Acessibilidade / Reportar erro

O meio técnico-científico-informacional e as instituições religiosas: relações e possibilidades

El entorno técnico-científico-informativo y las instituciones religiosas: relaciones y posibilidades

Resumo

As inovações técnológicas e as mídias digitais são realidades cada vez mais frequentes na contemporaneidade. Da mesma forma, a religião enquanto um fenômeno humano, se relaciona essencialmente com a sociedade, já que, desde as antigas civilizações, há conexões do homem com o sagrado. Com a inserção do meio-técnico-científico-informacional na era moderna, a comunicação se tornou cada vez mais acessível e as religiões se viram impelidas a se adaptar a essa realidade, pois trabalham na perspectiva de abarcar o coletivo. Portanto, esse artigo tem o intuito de proporcionar uma reflexão sobre o fenômeno religioso, valendo-se da teoria de Milton Santos acerca do meio-técnico-científico-informacional, a fim de demonstrar como as instituições religiosas se utilizam desses novos panoramas como caminho para a evangelização.

Palavras-chave:
religião; geografia; mídias digitais; meio técnico-científico-informacional

Resumen

Las innovaciones tecnológicas y los medios digitales son una realidad cada vez más frecuente en la época contemporánea. Asimismo, la religión como fenómeno humano está esencialmente relacionada con la sociedad, ya que, desde las civilizaciones antiguas, han existido conexiones entre el hombre y lo sagrado. Con la inserción del entorno técnico-científico-informativo en la era moderna, la comunicación se ha vuelto cada vez más accesible y las religiones se han visto obligadas a adaptarse a esta realidad, trabajando desde la perspectiva de abarcar lo colectivo. Por lo tanto, este artículo tiene como objetivo brindar una reflexión sobre el fenómeno religioso, haciendo uso de la teoría de Milton Santos sobre el entorno técnico-científico-informativo, con el fin de demostrar cómo las instituciones religiosas utilizan estos nuevos panoramas como vía de evangelización.

Palabras clave:
religión; geografia; medios digitales; entorno técnico-científico-informativo

Abstract

Technological innovations and digital media are increasingly frequent realities in contemporary times. Likewise, religion as a human phenomenon is essentially related to society, since, since ancient civilizations, there have been connections between man and the sacred. With the insertion of the technical-scientific-informational environment in the modern era, communication has become increasingly accessible and religions have found themselves compelled to adapt to this reality, as they work from the perspective of encompassing the collective. Therefore, this article aims to provide a reflection on the religious phenomenon, making use of Milton Santos' theory about the technical-scientific-informational environment, in order to demonstrate how religious institutions use these new panoramas as a way to evangelization.

Keywords:
religion; geography; digital media; technical-scientific-informational environment

Introdução

O período das grandes evoluções técnicas e cientificas compreendido entre meados do final do século XVIII e início do século XIX foi marcado pela sucessiva mudança do meio natural pelo meio técnico (SANTOS, 2008SANTOS, M. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008.). Nesse momento, houve no mundo o encurtamento das distâncias, facilidade nas formas de comunicação, o surgimento de novas tecnologias e, sobretudo, uma remodelação do espaço geográfico, em decorrência das contribuições inerentes ao aparato técnico-cientifico e informacional.

Em seu livro “A Natureza do Espaço”, Milton Santos apresenta a mudança progressiva ocorrida nas formas espaçais, de modo que as sociedades, gradativamente, moveram-se do “meio natural”, atravessando pelo “meio técnico”, até chegar ao período atual: o “meio técnico-científico-informacional”, processo no qual ele denomina “os períodos técnicos” (SANTOS, 1997bSANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: HUCITEC, 1997b.).

A instituição do meio técnico-científico-informacional passa a agir como produtor e reorganizador do espaço, atingindo diferentes lugares, de diferentes modos e intensidades, acarretando em mudanças a diversos níveis na organização do território. A religião, do mesmo modo, tem o poder de reestruturar paisagens e ressignificar lugares, transformando espaços e modificando a percepção humana sobre eles.

Um exemplo seria a mudança sociocultural a partir da apoderação das religiões pelas novas técnicas do contexto científico informacional, como é o caso das instituições religiosas que utilizavam as bases de comunicação por meio, unicamente, das trocas e relações interpessoais e, diante das transformações tecnológicas atuais e das mídias de massa, moldaram-se às novas realidades, adaptando-se ao meio.

Os mais recentes métodos de propagação das notícias e da reconfiguração da vivência social possibilitaram à religião o ingresso aos diversos tipos de mídias que permitam o acesso ao sagrado de diferentes formas. A religião vem, portanto, se apropriando dessas novas dinâmicas sociais como técnicas de desenvolvimento e manutenção de seus territórios religiosos fixos e virtuais (J. R. OLIVEIRA, 2019OLIVEIRA, J. R. Geografia, religião e mídia: novas interfaces do sagrado na era hipermoderna. Revista REVER, v. 19, n. 3, 2019.).

Assim, partindo da teoria do meio técnico-científico-informacional, posto as constantes transformações ocorridas pelo mundo, abordamos neste artigo a compreensão da Geografia da Religião e as inovações nas formas de propagação do sagrado pelas instituições religiosas através das novas tecnologias e dos meios de comunicação. Apresentamos a relação entre a religião, a geografia e as mídias digitais, de modo que as instituições religiosas e a sociedade de informação passam a conviver de maneira mais estreita, já que com o surgimento das mídias de massa, a comunicação religiosa ganha mais estrutura e se profissionaliza para se introduzir cada vez mais nos espaços que a imprensa, os meios de comunicação de TV, os aplicativos virtuais, rádio e internet oferecem.

