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Efeitos da pandemia de Covid-19 na dinâmica territorial do turismo em municípios paulistas de relevância patrimonial

Resumo

A pandemia da Covid-19 afetou sensivelmente a atividade turística, mudando a intensidade dos fluxos turísticos e a dinâmica territorial da atividade em destinos turísticos potencialmente atrativos como as estâncias turísticas do estado de São Paulo detentoras de patrimônios culturais e naturais representativos. O objetivo desta pesquisa é analisar as características do turismo nas diversas fases do período da pandemia nos municípios paulistas que têm relevância patrimonial para verificar a intensidade, os propósitos e a destinação dos fluxos turísticos com as mudanças da dinâmica territorial da atividade. Os dados e as informações coletadas basearam-se principalmente nas entrevistas semiestruturadas com gestores da área de turismo e cultura dos municípios pesquisados e com guias de turismo, levando à constatação do aumento do turismo de proximidade, sobretudo nos destinos interioranos, e do workcation nos litorâneos.

Palavras-chave:
Turismo; Patrimônio Cultural; Patrimônio Natural; Pandemia de Covid-19

Abstract

Tourism was significantly impacted by the Covid-19 pandemic, which affected the intensity of tourist flows and the territorial dynamics of potentially attractive tourist destinations, such as the tourist resorts with representative Cultural and Natural Heritage in the state of São Paulo. Thus, the objective of the present study is to analyze the tourism characteristics of such locations during the different stages of the pandemic to investigate the changes occurred in the territorial dynamics of the activity in relation to the intensity, purposes and destination of tourist flows. The data and information collected were mainly based on semi-structured interviews with the managers of the Tourism and Culture area of the municipalities surveyed, and the results reveal an increase in proximity tourism, mainly in the countryside destinations, and the practice of workcation in the coastal destinations.

Keywords:
Tourism; Cultural Heritage; Natural Heritage; Covid-19 pandemic

Resumen

La pandemia de Covid-19 afectó significativamente la actividad turística, lo que resultó en cambios importantes en la intensidad de los flujos turísticos y la dinámica territorial de la actividad en destinos turísticos potencialmente atractivos como los Centros Turísticos del Estado de São Paulo con Patrimonio Cultural y Natural representativo. Esta investigación tiene como objetivo analizar las características del turismo durante el período de pandemia, en sus diversas fases, en los municipios de São Paulo que tienen relevancia patrimonial con el fin de investigar las transformaciones que ocurrieron en la dinámica territorial de la actividad en relación con la intensidad, los propósitos y el destino de los flujos turísticos. Los datos e información recogidos se basaron principalmente en entrevistas semiestructuradas con los responsables del área de Turismo y Cultura de los municipios encuestados, resultando el hallazgo del incremento del turismo de proximidad, principalmente en los destinos de interior, y la ubicación laboral en los destinos costeros.

Palabra-claves:
Turismo; Patrimonio Cultural; Patrimonio Natural; Pandemia de Covid-19

Introdução

A pandemia da Covid-19 vem promovendo mudanças substanciais na intensidade e na dinâmica territorial dos fluxos turísticos em escala nacional e internacional que implicam a exploração turística de novos destinos e atrativos, na mudança dos períodos de sazonalidade turística, nos comportamentos dos turistas e na própria finalidade dos deslocamentos turísticos. Essas transformações ocorridas em um curto espaço de tempo, mais especificamente, entre 2020 e o início de 2022, devem ser melhor conhecidas e analisadas criticamente, a fim de ampliar a análise dos seus efeitos nos destinos turísticos culturalmente e ambientalmente representativos.

Durante a pandemia da Covid-19, o estado de São Paulo foi um dos que mais sofreu o impacto das proibições e restrições à circulação de turistas, já que tem uma centralidade expressiva nos fluxos turísticos nacionais e internacionais. Antes da pandemia, o estado recebia, em média, 50 milhões de turistas por ano, entre os quais 2,7 milhões eram estrangeiros, sendo responsável por 10% do PIB paulista e pela geração de 1 milhão de empregos diretos e 2 milhões de empregos indiretos, já que a atividade movimenta 56 setores da economia (Governo do Estado de São Paulo, [s.d.]GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO: SECRETARIA DE TURISMO E VIAGENS. Available at: https://www.turismo.sp.gov.br/ . Accessed on: 13/07/2022.
https://www.turismo.sp.gov.br/...
).

Quanto ao suporte à atividade, São Paulo é o estado brasileiro que concentra mais serviços turísticos, como os de agenciamento e operação de viagens e os de hotelaria, com hotéis das principais redes hoteleiras internacionais (Cruz, 2020CRUZ, Rita de Cássia Ariza da. Ensaio sobre a relação entre Estado, políticas públicas de turismo e desenvolvimento regional no Brasil. Confins (Paris), v. 1, p. 1-15, 2020.), além de ter uma extensa rede de infraestrutura e serviços de transporte, que viabiliza o fluxo turístico a municípios de todas as regiões do estado.

Dos 645 municípios do estado de São Paulo, 70 são classificados como Estâncias Turísticas por disporem de infraestrutura, serviços e atrativos turísticos que atendem a interesses e necessidades da atividade (Platum, 2019PLATUM: Plano de Turismo Municipal: Cidade de São Paulo 2019/2021: perspectiva 2030. São Paulo: Secretaria Municipal de Turismo: São Paulo Turismo, 2019.). O fomento ao turismo nas estâncias tem como um de seus propósitos descentralizar os fluxos de turistas da capital paulista para as cidades interioranas e litorâneas detentoras de atrativos naturais e histórico-culturais significativos, entre os quais, destacam-se aqueles reconhecidos como patrimônios naturais e culturais pelos órgãos oficiais de preservação em nível estadual, nacional e mundial, que elevam o seu potencial de atratividade.

Tanto no litoral quanto nos municípios interioranos, merecem destaque aqueles detentores de centros históricos tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), na categoria Conjuntos e Sítios Urbanos.

Parte considerável desses municípios também tem sítios do patrimônio natural de relevância estadual, nacional e global. Com exceção de Iporanga, todos os demais são considerados Estâncias Turísticas. São eles: Cananéia, Iguape, Bananal, Itu, Santana de Parnaíba, Amparo, São Sebastião e São Luiz do Paraitinga. Mas a representatividade desse patrimônio cultural e natural é tida possível indutora de fluxos de turistas, sendo importante selecionar alguns deles como estudos de caso para esta pesquisa: dois municípios interioranos (Santana de Parnaíba e Itu), um no Vale do Paraíba (São Luiz do Paraitinga) e dois no litoral (São Sebastião e Cananéia). Agrega-se como estudo de caso o município litorâneo de Ubatuba, por ter um patrimônio natural tombado pelo Condephaat e uma grande representatividade turística no estado de São Paulo, sendo considerado o primeiro colocado no ranking das 70 estâncias turísticas do estado (Ubatuba é a 1ª..., 2021).

Essa análise visa apresentar subsídios para a compreensão do impacto da pandemia da Covid-19 na atividade turística de municípios litorâneos e interioranos de pequeno e médio porte, bem como das possíveis mudanças na dinâmica territorial do turismo ocorridas em tempos de pandemia nos municípios pesquisados.

Metodologia

Para atingir os objetivos propostos pela pesquisa foi realizada uma revisão bibliográfica em artigos científicos nacionais e internacionais sobre a dinâmica do turismo durante a pandemia para subsidiar a análise das possíveis transformações ocorridas na intensidade dos fluxos turísticos e nas pecualiaridades da dinâmica territorial da atividade nos municípios pesquisados. Também foi se levantaram os decretos do governo do estado de São Paulo e dos municípios estudados para compreender a relação entre as medidas protocolares tomadas para conter a disseminação da pandemia e os fluxos turísticos nos territórios histórica e ambientalmente representativos. Consultaram-se os sites do Condephaat e do Iphan para embasar a análise da relevância patrimonial desses municípios tanto em termos históricos e culturais como ambientais, em alguns casos. Para compreender a relevância turística dos centros históricos e dos demais bens tombados dos municípios, levantaram-se informações sobre eles em sites e folders de turismo produzidos por secretarias e departamentos de turismo. Verificou-se nesse material que patrimônios são divulgados como atrativos turísticos ou contemplados nos roteiros turísticos oferecidos pelas secretarias municipais de turismo.

