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Propriedade e apropriação no bairro do Pinheirinho - Alfenas/MG

Property and appropriation in the neighborhood of Pinheirinho - Alfenas/MG

Propiedad y apropiación en el barrio de Pinheirinho - Alfenas/MG

Resumo

A pesquisa propõe investigar a propriedade e a apropriação relacionadas à produção do espaço no bairro do Pinheirinho - Alfenas/MG, identificando nesse processo as formas materiais e imateriais. O estudo sobre a produção do espaço pressupõe a mobilização de tríades, fundamentadas por categorias e conceitos. As tríades possibilitam interpretar as relações de produção e reprodução do bairro, marcado pela forte presença do setor imobiliário e do Estado, que atuam para a valorização do solo urbano. Outro elemento que se revelou foi o uso ao nível da sobrevivência dos moradores. Os procedimentos metodológicos adotados baseiam-se em revisão bibliográfica; entrevistas semiestruturadas com os moradores do bairro e arredores, vereadores, prefeito, funcionários públicos e comerciantes; levantamento de dados estatísticos, cartográficos e fotográficos.

Palavras-chave:
Bairro; Apropriação; Propriedade; Produção; Reprodução.

Abstract

The purpose of this research is to investigate the property and appropriation associated with the production of space in Pinheirinho neighbourhood - Alfenas/MG. The investigation about the production os space requires mobilization in triads based upon categories and concepts. The triads allow us in interpretating the relationships between production and reproduction in the neighborhood, highlighted by the strong presence of the real estate sector and the State, which take action for valorization of urban land. Another aspect that was revealed was the use at the level of survival of the residents. The methodological procedures adopted are based on bibliographical review; semi-estructured based interviews by the neighborhood’s residents and surroundings, councilors, mayor, city officials and merchants; statistical data survey, cartographic and photographic.

Keywords:
Neighborhood; Appropriation; Property; Production; Reproduction.

Resumen

La investigación se propone investigar la propiedad y la apropiación relacionadas con la producción del espacio en el barrio de Pinheirinho - Alfenas/MG, identificando en ese proceso las formas materiales e inmateriales. El estudio de la producción del espacio presupone la movilización de tríadas, a partir de categorías y conceptos. Las tríadas permiten interpretar las relaciones de producción y reproducción del barrio, marcadas por la presencia del sector inmobiliario y del Estado, que actúan para la valorización del suelo. Otro elemento que se reveló fue el uso a nivel de sobrevivencia de los residentes. Los procedimientos metodológicos se basan en revisión bibliográfica; entrevistas semiestructuradas con residentes del barrio y alrededores, poderes publicos y comerciantes; levantamiento de datos estadísticos, cartográficos y fotográficos.

Palabras clave
Barrio; Apropiación; Propiedad; Producción; Reproducción

Introdução

A pesquisa propõe investigar a propriedade e a apropriação, relacionadas à produção do espaço no bairro do Pinheirinho - Alfenas/MG, identificando nesse processo as formas materiais e imateriais. É fundamental anunciar, apesar de correr o risco de reduzir, fragmentar e generalizar a teoria da produção do espaço na tentativa de apreender a realidade do lugar, esta singularidade do bairro não deve impossibilitar a interpretação da totalidade.

O bairro do Pinheirinho está localizado no município de Alfenas/MG, este faz parte da mesorregião geográfica Sul/Sudoeste do estado de Minas Gerais, com uma população estimada para 2021 em 80.973 habitantes (IBGE, 2021). O bairro está situado na porção oeste da cidade de Alfenas (Mapa 1):

Mapa 1
Localização do bairro do Pinheirinho na cidade de Alfenas/MG

As relações de produção capitalistas são forças presentes no cotidiano e cooptam a vida social. Nas cidades, observamos a produção e a reprodução espacial a serviço do capital. Na lógica das relações de uso e de troca, que refletem na propriedade privada da terra, constitui-se a produção do espaço urbano no bairro do Pinheirinho. De acordo com Araújo (2012)ARAÚJO, J. A. SOBRE A CIDADE E O URBANO EM HENRI LÉFÈBVRE. GEOUSP Espaço e Tempo, [S. l.], v. 16, n. 2, p. 133-142, 2012. Disponível em: https://bityli.com/QjjP3. Acesso em: 10 jan. de 2022.
https://bityli.com/QjjP3...
, a cidade e o urbano são formas sociais, sendo a cidade lócus da reprodução social. A produção de um espaço urbano abstrato, a precarização e as dificuldades de acesso dos moradores explicitam a forma como a cidade é concebida na lógica da mercadoria.