Breves reflexões sobre a Geografia da Religião

Religião e Geografia são fundamentos humanos distintos, mas são saberes cercados de especificidades e conexões, atuando na vida humana de diferentes maneiras: seja através das normas aplicadas pela religião em relação aos homens (no espaço) ou pelo saber que a ciência geográfica possibilita à sociedade por meio dos modos de atuação nesse espaço (SANTOS, 2002SANTOS, A. P. Introdução à Geografia das Religiões. GEOUSP - Espaço e Tempo, Sáo Paulo, n. 11, p. 21-33, 2002.). Como área do conhecimento, a Geografia da Religião enfoca os seus estudos nas relações entre a religião e espaço. Assim, torna-se necessário estudar essa conexão para analisar a relevância do fenômeno religioso e a apropriação com o lugar de vivência, uma vez que a religião pode ser vista a partir da perspectiva de um conhecimento (simbólico) que gera ação e transformação no espaço (SALDANHA, 2020SALDANHA, B. C. Representações na cidade dos mortos: expressões simbólicas e territorialidades religiosas nos cemitérios de Serrolândia-Bahia. Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2020, 148p.).

A geografia passou a se apropriar dos estudos da religião no período pós-segunda guerra mundial, quando as Ciências Geográficas e os geógrafos adotaram a análise da paisagem como principal foco de análise (BONJARDIM e ALMEIDA, 2022BONJARDIM, S. G. M.; ALMEIDA, M. G. A geografia como alicerce nas análises da cultura religiosa. Revista GeoNordeste, n. 2, p. 132-141, 2022.). De acordo com os autores, foi com os estudos de Fickeler (1999 [1947]) que a religião adentrou efetivamente na geografia. Para esse geógrafo alemão, “todas as religiões criaram uma representação na paisagem, espacial e temporalmente perceptíveis, por meio de eventos mágicos ou simbólicos, e defendia que as religiões deveriam ser consideradas no olhar” (BONJARDIM e ALMEIDA, 2022, p. 133-134BONJARDIM, S. G. M.; ALMEIDA, M. G. A geografia como alicerce nas análises da cultura religiosa. Revista GeoNordeste, n. 2, p. 132-141, 2022.).

Para outros autores, porém, foi com Pierre Deffontaines (1894-1978), em sua obra Géographie et Religions, e David E. Sopher (1923-1984), com a obra Geography of Religions, que a Geografia da Religião veio a se institucionalizar no campo científico. Em Deffontaines, a geografia e a religião se relacionam por meio da influência que a cultura religiosa pode impor na paisagem. Essa influência é analisada através das igrejas, templos, santuários, cemitérios e outros sistemas culturais encontrados nas representações espaciais. Sopher, de modo particular, abordou os fenômenos religiosos e a relação espacial entre a cultura e o espaço, apresentando a religião como um sistema organizado e moldado culturalmente. O autor concentra sua atenção no componente religioso da cultura. Atualmente, diversos pesquisadores têm se dedicado e contribuído na difusão desse subcampo da geografia.

A partir da segunda metade do século XX, vem a emergir na geografia estudos voltados para a fenomenologia religiosa, sob a perspectiva da geografia humanista-cultural, com contribuições expressivas de autores como E. Isaac, Anne Buttimer e Yi-fu Tuan. De acordo com Gil Filho (2007, p. 209)GIL FILHO, S. F. Geografia da Religião: reconstruções teóricas sob o idealismo crítico. In: KOZEL, S.; SILVA, J. C.; GIL FILHO, S. F. (orgs.). Da percepção e Cognição à Representação: reconstruções teóricas da Geografia Cultural e Humanista. Curitiba: NEER, 2007., "esse novo prisma, de uma geografia humanista-cultural, tornou-se um dos caminhos por onde a geografia buscou romper o preconceito - no âmbito do positivismo lógico e do estruturalismo marxista - com o tema da religião”.

As análises voltadas para a geografia e a religião circundam em torno de princípios ligados aos fenômenos religiosos e culturais que possuem caráter sagrado. Dessa forma, o interesse do geógrafo da religião está dirigido ao fundamento dos sistemas ligados ao fenômeno espacial e ao fenômeno religioso-cultural de modo único e inexorável, a partir da ideia do sagrado. Assim, a geografia humanista-cultural trouxe contribuições expressivas para a compreensão das conexões dos sistemas religiosos com o espaço geográfico, com base nos estudos da fenomenologia da religião.

No Brasil, a Geografia da Religião veio ganhando espaço em meados da década de 1990, com os estudos da geógrafa Zeny Rosendahl, através do NEPEC/UERJ - Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, criado em 1993. Para a autora (2002), a perspectiva que interessa aos geógrafos está na análise da experiência da fé no espaço e no tempo em que ela ocorre. Em suas obras, Rosendahl explica que as cidades onde a religião possui centros de convergência de peregrinos e que modelam a organização espacial a partir da influência das práticas e crenças religiosas, são chamadas de Hierópolis ou Cidades-Santuário. Desse modo, a Geografia da Religião tem como foco as relações entre o espaço e o sagrado (ROSENDAHL, 2008ROSENDAHL, Z. Hierópolis e Procissões: o sagrado e o espaço. In: Religião & Cultura: Espaço Sagrado e Religiosidade. n. 14. São Paulo: Paulinas-Educ, 2008.).

As possibilidades de relacionar a geografia e a religião são inúmeras. Uma delas se refere à relevância simbólica que o sagrado desempenha no espaço, já que a geografia, através de uma análise das religiões, busca compreender as manifestações espaciais. Assim, a religião e a geografia se correlacionam por meio da dimensão espacial. Gil Filho (2004, p. 2)GIL FILHO, S. F. Por uma Geografia do Sagrado. In: MENDONÇA, F.; KOZEL, S. (orgs.). Elementos de epistemologia da geografia contemporânea. 2. Ed. Curitiba: Editora UFPR, p. 253-265, 2004. 265p. esclarece que a “a Geografia da Religião é uma subdisciplina da Geografia Humana que tem por objeto o fenômeno religioso visto como um espaço de relações objetivas e subjetivas consubstanciadas em formas simbólicas mediadas pela religião”.