As entrevistas semiestruturadas com secretários e diretores de turismo de cada município pesquisado foram importantes para compreender os atrativos turísticos mais destacados, a relevância do centro histórico e do patrimônio cultural e natural na dinâmica territorial do turismo e o perfil do turista que visita o município.

Além dos secretários e diretores de Turismo, as entrevistas também foram feitas com um representante dos guias de turismo de cada município pesquisado para a obtenção de dados e informações sobre a dinâmica territorial do turismo durante a pandemia e no primeiro semestre de 2022. Os relatos dos gestores e dos guias entrevistados foram fundamentais para compreender as transformações ocorridas na origem e destino dos fluxos turísticos e na sua intensidade durante o período da pandemia, para identificar os locais de maior fluxo de visitação e o grau de atratividade turística dos centros históricos e dos demais patrimônios ao longo desse período.

O patrimônio cultural e natural como vetor de atração turística durante a pandemia da Covid-19

O patrimônio cultural, seja ele material ou imaterial, ocupa uma posição central no mercado dos bens simbólicos (Bourdieu, 2004BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2004.), já que seu conteúdo material e representacional transformam-se em produtos culturais e, em muitos casos, em atrativos turísticos diferenciais que se destinam a atrair fluxos de turistas e valorizar territórios histórica e culturalmente representativos.

A patrimonialização (Jeudy, 2005JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.) de objetos, territórios e paisagens consiste em assegurar uma representação do passado por meio de formas materiais edificadas em tempos pretéritos, bem como a valorização das referências identitárias de uma comunidade que se evidenciam tanto em práticas sociais quanto em manifestações da cultura material e imaterial que, em muitos casos, estão vinculadas às parcelas do território simbólica e historicamente representativas como as áreas centrais patrimonializadas das cidades, comumente denominadas centro histórico.

A expressão “centro histórico” é recorrente entre os órgãos oficiais de preservação e entre os membros da comunidade para reforçar a relevância do valor histórico e arquitetônico dos conjuntos urbanos e de suas características paisagísticas. Como atesta Cifelli (2015CIFELLI, Gabrielle. Imagem representação e o uso turístico do Patrimônio Mundial: uma análise de Ouro Preto e Salvador. (Tese de Doutorado). Instituto de Geociências, Unicamp, 2015., p. 129), “a utilização do termo centro histórico [...] visa vincular a identidade de determinadas cidades com a sua relevância histórica e com as expressões culturais que detêm”. O termo é comumente utilizado nas estratégias de marketing urbano e de promoção turística para reforçar a condição de atratividade de determinadas localidades histórica e culturalmente representativas e que estão cada vez mais atreladas ao mercado de bens culturais e ao consumo turístico. Nesse sentido, os usos do patrimônio se voltam para elevar o capital cultural dos centros históricos, valorizando-os economicamente (Harvey, 1992HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.; Arantes, 2000ARANTES, O. Uma estratégia fatal. A cultura nas novas gestões urbanas. In: ARANTES, O, VAINER, C. e MARICATO, E. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 11-74.).

O uso de espaços públicos e privados nos centros históricos para eventos culturais ou esportivos de diferentes portes e tipos visa transformar esses lugares em locus de animação cultural, lazer, entretenimento e consumo. Também têm o intuito de valorizar e divulgar elementos da cultura imaterial como a gastronomia, as danças, a musicalidade, a religiosidade e o artesanato, entre outras manifestações que, ao mesmo tempo em que consistem em referências culturais e identitárias significativas para a comunidade, agregam valor simbólico aos centros históricos e reforçam sua condição de atratividade.

A centralidade de atrativos, equipamentos culturais, espaços públicos destinados à promoção de atividades de cultura, lazer, consumo e entretenimento induz à concentração territorial das atividades características do turismo (ACT) nos centros históricos, muitas delas em edificações tombadas, que valorizam meios de hospedagem, restaurantes, bares e agências de turismo, entre outros, e favorecem o processo de refuncionalização turística do patrimônio cultural, que acentua a concentração territorial de turistas nessas parcelas do território (Paes-Luchiari, 2005PAES, Maria Tereza Duarte. Centros Históricos - mercantilização e territorialidades do patrimônio cultural urbano. GEOgraphia (UFF), v. 14, 2005, p. 43-58.; Santos; Paes-Luchiari, 2007PRADO-SANTOS, C. M.; PAES-LUCHIARI, M. T. D. P. A espetacularização do patrimônio cultural de São Luiz do Paraitinga/SP. Portal Vitruvius/Seção Arquitextos nº. 088, Texto Especial 441 - ISSN 1809-6298 - São Paulo, 2007. Available at: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp441.asp . Accessed on: 07/26/2022.
http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/...
; Cifelli, 2010CIFELLI, Gabrielle. A refuncionalização turística do patrimônio cultural: os novos usos do território apropriado pelo turismo em Ouro Preto-MG. In: PAES, Maria Tereza; OLIVEIRA, Melissa Ramos da Silva (orgs.). Geografia, Turismo e Patrimônio Cultural. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2010, p. 113-138.).

O uso turístico dos sítios do Patrimônio Natural também se evidencia cada vez mais. As áreas naturais preservadas tornam-se objeto de um crescente interesse turístico, reforçado não apenas pelos critérios de beleza estética das paisagens naturais, mas também pela conscientização da sociedade sobre a questão ambiental (Bertoncello; Troncoso, 2018BERTONCELLO R.; TRONCOSO, C. Vínculos entre patrimonio natural y turismo:una revisión para el caso argentino. Pasado Abierto. Revista del CEHis, nº 8, Mar del Plata. Julio-Diciembre 2018, p. 74-93.). Pelo alto índice de urbanização, as áreas naturais protegidas como os sítios do Patrimônio Natural do estado de São Paulo, figuram com lócus de grande interesse turístico aguçado pela biodiversidade dos remanescentes florestais, como a Mata Atlântica; pela valorização estética das paisagens serranas e litorâneas; pelas diversas formas de relevo e formações geológicas, pela presença de rios, cachoeiras, lagos, entre outros atrativos naturais que estimulam o imaginário turístico em busca de experiências individuais e coletivas mediadas pela natureza.

A diversidade de elementos da natureza nos sítios do patrimônio natural paulista amplia as possibilidades de uso turístico desse patrimônio que contempla desde atividades de observação e interpretação da fauna e flora, como atividades desportivas e de lazer, associadas ao ecoturismo e ao turismo de aventura (rafting, trekking, canyoning, rapel e ciclismo entre outras). A conciliação entre a exploração turística das paisagens e dos recursos naturais, transformados em produtos, e o seu uso racional que atenda aos princípios da sustentabilidade é um dos grandes desafios do setor, já que muitas dessas localidades estão sujeitas a processos de ocupação desordenada, especulação imobiliária e uso predatório dos recursos naturais, agravando a fragilidade ambiental desses territórios. A presença de patrimônios culturais e naturais tombados e registrados em um mesmo município amplia o potencial de uso turístico desses territórios, bem como a preocupação de conciliar seu uso turístico com a preservação e valoração de seu patrimônio cultural e natural.