No processo de formação de uma cidade de porte médio, a expansão urbana e a periferização constituem novas formas de segregação socioespacial. O bairro Pinheirinho, formado na década de 1980 a partir da implantação do conjunto habitacional Governador Francelino Pereira dos Santos, da Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (COHAB), é um caso significativo desse processo e, portanto, em que o poder público teve um papel decisivo.

O espaço de vida dos moradores do bairro do Pinheirinho está vinculado ao espaço da mercadoria, o qual contempla a dialética entre o valor de uso e o valor de troca. No uso do espaço conseguimos localizar a apropriação. O espaço de vida está para o valor de uso, como o espaço da reprodução está para o valor de troca.

Os objetivos do trabalho estão relacionados com a questão da propriedade, referente à renda do solo urbano; a apropriação aparece através do uso do espaço, assim como as resistências revelam a permanência dos moradores do bairro, por meio da constituição de identidade no lugar. A produção do espaço tem em seu conteúdo os processos materiais e imateriais que contém em suas estruturas o valor de uso e o valor de troca, a produção (trabalho) e a reprodução (social).

A abordagem teórico-metodológica utilizada na pesquisa está relacionada à teoria da produção do espaço (LEFEBVRE, 2013LEFEBVRE, Henri. La producción del espacio. Madri: Capitán Swing, 2013, 451 p.). Os procedimentos metodológicos adotados para o desenvolvimento desta pesquisa baseiam-se em levantamento e revisão bibliográfica; entrevistas semiestruturadas realizadas com os moradores do bairro, vereadores, prefeito, comerciantes, funcionários públicos da prefeitura que prestam serviços para o bairro e os moradores dos bairros vizinhos; levantamento de dados estatísticos; informações cartográficas e registro fotográfico.

Essa pesquisa faz parte das investigações realizadas no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Alfenas (PPGeo UnifalMG). O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG). No próximo tópico será apresentado o contexto da expansão urbana de Alfenas e da periferização a partir de meados do século XX, quando esse processo se impulsiona.

A expansão urbana de Alfenas/MG a partir de meados do século XX

O espaço urbano é produto e produtor, de acordo com Lefebvre (2006), essas duas condições estão articuladas às relações de produção e às forças produtivas. O espaço urbano tem em sua gênese relação direta com a propriedade privada do solo e da expropriação, que resultam nas relações desiguais de acesso à cidade, frutos da concentração fundiária e da acumulação primitiva do capital.

Conforme Lefebvre (2013)LEFEBVRE, Henri. La producción del espacio. Madri: Capitán Swing, 2013, 451 p., na passagem ao período industrial, quando o “trabalho livre” constitui um dos processos mais importantes para compreender as dinâmicas da sociedade da época, decorre a implosão-explosão da cidade, ou seja, a fragmentação e a extensão do urbano concomitantemente. Enquanto a cidade no período pós-industrial indica a desconcentração e a segmentação desta própria indústria e do trabalho, com uma maior precarização deste.

No Brasil, segundo Santos (2002)SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Edusp, 2002. 176p., a primeira aceleração da urbanização ocorreu ao final do século XIX, associada, mormente à expansão cafeeira. Mas é com a industrialização no século XX, que a urbanização alcança expressão, quando se engendra uma nova lógica econômica e territorial.

É nesse contexto de urbanização do país, que Alfenas, especialmente a partir de meados do século XX, expressou altas taxas de crescimento populacional e urbano. Nos anos de 1960, a população urbana ultrapassa a rural, como pode-se observar no Gráfico 1, isso ocorreu, de acordo com Branquinho e Silva (2018)BRANQUINHO, Evânio dos Santos; SILVA, Letícia Silvério da. A reestruturação das cidades médias: o caso de Alfenas no sul de Minas Gerais. In: FERREIRA, Marta Marujo; VALE, Ana Rute do (Orgs). Dinâmicas geográficas no sul de Minas Gerais. Curitiba: Appris, 2018, p.79-106., entre outros fatores, devido às transformações no campo e à instalação do reservatório de Furnas (geração de energia elétrica), que expulsou parte dessa população para os centros da região.