Esse subcampo da Geografia Humana, portanto, é uma área que nasce com o objetivo de explicar as transformações sociais e culturais vivenciadas pela sociedade no espaço. Ambas – geografia e religião – tem por intuito explicitar a pluralidade religiosa dos indivíduos no espaço geográfico a partir do espaço simbólico e demonstrar o papel do sagrado na organização espacial. De acordo com Gil Filho:

O homem no seu processo de adaptação com o meio marca a terra a partir de seu pensamento atribuindo sentido às realidades naturais e sobrenaturais. Deste modo o homo faber sapiens torna-se o homo religiosus. Em razão deste aspecto é necessário que uma parte da Geografia Humana estude o homem sob a influência da religião, ou seja, uma Geografia das Religiões. (GIL FILHO, 2007, p.208GIL FILHO, S. F. Geografia da Religião: reconstruções teóricas sob o idealismo crítico. In: KOZEL, S.; SILVA, J. C.; GIL FILHO, S. F. (orgs.). Da percepção e Cognição à Representação: reconstruções teóricas da Geografia Cultural e Humanista. Curitiba: NEER, 2007.).

É inequívoco que esse encadeamento – geografia e religião – é profundamente operante e dinâmico, já que o ser humano atribui diferentes significações sobre a paisagem e territórios com base no sentimento sagrado. As ações humanas retratam um modo de pensar, sobretudo na busca por um sentido para este mundo. Do mesmo modo, as ações religiosas compartilham de questões geográficas, como as maneiras e estratégias de dispersão de sua fé ou as territorialidades exercidas por certas instituições (GIL FILHO, 2006GIL FILHO, S. F. Estruturas da Territorialidade Católica no Brasil. Scripta Nova -Revista Eletrônica de Geografia y Ciências Sociales, v. 5, n 205, 2006.).

Rosendahl (1996)ROSENDAHL, Z. Espaço e religião: uma abordagem geográfica. Rio de Janeiro: UERJ, NEPEC, 1996. assevera que a prática da religião e da fé, através de uma análise geográfica, é relevante pelo tempo e espaço em que ela ocorre ao se pensar sobre a ação missionária de efusão de ideias e de vivências simbólicas. Segundo suas assertivas, “o estudo geográfico da religião dá a razão humana [...] uma vez que a geografia e a religião se encontram através da dimensão espacial, uma analisa o espaço e a outra, como fenômeno cultural, ocorre espacialmente” (ROSENDAHL, 1996, p. 11ROSENDAHL, Z. Espaço e religião: uma abordagem geográfica. Rio de Janeiro: UERJ, NEPEC, 1996.).

Para Santos (2006) apud Souza (2020, p.10)SOUZA, J. A. X. Espaço, Religião e Geografia. Revista Geografia em Questão, v. 13, n. 01, p. 54-66, 2020.,” a geografia da religião tem o caráter de uma disciplina geográfico cultural da área de estudos de geografia humana”. O autor esclarece que a religião é um fenômeno cultural de relevância para o desenvolvimento das percepções, das crenças e dos comportamentos dos homens e engloba, portanto, os fenômenos espaciais, sociais, das crenças e símbolos, bem como do comportamento humano no espaço, estando interligado à percepção.

Em relação às abordagens e às relações entre a geografia e a religião, é válido declarar que essas áreas de estudo buscam não somente apresentar, mas analisar e compreender o fenômeno religioso e a natureza sagrada. P.W.A Oliveira (2019)OLIVEIRA, J. R. Geografia, religião e mídia: novas interfaces do sagrado na era hipermoderna. Revista REVER, v. 19, n. 3, 2019. aponta que um subcampo como o da geografia da religião, não tem interesse em uma perspectiva que balize sua análise a partir de funções fundamentais que definem o homem, “[...] o que interessa ao geógrafo da religião em seus estudos sobre os diferentes sistemas religiosos é o de analisá-lo, tomando por base a escala religiosa” (P. W. A. OLIVEIRA, 2019, p. 05OLIVEIRA, P. W. A. Aproximações entre geografia e religião: contribuição aos estudos em geografia da religião. Revista Geosaberes, v. 10, n. 21, p. 1-13, 2019.).

Portanto, a relação do homem com o espaço, entreposto pelos fenômenos religiosos, possibilita que seja efetuada uma ressignificação dos significados espaciais fundamentado na análise geográfica, pois as fundamentações simbólicas ensejadas pela religião trazem uma nova interpretação do lugar a partir da percepção humana com o sagrado. Isto posto, é evidente que o campo da Geografia da Religião tem trazido contribuições substanciais para o entendimento dos fenômenos religiosos e as suas profundas correlações com o espaço geográfico, uma vez que, por ser um sistema que faz parte de uma organização social, a religião imprime marcas no espaço conforme os valores simbólicos ali exprimidos.

O meio técnico-científico-informacional e o uso das mídias digitais para a difusão da fé

É consenso que a sociedade atual está cada vez mais conectada com a informação, com relações mais estreitas com a tecnologia e os meios de comunicação. A informação tornou-se objeto de mercadoria para a manutenção do capital. A sociedade, entra, então, no período em que Milton Santos (2008)SANTOS, M. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008. denomina de “meio-técnico-científico-informacional”.

O estágio da informação e comunicação vem a surgir em meados da década de 1980, a partir da revolução científico-técnica e do avanço tecnológico, marcado pela formação e desenvolvimento de indústrias tecnológicas, na introdução dos microcomputadores, na implementação de equipamentos eletrônicos e capitais flexíveis, além de mudanças em escala global das mídias, das televisões, representando um novo sistema de controle de massa (SANTOS, 2008SANTOS, M. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008.).

