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Open-access Utopias urbanas e o giro decolonial

Urban utopias and the decolonial perspective

Utopías urbanas y el giro decolonial

Resumo

Ensaiamos aqui um exercício teórico de reflexão sobre utopias urbanas, um urbano-natural, que almejem relações sociedade-natureza alternativas e projetos utópicos societais equânimes, que fortaleçam a solidariedade social, outras relações sociais de produção, outras formas de produzir o espaço social (e diferenciado) e outras formas de vida cotidiana capazes de enfrentar a acumulação capitalista. De uma perspectiva latino-americana contemporânea, seria inviável abordar utopias urbanas e possíveis expressões do urbano-natural, se não numa abordagem crítica. Essa tarefa envolve alguns passos. Um primeiro concerne à utopia, às utopias urbanas e à natureza. Um segundo é a desmistificação da modernidade ocidental e de outras concepções atinentes à relação sociedade-natureza, fundada no giro decolonial. E o terceiro, baseado em Quijano, Walsh e Lefebvre, visa realçar o papel transformador da vida cotidiana ao lado de formas alternativas de produzir a vida material e a existência social. Trata-se de apontar que os caminhos rumo às utopias urbanas devem superar a colonização da vida social, do conhecimento e das técnicas, bem como as ideologizações hegemônicas.

Palavras-chave: Utopias urbanas; Urbano-natural; Giro decolonial; Lefebvre; Vida cotidiana

Abstract

We rehearse here a theoretical exercise on urban utopias, urban-natural, aiming at alternative society-nature relations and an equitable societal utopian project empowering social solidarity, other social relations of production, other ways of producing social (and differential) space, and other forms of everyday life capable of confronting capitalist accumulation.

From a contemporary Latin American horizon, it would be impossible to approach urban utopias and even possible expressions of the urban natural if not from a critical a perspective. Therefore, such task involves some steps. The first concerns utopia, urban utopias and nature. The second involves the demystification of Western modernity and other conceptions of the society-nature relationship, based on the decolonial turn. And the third, founded on Quijano, Walsh and Lefebvre, seeks to highlight the transformative role of everyday life along with alternative ways of producing material life and social existence. For pointing out that the paths to urban utopias must overcome social life, knowledge, and techniques colonization, as well as hegemonic ideologies and idealizations.

Keywords: Urban utopias; Urban natural; Decolonial turn; Lefebvre; Daily life

Resumen

Ensayamos aquí un ejercicio teórico de reflexión sobre las utopías urbanas, un urbano-natural, que apunten a relaciones sociedad-naturaleza alternativas y a proyectos utópicos societarios ecuánimes que fortalezcan la solidaridad social, otras relaciones sociales de producción, otras formas de producir el espacio social (y diferenciado), y otras formas de vida cotidiana capaces de enfrentarse a la acumulación capitalista.

Desde una perspectiva latinoamericana contemporánea sería inviable abordar las utopías urbanas y posibles expresiones de lo urbano-natural si no es desde una mirada crítica. Esta tarea implica algunos pasos. El primero se refiere a la utopía, las utopías urbanas y la naturaleza. El segundo está relacionado con la desmitificación de la modernidad occidental y otras concepciones de la relación sociedad-naturaleza, basadas en el giro decolonial. Y, el tercero, fundado en Quijano, Walsh y Lefebvre, pretende destacar el papel transformador de la vida cotidiana junto con formas alternativas de producir la vida material y la existencia social. Se trata de subrayar que los caminos hacia las utopías urbanas deben superar la colonización de la vida social, los conocimientos y las técnicas, así como las ideologías hegemónicas.

Palabras-clave: Utopías urbanas; Urbano-natural; Giro decolonial; Lefebvre; Vida cotidiana

A pandemia da Covid-19 e as medidas de confinamento adotadas em diversos lugares do mundo puseram a nu as desigualdades socioespaciais concernentes aos cuidados de saúde, às possibilidades de confinamento social e à satisfação das condições gerais de reprodução social. Em seu inicio, com a adoção de medidas severas de confinamento, houve uma redução incomum na atividade humana, mormente em áreas urbanas densamente ocupadas em diversos países. Nesse interstício, foram registradas diversas ocorrências de manifestação de vida selvagem no espaço de grandes e médias cidades, como se foram episódios de um seriado de ficção científica em um futuro pós-apocalíptico. Registraram-se desde macacos em áreas de lazer de condomínios de classe média, a antílopes, veados, javalis e felinos em áreas densamente povoadas. Isso fez com que conservacionistas, ecologistas e zoólogos passassem a questionar se a vida selvagem estaria a reivindicar o espaço das cidades (Zellmer et al., 2020) ou se essa visão resultaria das medidas de confinamento adotadas, ou ainda se constituiriam um fato usual, que passaria via de regra desapercebido no cotidiano da movimentada vida das grandes cidades (Silva-Rodríguez et al., 2021).

Independentemente das razões bioecológicas, esses incidentes evidenciam a persistência de elementos, fragmentos do que se poderia caracterizar como vida selvagem e do espaço natural no espaço social da cidade. Ao ler o espaço natural na cidade e o espaço da cidade, respectivamente, como natureza verde e cinza, Wachsmuth e Angelo (2018) se aproximam das perspectivas abertas por Santos (1996) e Sánchez (1990) relativas ao caráter da segunda natureza e de um espaço natural produzido. A permanência de manifestações do espaço natural na cidade mm especial e no espaço social em geral pode ser caracterizada, numa analogia a Santos (1996), como rugosidades, demarcações espaciais de um espaço natural espoliado, degradado e desfigurado.

De fato, essas rugosidades naturais eram comumente invisibilizadas ou estavam camufladas sob roupagens paisagísticas, fosse travestidas em áreas verdes, orlas litorâneas e aquáticas ou metamorfoseadas em áreas de lazer, fosse descaracterizadas e degradadas, como corpos d’água poluídos ou transformados em esgoto, ou ainda como campos transformados em aterros sanitários etc. ou transmutados em paisagem-cenário. Apesar de sua degradação, caberia considerar comuns tais espaços naturais, por seu caráter primeiro original. Mas comuns alienados da possibilidade de uso e apropriação social, uma vez que em virtude de sua descaracterização nem sequer são reconhecidos como manifestações do espaço natural.