Gráfico 1
Evolução da população urbana, rural e total do município de Alfenas/MG de 1940 a 2010

Para Branquinho e Silva (2018)BRANQUINHO, Evânio dos Santos; SILVA, Letícia Silvério da. A reestruturação das cidades médias: o caso de Alfenas no sul de Minas Gerais. In: FERREIRA, Marta Marujo; VALE, Ana Rute do (Orgs). Dinâmicas geográficas no sul de Minas Gerais. Curitiba: Appris, 2018, p.79-106., a cidade de Alfenas se tornou um polo microrregional, com funções ligadas principalmente à saúde e à educação. “A desarticulação da malha ferroviária na década de 1960 e a rearticulação rodoviária favoreceram Alfenas que, na escala microrregional, passou a articular uma rede de pequenas cidades em seu entorno” (BRANQUINHO e SILVA, 2018BRANQUINHO, Evânio dos Santos; SILVA, Letícia Silvério da. A reestruturação das cidades médias: o caso de Alfenas no sul de Minas Gerais. In: FERREIRA, Marta Marujo; VALE, Ana Rute do (Orgs). Dinâmicas geográficas no sul de Minas Gerais. Curitiba: Appris, 2018, p.79-106., p.93).

Na década de 1970, a ampliação de cursos de ensino superior (Fundação de Ensino e Tecnologia de Alfenas e da Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas) provocou aumento no fluxo de estudantes. Outra população que adentrava o munícipio consistia nos migrantes sazonais da colheita de café que acabavam fixando-se na cidade. Levando em consideração esses elementos, a partir do período de 1980, com a ampliação dos serviços de educação e saúde, intensifica-se o processo de loteamentos com escassa infraestrutura. Quem são os moradores desses loteamentos que crescem nas periferias da cidade? Os migrantes, população ribeirinha e a população que não podia mais morar/custear no centro da cidade devido à valorização do solo urbano.

De um modo geral, a partir de meados do século XX, podemos situar a expansão mais recente do espaço urbano de Alfenas em três fases, que vão resultar no avanço da periferização e na formação do bairro Pinheirinho e, posteriormente, em sua transformação. A primeira fase situa-se ao final da década de 1950, com a criação do loteamento Jardim São Carlos, este caracterizou-se por seu padrão popular, grande dimensão e desarticulação da malha urbana, originando vazios urbanos e lotes vagos, na porção norte da cidade. Na década de 1960, houve a implantação do primeiro conjunto habitacional da COHAB, denominado Vista Grande, também localizado na região norte da cidade (ALFENAS, 2006ALFENAS, Leitura do Plano Diretor de Alfenas. Alfenas: PMA, 2006. 165p.). Esses empreendimentos contribuíram para a consolidação da zona norte como um espaço de assentamento popular, assim como apontavam para uma maior segregação e hierarquização do espaço urbano.

A segunda fase data da década de 1980, quando é construído o conjunto habitacional Governador Francelino Pereira, que configurou o bairro do Pinheirinho, na zona oeste. O residencial foi implantado fora do perímetro urbano, constituindo um “vazio” entre este e a mancha urbana, que valorizava à medida que a infraestrutura era instalada, fomentando a especulação imobiliária. Esse empreendimento direcionou o crescimento urbano de padrão popular também para a zona oeste. Sobre essa lógica de expansão urbana segmentada e especulativa, nas palavras da secretária de planejamento municipal:

O bairro é bem o tipo de urbanização difusa, de colocar a periferia longe do centro para puxar infraestrutura toda nesse caminho. Hoje a infraestrutura já chegou até lá, muito por mérito da Unifal ter ido para o trevo ali do Santa Clara, do que por necessidade do Pinheirinho em si, mas hoje eu acredito que ele já tem uma infraestrutura, já é atendido por uma infraestrutura bem razoável, mas foi às custas da população que teve que ir para lá isolada antes (INFORMAÇÃO VERBAL)3 3 Informações obtidas junto à Secretária de Planejamento Estratégico de Alfenas, em 01 de dezembro de 2021. .

Na condição de fronteira urbana, incorporou-se trabalho social à terra, transformando-a em terra urbanizada, mesmo que com deficiências de infraestrutura e serviços públicos, o que implicará um desafio para a integração desse espaço e de seus moradores à cidade.

Na primeira fase de implantação do conjunto habitacional, foram construídas 300 unidades, com tamanhos de 22 a 36 m2, conforme registro no cartório de imóveis em 1982. Pode-se observar na Foto 1, apesar do estado em ruínas de um desses imóveis, que eram bastante modestos.