Neste período, os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu funcionamento é também a informação. Já hoje, quando nos referimos às manifestações geográficas decorrentes dos novos processos, não é mais de meio técnico que se trata. Estamos diante da produção de algo novo, a que estamos chamando de meio técnico científico informacional (SANTOS, 2008, p. 238SANTOS, M. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008.).

Santos (2008)SANTOS, M. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008. afirma que a sociedade tem perpassado de um contexto industrial para uma sociedade informacional. Assim, no meio técnico-científico-informacional a sociedade atual é ajustada, se adaptando e modificando as relações sociais e, sobremaneira, transformando os espaços coletivos e individuais de vivências. A técnica, agora, se une à tecnologia e ao avanço científico.

Essa transformação tem se dado de diferentes modos e com gradativas mudanças. Com a urbanização e o progressivo desenvolvimento tecnológico, a sociedade mudou seu comportamento e suas visões de mundo, passando de um posicionamento individualizado para construir vínculos coletivos. Em meio ao estreitamento das relações sociais, das inovações tecnológicas e da facilidade de comunicação, houve também, por parte das instituições religiosas, a necessidade de exercer o seu protagonismo na sociedade, para efetivar sua principal função enquanto instituição evangelizadora: a proclamação do sagrado a diferentes culturas.

Em decorrência do acelerado desenvolvimento das tecnologias da informação e dos meios de comunicação, em conjunto com o processo de globalização e da inserção do meio-técnico-cientifico-informacional, há atualmente no Brasil e em diversos países, um novo cenário das comunicações, reproduzindo um fenômeno que abarca também a realidade mística, proporcionando uma relação entre a sociedade e a sua fé, isto é, a apropriação das igrejas pelas tecnologias e das mídias de comunicação de massa como meio de evangelização.

Tais transformações ocorreram a partir da expansão das tecnologias digitais e do acesso aos meios de comunicação, de modo que as instituições religiosas se viram obrigadas a se adaptar ao novo panorama, mudando os processos representacionais para atingir os novos públicos. De acordo com Sbardelotto (2012)SBARDELOTTO, M. Deus digital, religiosidade online, fiel conectado: estudos sobre religião e internet. Revista Unissinos, v. 4, n. 70, 2012., “a Igreja, antes conservadora diante da nova realidade de comunicação e com a perda de fiéis, entende que o domínio poderoso da comunicação religiosa deve ser de extrema relevância e oportuna na manutenção do poder de gestão evangelizadora no mundo” (apud J. R. OLIVEIRA, 2019, p. 09OLIVEIRA, J. R. Geografia, religião e mídia: novas interfaces do sagrado na era hipermoderna. Revista REVER, v. 19, n. 3, 2019.).

Segundo Veiga (2007)VEIGA, A. C. Tecnologia e Espiritualidade: a arte religiosa na era virtual. 2007. Disponível em http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao24/materia01/texto01.pdf. Acesso em: 02/08/2023.
http://www.historica.arquivoestado.sp.go...
, se procurássemos uma linha divisória entre Modernidade e Pós-Modernidade em questões religiosas, certamente encontraríamos na apropriação dos meios tecnológicos essa disjunção. Contudo, diante do atual contexto, viu-se a necessidade de associar o digital ao espiritual para a expansão da fé.

Enquanto os papas da Modernidade execravam os novos tempos por tentarem emancipar o homem de Deus e também a ciência por insuflar a novidade que poderia infectá-lo “de tudo o que recorde o antigo”, a tendência religiosa atual, incentivada por João Paulo II, que soube como nenhum outro utilizar a mídia em favor da propaganda fides, é aliar o digital e o espiritual em busca de espaços onde as expressões de fé não atuem apenas no campo simbólico e ritualístico como nas igrejas, mas como poderoso coadjuvante no dia a dia do crente, atuando como um lenitivo nas horas onde não se pode contatar um adjunto real. (VEIGA, 2007, p. 01VEIGA, A. C. Tecnologia e Espiritualidade: a arte religiosa na era virtual. 2007. Disponível em http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao24/materia01/texto01.pdf. Acesso em: 02/08/2023.
http://www.historica.arquivoestado.sp.go...
).

As mídias digitais, além disso, possibilitam uma aproximação geográfica e o acesso às notícias de diferentes partes do mundo, espalhando, também, as premissas do sagrado e difundindo a fé. Sobre essa perspectiva, Silveira (2014, p. 221)SILVEIRA, E. S. Espetáculo, Religião e Consumo: passagens e tensões na hipermodernidade. In: MOREIRA, A et al. A Religião entre o espetáculo e intimidade. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2014. afirma que “as representações imagísticas são catapultadas pelas mídias de massa e eletrônicas, em um processo de convergência com novas plataformas físicas (computadores, notebooks, ipads, smartphones, iphones), potencializando o circuito do consumo”. De acordo com o autor, esse processo afeta diretamente “a maneira como se concebe o religioso, a experiência do sagrado e as religiões.” (SILVEIRA, 2014, p. 221SILVEIRA, E. S. Espetáculo, Religião e Consumo: passagens e tensões na hipermodernidade. In: MOREIRA, A et al. A Religião entre o espetáculo e intimidade. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2014.).

Desta forma, o território da religião tem ocupado um novo lugar na sociedade moderna. Não se definhando, tampouco se suprimindo; vem apenas se reorganizando no território, passando por uma ressurgência, às vezes dramática, porém renovadora. Segundo Santos (2002)SANTOS, A. P. Introdução à Geografia das Religiões. GEOUSP - Espaço e Tempo, Sáo Paulo, n. 11, p. 21-33, 2002., essa reorganização do território se dá porque ele – o território -, é, antes de tudo, habitado e utilizado, sendo parte da identidade da população.