No contexto pandêmico, o fluxo turístico e a dinâmica territorial da atividade foram sofrendo mudanças significativas de 2020 a 2022. Essas variações estão diretamente ligadas à evolução da pandemia e às medidas adotadas pelo governo estadual para conter sua proliferação, com o Plano São Paulo. Nos períodos em que vigorou a fase 1 (vermelha), quando se liberaram apenas serviços essenciais, o fluxo turístico foi praticamente paralisado nos municípios paulistas detentores de patrimônio cultural ou natural, devido à interrupção das visitas e do atendimento presencial nos atrativos culturais e naturais, nos equipamentos culturais, no comércio e nos serviços turísticos, com exceção da hotelaria, que passou a ser considerada serviço essencial durante todo o período pandêmico.

Nas fases 2 (laranja), 3 (amarela) e 4 (verde) do Plano São Paulo, a liberação parcial das atividades com limitação de público e respeito aos protocolos sanitários propiciou um processo de retomada gradual da atividade turística ocorrida entre junho e dezembro de 2020, mesmo com a continuidade das recomendações de quarentena. Entre dezembro e março de 2021, uma nova onda de contaminações resultou no retorno à fase vermelha em todo o estado, com a liberação parcial das atividades ocorridas a partir de abril, decorrente do aumento dos índices de vacinação e da redução das taxas de contágio. Nos períodos de maior flexibilização das atividades sociais e econômicas, a retomada dos fluxos turísticos foi gradual, implicando novas formas de movimentação turística no contexto pandêmico (Carneiro; Allis, 2021CARNEIRO, J.; ALLIS, T. Como se move o turismo durante a pandemia da COVID-19? Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, São Paulo, 15 (1), 2212, 2021. Available at: http://dx.doi.org/10.7784/rbtur.v15i1.2212 . Accessed on: 13/07/2022.
http://dx.doi.org/10.7784/rbtur.v15i1.22...
). Durante a pandemia, os turistas passaram a valorizar mais as viagens a municípios geograficamente próximos a seu local de residência, a visitação a espaços públicos abertos e arejados como parques, praças e praias, e a destinos com atrativos naturais e culturais, mesmo que esses não estivessem abertos à visitação durante a fase mais restritiva do Plano São Paulo.

O deslocamento de turistas das grandes aglomerações urbanas para cidades menores, litorâneas ou interioranas, por períodos mais longos para a prática do home office também foi uma alternativa adotada por muitas pessoas para enfrentar o período de quarentena em ambientes mais aprazíveis e, aparentemente, mais seguros. Portanto, esses deslocamentos turísticos em plena pandemia diferem daqueles ocorridos no período pré-pandêmico e baseiam-se nos deslocamentos de proximidade (staycation), no uso de veículos particulares e na obediência às normas sanitárias (Cruz et al., 2022CRUZ, R. C. A.; BEIL, I. M.; BARRETTI, D. R.; ALLIS, T. “Por uma geografia do movimento”: reflexões sobre as práticas de turismo durante a pandemia de Covid-19 no estado de São Paulo. Formação (Online), v. 29, n. 55 - Dossiê , p. 79-101, 2022., p. 89), apesar de nem todos os turistas respeitarem essas normas.

O turismo de proximidade, ou staycation, que cresceu consideravelmente no período pandêmico, representa uma forma de turismo doméstico com estadia geralmente curta, pois envolve deslocamentos a destinos próximos à residência do turista (Zhiwei Lin et al., 2021ZHIWEI, L (Et. al.) Inducing wellbeing through staycation programs in the midst of the COVID-19 crisis. In: Tourism Management Perspectives, v. 40, October 2021, p. 1-12.), podendo durar apenas um dia, sem requerer pernoites no local de destino (Suau-Sanchez; Voltes-Dorta; Cugueró-Ecofert, 2020SANCHEZ, S, VOLTES-DORTA, A, CUGUERÓ-ESCOFET, N. An early assessment of the impact of COVID-19 on air transport: Just another crisis or the end of aviation as we know it? Journal of Transport Geography, n. 86, 2020, p. 1-8.). Essa modalidade de turismo possibilita aos turistas contemplar as riquezas histórico-culturais e ambientais de municípios próximos que, antes da pandemia, não despertavam tanto interesse das pessoas que residiam em suas proximidades. Esse tipo de deslocamento turístico passou a ocorrer na maior parte das cidades estudadas. Entretanto, deslocamentos turísticos para permanências de média e longa duração nos destinos também foi observado em muitas localidades para a prática do workcation (Pecsek, 2018PECSEK, B. (2018). Working on holiday: The theory and practice of workcation. Balkans Journal of Emerging Trends in Social Sciences, v.1, p.1-13. ). Essa situação possibilitou aos turistas gozarem de mais liberdade de escolha dos destinos e de mais flexibilidade na duração da viagem e motivou muitas pessoas a enfrentarem o período de quarentena em outras localidades turísticas, tanto em municípios litorâneos quanto interioranos. O workcation ocorre quando o indivíduo pode exercer o trabalho remoto em qualquer lugar, podendo trabalhar enquanto viaja, com a possibilidade de conciliar trabalho e descanso, e de usar a internet e a tecnologia da informação e da comunicação nos destinos selecionados (Satawedin, 2022SATAWEDIN, P. Similarities and Differences between Remote Working, Staycation, Workcation, and Digital Nomadism: Documentary Research. BU Academic Review. 21(1), 2022 ). Assim, é importante compreender como ambas as modalidades de turismo afetaram a dinâmica turística dos municípios estudados em tempos de pandemia.

Relevância patrimonial e representatividade turística das estâncias turísticas do estado de São Paulo

O fomento ao turismo em São Paulo se destaca dos demais estados brasileiros, já que é o estado pioneiro na criação de uma política pública de fomento à atividade, com a publicação de decretos-leis destinados à criação de estâncias balneárias, hidrominerais, climáticas e turísticas. Os primeiros decretos que atribuem o título de Estância Balneária a todos os municípios do litoral datam das décadas de 1940 e 1970, evidenciando a vocação turística das cidades litorâneas. Desde então, as praias figuram entre os principais atrativos desses municípios, que, a partir da segunda metade do século XX, passaram a receber investimentos públicos e privados destinados ao desenvolvimento turístico, incrementado pela construção de obras de infraestrutura, como a construção de rodovias e de “residências secundárias ou segundas residências” (Tulik, 1995TULIK, O. Residências secundárias: as fontes estatísticas e a questão conceitual. Turismo em Análise, São Paulo, v. 6, n. 2, 1995, p. 22-35.). Tais transformações resultaram no aumento considerável do fluxo de turistas para esses municípios a partir desse período, sobretudo nos municípios da Baixada Santista e, mais especificamente a partir dos anos 1980, no litoral norte paulista (São Sebastião, Caraguatatuba, Ilhabela e Ubatuba).

O tombamento da Serra do Mar como Patrimônio Natural pelo Condephaat em 1985, e a criação do Parque Estadual da Serra do Mar, entre outras unidades de conservação, acentuou os conflitos pelo uso do território litorâneo para o turismo, proibindo novas construções no território tombado e, ao mesmo tempo, tornando a paisagem e os recursos naturais um produto de consumo turístico. “Essa aproximação da natureza empreendida pelo homem contemporâneo alimenta-se de uma contradição: enquanto induz e conscientiza para a preservação e a conservação do nosso patrimônio natural, promove a ampliação da sua exploração e de seu consumo” (Paes-Luchiari, 2007PAES-LUCHIARI, Maria Tereza. Turismo e patrimônio natural no uso do território. In: PAES LUCHIARI, M. T; SERRANO, C; BRUHNS, H. T. (orgs) Patrimônio, Natureza e Cultura. Campinas, SP: Papirus, 2007, p. 25-46., p. 36). A área tombada da Serra do Mar abrange 33 municípios, sendo 90% dessa área constituída por parques, como o Parque Estadual da Serra do Mar (Delphino, 2009DELPHINO. R. B. A gestão do desenvolvimento econômico conflitando com o patrimônio natural e cultural de São Sebastião - SP. Revista Brasileira de Pesquisa em Turismo, v. 3, n. 2, 2009, p. 49-70.). Este tem diversos núcleos abertos e estruturados para a visitação turística, tornando atrativos naturais de grande relevância regional.