Foto 1
Fachada e lateral do imóvel do conjunto habitacional, 2022

No interior do imóvel, verifica-se apenas um dormitório, um banheiro e uma pequena sala conjugada com a cozinha, razão pela qual, ao longo do tempo e de acordo com as condições do morador, essas residências iam sendo ampliadas, através dos conhecidos “puxadinhos”, adquirindo um constante aspecto de inacabadas.

O vazio urbano, referido anteriormente, aparece na Foto 2, que é a antiga estrada em direção à área rural, onde futuramente formaria o bairro do Pinheirinho, atual Avenida Jovino Fernandes Salles.

Foto 2
Antiga estrada para o “Pinheirinho” em 1974 (Av. Jovino F. Salles )

Foto 3
Atual estrada para o “Pinheirinho” (Av. Jovino F. Salles)

Pode-se observar também na comparação das Fotos 4 e 5, dois momentos importantes que se procurou apresentar neste tópico, a eles podem-se associar as entrevistas dos moradores do bairro e dos agentes públicos.

Foto 4
Vista panorâmica do bairro do Pinheirinho e arredores em 2015

[...] O Pinheirinho... Antigamente, para você ter uma ideia, você saia do centro da cidade… Essa parte depois da igrejinha Aparecida era só mato, tinha uma avenida que hoje é Jovino Fernandes Salles que é o acesso ao bairro do Pinheirinho (INFORMAÇÃO VERBAL)4 4 Ioformações obtidas junto ao Vereador J.D, 30 de novembro de 2021 . Na verdade, o Bairro quando começou aqui foi pra que funcionários da Fazenda Monte Alegre viesse para cá, aí essas casas foram construídas aqui essa parte de baixo, e aí os funcionários que vinham de outros estados para trabalhar na Fazenda Monte Alegre ficava aqui, no bairro, nas casas. E o loteamento Francelino Pereira, que chama na verdade, foi ofertado também para a população alfenense, e aqui a Jovino era assim toda de terra, cheia de buracos, tinha uma fábrica de ossos ali aonde hoje é a Paramotos [fábrica], sabe. Então assim, cafezal, em toda essa região aqui até lá na ponta, e assim o bairro foi crescendo (INFORMAÇÃO VERBAL)5 5 Ioformações obtidas junto à Funcionária A.B, 26 de novembro de 2021 .

Dessa forma, os elementos de sua estruturação estão presentes nos relatos dos sujeitos que foram entrevistados. Em virtude dos fatos, podemos afirmar que o bairro tem uma significativa importância na estruturação da cidade de Alfenas, notadamente em sua porção oeste. Suas transformações, também, estão diretamente ligadas a um passado rural. Durante a pesquisa, verificou-se que existem ou persistem elementos do rural no bairro, assim como as relações de trabalho referentes a este. Nos pontos de ônibus, de vários locais da cidade dentre eles o ponto de parada em frente a creche do Pinheirinho, percebe-se nos finais das tardes a chegada de trabalhadores rurais que saíram para trabalhar pela manhã.

Em 1988, como referido anteriormente, a transformação da Fundação de Ensino e Tecnologia de Alfenas (FETA) em Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas) aumentou o fluxo de estudantes, inflacionando o valor dos imóveis na zona sul da cidade, o que acarretou a “expulsão” de moradores para as zonas oeste e norte.

Na década de 1990, ocorreu uma expansão irregular e bastante precária denominada “Corredor do Pinheirinho”, uma extensão da avenida Jovino Fernandes Salles, que constituirá o bairro Santa Clara. É também nesta região, nos limites da área urbana que está sendo implantado um conjunto residencial ligado ao programa do Governo Federal Minha Casa Minha Vida, com 96 habitações de 44 m2 de área construída, ocupadas irregularmente antes do término das obras e da instalação da infraestrutura.

De frente ao Pinheirinho, do outro lado da avenida Jovino Fernandes Sales, no bairro Recreio Vale do Sol, destaca-se a instalação de um conjunto de quinze prédios com 240 apartamentos, inaugurado em 2011, também ligados ao programa Minha Casa Minha Vida, conforme pode-se observar parcialmente na Foto 4. Denominado condomínio Jardim Alvorada conta com apartamentos com 40 m2, em sistema de condomínio fechado. Todas essas intervenções, através de programas habitacionais, indicam formas de assentamento segundo um padrão mais popular.