Essas adaptações das igrejas às demandas da modernidade referem-se ao que Santos (2008)SANTOS, M. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008. atribui à sociedade da informação, ao meio técnico-científico-informacional. Segundo o autor, o meio técnico-científico-informacional é marcado pela utilização da ciência à técnica; além disso, o meio e as técnicas produzem e transmitem informação, por isso chamado de meio técnico-científico-informacional. “O meio técnico-científico-informacional é um meio geográfico onde o território inclui obrigatoriamente ciência, tecnologia e informação” (SANTOS, 2008, p. 20SANTOS, M. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008.).

Com essa insurgência, a realidade virtual e tecnológica passa a se coadunar com a espiritualidade. Os lugares onde antes eram direcionados à materialidade específica de objetos sagrados, começam a ser substituídos pelo computador, internet, aplicativos de celular ou televisão. De acordo com Jefferson de Oliveira (2019)OLIVEIRA, J. R. Geografia, religião e mídia: novas interfaces do sagrado na era hipermoderna. Revista REVER, v. 19, n. 3, 2019., a propagação da fé on-line e os diversos modos de expansão da devoção em fluxo de mensagem na mídia permitem atingir inúmeros devotos.

Esse contexto moderno, relacionando as ideias de Santos (2002)SANTOS, A. P. Introdução à Geografia das Religiões. GEOUSP - Espaço e Tempo, Sáo Paulo, n. 11, p. 21-33, 2002., está ligado às inovações propostas pelo meio técnico-científico-informacional, que de modo acelerado, possibilita a disseminação da informação a um agrupamento de pessoas. “A tecnologia da comunicação permite inovações que aparecem, não apenas juntas e associadas, mas também para serem propagadas em conjunto” (SANTOS, 1997a, p. 27SANTOS, M. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1997a.).

As missas, cultos ou celebrações religiosas que necessariamente careciam da presença física do fiel, são agora direcionados também para um público telespectador ou internauta. “Observa-se uma verdadeira evangelização ocorrida através dos veículos de comunicação ou a chamada “Televangelização’’, processo ocorrido especialmente através da televisão aberta” (BARROS, 2014, p. 11BARROS, B. M. C. As igrejas e os meios de comunicação: uma análise jurídica da convergência entre mídia e fé. 2014. XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. Disponível em: https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/viewFile/11677/1610. Acesso em 02 de agosto de 2023.
https://online.unisc.br/acadnet/anais/in...
). Alves (2000, p. 41)ALVES, C. A. R. O fenômeno da igreja eletrônica: Deus está no ar. 2000. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Produção da UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, 2000, 114p. também discorre sobre essa questão quando afirma que “nos tempos modernos, profetas da religião não necessitam mais ir para as praças [...]. Falam em nome da divindade e devolvem ao povo os desígnios dos céus. Trazem o Todo Poderoso para a tela. Fazem com que Deus esteja ‘no ar’”.

Nesse sentido, é inequívoco que as diferentes denominações religiosas que se utilizam as redes televisivas ou celulares, internet, app’s e computadores para a propagação da fé, tem como objetivo apresentar ao fiel uma realidade que foge, em certa média, à normatização social, já que apresenta o sagrado da forma como melhor convém, e em diversos momentos indica ao telespectador ou internauta o encontro de uma vida com paz, visando à salvação ou uma proteção divina. Segundo Barros (2014)BARROS, B. M. C. As igrejas e os meios de comunicação: uma análise jurídica da convergência entre mídia e fé. 2014. XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. Disponível em: https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/viewFile/11677/1610. Acesso em 02 de agosto de 2023.
https://online.unisc.br/acadnet/anais/in...
, inicialmente muitas emissoras comerciais começaram a alugar seus horários a essas estruturas religiosas, abrindo espaço em sua grade diária para veiculação de muitos programas de cunho religioso e celebrações eucarísticas, de modo que tal fenômeno se popularizasse e crescesse no âmbito da radiodifusão do país.

Além das transmissões de TV e rádio ocorridas por diversas emissoras religiosas, existe atualmente a transmissão dessas celebrações litúrgicas pela internet, através das redes sociais ou aplicativos de celular, fornecendo ao fiel a possibilidade de acompanhar efetivamente pelas telas do computador ou telefones móveis. Segundo Veiga (2007, p.01)VEIGA, A. C. Tecnologia e Espiritualidade: a arte religiosa na era virtual. 2007. Disponível em http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao24/materia01/texto01.pdf. Acesso em: 02/08/2023.
http://www.historica.arquivoestado.sp.go...
, “a espiritualidade virtual atua como uma igreja doméstica: o nicho onde eram colocados os santos foi substituído pela tela do computador que, juntamente com o santo, traz a sua oração; os pedidos não precisam ser levados até o altar da estátua no templo”.

Além disso, há também a disseminação da fé por meio de sites e aplicativos que auxiliam o crente a se conectar com o sagrado de forma on-line, tendo nos dias de hoje uma gama de páginas na web, aplicativos, cursos virtuais, redes sociais, etc, sendo disponibilizados tanto com fins mercadológicos, quanto de forma gratuita. Diante desse contexto, observa-se um elo entre os meios de comunicação/tecnologia e a religião, de modo a facilitar o encontro do fiel com o sagrado, em que as denominações religiosas se utilizam, cada vez mais, das mídias digitais.

Com o ente sagrado agora mais “próximo”, o devoto tem a oportunidade de ter a bíblia virtual, aplicativos que direcionam o acompanhamento dos cantos entoados nos cultos/celebrações, as leituras bíblicas e meditações por meio de app’s e, além de tudo isso, ser efetivamente um membro de alguma denominação religiosa sem necessariamente se deslocar de casa. Aqui se refere às Igrejas Virtuais, a mais nova realidade religiosa/informacional criada na atualidade para atrair fiéis. A primeira igreja criada nesse formato é a “Lagoverso”, oriunda da Igreja Batista da Lagoinha, que possui mais de 600 unidades no Brasil e em outros países, utilizando a tecnologia do metaverso, como uma plataforma de realidade virtual onde realiza cultos com a estrutura de uma igreja convencional.