E, assim como formas de vida selvagem persistem nesses interstícios e resquícios de espaços naturais, degradados ou não, esses espaços abrigam igualmente, em diversos lugares, sob diversas formas, aqui e ali, manifestações de práticas espaciais alternativas que subsistem como rugosidades socioespaciais e possibilidades potenciais de outra relação sociedade-natureza. Práticas essas muitas vezes fundadas em atividades não predatórias, em solidariedades e sociabilidades não capitalistas (Ribeiro, 2005) e em outras economias (Coraggio, 1994, 2018).

Esse quadro instiga-nos a pensar em permanências e reencontros, em potencialidades e possibilidades de desvendar meios de superar a dicotomia e ruptura sociedade-natureza decorrente da modernidade ocidental ou ainda de encontrar alternativas para tornar possível um (re)encontro sociedade-natureza como gérmen de um espaço diferenciado, no sentido lefebvreano, em que o urbano e o natural convergiriam para abrigar práticas alternativas de produção de outro espaço social, outra sociedade e outra relação sociedade-natureza, para mais além do espaço físico da cidade.

Imaginar alternativas emancipatórias é crucial para abandonar postulados dogmáticos e ideológicos que legitimam a dominação e a exploração sem contemplar as necessidades sociais, impedindo mudanças nos diversos âmbitos da vida social. Exige diferentes relações sociedade-natureza para superar a ruptura imposta pela modernidade europeia ocidental. Assim, o avanço rumo ao urbano-natural clama tanto por justiça social e espacial, como por um contínuo esforço teórico crítico para oferecer algumas respostas possíveis, no vislumbre de um possível futuro urbano-natural, seguindo a trilha aberta por Swyngedouw (1996), Heynen, Kaika e Swyngedouw (2006), Keil et al. (1998), Keil e Graham (1998) e Desfor e Keil (2004), entre outros.

Destarte, nosso principal horizonte é fazer um exercício teórico com o intuito de imaginar e elaborar as atuais sementes do que aqui designamos como urbano-natural, que apontam relações sociedade-natureza alternativas visando a construção de projetos utópicos societais mais justos. Um esforço nessa direção norteia-se pela premência de se pensar um projeto de emancipação humana para fortalecer a solidariedade social, os movimentos sociais, outras economias, outras relações sociais de produção, outras formas de produzir o espaço social (e diferenciado) e principalmente outras formas de vida cotidiana capazes de enfrentar a destrutiva acumulação capitalista. Para tanto, urge um projeto aberto e utópico de baixo para cima, com o potencial de abrir um caminho para um futuro possível, tendo em mente a distinção de Bloch (2004) entre utopia abstrata e utopia concreta, juntamente com a proposta de Lefebvre (1969, 1999) de utopias experimentais no alvorecer de uma era urbana.

Cabe esclarecer, de início, que concebemos o urbano-natural como um conjunto de alternativas transformadoras (práticas espaciais) com potencial para superar o urbano-industrial, rumo a uma sociedade equânime e um espaço diferenciado, em consonância com o horizonte aberto por Lefebvre (1991b) e Bloch (2004). O urbano-natural como tal não seria nem claramente urbano, nem totalmente natural. Ao contrário, implicaria apropriação social da natureza dentro do espaço social, em oposição à dominação capitalista. Implica também resgatar o valor de uso na vida cotidiana, em oposição à atual dominação geral do valor de troca, que caracteriza o espaço abstrato. Envolve igualmente o surgimento da era urbana, após a era industrial, na qual o foco central no crescimento econômico e na acumulação de capital dá lugar a um foco na vida cotidiana e na reprodução coletiva (Lefebvre, 1999; Limonad, 2010, Monte-Mór, 2018a). Logo, compreende várias práticas espaciais, que poderiam ser vistas como possíveis mediações para transformar a vida cotidiana e criar condições para a emergência de outro espaço, um espaço diferenciado, e outra sociedade.

A equação urbano-natural pode compreender três termos (urbano, rural e natural) e incluir mediações entre cidade, campo e natureza. Mas, trata-se de uma natureza transformada e produzida, pois “a natureza como tal escapa à ascendência da ação racionalmente realizada, tanto à dominação quanto à apropriação. Mais exatamente, ela permanece fora dessas ascendências, ela é aquilo que foge; é atingida através do imaginário (...( o campo é este um lugar da produção e de obras” (Lefebvre, 1969, p. 65).

O urbano-natural como virtualidade não implica nem uma fusão, nem uma síntese eficaz, mas uma convergência dos três termos (cidade, campo e natureza) mediados pelo urbano. Seguindo Lefebvre (1969, p. 116), uma “virtualidade que se perfila, mas que só se realiza num caso limite; este limite não está se situa no infinito, e no entanto é alcançado através de avanços e pulos sucessivos. Impossível instalar-se nele e instaurá-lo como uma realidade acabada”. Assim, o urbano-natural diria respeito à lenta construção de um objeto virtual que se manifestaria em práticas espaciais alternativas (mediações), que em diferentes graus integram os três termos da equação (urbano, rural e natural).

Então, onde estão o rural e o campo na equação urbano-natural? Enquanto a natureza resiste, aqui e ali, permeando os espaços sociais, o que acontece com o campo e o rural? O tecido urbano-industrial colonizou-os ambos. O campo perdeu a qualidade rural e camponesa, foi assolado pelo urbano. Para Lefebvre (1969, p. 108) “êste [sic] campo urbanizado se opõe a uma ruralidade sem posses, caso extremo da grande miséria do habitante, do habitat, do habitar. O direito à natureza e o direito ao campo não se destroem a si mesmos?”.

De fato, não há mais coincidência entre o urbano e o rural como qualidades (essência) com as paisagens (formas) cidade e campo (Limonad, 2010), o urbano permeia o campo, e o rural permeia a cidade. Pois,

Não se trata mais de isolar os pontos do espaço e do tempo, de considerar separadamente atividades e funções, de estudar - isoladamente uns dos outros - comportamentos ou imagens, divisões e relações. Esses diversos aspectos de uma produção social, a produção da cidade e da sociedade urbana, estão situados em relação a uma perspectiva de explicação e de previsão (Lefebvre, 1969, p.116, grifo do original).

Outrossim, ensaiamos aqui um esforço teórico para subsidiar um avanço da reflexão rumo a um projeto urbano-natural utópico concreto, para tanto fazem-se necessárias algumas demarcações metodológicas.