Em Ubatuba, além das 102 praias, que são seus principais atrativos, destacam-se como atrativos turísticos 16 ilhas, o Parque Estadual da Serra do Mar (núcleo Picinguaba), as comunidades tradicionais (caiçaras, indígenas e quilombolas), cada vez mais estruturadas para a visitação turística por meio do Turismo de Base Comunitária, algumas edificações de relevância histórica e cultural situadas sobretudo em sua área central e ainda o Aquário e o Projeto Tamar (Secretaria Municipal de Turismo de Ubatuba, [s.d.]SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO DE UBATUBA. Available at: https://turismo.ubatuba.sp.gov.br/ . Accessed on: 07/13/2022.
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). Em 2019, o município também promoveu 50 eventos ao longo do ano, sendo que ao menos dez eram relativos às manifestações culturais das comunidades tradicionais, atraindo tanto a comunidade local como turistas. A promoção de eventos em destinos turísticos visa combater a sazonalidade turística por meio da oferta de lazer, cultura e entretenimento. Pode também reforçar a identidade cultural das comunidades locais, valorizar tradições e reforçar a imagem das cidades como destinos culturalmente representativos.

Em São Sebastião, são mais de 30 praias em 100 km de costa que constituem seus principais atrativos. Algumas ilhas como “As Ilhas”, situadas entre a praia de Juquehy e Barra do Sahy, são tombadas pelo Condephaat desde 1994, na categoria de área natural ou sítio paisagístico (Condephaat, [s.d.]CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E TURÍSTICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Available at: http://condephaat.sp.gov.br/ . Accessed on: 15/07/2022.
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). Atualmente, projetam-se como atrativos naturais e ocupam um papel de destaque no material de divulgação turística do município. Por contemplar 68% do seu território nos domínios do Parque Estadual da Serra do Mar, os rios, as cachoeiras e as trilhas na Mata Atlântica também são atrativos naturais relevantes que fomentam a prática do Ecoturismo e do Turismo de Aventura. Entre os municípios do litoral norte e da Baixada Santista, São Sebastião é o único cujo centro histórico está tombado pelo Condephaat desde 1971, composto de sete quadras e alguns imóveis isolados. Constituído por edificações dos séculos XVIII e XIX próximas à orla, seu patrimônio arquitetônico remete à fase de exploração da cana-de-açúcar e do café, entre o final do século XVIII e a primeira metade do XIX. O desenvolvimento da cafeicultura no Vale do Paraíba nesse período contribuiu significativamente para a economia de São Sebastião, por seu papel de entreposto comercial e via de escoamento de mercadorias. Atualmente, a concentração de restaurantes e bares, de meios de hospedagem e de equipamentos culturais no centro histórico aumenta sua relevância como locus de visitação turística.

No litoral sul de São Paulo, o município de Cananéia figura entre os primeiros do estado a receberem a chancela de Estância Balneária, em 1948. Localizada no Vale do Ribeira, seu território é pouco populoso e povoado, diferindo dos municípios da Baixada Santista e do litoral norte que, ao longo da segunda metade do século XX, se urbanizaram e tiveram um aumento expressivo de residências secundárias que acentuaram sua vocação turística. A marginalização econômica da região, associada a suas características ambientais e a dificuldades de acesso devido à precariedade das rodovias, concorre para que seja uma das mais ricas do país em termos de biodiversidade.

A região foi reconhecida como parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e, em 1999, adquiriu a chancela de Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade, atribuído pela Unesco (Unesco, [2022]), que compreende extensas áreas de todos os municípios do litoral sul de São Paulo, como Cananéia. O município está no perímetro de tombamento da Serra do Mar pelo Condephaat e tem reservas indígenas, comunidades quilombolas e caiçaras, que fazem com que seja reconhecido e valorizado por sua riqueza e diversidade cultural representativa das matrizes geradoras do povo paulista. Cananéia também tem uma grande relevância histórica, representada por seu centro histórico, majoritariamente constituído por edificações do período colonial. Em 1969, um ano depois de sua criação, o Condephaat tombou o Centro Histórico de Cananéia. A importância histórica da cidade se deve a sua posição estratégica, no marco divisório do Tratado de Tordesilhas, entre o território português e o espanhol. Fundada por Martim Afonso de Souza em 1531, é considerada um dos mais antigos e relevantes núcleos urbanos paulistas (Pinheiro, 2013PINHEIRO, M. L. B. Preservação de sítios urbanos tombados: a atuação do CONDEPHAAT em Cananéia e Iguape, no Estado de São Paulo. 2013, Anais do Encontro Internacional ArquiMemória. Salvador: IAB-BA, 2013.). Detentora de um porto natural, a vocação econômica de Cananéia se voltou para a construção naval durante os séculos XVII e XVIII, com a produção de embarcações que transportavam as tropas que se dirigiam ao sul do Brasil. Nos séculos XIX e XX, a atividade pesqueira passou a ter grande relevância econômica no município, mas sua vocação turística é inconteste, em função da expressiva riqueza ambiental e histórico-cultural do território.

O Vale do Paraíba Paulista é outra região destacada em termos de relevância histórico-cultural e ambiental. Algumas cidades do Vale, como São Luiz do Paraitinga e Bananal, representam a pujança da economia cafeeira na região por meio de seu patrimônio edificado territorialmente concentrado em seus centros históricos tombados pelo Condephaat. O centro histórico de São Luiz do Paraitinga foi tombado em 1982, sendo constituído por edificações do século XIX, predominantemente de estilo eclético, consideradas exemplares remanescentes do período em que esse núcleo urbano era considerado um importante “centro de abastecimento das tropas que transportavam o café do Vale do Paraíba para o litoral” (Condephaat, [s.d.]CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E TURÍSTICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Available at: http://condephaat.sp.gov.br/ . Accessed on: 15/07/2022.
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). Mesmo com a grande enchente ocorrida na cidade em 2010 e os sérios danos causados ao patrimônio com a inundação do centro histórico, o Iphan tombou o Patrimônio de São Luiz em 2012, na categoria de Conjunto Histórico e Paisagístico, abrangendo “mais de 450 imóveis e a preservação visual do entorno. Esse entorno compreende o ‘mar de morros’ que envolve a cidade, formando uma moldura verde que valoriza o conjunto arquitetônico” (Iphan, [s.d.]).

O território de São Luiz abrange o perímetro tombado da Serra do Mar e o Parque Estadual da Serra do Mar acessado pelo Núcleo Santa Virgínia, muito frequentado por turistas para trilhas na Mata Atlântica e a prática do rafting. Destaca-se também a riqueza da cultura imaterial do município, expressa em suas festas populares como o carnaval de blocos ou as marchinhas luizenses, além das Festas do Divino e da Festa Junina (Arraiá do Chi-Pupu), entre outros eventos culturais de grande relevância regional, que fomentam o turismo de eventos no município.

No interior de São Paulo, a aproximadamente 30 km da capital, destaca-se por sua importância histórica, cultural e ambiental Santana de Parnaíba, cujo centro histórico reúne cerca de 209 bens tombados pelo Condephaat, grande parte construída no século XIX. Localizada às margens do rio Tietê, Santana de Parnaíba foi um dos principais pontos de partida das bandeiras rumo aos sertões de Mato Grosso e Goiás (Magnani, 2007MAGNANI, J. C. C. Santana do Parnaíba: memória de cotidiano. In: ABREU, R, CHAGAS, M. S, M. DOS SANTOS (Orgs). Museus, coleções e patrimônios: narrativas polifônicas. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. p. 110-123.), em busca de metais preciosos e do aprisionamento de indígenas para fazer trabalho forçado. Assim, ainda hoje, a identidade da cidade é muito ligada ao bandeirismo, e o município é um dos oito integrantes do roteiro dos bandeirantes que dinamiza o turismo regional.