Essas Igrejas nascem diante dos anseios do contexto moderno, em que as realidades materiais estão sendo gradativamente trocadas pela realidade virtual, cibernética, que não deixa de ser real, mas sobreposta ao plano físico/concreto. Segundo Veiga (2007)VEIGA, A. C. Tecnologia e Espiritualidade: a arte religiosa na era virtual. 2007. Disponível em http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao24/materia01/texto01.pdf. Acesso em: 02/08/2023.
http://www.historica.arquivoestado.sp.go...
, desde a década de 1990, quando assistimos a um brusco impulso das tecnologias digitais, percebe-se, ao mesmo tempo, uma mudança de paradigma nas relações religiosas com tais tecnologias.

Essas ações refletem a necessidade da propagação da fé para alcançar um alto grau de evangelização já que, de uma só vez, é possível atingir um grande número de pessoas. De acordo com Sposito (2008, p. 148) “as novas tecnologias estão mudando as relações entre as pessoas, bem como a organização interna das cidades e entre as diferentes cidades.”

Assim, nessa vivência do “meio técnico-científico-informacional”, percebe-se que, diante das novas realidades, do crescimento das redes e da diminuição das distâncias, há uma dinamização e difusão de informações, que fazem com que a humanidade experimente e reveja os paradigmas da comunicação no mundo globalizado. Isso permite a ressignificação da noção do tempo no espaço, demonstrando as metamorfoses de uma sociedade arcaica, rígida e tradicional, em uma sociedade dinâmica, moderna e globalizada.

Religiosidade on-line e o ciberespaço

Motivados pela crença no sagrado, milhares de pessoas buscam, de alguma forma, se conectar com as realidades místicas, se entregando às forças sobrenaturais que subsidiam suas escolhas e, em certa medida, determinam suas ações na terra. Quando falamos em determinar ações, não nos referimos a romper com a liberdade ou se anular enquanto ser. Se trata, neste caso, de obedecer às ordens de uma crença interior que orienta as ações exteriores, em uma forma de submissão na crença de algo maior que a si mesmo. Isso reflete o que Eliade (1999)ELIADE, M. O Sagrado e o Profano. A essência das Religiões. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1999. chama de homo religiosus.

A participação nos rituais religiosos – cultos, missas, magia, celebrações ou consagrações – é uma realidade frequente na sociedade, a datar das antigas civilizações. Embora a sociedade tenha passado por transformações expressivas no mundo hodierno, não há como afirmar que houve decesso ou supressão das práticas religiosas. Afinal, como afirma Geertz (1989)GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989., a religião faz parte do sistema cultural produzido pelos sujeitos em seus contextos sociais.

Aliado à inovação tecnológica, a simbologia sagrada tem passado por um processo de ressignificação, se introduzindo em um sistema insólito, que foge às tradições hieráticas, mas que não deixa de ser religioso. O espaço físico é substituído pelo espaço virtual, introduzindo o chamado ciberespaço, pois se adaptar às realidades tecnológicas envolve, também, se ajustar ao universo sagrado. O ciberespaço, de acordo com Loro (2009)LORO, T. J. Espaço virtual, um desafio para a igreja. Revista de Cultura teológica, v. 1, n. 66, 2009., p. 02), “é o espaço de tudo e de todos. Ele tem a capacidade de disponibilizar, em qualquer tempo-espaço, por palavras e/ou imagens, diferentes conteúdos, atividades, maneiras e expressões de vida.”

No ciberespaço, assim como no espaço físico, há a vivência de histórias de vida, imaginários, simbolismos, culturas e religiões. Há representações sociais, fenômenos culturais, notícias, ideologias, literatura e política. Há, sobretudo, a comunicação, que chega de diversas formas e acessos. Como mencionado por Santos (2008)SANTOS, M. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008. sobre a velocidade da informação e o encurtamento das distâncias a partir do meio técnico-científico-informacional, há de se considerar o enlaçamento de culturas e convergências de ideias e percepções em um mesmo espaço, ainda que visto geograficamente distante, proporcionado pelo acesso à internet. Desta forma, os territórios provindos do ciberespaço são essenciais para a continuidade da igreja na modernidade

A internet é a responsável pela maior parte dos acessos às igrejas virtuais ou religiosidade virtual, seja através das redes sociais, com o facebook, twitter, instagram, youtube, seja através de app’s destinados às igrejas e aos fiéis, seja por meio de sites específicos para o acompanhamento dos ritos e celebrações religiosas. Essas possibilidades refletem como as fronteiras simbólicas estão cada vez mais tênues, de modo que os sujeitos se encontram virtualmente para a comunicação social, possibilitando que a sociedade contemporânea se multiplique e que as diferentes culturas se encontrem, como afirma Pace (1997)PACE, E. Religião e globalização. In: ORO, A. P.; STEIL, C. A. (Org.). Globalização e religião. Petrópolis: Vozes, 1997.:

[...] se a sociedade ultramoderna está cada vez mais organizada como um conjunto de não-lugares (o metrô, os aeroportos, os grandes centros comerciais, que atualmente encontramos em muitas partes do mundo, assim como, também a repetitividade dos anúncios de publicidade), o primeiro critério a adotar é começar a pensar como o Outro está atualmente perto de nós e não mais longe de nós porque na sociedade contemporânea multiplicam-se as zonas francas nas quais as diferentes culturas se encostam-se, tocam-se e às vezes entram em conflito (PACE, 1997, p. 27PACE, E. Religião e globalização. In: ORO, A. P.; STEIL, C. A. (Org.). Globalização e religião. Petrópolis: Vozes, 1997.).