Desde uma perspectiva latino-americana contemporânea, seria impraticável abordar utopias urbanas e mesmo possíveis expressões do urbano-natural, se não de uma perspectiva crítica da modernidade e da colonialidade. Os estudos decoloniais recentes trouxeram à luz um senso de urgência de se desconstruírem formas coloniais de dominação, de poder, de pensamentos e de representações do mundo em que vivemos. Embora essa linha de pensamento reúna um rico conjunto de contribuições de Escobar (1995, 2003), Mignolo (2000), Grosfoguel (2008), Ballestrin (2013), Acosta (2016), Coraggio (2018), entre outros, nos deteremos em Quijano (2000, 2014) e Walsh (2005a, 2005b, 2010), por seu potencial para dialogar com o espaço diferenciado e o resgate do cotidiano de Lefebvre (1991a, 1991b, 1969), como também com a utopia concreta de Bloch (2004). Quijano abre um horizonte decolonial de emancipação do colonialismo pretérito, distinguindo a colonialidade atual da passada. Walsh destaca-se pela postura crítica em relação à institucionalização do bem viver, em oposição a seus próprios fundamentos, nas constituições do Equador e da Bolívia e também, por propor uma práxis militante, tal qual uma guerra de posição (Gramsci, 1971, p. 242-243), com base numa prática social não institucionalizada de baixo para cima, com a capacidade de contribuir para a construção de sociedades distintas mediante a criação de condições radicalmente diferentes (Walsh, 2005a, p. 24) de existência, conhecimento e poder (Quijano, 2000, 2014).

Empreender uma reflexão e uma busca por utopias urbanas virtuais e por um urbano-natural envolve alguns passos. Um passo inicial concerne à utopia, às utopias urbanas, ao urbano-natural e à própria natureza. Um segundo passo concerne à desmistificação da ilusão da modernidade ocidental e de outras concepções da relação sociedade-natureza, em que nos valemos do giro decolonial, pois, conforme Alimonda (2019), o giro decolonial tem um “giro natural-colonial” complementar que tenta “ler e narrar o épico da modernidade através de seu obverso, a partir de suas dimensões silenciadas”. E o terceiro passo visa realçar o papel transformador da vida cotidiana juntamente com formas alternativas de produzir a vida material e a existência social, norteado pela necessidade de resgatar e conquistar a vida cotidiana para romper o “círculo infernal vicioso” imposto pelo capital sobre espaços, corpos e ritmos de vida diária (Lefebvre, 1991a, p. 82). Para tanto, recorremos aqui ao diálogo entabulado por Limonad (2021) entre Lefebvre e o giro decolonial que, ao conectar o espaço diferenciado e a interculturalidade, aparece como uma opção intrigante, por permitir ressaltar as práticas espaciais da vida cotidiana e outras formas de produzi-la que tornam possível o (re)encontro sociedade-natureza.

Sobre utopias, utopias urbanas e o urbano-natural

Qualquer projeto que trate de transformação social deve visar a utopia. Mas não qualquer utopia, pois só uma utopia livre de mitos pode servir como orientação para outras práticas socioespaciais, possibilitando um movimento rumo a outra sociedade e a um espaço diferenciado (Lefebvre, 1991b). Bloch (2004) enfatiza a distinção entre utopias abstratas e concretas e entre o pensamento utópico e utopiano. As primeiras referem-se a projetos de sociedades futuras, ideais de “leite e mel”. Em contraste, o pensamento utopiano abre perspectivas para outras sociedades, sem nada estar previamente definido. E onde tudo deve ser delineado a cada momento concreto, já que o futuro está sempre por vir, embora o ainda não (noch-nicht) sempre se imponha (Bloch, 2004). Logo, só o sonho inacabado pode ser rigorosamente designado como utopia, o que lhe confere uma dimensão política e um significado diferente. Isso lhe permite tornar-se algo mais complexo, um norte para a ação social, nem como um determinante ou um plano, nem como uma prescrição de objetivos preestabelecidos (Limonad, 2016).

De fato, o que hoje parece impossível e utópico pode ser reinterpretado como possível, concreto e experimental e eventualmente tornar-se uma resposta instrumental às atuais crises sociais planetárias. Lefebvre (2009, p. 287) postula transformar o impossível em possível, por entender que a utopia assume um caráter urgente.

Propostas utópicas semeiam sementes de transformação social plenas de novas possibilidades. Destarte, a utopia urbana (concreta) emerge como possibilidade de experimentação e transformação da vida cotidiana, como uma formação contínua de cidadania, como um processo de experimentação de consciência social que diz respeito a práticas espaciais, subversão e instrumentalização (Randolph, 2015, 2016), para permitir o florescimento de um espaço diferenciado (Lefebvre, 1991b).

Como ponto de partida, devemos perguntar de onde pode vir o urbano-natural. A ideia de um urbano-natural concebido como um passo necessário para a utopia urbana emerge inicialmente como a ideia de uma “natureza extensiva”, tomada como um complemento necessário da “urbanização extensiva”, redefinindo o próprio espaço da vida social (Monte-Mór, 2006, 2018a, 2019). Ao movimento centrífugo do urbano-industrial sobre o espaço natural e sobre o espaço rural, abrangendo virtualmente a totalidade do espaço social, corresponderia dialeticamente um movimento centrípeto da natureza vindo ao seu encontro por vários caminhos. A crescente indefinição das fronteiras e características da cidade e do campo, conforme a urbanização extensiva se desenvolve no espaço, parece expressar esses vários e diversos encontros.

A urbanização extensiva, ao encontrar e reorganizar o espaço social de múltiplas maneiras, também aparece como um terreno de possibilidades de transição pós-capitalista. O urbano e suas relações vão além da aglomeração da cidade, tomando conta do território e abrindo lugar para o surgimento de formas, processos e práticas socioespaciais urbano-naturais, que decorrem da supressão e superação da dicotomia cidade-campo. Nessa linha, Tzaninis et al. (2021) argumentam haver muitas possibilidades de entender a ecologia política do urbano em relação à diversidade de novas formas e processos urbanos de sub/urbanização extensiva.

Diferença, diversidade e dispersão são traços significativos da urbanização extensiva, que abrange arquipélagos urbanos e subúrbios metropolitanos que se estendem para o campo, desde florestas e cerrados até vilas, cidades e metrópoles. Todos contêm hoje, com diferentes formas, graus e intensidades, as sementes do urbano - como qualidade, como relação social (Lefebvre, 1969; Limonad; Monte-Mór, 2020) - em interação com a natureza.

Tais germes de interação, aqui chamados de urbano-natural, anunciam um (re)encontro da sociedade e da natureza, apoiado por outras relações sociais, outras organizações sociais, outras economias nutrindo a solidariedade social e favorecendo a vida coletiva comum. Entretanto, para entender esse (re)encontro é mister esclarecer o que o urbano-natural inclui, e elucidar como concebemos a natureza e, portanto, o espaço natural, em relação ao espaço humano produzido (espaço construído), rural ou urbano.