Conformando a terceira fase de expansão urbana, a instalação da Unidade II da Universidade Federal de Alfenas, vizinho ao Pinheirinho, na década de 2010, desencadeia uma expressiva valorização e especulação na região, com novos loteamentos voltados mais para as classes médias, que vêm transformando o perfil da região, e expulsando a população de menor renda, repetindo o processo de especulação imobiliária, que ocorreu com a instalação da Unifenas na zona sul. De acordo com a secretária de planejamento municipal:

Eu verifico muito assim o processo de… as pessoas acabam sendo expulsas, expropriação […] De início, esse boom que dá no mercado imobiliário, essa supervalorização dos imóveis quando essa rede de infraestrutura chega até lá. E de início, é muita felicidade, porque assim, você tá num lugar horrível, que não tinha nada, que terreno não valia nada, […], e de repente na área chega a infraestrutura junto com a Universidade, e começa a melhorar tudo, e eles começam a vender aquela casinha que eles trocou num carro velho, consegue vender por um preço melhor, mas acaba voltando para outro lugar periférico. E eu não vejo, em Alfenas, pontos muito distantes mais, mas a gente, pelas minhas experiências e pelas informações que eu vou tendo de dentro da prefeitura, até antes de se concretizarem, a gente vai acabar tendo esses bairros novamente sendo pouco mais periférico, sabe, e acredito que essa população acaba sendo toda jogada para fora, ela não fica nunca no núcleo (INFORMAÇÃO VERBAL)6 6 Informações obtidas junto à Secretária de Planejamento Estratégico de Alfenas, em 01 de dezembro de 2021. .

Atualmente, existe a construção, em fase de finalização, da Avenida Perimetral Oeste, completando o anel viário da cidade de Alfenas, projetando um aumento da circulação e da acessibilidade e, consequentemente, de valorização imobiliária. É possível perceber a influência da construção da perimetral nesse setor da cidade, por meio da abertura de novos loteamentos. Nesse novo arranjo espacial, o bairro passa a ganhar centralidade, configurando a “região do Pinheirinho”.

Sobre a expansão mais recente da cidade de Alfenas na direção oeste, e como exemplo da ação do poder público municipal na reprodução do espaço, de acordo com o Prefeito:

A coisa mais importante é que é uma definição de que o eixo de desenvolvimento do município ele tem que estar voltado para esta região. Se seguir aqui em frente do Pinheirinho até o lago são apenas 5 km, então a cidade tem que encontrar o lago! As margens do lago é a região mais valorizada que tem, então ao invés da gente crescer para o norte, lá para o Vista Grande… A gente nunca vai encontrar o lago… no aeroporto nunca vai encontrar o lago, no sul indo para Machado, nunca vai encontrar o lago. Essa região aqui, se ela crescer para cá você encontra o Náutico, a prainha do Alencar, é um braço do lago que nunca baixa, ele sempre vai manter cheio ou numa condição de navegação, de uso múltiplo das águas para o turismo, mesmo que a cota do lago esteja baixa. A cidade deve crescer nesse eixo, então há uma determinação, uma orientação, um planejamento nosso de que o município ele cresce por conta própria, mas se depender do município essa região será incentivada para o desenvolvimento. Nós transformamos toda essa região até no lago como área urbana da cidade, então nós transformamos área rural em área urbana. Tem uma política pública de desenvolvimento e de crescimento nesse eixo, que é eixo oeste… E a partir daí a prefeitura faz os investimentos, como foi trazer a Unifal, trazer a Caixa Econômica Federal para cá, foi o nosso governo… quase exigiu que a Caixa viesse para cá… que ela queria ir para o centro também, a gente descentralizou e veio para cá [...] (INFORMAÇÃO VERBAL)7 7 Informações obtidas junto a Prefeitura Municipal de Alfenas com entrevista ao Prefeito L.S, em 27 de novembro de 2021 .

Nesse sentido, o espaço do Pinheirinho, além de produto, também condiciona as novas ocupações, e a instalação desses novos prédios, de um padrão classe médiabaixa, indicando uma valorização do bairro, no momento em que a cidade vive um “boom” de condomínios fechados de alto padrão, mas em outras regiões que carregam o status ou a representação de áreas nobres, a exemplo da região do bairro Jardim Aeroporto, na porção leste da cidade.