A maior parte do casario tombado foi edificada no século XIX, durante o desenvolvimento da economia açucareira e cafeeira. Além disso, o território do município contempla a Serra do Itaqui, tombada pelo Condephaat em 2016 por abrigar importantes remanescentes de Mata Atlântica nas proximidades da capital paulista, embora ainda seja um destino pouco conhecido ou visitado por turistas. Em geral, estes se concentram mais no centro histórico, que é também um centro gastronômico muito frequentado por paulistanos nos fins de semana.

Situada a 100 km da capital paulista, Itu é nacionalmente conhecida como a “cidade dos exageros”, em decorrência da fama que obteve com as histórias contadas pelo personagem Simplício no programa Praça da Alegria, exibido nos anos 1960 na antiga TV Tupi. Simplício, um caipira da cidade, exagerava ao descrever o tamanho avantajado dos objetos de sua terra natal. Suas histórias fantasiosas estimulavam as pessoas a visitarem a cidade, que hoje conta com um orelhão (antigo abrigo de telefones público) e um semáforo muito grandes, além do Parque dos Exageros, considerado uma de suas principais atrações turísticas. Além de fazer parte do roteiro dos bandeirantes, por estar no caminho que eles percorreram desbravando terras desconhecidas, Itu também tem um centro histórico tombado pelo Condephaat desde 2003, com cerca de 240 imóveis construídos entre o século XVIII e meados do XX. Nesse período, a região de Itu foi muito próspera por congregar em seu território grandes fazendas produtoras de açúcar, entre o final do século XVIII até meados do século XIX, e a partir desse período, a vila se tornou um grande centro da economia cafeeira no estado de São Paulo.

Itu também se projetou politicamente em fins do século XIX, quando sediou a primeira Convenção Republicana, em 1873, que fortaleceu o movimento republicano e resultou na Proclamação da República, em 1889. Localizada no centro histórico da cidade, a casa que sediou a convenção é tombada pelo Iphan e hoje abriga o Museu Republicano, pertencente à Universidade de São Paulo e considerado um dos principais atrativos da cidade. Também são tombados em nível federal a Igreja do Carmo, de Nossa Senhora da Candelária e a casa da rua Paula Souza, que abriga o Museu da Energia, além de oito painéis de autoria do Padre Jesuíno de Monte Carmelo, expostos no edifício conventual das Irmãs de São José (Iphan, [s.d.]). Algumas antigas fazendas de café ainda têm parte de sua construção preservada e estão abertas a visitação ou a realização de eventos, sendo que uma delas, a fazenda Pirahy, é tombada pelo Condephaat desde 2018.

No município, a pedreira de varvito, hoje transformada em parque, é tombada pelo Condephaat na categoria área natural ou sítio paisagístico, por seu patrimônio geológico formado por varvito, uma rocha sedimentar que apresenta evidências do processo de glaciação ocorrido na região há cerca de 280 milhões de anos. Esse rico acervo patrimonial, tombado em nível estadual e federal, conforma a verdadeira grandeza de Itu e figura entre os principais atrativos da cidade, considerada Estância Turística desde 1979.

Vicissitudes do turismo em tempos de pandemia nas cidades paulistas detentoras de patrimônios tombados

A pandemia da Covid-19 alterou sensivelmente os fluxos turísticos em São Paulo. Nos municípios potencialmente atrativos, como os detentores de patrimônio cultural e natural tombados, as mudanças na dinâmica territorial do turismo se fazem notar especialmente a partir de 22 de março de 2020, quando o governo estadual decretou quarentena, com a “restrição de atividades de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus” (São Paulo, 2020). A partir desse período, apenas as atividades consideradas essenciais puderam funcionar com atendimento presencial ao público. O artigo 4º do decreto reitera a recomendação de que “a circulação de pessoas no âmbito do estado de São Paulo se limite às necessidades imediatas de alimentação, cuidados de saúde e exercícios de atividades essenciais” (São Paulo, 2020).

As medidas explicitadas deixavam clara a limitação da circulação de pessoas para evitar a contaminação em massa da população pelo coronavírus, mas a possibilidade de trabalhar, estudar ou fazer compras, entre outras atividades cotidianas, remotamente despertou o interesse de muitas pessoas em passar o período da quarentena em ambientes mais aprazíveis, como as cidades do litoral paulista, locus de muitas residências secundárias. Esse fato levou a gestão pública dos municípios de São Sebastião e Ubatuba a enfrentar grandes dificuldades para limitar o fluxo de pessoas que se dirigiam a tais localidades para permanecer um período de tempo mais longo. Segundo o chefe da Secretaria de TurismoSECRETARIA DE TURISMO DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Cartilha de orientação para Municípios de Interesse Turístico de acordo com a Lei 1261/2015. Available at https://www.turismo.sp.gov.br/publico/include/download.php?file=108 . Accessed on: 06/02/2022.
https://www.turismo.sp.gov.br/publico/in...
de São Sebastião, “no município, a movimentação de turistas ocorreu em todo o período da pandemia, resultando em problemas constantes nas praias para evitar aglomerações” (informação verbal);18 18 Informação fornecida pelo chefe da Secretaria de Turismo de São Sebastião em entrevista concedida em 30 jul. 2022. os maiores contratempos nesse sentido ocorreram nas praias mais badaladas da costa sul do município, como Juquehy, Maresias, Camburi, Sahy, Boiçucanga e Baleia, com alta concentração de segundas residências, muitas delas em condomínios fechados de luxo.

O mesmo problema ocorreu no município de Ubatuba, que adotou medidas mais restritivas para conter o fluxo de turistas, com a publicação do Decreto Municipal n. 7.312, de 23 de março de 2020, que proibiu o acesso a todas as suas praias, bem como as atividades comerciais e de serviços que havia em tais espaços e qualquer outra atividade que promovesse aglomerações. A medida vigorou durante a fase vermelha do Plano São Paulo, e o uso das praias e ilhas foi liberado em agosto de 2020, com a publicação do Decreto Municipal n. 7.407 e a condição de que se respeitassem os protocolos sanitários. Com o retorno à fase vermelha em março de 2021, o município voltou a proibir o uso das praias por meio da publicação do Decreto n. 7.579, de 4 de março de 2021, exceto para esportes individuais. Tais medidas só foram flexibilizadas a partir de 24 de abril do mesmo ano, quando o município entrou na fase laranja, o que permitiu o funcionamento parcial das atividades, sempre respeitando os protocolos sanitários.

Em ambos os municípios litorâneos, o workcation foi a modalidade predominante de turismo durante a pandemia. Em Ubatuba, houve um aumento expressivo de locação de residências secundárias, fomentando significativamente o mercado imobiliário de compra e locação de imóveis para temporada. Estima-se que 20 mil pessoas19 19 Essa estimativa é baseada no aumento do consumo de energia, medido pela Elektro (empresa de energia), e da geração de resíduos sólidos, medida pela Sanepav, em residências que costumavam ser ocupadas apenas no período de maior fluxo turístico, como férias, feriados e fins de semana. a mais permaneceram no município no período da pandemia. O Gráfico 1 mostra o aumento da oferta de imóveis para hospedagem temporária divulgados nas plataformas de hospedagem Airbnb e Vrbo do último trimestre de 2019 ao segundo de 2022.