Hoje, pode-se dizer que não há nem sequer uma natureza natural pristina (Diegues, 2008). Mas então, o que é a natureza? De um ponto de vista bioecológico, a natureza compreenderia todos os elementos necessários para manter a vida e o modo como os seres humanos (e não humanos) vivem, habitam, comem e produzem toda a vida material. Tudo o que fazemos e somos tem a ver com a natureza. Teoricamente, a natureza é uma construção social, uma concepção social, uma representação cujo significado muda no tempo e no espaço (Limonad, 2004). Ao produzir seu espaço e representações do espaço (Lefebvre, 1991b), cada sociedade também produz suas representações da natureza (hegemônicas e subordinadas), fundadas em suas práticas espaciais e no imaginário social vivo (espaços de representação), e tais representações moldam as relações sociedade-natureza através do tempo e do espaço (Limonad, 2004). Entretanto, diferentes concepções da natureza envolvem relações diferentes entre sociedade e natureza, entre humano e natureza, com diferentes hierarquizações. Consoante Kaika e Swyngedouw (2014), devemos agora pensar numa “urbanização da própria natureza”, na qual humanos e não humanos estariam conectados por uma miríade de elementos, desde água até produtos químicos e vírus. Silva, H. (2017) argumenta que, para ver melhor as alternativas de desenvolvimento da Amazônia, é imperativo pensar numa “socialização da natureza”.

O desenvolvimento das forças produtivas e a complexificação da organização social mudam as formas de apropriação e dominação da natureza. Embora uma natureza imaculada viva na memória (Lefebvre, 1969), a natureza resiste e persiste nos espaços urbanos e rurais, muitas vezes reduzida a uma de suas características (terra, água, ar, fauna ou flora) ou não identificada como tal ao tornar-se, ao menos em aparência, estranha à vida cotidiana, ao ser mercantilizada e degradada para atender ao mercado.

Kaika (2005, p. 24) observa que “a proliferação de entidades de natureza ambígua que não são puramente ‘naturais’ ou puramente ‘não naturais’ torna-se cada vez mais o resultado ‘normal’ dos processos de produção da modernidade”. Pois, como mercadoria, a natureza integra a vida social moderna. Após ser consumida e processada, essa natureza é externalizada e descartada como se fora dejeto, lixo, antinatural ou algo maligno. Então, já que tudo faz parte da produção de um ambiente construído que mescla natural e antinatural, por que uma natureza degradada, compreendendo solos contaminados, rios poluídos convertidos em esgoto e outras manifestações não poderiam ser entendidas como natureza?

Santos (1996) nos dá uma pista quando fala num meio produzido mutável. Um meio técnico, científico (e hoje, informacional) resultante das relações sociais de produção e desenvolvimento técnico implica, consequentemente, uma natureza natural transformada que se renova como uma natureza diversificada, socializada e produzida, onde a cada diversificação segue-se outra, num movimento dialético em que intervém a ação humana e cujo resultado é um espaço social e natural. Tal natureza produzida compreende todos os tipos de natureza.

Assim, se o urbano - que deriva aqui do adjetivo à cidade (Monte-Mór, 2006) - também abrange uma natureza produzida, embora aparentemente à parte da natureza, então é admissível dizer que uma natureza produzida permaneceu dentro dos espaços urbanos e rurais de várias formas modificadas. Todavia, por que tal natureza produzida parece invisível e apartada do urbano, como se não houvesse conexões entre eles?

Conforme Polanyi (2001, p. 187), a organização da vida econômica repousa em fatores de produção indistinguíveis da relação homem-natureza, “e ainda assim separar o homem da terra e organizar a sociedade de modo a satisfazer as exigências de um mercado imobiliário era uma parte vital do conceito utópico de uma economia de mercado”. Consequentemente, esta natureza produzida tornada mercadoria é invisibilizada, ao não ser mais reconhecida como natureza (Limonad, 2004). Logo, o (re)encontro com o urbano-natural pressupõe o resgate de muitas formas e manifestações da natureza transformada produzida dentro do urbano como um todo. Tal passo exige uma decolonização da reflexão sobre a natureza e a busca de outras relações sociedade-natureza, para além do desenvolvimento econômico e das ilusões da modernidade ocidental (Monte-Mór; Ray, 1995).

Conceber um urbano-natural que redefina ou supere o urbano-industrial requer abraçar outras relações sociedade-natureza, um desenvolvimento mais humano e equitativo (Monte-Mór, 2018b). Requer igualmente a superação do paradigma baseado no “regime universal e dominante do mercado como medida de todas as coisas, como princípio organizador do mundo globalizado e do próprio significado da existência humana” (Leff, 2008, p. 33). Outro desenvolvimento e outro paradigma requerem reconhecer a diversidade social, as especificidades territoriais, as diferenças e afirmações de identidade, bem como uma relação não colonial sociedade-natureza e uma atitude mais profunda e respeitosa com diferentes formas sociais de existência, conhecimento e saber.

Logo, para lidar com o urbano-natural é imperativo entendê-lo como uma utopia concreta com várias manifestações experimentais. Por conseguinte, consoante Bloch (2004), o urbano-natural nem deve ser definido agora no tempo presente, nem congelado como conceito para um futuro possível, posto que deve ser (re)elaborado sempre, de tempos em tempos. Nem deve ser engessado em uma concepção teórica fechada, uma vez que os conceitos geralmente sufocam e restringem as práticas espaciais sociais em uma camisa de força, resultando muitas vezes em um estranhamento entre conceitos e práticas (como na colonialidade). Para agir, o homem carece de um objetivo, que “só pode ser uma ideia, [...( uma visão de princípios, ou de máximas jurídicas” (Gramsci, 1994, p. 20). Portanto, para avançar rumo ao urbano-natural, devemos lidar com noções e ideias para orientar as práticas espaciais. Noções, entendidas como ideias sistematizadas, devem orientar e igualmente emergir de necessidades e práticas concretas relativas à vida cotidiana. Essas ideias (e noções) podem, igualmente, mudar a vida cotidiana e as práticas espaciais, (re)definindo a cada momento o que deve ser um possível urbano-natural embutido nesses novos espaços de representação.

