo que a vivência em espaços de brincar públicos possibilita a interatividade. Nessa perspectiva, avaliamos que as crianças, ao frequentarem os espaços públicos, adquirem experiências diversas, advindas do conhecimento de pessoas diferentes, aprendem novas brincadeiras e tem contato com situações adversas.
Nessa perspectiva, as Paisagens de Infância são vivenciadas de diferentes formas pelas crianças e pela população em geral, sendo lugares que possibilitam o contato com o outro e até mesmo o estranhamento de situações relativas às condições sociais.
Ao analisar os dados sobre as brincadeiras mais desenvolvidas pelas crianças nos espaços de brincar da cidade de Assis-SP, constatamos as seguintes: pega-pega, esconde-esconde, corrida, trepa-trepa, jogar bola. Tais brincadeiras são desenvolvidas nos espaços de brincar que têm ou não brinquedos, evidenciando que o brincar livre e criativo ocorre nesses espaços.
Portanto, de acordo com Almeida (2012), consideramos que estimular o desenvolvimento do lúdico na vida da cidade, deveria se constituir como um dos elementos decisivos para propiciar qualidade de vida, pois o brincar livre e criativo estimula o desenvolvimento e o crescimento pessoal das crianças. Assim, a disponibilidade de espaços de brincar públicos que permitam às crianças desenvolver brincadeiras precisa ser considerado elemento fundamental nas políticas públicas urbanas.
Ao ouvir a voz das crianças e reconhecê-las como sujeitos que participam da construção da sociedade e que desenvolvem a espacialidade, foi possível compreendermos sua visão sobre os espaços de brincar da cidade de Assis-SP e seus desejos e quereres em relação à constituição dos espaços de brincar.
Podemos constatar nos poemas dos desejos construídos pelas crianças que o principal elemento presente foi o brinquedo, uma vez que vários tipos de brinquedos foram representados. As crianças enfatizaram em suas produções a necessidade da presença de brinquedos nos espaços de brincar localizados fora de casa, tanto na escrita como na representação do espaço de brincar desejado. Os brinquedos mais citados pelas crianças foram o escorregador, a gangorra, o balanço, as traves de gol e a bola.
Avaliamos que as crianças apontaram a importância da presença de brinquedos nos espaços de brincar por conta das possibilidades que os mesmos propiciam para o desenvolvimento de brincadeiras, do brincar criativo. Como pontuam Lima e Aparecida (2011), o brinquedo constitui-se em um objeto fomentador da ludicidade, sendo um suporte para a brincadeira, como reconhece Brougère (2004).
Por meio do brinquedo, a criança vivencia situações lúdicas, sendo um objeto que instiga a ludicidade (Lima; Aparecida, 2011); por isso, analisamos que crianças desenharam diferentes brinquedos por conta de possibilitar o desenvolvimento de variadas formas de brincar.
De acordo com Queiroz, Maciel e Branco (2006), a brincadeira faz com que a criança desenvolva a criatividade e, dessa maneira, espaços de brincar que incentivem o lúdico são importantes para a formação de um cidadão crítico e reflexivo.
Dessa maneira, ao afirmar, com base em Santos (2006), que a paisagem tem uma função relativa às necessidades de determinada sociedade, consideramos que as Paisagens de Infância da cidade de Assis-SP pouco correspondem aos desejos ou às expectativas das crianças.
O autor avalia que é necessário que as paisagens se transormem em decorrência da evolução da sociedade, pois, em cada período histórico, as relações vão ficando mais complexas (Santos, 1988). Dessa maneira, apontamos a necessidade de haver mudanças nas Paisagens de Infância que acompanhem as necessidades das crianças.
Considerações finais
No estudo dos espaços de brincar da cidade de Assis-SP, tornou-se evidente que as crianças precisam ser mais ouvidas para a criação de políticas públicas urbanas.
Os resultados obtidos mostram que os espaços de brincar da cidade de Assis-SP não foram planejados de acordo com as necessidades das crianças, pois não há brinquedos na maioria das praças, e, para elas, brinquedos e vegetação são elementos ambientais importantes de um espaço de brincar. As crianças questionaram a funcionalidade de alguns espaços destinados ao brincar, como as praças que são rotatórias. Outro aspecto considerado é a limpeza - concluímos que as crianças não têm vontade de brincar em lugares que não estão limpos.
As Paisagens de Infância analisadas em nosso estudo - os espaços de brincar da cidade de Assis-SP - apresentam mais permanências do que mudanças. Por esse motivo, constatamos que os espaços que têm brinquedos disponíveis não apresentam condições físicas adequadas: muitos estão quebrados, enferrujados e com bastante tempo de uso.
Portanto, não basta que existam espaços destinados às crianças. É necessário levar em conta suas necessidades e opiniões. Nessa perspectiva, tendo em conta que o acesso aos espaços públicos é fundamental para o desenvolvimento saudável das crianças, constatamos que é preciso que esses sujeitos sejam considerados na avaliação dos espaços de brincar públicos existentes.
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1
Saramago (2001) explica que a produção do texto ilustrado e legendado é uma forma de captar a opinião das crianças sobre determinado assunto e/ou aspecto de sua vida. Os sujeitos da pesquisa escrevem sobre um tema sugerido, fazem uma ilustração relativa ao conteúdo e escrevem uma legenda.
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2
Rheigantz et al. (2009) pensam que a seleção visual permite identificar os símbolos, as preferências e os aspectos culturais dos sujeitos participantes da pesquisa em relação a um conjunto de imagens previamente selecionadas.
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3
Rheigantz et al. (2009) esclarecem que, por meio do poema dos desejos, os sujeitos da pesquisa nomeiam, pela escrita ou por desenhos, suas necessidades, sentimentos e desejos relativos ao ambiente analisado.
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4
O professor Jader Janer Moreira Lopes coordena o Grupo de Pesquisas e Estudos em Geografia da Infância (Grupegi) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O foco principal do Grupegi é produzir conhecimento sobre a relação das crianças com os espaços, a fim de contribuir com os recentes trabalhos que estabelecem diálogo entre os campos de estudo da Geografia e de estudos da infância.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Maio 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
16 Jun 2020 -
Aceito
13 Out 2020