Gráfico 1 -
Variação trimestral da oferta de imóveis para locação nas plataformas de hospedagem Airbnb e Vrbo - 2019-2022

A partir dos dados apresentados no gráfico, observa-se um declínio significativo do número de imóveis para locação em plataformas de hospedagem no segundo trimestre de 2020. Porém, nos trimestres seguintes do mesmo ano, a oferta de imóveis teve um grande crescimento, chegando a ultrapassar a do período pré-pandêmico, no primeiro trimestre de 2021. Em Ubatuba, o primeiro semestre de 2021 já apresentava um aumento de 7% de imóveis para locação com relação ao quarto trimestre de 2019 e, no primeiro trimestre de 2022, essa variação chegou a 23%. Em São Sebastião, a variação foi menos significativa no decorrer de 2020, com crescimento elevado a partir do terceiro trimestre de 2021: oferta 20% maior do que a do quarto trimestre de 2019.

Observa-se também uma redução da sazonalidade turística na oferta de imóveis para locação. Essa variação da oferta esteve mais diretamente ligada às mudanças de fase do Plano São Paulo do que aos períodos de baixa ou alta temporada. Em tempos de pandemia, a dinâmica territorial do turismo também mudou bastante. Segundo o guia de turismo e representante das agências de viagem no Conselho Municipal de Turismo do município (2022), em São Sebastião, durante os anos de 2020 e 2021:

[...] além da expressiva movimentação de turistas nas praias mais badaladas como Maresias, Juquehy e Cambuí, houve um aumento expressivo de turistas nas praias da costa norte (Arrastão e Cigarras), que possuem casas para locação e meios de hospedagem mais baratos. Também observou-se o aumento da procura pelo turismo náutico para a visitação às ilhas do município (informação verbal).20 20 Informação fornecida pelo guia de turismo de São Sebastião e representante das agências de turismo no Conselho Municipal de Turismo de São Sebastião em entrevista concedida em 14 out. 2022.

Com exceção das praias, todos os demais atrativos ficaram fechados à visitação durante um longo período, como o Parque Estadual da Serra do Mar, a comunidades tradicionais envolvidas com o Turismo de Base Comunitária, as igrejas e os equipamentos culturais. No centro histórico do município, o processo de refuncionalização turística do patrimônio é evidente devido à grande concentração de imóveis utilizados em ACT, como restaurantes, bares, hotéis, cafés e equipamentos culturais, entre outros. Associadas aos eventos que ocorrem frequentemente no centro de eventos, em frente ao centro histórico, essas atividades elevavam sua atratividade turística.

A proibição dos eventos, de março de 2020 até o início de 2022, e o fechamento das demais atividades ao público presencial reduziu drastricamente a frequência de turistas nessa parcela do território. Essa situação mudou com a reabertura dos equipamentos culturais e de serviços, e com retomada dos eventos, em 2022, que serviu como estratégia para dinamizar o turismo, principalmente, na baixa temporada, e elevar o público frequentador do centro histórico, considerado um polo gastronômico e um centro de consumo cultural. “Em São Sebastião, além das praias, outros atrativos turísticos ganharam destaque como a observação de aves, o Turismo de Base Comunitária, a visitação às ilhas, trilhas e cachoeiras” (informação verbal),21 21 Informação fornecida pelo chefe de Secretaria de Turismo de São Sebastião, em 20 jul. 2022. estando parte desses atrativos nos domínios tombados da Serra do Mar:

Em Ubatuba, o aumento da circulação de informações sobre locais sem aglomerações, como praias mais isoladas e ilhas, resultou no aumento expressivo de turistas em tais espaços, como na Ilha das Couves, em Ubatuba, que tem visitação controlada. Destacou-se também o aumento da procura pelo turismo náutico e para a prática do surf e do stand up paddle (informação verbal).22 22 Informações fornecidas pelo secretário de Turismo, pela secretária Adjunta de Turismo, pela diretora de Gestão e Captação de Recursos e pelo chefe da Seção de Eventos e Receptivo de Ubatuba. Duas perguntas: (2) por que citar quatro pessoas para dizer só uma frase curta?

O aumento expressivo de turistas nessas unidades de conservação resulta em maiores dificuldades de fiscalização das áreas protegidas e de locais de mais difícil acesso como as praias isoladas e as ilhas. Atividades turísticas menos impactantes, como o turismo pedagógico e o ecoturismo, estão demorando mais a ser restabelecidas, ao contrário do turismo de sol e praia, que não cessou durante a pandemia, mesmo com as medidas restritivas, tendo um aumento expressivo durante o período de maior flexibilização (informação verbal).23 23 Informações fornecidas por um guia de turismo, professor do curso técnico em turismo e proprietário de uma agência de turismo receptivo de Ubatuba em entrevista concedida em 15 out. 2022.

Nos demais municípios estudados, o turismo de proximidade cresceu sensivelmente com o aumento do número de turistas que se deslocavam de municípios próximos, em geral, com transporte próprio. Em Cananéia, há atualmente um turismo de final de semana. Segundo a diretora de Turismo do município (2022), “a cidade passou a ser mais frequentada pela população das cidades vizinhas e da região de Sorocaba que, em geral, permanecem na localidade durante o final de semana” (informação verbal).24 24 Informações fornecidas pela diretora de Turismo e Lazer de Cananéia em entrevista concedida em 20 jul. 2022. Portanto, o fluxo de turistas fica mais bem distribuído ao longo do ano, não sofrendo tanta sazonalidade como antes da pandemia, período em que o turismo pedagógico era mais significativo. Essa modalidade, entre outras visitas de grupos de turistas e excursionistas à cidade, não ocorreu em 2020 e, em 2021, só voltou a acontecer no segundo semestre de, forma incipiente (informação verbal).25 25 Informação fornecida por uma guia de turismo que atua há 25 anos como monitora de turismo ambiental de Cananéia em entrevista concedida em 15 out. 2022,

A ocupação das casas de veraneio para estadias mais longas ocorreu durante a pandemia, mas em uma escala e intensidade muito menor do que o litoral norte. Segundo a diretora de turismo, “entre os anos de 2020 e 2021, o turismo náutico se destacou, com o uso de embarcações privadas sem a contratação de barqueiros, com a visitação aos pequenos povoados do Lagamar” (informação verbal),26 26 Informações fornecidas pela diretora de Turismo e Lazer de Cananéia em 20 jul. 2022. já que o Parque Estadual da Ilha do Cardoso, considerado o principal atrativo do município, permaneceu fechado à visitação de turistas.

As comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas e caiçaras), que vivem no município também deixaram de praticar o turismo de base comunitária durante os a maior parte dos anos de 2020 e 2021 para assegurar a saúde e a segurança de seus membros (Instituto Linha D’Água, [s.d.]INSTITUTO LINHA D´ÁGUA. Conservação da Sociobiodiversidade. Available at: https://www.linhadagua.org.br/ . Accessed on: 07/30/2022.
https://www.linhadagua.org.br/...
). No final do ano de 2021, as comunidades tradicionais do Marujá, na Ilha do Cardoso, passaram a receber turistas no período de alta temporada, porém, conforme relata a diretora de turismo do município, “esse processo de retomada do turismo na localidade resultou na contaminação em massa de seus moradores e em um novo fechamento da Ilha do Cardoso para a entrada de visitantes em janeiro de 2022 com testagem da população local e dos turistas” (informação verbal).27 27 Informações fornecidas pela diretora de Turismo e Lazer de Cananéia em 20 jul. 2022. Apesar da relevância histórica de Cananéia, representada por seu centro histórico, observa-se que esse atrativo não é tão valorizado pelos turistas quanto os atrativos naturais representados pela Ilha do Cardoso, a Baía dos Golfinhos, entre outros da área tombada do município. A falta de um trabalho de interpretação do patrimônio e de capacitação dos guias e monitores para apresentar a riqueza histórica, arquitetônica e cultural das edificações figura entre os motivos que levam a uma menor taxa de visitação de turistas ao centro histórico, porém, como os atrativos naturais estavam fechados à visitação, observou-se durante a pandemia uma maior movimentação de turistas no centro histórico da cidade, que circulavam por suas ruas e praças contemplando a dimensão estética da paisagem, sem necessariamente compreender os valores e significados do conjunto arquitetônico. Segundo a diretora de turismo:

[...] durante a pandemia, os turistas passaram a circular por espaços que antes não eram visitados na fase de flexibilização. Nesse período houve a abertura de novas propriedades rurais para a visitação e o aumento de motociclistas, ciclistas e praticantes de caminhadas para desvendar os atrativos naturais e culturais do extenso território do município (informação verbal).28 28 Informações fornecidas pela diretora de Turismo e Lazer de Cananéia em 20 jul. 2022.