Além disso, o urbano-natural que emerge das práticas espaciais e da vida social como uma utopia experimental e concreta, mesclando a ideia de utopia experimental de Lefebvre com a utopia concreta fora do alcance (ainda-não) de Bloch, deve ser entendido como um encontro de diferenças, de qualidades, tempos, ritmos e culturas distintas. Assim, para compreender a complexidade do urbano-natural, é indispensável decolonizar nossos pensamentos para superar as ilusões coloniais que invisibilizam as expressões atuais do urbano-natural e que persistem em meio ao capitalismo e à urbanização extensiva.

Sobre a colonização do conhecimento, da vida cotidiana e da relação sociedade-natureza

De um ponto de vista histórico, confrontar diferentes concepções de mundo e culturas denota uma luta pela hegemonia, na qual uma nação exerce seu domínio sobre outras impondo um modo de existência social, de fazer e pensar alheio às culturas locais, com a obliteração das línguas, concepções de mundo e culturas nativas originárias (Gramsci, 1971).

A modernidade ocidental tem suas raízes na colonialidade da América Latina (Mignolo, 2000) e, embora tenha emergido como um horizonte para superar a colonialidade (presente e passada), tem por compromisso cumprir as exigências do capitalismo para garantir as condições de acumulação primitiva (Luxemburgo, 1985). Destarte, o projeto de modernidade perseguido no capitalismo é dialético, contraditório e muitas vezes incompleto (Habermas, 1990; Santos, 1996), pois sua colonialidade intrínseca o inviabiliza; a modernidade deve permanecer como promessa não cumprida para manter a esperança social de progresso e assegurar as estruturas neocoloniais de dominação do capitalismo (Limonad, 2021).

Uma nova colonialidade substitui o colonialismo pretérito. O capital coloniza tudo, inclusive todas as instâncias da vida social, e cria assim uma neocolonização, com outras formas de dominação, fundada em diferenças espaciais e em estágios heterogêneos de desenvolvimento, engendrando uma relação centro-periferia de poder em escala mundial (Lefebvre, 1978, p. 174). Como tal, essa neocolonização produz relações territoriais hierárquicas que não se limitam a eventos ou períodos do passado de um país; ademais, ajuda a articular Estados hegemônicos globais e organizações multilaterais internacionais para subsumir países não hegemônicos (Lefebvre, 1978, p. 170-171).

A presente colonialidade é, parcialmente, um resultado da colonização do capital combinada com formas pretéritas persistentes de colonialidade. Consequentemente, a colonialidade compreende uma estrutura incessante com novas formas mutáveis, que penetram e sustentam o que fomos e o que somos agora. Para Limonad (2021), a colonialidade perdura como uma qualidade, como se fora uma rugosidade espacial - em analogia a Santos (1996) - das características materiais persistentes no espaço e no tempo. Como uma rugosidade espacial, a colonialidade abrange manifestações coloniais distintas que se sobrepõem, combinando colonialidades passadas e presentes, pavimentando o caminho para o futuro.

A superação da colonialidade moderna exige ir além dos fatos econômicos e da dominação política, para tanto deve ser entendida em articulação com outras dimensões da vida social, acompanhada por uma busca de alternativas para avançar em direção a outra sociedade.

Para Quijano (2014, p. 285), a colonialidade seria um dos elementos específicos constitutivos do sistema mundial de poder capitalista. Fundada na imposição de uma classificação racial e étnica, a colonialidade operaria nos planos material e subjetivo, nas esferas e dimensões da existência social cotidiana, marcando tanto o conhecimento quanto o poder. Assim, dá suporte à manutenção do patriarcado, à contínua espoliação de terras e recursos naturais, à falta de acesso à terra, ao controle das elites sobre as decisões, à depredação da natureza, à extração ilimitada de recursos naturais e, principalmente, ao desrespeito às culturas nativas, além de preconceitos raciais e convenções sociais discriminatórias para com o outro, para com o diferente. Para Lacoste (1988), não se trataria apenas de aniquilar ou transformar as relações ecológicas, mas de uma modificação ampla da situação em que vivem milhares de pessoas.

Ao entrelaçar a concepção da colonialidade de Quijano (2000, p. 540-541) com a tríade espacial de Lefebvre (1991b), realça-se o caráter complexo e generalizado da colonialidade contemporânea, que compreende a subsunção das representações hegemônicas do espaço, do poder e do conhecimento, bem como dos espaços de representação subsumindo a existência social dos indivíduos colonizados - com sua desumanização, diferenciação sociorracial e repressão de significados simbólicos e formas nativas de subjetividade. Além disso, implica a subsunção da cultura, do conhecimento e do saber fazer com a imposição de práticas espaciais alienígenas dominantes (domínio do percebido) de forma a manter a dominação, a começar pela religião, pelas relações sociedade-natureza e, muitas vezes, pela própria linguagem (Limonad, 2021).

A colonização da vida cotidiana, da existência social e da produção e apropriação do espaço social se desdobra na colonização das formas de representação do espaço e das práticas espaciais, resultando em múltiplas representações e práticas espaciais aparentemente dissociadas e sem sentido para a vida cotidiana, mas valiosas para a acumulação capitalista. Ademais, a apropriação social do espaço, agora transformado em espaço abstrato do capital, torna-se mais difícil (Limonad, 2021).

A colonização de um país e sua sociedade acontece dentro da distante ordem espacial, no que diz respeito aos meios de produção, ao Estado, às instituições, às igrejas e às próprias representações do espaço (Limonad, 2021). Da mesma forma, acontece também na ordem espacial imediata no que tange à família, à força de trabalho, à vida cotidiana e à reprodução dos espaços de representação. Para Limonad (2021), a sociedade colonizada tenderia a produzir não mais seu próprio espaço social, mas a mimetizar a produção social hegemônica do espaço do novo colonizador (capital), reproduzindo e seguindo suas concepções e representações hegemônicas predominantes. Assim, tal colonização comandada pelas necessidades do capital interferiria no vivido, no percebido e no concebido, obstruindo especificidades locais e reprimindo identidades sociais.

Uma nova sociedade, um novo espaço, um espaço diferenciado, exige outras práticas espaciais (Lefebvre, 1991b). Exige igualmente uma relação sociedade-natureza diferente, outra divisão social do trabalho da família e da sociedade, além do reconhecimento e respeito das diferenças de gênero, raça e classe, pois, a diferenciação racial constitui um elemento essencial do poder colonial e um meio de legitimar as relações de dominação, superioridade e inferioridade entre o dominante e o dominado (Fanon, 1968, Quijano, 2000). Tal diferenciação se materializa espacialmente na constituição de espaços segregados. Assim, outra sociedade e outro espaço exigem a descolonização da vida cotidiana, das práticas espaciais e, principalmente, do imaginário - os espaços de representação (Lefebvre, 1991b).