A religiosidade virtual é um fato cada vez mais latente na sociedade. Sobretudo após a pandemia do covid-19, ocorrida nos anos de 2020 e 2021, em que era necessário a adaptação da realidade mundial ao isolamento social, as religiões quebraram as barreiras de tempo e espaço e adentraram com mais afinco na evangelização on-line. O sagrado se fez digital e a fé expressada nos espaços virtuais fez refletir as transformações na manifestação do religioso. Para Sbardelotto (2012, p. 5)SBARDELOTTO, M. Deus digital, religiosidade online, fiel conectado: estudos sobre religião e internet. Revista Unissinos, v. 4, n. 70, 2012. “se a comunicação (suas lógicas, seus dispositivos, suas processualidades) está em constante evolução, a religião, ao fazer uso daquela, também acompanha essa evolução e é por ela impelida a algo diferente do que tradicionalmente era.”

O espaço urbano físico e palpável foi transformado, ou melhor, ressignificado, pelo espaço virtual. Loro (2009)LORO, T. J. Espaço virtual, um desafio para a igreja. Revista de Cultura teológica, v. 1, n. 66, 2009. menciona, inclusive, que não somente o espaço urbano se modificou. As pastorais de evangelização não são mais a pastoral da cidade, mas da cidade-mundo. De acordo com o autor, podemos dizer que o “urbano” está presente onde existe um computador conectado a uma rede de comunicação. Desta forma, o mundo virtual se introduz ao campo físico e se expande a partir de uma nova comunicação religiosa na internet, que Giraldi (2021)GIRALDI, P. Igreja virtual: comunicar para transcender. Macapá: UNIFAP, 2021. denomina como “Igreja Virtual”.

Virtual é o real. Sim, o virtual ou virtus é a força que move as religiões. Do latim medieval, a palavra é traduzida como potência, virtude, graça. É por meio do virtual que ocorre a ação comunicativa das divindades, que a exemplo de Deus, se manifesta em onipresença, onisciência e onipotência; estando em diferentes locais, sem ficar preso a qualquer realidade. Estamos diante de uma convergência da fé na religião. O conceito de virtualidade ultrapassa suas definições tecnológicas, pode ser entendida como possível espaço experimental para a transcendência. Sendo assim, as novas mídias sociais não devem ser vistas somente como ferramentas de comunicação da Igreja com os fiéis, mas, uma oportunidade de pensar o cristianismo nos tempos da rede e a cultura midiática da fé que nasce desta nova ambiência (GIRALDI, 2021, p. 06GIRALDI, P. Igreja virtual: comunicar para transcender. Macapá: UNIFAP, 2021.).

A igreja virtual conta, também, com o uso das redes sociais, realidade muito difundida atualmente. Temos exemplos muito evidentes de lideranças religiosas que se entregaram às influências digitais e agregam, hoje, milhares de seguidores. É o caso de celebridades religiosas brasileiras que estão inseridas no contexto midiático religioso não só através da rede televisiva, mas agora estão presentes por meio da internet e das redes sociais, como o Bispo Edir Macedo, o Padre Fábio de Melo, o Padre Marcelo Rossi, dentre outros ícones que se aliaram à força das mídias digitais, a fim de estabelecer vínculos com os fiéis e, consequentemente, angariar mais adeptos.

Além dessas personalidades, temos também o exemplo da Comunidade Católica Canção Nova, que além do canal de televisão, possui milhares de seguidores em suas redes sociais como o Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, Flick, entre outros meios, com o intuito de se aproximar dos fiéis seguidores e abarcar inúmeros devotos. Ademais, de acordo com Oliveira (2016)OLIVEIRA, J. R. Territorialidades de la fe en el catolicismo brasileño: espacialidad y Temporalidad en las nuevas comunicaciones. Revista Cultura y Religión, v. 5, n. 2, p. 65-79, 2016., o tempo religioso entre o homo religiosus e o sagrado pode vir a ocorrer também através de capelas virtuais, velas virtuais e aplicativos com a bíblia.

Diante dessa dinâmica virtual, fica evidente como as práticas de acesso à religião vem passando por metamorfoses e se adaptando à modernidade, de modo a agregar o maior número de fiéis para que estes possam vivenciar a fé através do espaço virtual, do ciberespaço. Afinal, o homem religioso sente a necessidade de estar conectado ao sagrado, pois “é aquele que foi tocado pela potência sagrada. Ele pode orar, oferecer sacrifícios, realizar atos religiosamente motivados, uma vez que foi atingido pela manifestação do Sagrado.” (GRECO, 2009, p. 87, 88GRECO, C. A experiência religiosa: essência, valor, verdade. São Paulo: Loyola, 2009.). Essa emergência pela conexão com a realidade mística transforma as experiências humanas através da ação divina, porque “como toda construção humana, o sagrado é dotado de uma espacialidade que se traduz por atributos próprios e está inserida na espacialidade humana geral” (ROSENDAHL, 2008, p. 9ROSENDAHL, Z. Hierópolis e Procissões: o sagrado e o espaço. In: Religião & Cultura: Espaço Sagrado e Religiosidade. n. 14. São Paulo: Paulinas-Educ, 2008.).

Deste modo, é notável o papel das religiões em acompanhar o processo de comunicação religiosa, se adaptando constantemente às novas práticas sociais e, como propõe Rosendahl, transcendendo para um espaço sagrado imaginalis – que é o espaço de encontro com o sagrado (ROSENDAHL, 2002ROSENDAHL, Z. Geografia da Religião: uma proposição temática. Revista GEOUSP - Espaço e Tempo. n. 11, p.9-19, São Paulo: 2002.). Porém, o espaço aqui referido é aquele que possui uma nova mobilidade e acessibilidade através do ciberespaço, podendo ser utilizado em qualquer tempo-espaço para a disseminação da crença e das ideais, oferecendo ao usuário/internauta uma gama de possibilidades de acesso à crença e de aproximação com o sagrado.