No Vale do Paraíba, o turismo de proximidade também vem se destacando em São Luiz do Paraitinga sendo, entre as sete pesquisadas, aquela cuja identidade é mais vinculada a seu patrimônio material e imaterial, que figura como o principal atrativo turístico. A cidade pitoresca e festeira silenciou-se durante o período mais perverso da pandemia, vitimando diariamente milhares de pessoas. Ao contrário da vizinha Ubatuba, em São Luiz o fluxo turístico foi bastante reduzido, com pouca visitação ao centro histórico. Porém, segundo seu secretário de Turismo e Cultura, “nas fases de maior flexibilização, houve o aumento da prática de esportes individuais nas áreas rurais como o mountain bike, e o crescimento da visitação ao distrito de Catuçaba e aos atrativos naturais” (informação verbal),29 29 Informações fornecidas pelo atual secretário da Diretoria de Turismo e Cultura de São Luís do Paraitinga em entrevista concedida em 5 jul. 2022. principalmente depois de setembro de 2020, com a reabertura da visitação ao Parque Estadual da Serra do Mar (Núcleo Santa Virgínia), situado no perímetro de tombamento da Serra.

A retomada do fluxo de turistas ocorreu, de modo efetivo, em 2022, com o retorno dos eventos presenciais, vinculados principalmente a expressões da cultura popular que exprimem a identidade cultural luizense e seu rico patrimônio material e imaterial, exibido como um importante atrativo cultural. Os eventos se configuram como a principal estratégia para dinamizar o turismo no município e dão mais visibilidade a seu centro histórico.

Segundo o secretário de Cultura e Turismo, “observa-se atualmente o aumento expressivo de todos os segmentos do turismo, como o de aventura, ecoturismo, cultural, rural e o pedagógico” (informação verbal).30 30 Informação fornecida pelo secretário de Cultura e Turismo de São Luis do Paraitinga em entrevista concedida em 5 jul 2022. O aprimoramento da comunicação virtual com a produção de um site próprio do turismo no município, a capacitação dos profissionais vinculados ao trade turístico, com a oferta de cursos online realizados durante a pandemia; “a geração de um rico material de divulgação dos artistas e da cidade com a realização de eventos culturais online durante a pandemia” (informação verbal);31 31 Informação fornecida pelo guia de turismo, representante da Sociedade de Observadores de Saci e do terceiro setor no Conselho Municipal de Turismo de São Luis do Paraitinga em entrevista concedida em 14 out. 2022. e o projeto de visitas guiadas de estudantes do Ensino Médio ao centro histórico pôde aprimorar o processo de mediação do patrimônio com o público. Essas iniciativas têm despertado mais interesse dos turistas em visitar o centro histórico a partir de um viés mais interpretativo do que contemplativo, para que compreendam a riqueza histórica e cultural representada por seu patrimônio material e imaterial.

Nas cidades interioranas, o turismo de proximidade também se destacou na pandemia. Segundo a prestadora de serviços na área de turismo e educação patrimonial de Santana de Parnaíba (2022), “no município, principalmente, nas fases laranja e amarela, observou-se o aumento do turismo regional, com a visitação de turistas procedentes das cidades vizinhas, como Osasco, Jandira, Cotia, Embu, Jundiaí entre outras, algo que não era comum antes da pandemia” (informação verbal).32 32 Informações fornecidas por uma prestadora de serviços na área de Turismo e Educação Patrimonial de Santana de Parnaíba que atuou 17 anos no Departamento de Turismo em entrevista concedida em 27 jul. 2022. Além da relevância histórica, arquitetônica e cultural do centro histórico da cidade, este se destaca como um importante polo gastronômico, atraindo muitos turistas da cidade de São Paulo que permanecem ali algumas horas e retornam a sua cidade de residência, em geral no mesmo dia. A cidade destaca-se também pelo turismo pedagógico, principalmente de grupos escolares que percorrem o roteiro dos Bandeirantes. Em ambas as modalidades, o centro histórico é o atrativo mais visitado da cidade. Durante os anos de 2020 a 2021, o turismo pedagógico ficou parado, porém:

[...] com a liberação do público presencial nos bares e restaurantes, estes ficaram lotados em todos os finais de semana, principalmente, em 2021 e 2022, resultando em muita movimentação de turistas no centro histórico, mesmo com igrejas e museu fechados ao público em grande parte desse período. Teve muitos visitantes que foram ao centro histórico para sentar na praça da matriz e conversar ao ar livre (informação verbal).33 33 Informações fornecidas por uma prestadora de serviços na área de Turismo e Educação Patrimonial de Santana de Parnaíba que atuou 17 anos no Departamento de Turismo em entrevista concedida em 27 jul. 2022.

Durante a pandemia, ocorreram várias inovações nas estratégias de divulgação dos atrativos culturais e naturais da cidade e de interpretação de seu patrimônio, com destaque para o lançamento do tour virtual no Centro Histórico, com imagens em 360 graus. Agregada a outros projetos e ações executadas há anos na cidade, como a exibição de QR Code na fachada das principais edificações do centro histórico, um programa permanente de educação patrimonial com as escolas do município e visitas monitoradas gratuitas, a oferta desse recurso criado na pandemia amplia a possibilidade de essa parcela do território ser conhecida não apenas como polo gastronômico e centro de consumo, mas também como referência da história, da identidade, da memória e da cultura paulista.

Itu também foi uma das cidades mais procuradas por turistas durante a pandemia, não apenas da capital paulista, mas também dos municípios vizinhos, fazendo uso de veículo próprio. Entre 2020 e 2021, houve pouca visita de grupos de excursão à cidade, e o turismo pedagógico só voltou em 2022, mas com baixa intensidade. Segundo a diretora de turismo de Itu, entre 2020 e 2022, nas fases de maior flexibilização, os turistas passaram a frequentar mais espaços ao ar livre, como praças e parques, no período em que ficaram abertos com público limitado. Mesmo com os estabelecimentos comerciais e atrativos turísticos fechados no centro histórico, a Praça Padre Miguel, mais conhecida como Praça da Matriz, foi bastante frequentada por turistas, ao longo de grande parte de 2020 e 2021, chegando a ficar lotada em algumas ocasiões (informação verbal).34 34 Informações fornecidas pela atual diretora administrativa e de estruturação e fomento ao turismo de Itu em entrevista concedida em 26 jul. 2022.

Segundo o guia de turismo e turismólogo da Secretaria de Turismo, Lazer e Eventos de Itu:

[...] mesmo na fase vermelha com tudo fechado alguns grupos circulavam pelo Centro Histórico, principalmente, na praça da Matriz. Como apenas o comércio e os serviços essenciais podiam abrir, as lojas de souvenires da cidade localizadas ao redor da praça passaram a vender alimentos para se manterem abertas atendendo os turistas que circulavam pelas imediações (informação verbal).35 35 Informações fornecidas pelo guia de turismo e turismólogo da Secretaria de Turismo, Lazer e Eventos de Itu em entrevista concedida em 15 out. 2022.