Portanto, é imperativo encontrar um caminho de reconciliação, não apenas político, social e ambiental, mas também epistemológico, entre sociedade e natureza (Alimonda, 2019) para conceber um espaço urbano-natural além do capitalismo. (Re)considerar o homem e a natureza uma unidade também requer a compreensão de que o capitalismo colonizou todas as esferas da vida social, incluindo a vida cotidiana, para impor suas próprias representações do espaço e da natureza. Portanto, a busca do urbano-natural deve investigar onde ele hoje perdura como práticas espaciais alternativas e, para ter êxito, deve, segundo Lefebvre (1976, p. 126), ir além do terreno e dos termos definidos pelo capitalismo e pelo Estado. Principalmente se considerarmos que:

Em breve, apenas ilhas de produção agrícola e desertos de concreto permanecerão na superfície da Terra. Daí a importância das questões ecológicas: é correto afirmar que o meio ambiente e a qualidade de vida adquiriram um status central e urgente do ponto de vista político. Na medida em que se aceita tal análise, as perspectivas de ação são profundamente transformadas. Várias formas conhecidas, mas um tanto negligenciadas - como a vida associativa ou a democracia de base (autogestão) - devem ser restabelecidas como prioridades-chave; elas assumem novos significados quando aplicadas ao urbano (Lefebvre, 2014, p. 205).

Em busca do urbano-natural

Pensar sobre o urbano-natural implica vislumbrar outras relações sociedade-natureza e uma sociedade mais equitativa que contemple a diferença. A tarefa exige a descolonização da vida cotidiana e a superação da colonialidade atual. Envolve também imaginar outras modernidades e desenvolvimentos (Monte-Mór; Ray, 1995). Conforme Quijano (2000), se a ideia de modernidade vem da novidade, do avanço racional, científico e secular com todo o seu desdobramento, então a modernidade seria um fenômeno imanente a qualquer sociedade, a qualquer momento. Daqui em diante, parece essencial fazer um esforço para combinar diferentes pontos de vista, alcançar novos níveis de compreensão e explorar em profundidade propostas alternativas que resistem nas práticas cotidianas. Em especial, práticas que permitam trazer mudanças rumo a futuros mais progressistas, democráticos, alternativos e igualitários. De qualquer forma, isso deve ser feito de uma perspectiva crítica, porque “a vida cotidiana sob o capitalismo está permeada de possibilidades e esforços utópicos, tanto de variantes reacionárias quanto progressistas e com presságios de ramificações benignas ou emancipatórias” (Brenner, 2002, p. 802).

No presente, a descolonização da vida cotidiana é premente, posto que “o Estado unifica todas as formas, a da troca e da mercadoria, a dos contratos, a das leis. Homogeneizando identidades, o Estado esmaga o que lhe resiste; e faz desaparecer as diferenças” (Lefebvre, 2001, p. 774), ao simultaneamente cobrir e mascarar as classes sociais. Entretanto, ao lado do Estado estão a mídia, as instituições e as corporações, que ampliam suas representações e o seu poder, penetrando profundamente na vida cotidiana em várias escalas. Para Lefebvre (2001, p. 774):

Uma vez constituído, este Estado funciona como um sistema. Ele se reproduz na reprodução das relações de dominação; tem à sua disposição um poder ilimitado para restringir seus cidadãos; pode, portanto, paralisar todas as suas iniciativas. Esse é o perigo que ameaça o mundo moderno e contra o qual é necessário lutar a todo custo. Não existe um “bom Estado”; hoje não existe nenhum Estado capaz de evitar o movimento rumo a este resultado lógico: o Modo de Produção Estatal; é por isso que o único critério da democracia é a prevenção de tal resultado.

Mas existe esperança de evitar tal resultado distópico. Durante as últimas duas décadas, surgiram várias propostas alternativas no sul global (as economias populares e solidárias, o bem-estar, o ubuntu, a felicidade interna bruta, o bem-viver, e a interculturalidade) no sul global, críticas aos diversos aspectos do desenvolvimento econômico e preocupadas, em encorajar e fortalecer as potencialidades, capacidades e necessidades humanas no concernente às relações com a natureza, caracterizadas por algumas como desenvolvimento humano sustentável. Embora algumas contribuam para a emancipação cidadã oferecendo alternativas de autogestão, muitas não chegam a atingir as contradições fundamentais do capitalismo. Em sua maioria encontram-se institucionalizadas e agregadas a ideias alheias, o que as transforma, como o bem-viver, em “outra ferramenta discursiva e termo cooptado, funcional para o Estado e suas estruturas e com pouco significado para a verdadeira transformação intercultural, interepistêmica e plurinacional” (Walsh, 2010, p. 20).

A interculturalidade de Walsh (2005a, 2005b, 2010) destaca-se entre essas alternativas, que a concebe como uma estrutura complexa de interações equitativas em múltiplas formas, envolvendo relações sociais, negociações e trocas culturais, sem reificar, mistificar ou ver as identidades como atributos étnicos inabaláveis. A principal característica da interculturalidade seria seu caráter processual alternativo em permanente em construção, não constituindo um produto em si mesma, mas uma prática de baixo para cima, de outra forma de ser, pensar e agir que se constrói no jogo político, pouco a pouco, no âmbito das práticas cotidianas de grupos não hegemônicos, em oposição a sua institucionalização pelo Estado.

Por questionar as premissas hegemônicas consagradas, a interculturalidade poderia tornar viável reconstruir e visíveis outras lógicas e modos de pensar que o poder dominante procura eliminar, esmagar, controlar, esconder ou invisibilizar. Na qualidade de um confronto étnico, estratégico e político com a produção hegemônica do conhecimento, a interculturalidade teria o potencial de criar condições para combinar o surgimento de um urbano-natural relativo a outros conhecimentos, outras formas de vida e outras relações sociedade-natureza, permitindo a produção de um espaço diferenciado, que exige outras representações e práticas espaciais (Lefebvre, 1991b), com a permanente (re)formulação de um projeto para outra sociedade, fundada no aqui e agora (Bloch, 2004).

Consequentemente, seguindo a proposta de interculturalidade, a possibilidade de transformação social não residiria na transformação da vida cotidiana, em como os indivíduos sociais se tornam autoconscientes e se organizam para assumir conjuntamente o controle de suas vidas e agir sobre suas condições de vida e existência.