Considerações finais

Desde os tempos remotos, por diversas circunstâncias, as igrejas sempre buscaram ir ao encontro de seu público, procurando atrair seus fiéis e conquistar novos adeptos. Com a realidade midiática e virtual não seria diferente. As igrejas de diferentes denominações, de diversos modos, se submeteram também a esse novo panorama contemporâneo, buscando, através dos variados meios de comunicação e das novas tecnologias, efetivar a sua principal finalidade enquanto instituição evangelizadora: propagar a fé a todas as culturas, ajudando o fiel a se conectar com o sagrado.

Desta forma, evidenciou-se as relações entre a geografia e a religião e como esta última pode influenciar as ações e transformações espaciais. Do mesmo modo, atestou-se a expansão do meio técnico-científico-informacional e como as instituições religiosas adaptaram-se às novas técnicas e utilizam-se dos meios de comunicação e as mídias digitais para alcançar os fiéis, seja através do rádio, TV, internet, aplicativos de celular, ou até mesmo com a criação de uma nova espécie de denominação – as Igrejas Virtuais – disposta a abarcar um hodierno e forte público: o internauta.

Referências

  • ALVES, C. A. R. O fenômeno da igreja eletrônica: Deus está no ar. 2000. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Produção da UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, 2000, 114p.
  • BARROS, B. M. C. As igrejas e os meios de comunicação: uma análise jurídica da convergência entre mídia e fé. 2014. XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. Disponível em: https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/viewFile/11677/1610 Acesso em 02 de agosto de 2023.
    » https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/viewFile/11677/1610
  • BONJARDIM, S. G. M.; ALMEIDA, M. G. A geografia como alicerce nas análises da cultura religiosa. Revista GeoNordeste, n. 2, p. 132-141, 2022.
  • ELIADE, M. O Sagrado e o Profano A essência das Religiões. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1999.
  • GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
  • GIL FILHO, S. F. Por uma Geografia do Sagrado. In: MENDONÇA, F.; KOZEL, S. (orgs.). Elementos de epistemologia da geografia contemporânea 2. Ed. Curitiba: Editora UFPR, p. 253-265, 2004. 265p.
  • GIL FILHO, S. F. Estruturas da Territorialidade Católica no Brasil. Scripta Nova -Revista Eletrônica de Geografia y Ciências Sociales, v. 5, n 205, 2006.
  • GIL FILHO, S. F. Geografia da Religião: reconstruções teóricas sob o idealismo crítico. In: KOZEL, S.; SILVA, J. C.; GIL FILHO, S. F. (orgs.). Da percepção e Cognição à Representação: reconstruções teóricas da Geografia Cultural e Humanista. Curitiba: NEER, 2007.
  • GIRALDI, P. Igreja virtual: comunicar para transcender. Macapá: UNIFAP, 2021.
  • GRECO, C. A experiência religiosa: essência, valor, verdade. São Paulo: Loyola, 2009.
  • LORO, T. J. Espaço virtual, um desafio para a igreja. Revista de Cultura teológica, v. 1, n. 66, 2009.
  • OLIVEIRA, J. R. Territorialidades de la fe en el catolicismo brasileño: espacialidad y Temporalidad en las nuevas comunicaciones. Revista Cultura y Religión, v. 5, n. 2, p. 65-79, 2016.
  • OLIVEIRA, J. R. Geografia, religião e mídia: novas interfaces do sagrado na era hipermoderna. Revista REVER, v. 19, n. 3, 2019.
  • OLIVEIRA, P. W. A. Aproximações entre geografia e religião: contribuição aos estudos em geografia da religião. Revista Geosaberes, v. 10, n. 21, p. 1-13, 2019.
  • PACE, E. Religião e globalização. In: ORO, A. P.; STEIL, C. A. (Org.). Globalização e religião. Petrópolis: Vozes, 1997.
  • ROSENDAHL, Z. Espaço e religião: uma abordagem geográfica. Rio de Janeiro: UERJ, NEPEC, 1996.
  • ROSENDAHL, Z. Geografia da Religião: uma proposição temática. Revista GEOUSP - Espaço e Tempo n. 11, p.9-19, São Paulo: 2002.
  • ROSENDAHL, Z. Hierópolis e Procissões: o sagrado e o espaço. In: Religião & Cultura: Espaço Sagrado e Religiosidade. n. 14. São Paulo: Paulinas-Educ, 2008.
  • SALDANHA, B. C. Representações na cidade dos mortos: expressões simbólicas e territorialidades religiosas nos cemitérios de Serrolândia-Bahia. Dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2020, 148p.
  • SANTOS, M. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1997a.
  • SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: HUCITEC, 1997b.
  • SANTOS, M. Técnica, espaço e tempo: globalização e meio técnico científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008.
  • SANTOS, A. P. Introdução à Geografia das Religiões. GEOUSP - Espaço e Tempo, Sáo Paulo, n. 11, p. 21-33, 2002.
  • SBARDELOTTO, M. Deus digital, religiosidade online, fiel conectado: estudos sobre religião e internet. Revista Unissinos, v. 4, n. 70, 2012.
  • SILVEIRA, E. S. Espetáculo, Religião e Consumo: passagens e tensões na hipermodernidade. In: MOREIRA, A et al. A Religião entre o espetáculo e intimidade Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2014.
  • SOUZA, J. A. X. Espaço, Religião e Geografia. Revista Geografia em Questão, v. 13, n. 01, p. 54-66, 2020.
  • VEIGA, A. C. Tecnologia e Espiritualidade: a arte religiosa na era virtual. 2007. Disponível em http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao24/materia01/texto01.pdf Acesso em: 02/08/2023.
    » http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao24/materia01/texto01.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2023
  • Aceito
    30 Abr 2024
UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia ESTRADA DO BEM QUERER KM 4, Vitória da Conquista - Bahia / Brasil, CEP 45083-900 Caixa postal 95, Tel: +55 (77) 3242-8741 - Vitória da Conquista - BA - Brazil
E-mail: geopauta@uesb.edu.br