Durante as diversas fases da pandemia turistas e residentes passaram a frequentar mais os espaços públicos, a caminhar pelas ruas do centro histórico e a sentar-se nos bancos das praças para apreciar o movimento dos transeuntes e a paisagem esteticamente aprazível das edificações tombadas.

Segundo a diretora de turismo, atualmente, o centro histórico tem uma vida noturna mais intensa, principalmente nas praças. Os restaurantes e bares que não abriam todos os dias agora estão abrindo para atender ao grande fluxo de turistas e visitantes. Esse aumento do movimento de pessoas também beneficia o comércio local e o turístico, já que o centro histórico da cidade tem uso misto. Portanto, considera-se que a maioria dos transeuntes que frequentam o centro histórico circula por suas ruas mais com finalidade de consumo, lazer ou entretenimento do que para interpretar a riqueza histórica, arquitetônica e cultural dessa parcela do território ituano. A diretora de turismo reitera que a pandemia gerou o aumento expressivo da movimentação de turistas na área rural do município para a prática de rallys, encontro de ciclistas e motoqueiros, caminhadas entre outros eventos esportivos organizados por grupos privados. Na área rural também estão ocorrendo muitos casamentos, parte deles, em fazendas históricas, culminando na lotação da rede hoteleira aos finais de semana e em uma movimentação maior de turistas tanto no centro histórico como nos demais atrativos da cidade.

Considerações finais

Pela pesquisa realizada foi possível constatar mudanças significativas nos fluxos turísticos do estado de São Paulo durante a pandemia de Covid-19. No período da quarentena, o workcation resultou num intenso deslocamento de turistas para cidades litorâneas como Ubatuba e São Sebastião, sem condições de fiscalizar as medidas protocolares ou a oferta adequada de serviços para atender a essa alta demanda de turistas nas fases mais crítica da pandemia. Em Cananéia e em cidades interioranas como São Luiz do Paraitinga, Santana de Parnaíba e Itu, o turismo de proximidade se evidencia mais, resultando no aumento da visitação a cidades vizinhas, com permanência mais breve no destino e menos variação na sazonalidade da demanda turística.

Nesses municípios, o aumento da visitação às praias mais afastadas e menos conhecidas da parte continental e insular e o fortalecimento do turismo náutico mostram o crescimento de um perfil de turista que valoriza espaços públicos, abertos, com menos aglomerações e mais contato com a natureza, em busca de novas experiências. Também é um turista que valoriza atividades esportivas e de lazer em lugares de grande beleza cênica e atrativos naturais relevantes. Essa dinâmica territorial do turismo pode resultar em maiores problemas de gestão, uso sustentável e apropriação das áreas naturais protegidas e patrimonializadas para a prática do turismo e das atividades esportivas autorizadas em cada uma delas. Uma situação semelhante pode ser observada em Cananéia, que passou a enfrentar mais desafios desse tipo nas fases mais flexíveis, com o aumento do fluxo de turistas nas áreas rurais e nos atrativos menos conhecidos das áreas naturais protegidas.

Nas áreas urbanas, os centros históricos adquiriram a função de lugares de encontros ao ar livre em seus espaços públicos aprazíveis. Durante a pandemia, passaram a ser mais frequentados por turistas e, em alguns casos, como Itu e Santana de Parnaíba, tornaram-se focos de aglomerações em períodos em que as recomendações da OMS previam respeito ao distanciamento social. Sua centralidade econômica e cultural foi abalada na pandemia; por outro lado, foram mais percebidos e valorizados, nem tanto por sua relevância histórica e cultural, mas como espaços públicos esteticamente atraentes e como locus de sociabilidade e lazer em cidades onde esse tipo de amenidade urbana é cada vez mais rara em áreas centrais.

As festas populares, entre outros eventos culturais retomados a partir de março de 2022 nos centros históricos estudados ou em suas imediações, procuram evidenciar o papel do entretenimento cultural territorialmente concentrado como um recurso estratégico para atrair consumidores culturais aos centros históricos e dinamizar o consumo e o turismo nas áreas centrais refuncionalizadas. Nesse contexto, um dos principais desafios ao poder público é promover estratégias e ações de interpretação do patrimônio cultural visando transformar os centros históricos paulistas em locus de difusão de conhecimento e valorização da história, da cultura e da identidade paulista.

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  • 18
    Informação fornecida pelo chefe da Secretaria de Turismo de São Sebastião em entrevista concedida em 30 jul. 2022.
  • 19
    Essa estimativa é baseada no aumento do consumo de energia, medido pela Elektro (empresa de energia), e da geração de resíduos sólidos, medida pela Sanepav, em residências que costumavam ser ocupadas apenas no período de maior fluxo turístico, como férias, feriados e fins de semana.
  • 20
    Informação fornecida pelo guia de turismo de São Sebastião e representante das agências de turismo no Conselho Municipal de Turismo de São Sebastião em entrevista concedida em 14 out. 2022.
  • 21
    Informação fornecida pelo chefe de Secretaria de Turismo de São Sebastião, em 20 jul. 2022.
  • 22
    Informações fornecidas pelo secretário de Turismo, pela secretária Adjunta de Turismo, pela diretora de Gestão e Captação de Recursos e pelo chefe da Seção de Eventos e Receptivo de Ubatuba. Duas perguntas: (2) por que citar quatro pessoas para dizer só uma frase curta?
  • 23
    Informações fornecidas por um guia de turismo, professor do curso técnico em turismo e proprietário de uma agência de turismo receptivo de Ubatuba em entrevista concedida em 15 out. 2022.
  • 24
    Informações fornecidas pela diretora de Turismo e Lazer de Cananéia em entrevista concedida em 20 jul. 2022.
  • 25
    Informação fornecida por uma guia de turismo que atua há 25 anos como monitora de turismo ambiental de Cananéia em entrevista concedida em 15 out. 2022,
  • 26
    Informações fornecidas pela diretora de Turismo e Lazer de Cananéia em 20 jul. 2022.
  • 27
    Informações fornecidas pela diretora de Turismo e Lazer de Cananéia em 20 jul. 2022.
  • 28
    Informações fornecidas pela diretora de Turismo e Lazer de Cananéia em 20 jul. 2022.
  • 29
    Informações fornecidas pelo atual secretário da Diretoria de Turismo e Cultura de São Luís do Paraitinga em entrevista concedida em 5 jul. 2022.
  • 30
    Informação fornecida pelo secretário de Cultura e Turismo de São Luis do Paraitinga em entrevista concedida em 5 jul 2022.
  • 31
    Informação fornecida pelo guia de turismo, representante da Sociedade de Observadores de Saci e do terceiro setor no Conselho Municipal de Turismo de São Luis do Paraitinga em entrevista concedida em 14 out. 2022.
  • 32
    Informações fornecidas por uma prestadora de serviços na área de Turismo e Educação Patrimonial de Santana de Parnaíba que atuou 17 anos no Departamento de Turismo em entrevista concedida em 27 jul. 2022.
  • 33
    Informações fornecidas por uma prestadora de serviços na área de Turismo e Educação Patrimonial de Santana de Parnaíba que atuou 17 anos no Departamento de Turismo em entrevista concedida em 27 jul. 2022.
  • 34
    Informações fornecidas pela atual diretora administrativa e de estruturação e fomento ao turismo de Itu em entrevista concedida em 26 jul. 2022.
  • 35
    Informações fornecidas pelo guia de turismo e turismólogo da Secretaria de Turismo, Lazer e Eventos de Itu em entrevista concedida em 15 out. 2022.

Editado por

Editora do artigo:

Rita de Cássia Ariza da Cruz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2022
  • Aceito
    22 Out 2022
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