Cabe considerar a interculturalidade, junto com o paradigma original do bem-viver,1 uma prática não institucionalizada, por ter uma postura ética diferente, que entende a natureza como parte da vida social, o que vai de encontro à presente relação sociedade-natureza, baseada em sua pilhagem e dilapidação em escala industrial global.

Como prática espacial em construção, a interação bem-viver-interculturalidade é uma perspectiva instigante para engendrar outras práticas espaciais e capacitar grupos sociais não hegemônicos, uma vez que pode permitir mudanças nas relações sociais e políticas e um paradigma alternativo de desenvolvimento humano e sustentabilidade. Um paradigma capaz de concorrer para a produção de outras representações do espaço e do espaço diferenciado. Por sua característica como prática vivida de transformação socioecológica, o bem-viver não seria apenas um movimento para retomar de forma alternativa a economia e o desenvolvimento econômico, mas também promove, incentiva e conecta movimentos solidários e coletivos em diferentes escalas (Sparn, 2019).

Finalmente, parece claro, por ora, que a revolução contemporânea possível estará centrada na vida cotidiana, nos esforços ligados à (re)produção coletiva e ao espaço de vida e na qual as economias estarão mais relacionadas com seu significado “substantivo” original, ou seja, a gestão do lar, do próprio espaço de vida. Um processo dialético, no qual a quantidade se transforma em qualidade com mudanças incrementais como nas transformações sociais anteriores que ocorreram a partir de dentro, resultando em mudanças graduais que questionam a hegemonia ou as relações sociais atuais da produção. A era urbana anunciada por Lefebvre, superando a era industrial, transfere as preocupações básicas da produção e da acumulação para a preocupação com a “reprodução ampliada da vida” (Coraggio, 1994), impulsionada pela compreensão de uma crise planetária que coloca a sobrevivência humana no planeta no centro de nossas preocupações.

Nesse contexto, o urbano-natural é entendido como uma transformação vital já em curso da sociedade industrial urbana para formas diferentes de organização socioespacial na busca da utopia urbana virtual que deveria caracterizar a era urbana. Múltiplas são as dificuldades, limitações e contradições que podem ocorrer nesse processo de transformação, mas parece que não há nenhum ponto de retorno, a não ser as muitas distopias que nos são apresentadas pelas perspectivas capitalistas atuais.

O ressurgimento contemporâneo de preocupações com a natureza e sua renovada inserção na vida cotidiana faz-se presente de muitas e variadas maneiras. Seria impossível enumerá-las ou categorizá-las como aparecem em todo o mundo. Estão em todos lugares, dos mais ricos aos mais pobres, em cidades futuristas, periferias metropolitanas, e ainda no campo, em florestas, savanas etc. Apesar de suas contradições implícitas, todas parecem portar sementes de um processo transformador.

Na América Latina, as ações e práticas dos movimentos sociais populares relativas ao resgate e à reinvenção das relações sociedade-natureza estão frequentemente ligadas à compreensão de que a resistência ao capitalismo constitui uma questão de sobrevivência cotidiana (Silva, F.; Maciel, 2021). Há uma miríade de interações e apropriações sociais da natureza, da produção social do espaço e da ocupação dos territórios. Cabe ver essas experiências como processos em curso, que contemplam a sustentabilidade e o respeito ao meio ambiente, e entendê-las como a necessidade de resgatar o espaço natural e garantir sua centralidade numa sociedade urbana. Elas abrangem um rico conjunto de práticas espaciais populares, que são processos constitutivos e ampliados de sobrevivência cotidiana, compreendendo, entre outras, a organização popular para a ocupação de espaços decisórios oficiais, a fim de garantir a manutenção dos espaços comuns naturais e impedir a expansão do espaço abstrato,2 o plantio e manutenção de parques e florestas urbanos,3 iniciativas de planejamento territorial alternativas construindo espaços de legitimidade e leis populares,4 redes territoriais de povos tradicionais comprometidos com a preservação de seus costumes e espaços de vida,5 e redes comunitárias sociais fundadas em economias populares e solidárias.6

Em seu desenvolvimento, essas experiências contribuem para promover a consciência cidadã e ambiental, bem como para integrar espaços de participação comunitária, comunicação, cultura e educação, ao construírem cartografias sociais urbano-naturais com potencial para gerar outras práticas espaciais que possam levar a produção de espaços diferenciados.

Outrossim, a transformação do urbano-industrial em urbano-natural não implica o fim de uma era (era industrial) e o início de outra (era urbana), assim como a era agrária não terminou completamente (de fato estamos escavando seus restos resilientes). Ao invés, ela deve ser construída de dentro, a partir das contradições da vida cotidiana e de suas manifestações em nossa atual crise social. Essa transformação também enfatiza a ideia de Lefebvre da utopia urbana entendida como a realização da “sociedade urbana” e, nesse sentido, o próprio direito à cidade pode ser entendido como o direito à sociedade urbana. Busquet (2012/2013, p. 8) enfatiza:

No entanto, esta “utopia” defendida pelo autor não pretende, de forma alguma, servir de “modelo”. Ao determinar o “possível-impossível” da “realidade” - o que Lefebvre chama de “transdução” - ela só permite, entre outras coisas, que o conhecimento do urbano evolua no nível teórico, e assim se abra, pode-se dizer, a um melhor planejamento espacial que não seja contrário às práticas sociais, aos “desejos” e à liberdade. É uma “utopia experimental”, “estudando no concreto as implicações e consequências” da utopia (Lefebvre, 1974[1968],7 p. 112). [...] Assim, quando Lefebvre afirma que a sociedade só pode se desenvolver no urbano, ele subentende a urbanização generalizada.

A interação dialética entre urbanização extensiva e naturalização extensiva, como proposto ao início, envolve o resgate do urbano-natural que perdura tanto na cidade quanto no campo e em suas diversas (e virtuais) manifestações no próprio urbano (tomado aqui como substantivo, não como adjetivo da cidade). A sociedade urbana proposta por Lefebvre exige agora outros elementos, a natureza e o espaço natural que, embora implícitos em sua proposta, tornam-se agora cruciais para enfrentar as ameaças atuais e iluminar nossa própria compreensão da vida cotidiana contemporânea.

A sociedade urbana também implica um mundo de diferenças, do qual os espaços diferenciados de Lefebvre devem ser parte integrante. As centralidades urbanas, os nós dentro da urbanização extensiva, são certamente os lugares onde devem florescer as sinergias emergentes da vida urbana, onde o sinekismo (Soja, 2000) pode recriar e redefinir as relações entre cidade e campo e assim abrir caminho para a sociedade urbana. Tomamos o urbano-natural como a noção ou ideia que reúne preocupações e práticas espaciais contemporâneas dentro da vida cotidiana, hoje presente numa miríade de manifestações e preocupações em muitas partes do mundo, que metaforicamente representam a transformação da era industrial na era urbana. Um passo insuficiente, mas necessário, em direção à utopia do urbano-natural.

Uma opção em direção às utopias urbanas - aqui incluído o urbano-natural - deve superar a colonização da vida social, do conhecimento e das técnicas e assim superar as ideologizações e idealizações hegemônicas. Requer igualmente a busca de respostas a partir da identificação de formas alternativas de produzir vida material e de práticas espaciais apoiadas em outras relações sociedade-natureza integradas à vida cotidiana, apesar da expansão mundial do capitalismo, que tende a subsumir tudo e todos. Assim, entendemos que falar sobre o urbano-natural significa explorar um terreno de possíveis relações sociais transformadoras que se destacam como sementes de uma utopia concreta

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  • 1
    “[...] bem-viver denota, organiza e constrói um sistema de conhecimento e vida baseado na comunhão dos seres humanos e da natureza e na totalidade espaço-temporal-harmoniosa da existência. Ou seja, na inter-relação necessária entre seres, conhecimentos, lógicas e racionalidades de pensamento, ação, existência e vida” (Walsh, 2010, p. 18).
  • 2
    A Reserva Ecológica Costanera Sur, com 350 hectares, situada numa área de baixa renda de Buenos Aires (CF), começou como um aterro sanitário, às margens do rio de la Plata, em 1978. Posteriormente, plantas nativas se desenvolveram ali, fornecendo refúgio e alimento a diversas espécies animais. Esse caso mostra a capacidade da dinâmica natural para recuperar uma área degradada. Em 1986, a área foi transformada em reserva ecológica oficial. Desde 2001, várias tentativas de conectá-la ao Puerto Madero malograram, graças à mobilização social e à consciência ambiental, como foi o empreendimento Ciudad Deportiva de la Boca, com 24 hectares. Apoiados por instituições profissionais e acadêmicas, movimentos sociais argumentaram que esses espaços verdes estão bem sem ocupação humana. Após diversas audiências públicas, em 2021, esse projeto foi rejeitado devido a seu impacto ambiental e por concorrer para aumentar o preço dos imóveis. Ver Vera (2021) e Brunetto (2021).
  • 3
    A comunidade Guararapes é uma experiência de autogestão territorial, fica no maciço da Tijuca, no caminho para o Corcovado, no limite das florestas do Parque Nacional da Tijuca, e é atravessada pelo rio Carioca. Iniciada em 1930, a ocupação resistiu a várias tentativas de remoção. Em 1967, após longa ação judicial, a Associação de Moradores adquiriu o terreno de 3,4 hectares. Desde 1978, juntamente com outros atores sociais, a comunidade colabora na proteção das margens do rio Carioca e de áreas florestais vizinhas, promovendo a consciência comunitária ambiental e cidadã (Comunidade Guararapes, [20--]; Péo, 2012).
  • 4
    Inspirado na Trame Verte et Bleue, da antiga região mineira Nord Pas-de-Calais (Lille, França), e em outros exemplos, o Plano Metropolitano de Belo Horizonte propôs a restruturação da região metropolitana com base numa Trama Verde e Azul em nível metropolitano e municipal. Essa proposta foi além da francesa por incluir uma abordagem utópica de esquerda, com a inclusão de elementos do patrimônio natural e cultural e de práticas espaciais com potencial de produzir um espaço metropolitano (e territórios municipais) urbano-natural (Monte-Mór et at., 2016; Costa, H.; Monte-Mór; Costa, G., 2020). As respostas das comunidades envolvidas foram entusiásticas e evidenciam a importância que conferem à proteção ambiental, criação de parques ecológicos e de espaços naturais.
  • 5
    Os territórios de indígenas brasileiros, quilombolas, populações ribeirinhas, camponeses e coletores, entre outros, que conseguiram sobreviver à destruição industrial capitalista são cada dia mais vocais e sociopolíticos, introduzindo suas abordagens radicais em relação à natureza em debates nacionais (e internacionais). Eles ganharam ampla visibilidade e lograram influenciar os povos tradicionais, no Brasil e em vários países latino-americanos, com a difusão e ampliação das reivindicações identitárias. Os grupos Xakriabá estão se integrando mais ao meio tecnológico, científico e informacional (Santos, 1996). Conforme seus territórios são transformados pela urbanização extensiva, suas práticas sociais e culturais vêm sendo reconstruídas e suas vozes amplificadas (Monte-Mór; Gomes, 2020). Em todos esses casos, suas relações com a natureza e com o urbano-industrial se vêm transformando rumo a uma certa sacralização de seus espaços de vida (Monte-Mór, 2018b).
  • 6
    Colônias de pescadores artesanais e marisqueiros resistem ao avanço da urbanização industrial em várias cidades e metrópoles brasileiras. No estado do Rio de Janeiro, vários projetos foram desenvolvidos para apoiar essas colônias por meio do intercâmbio de conhecimentos, do incentivo à pesca sustentável, da adoção de princípios de economia solidária e do fortalecimento de organizações comunitárias, espaços de produção e comercialização da pesca artesanal e da coleta de crustáceos e moluscos. Entre eles, destaca-se a “Maré Oriental Agitando os Territórios com troca de conhecimentos, gerando renda e sustentabilidade ambiental nas comunidades pesqueiras”, que recebe recursos do Termo de Ajuste de Conduta dos derramamentos de óleo na Bacia de Campos entre 2011 e 2012, coordenado pela Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas, Povos Extrativistas Costeiros e Marinhos e Comunidades Tradicionais (Confrem), que congrega cerca de 100.000 famílias em 18 estados brasileiros (Confrem, [s.d.]), com o suporte das Universidades Federais do Rio de Janeiro e do FunBio, entre outros.
  • 7
    LEFEBVRE H. Le droit à la ville, suivi de Espace et politique. Paris: Seuil,1974 [1968].
  • ERRATA
    Este artigo tem uma errata: https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2022.189578er
    Em todo o artigo, onde se lê o termo “espaço diferenciado”, deve ser lido, na verdade, “espaço diferencial”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2021
  • Aceito
    10 Fev 2022
  • Corrigido
    02 Ago 2024
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