As relações entre a propriedade e a apropriação

Nas relações de produção capitalistas, a propriedade privada da terra permitiu à classe burguesa, à medida que expropriava uma massa de população, a formação de uma mão de obra “livre” e barata que, destituída dos meios de produção, dirigiu-se às cidades onde pudesse vender sua força de trabalho, constituindo a formação de um mercado de trabalho assalariado. Segundo Marx (2013)MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, livro 1, 2013. 894p.:

Sobre o fundamento da produção de mercadorias, na qual os meios de produção são propriedade privada de indivíduos e o trabalhador manual, por conseguinte, ou produz mercadorias de maneira isolada e autônoma, ou vende sua força de trabalho como mercadoria porque lhe faltam os meios para produzir por sua própria conta, aquele pressuposto só se realiza mediante o aumento dos capitais individuais ou na medida em que os meios sociais de produção e subsistência se transformam em propriedade privada de capitalistas (MARX, 2013MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, livro 1, 2013. 894p., p. 848).

A propriedade privada do solo compõe a base da produção capitalista, pois a massa expropriada do campo formou o trabalho assalariado da cidade (assim como separou os locais de moradia e de trabalho), que produz a mais-valia geral, a qual é a fonte da renda fundiária, do lucro e dos juros.

A propriedade fundiária baseia-se no monopólio de certas pessoas sobre porções definidas do globo terrestre como esferas exclusivas de sua vontade privada, com exclusão de todas as outras. Estando isso pressuposto, passemos à exposição do valor econômico, isto é, da valorização desse monopólio que se encontra na base da produção capitalista (MARX, 2017MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, livro 3, 2017. 984p., p, 822).

A cidade capitalista é marcada pela formação de novas classes sociais e de modos de segregação dessas camadas e segmentos. Em relação à urbanização brasileira, os moradores dos bairros periféricos, como os das COHABs, com suas habitações produzidas em série, estão em algum nível, privados das riquezas socialmente produzidas. Em relação à cidade de Alfenas, verifica-se o movimento de expulsão desses moradores e a criação de novas periferias, processo associado à reprodução capitalista.

Eu verifico muito assim o processo de… as pessoas acabam sendo expulsas, expropriação, porque na verdade elas conseguem verificar, de início, esse boom que dá no mercado imobiliário, essa supervalorização dos imóveis quando essa rede de infraestrutura chega até lá. E de início, é muita felicidade, porque assim, você tá num lugar horrível, que não tinha nada, que terreno não valia nada, que as pessoas trocavam bicicletas por casa, e de repente na área chega a infraestrutura junto com a universidade, e começa a melhorar tudo, e eles começam a vender aquela casinha que eles trocou num carro velho, consegue vender por um preço melhor, mas acaba voltando para outro lugar periférico. E eu não vejo, em Alfenas, pontos muito distantes mais, mas a gente, pelas minhas experiências e pelas informações que eu vou tendo de dentro da prefeitura, até antes de se concretizarem, a gente vai acabar tendo esses bairros novamente sendo pouco mais periférico, sabe, e acredito que essa população acaba sendo toda jogada para fora, ela não fica nunca no núcleo (INFORMAÇÃO VERBAL)8 8 Idem .

Em Lefebvre, o conceito de apropriação, ganha um sentido mais amplo do que em Marx, que não distingue dominação e apropriação, pois esta adquire qualidades, subjetividades, além da mercadoria, assumindo o caráter de “obra”. Na discussão sobre o espaço:

De um espaço natural modificado para servir as necessidades e as possibilidades de um grupo, pode-se dizer que este grupo dele se apropria. A possessão (propriedade) não foi senão uma condição e, o mais frequente, um desvio desta atividade “apropriativa” que atinge seu auge na obra de arte. Um espaço apropriado assemelha-se a uma obra de arte sem que dela seja o simulacro. Frequentemente, trata-se de uma construção, monumento ou edifício. Nem sempre: um sítio, uma praça, uma rua podem se dizer “apropriadas”. Tais espaços abundam, ainda que não seja sempre fácil dizer em que e como, por quem e para quem, eles foram apropriados (LEFEBVRE, 2013LEFEBVRE, Henri. La producción del espacio. Madri: Capitán Swing, 2013, 451 p., p. 213214).

Portanto, para além das relações de produção, coloca-se a reprodução das relações sociais de produção, e é a partir dessa totalidade que a produção do espaço assume uma dimensão fundamental para a compreensão desse processo.

A produção não se reduz à fabricação de produtos. O termo designa, de uma parte, a criação de obras (incluindo o tempo e o espaço sociais), em resumo, a produção “espiritual, e, de outra parte, a produção material, a fabricação de coisas. Ele designa também a produção do “ser humano” por si mesmo, no decorrer do seu desenvolvimento histórico. Isso implica a produção de relações sociais. Enfim, tomado em toda a sua amplitude, o termo envolve reprodução (LEFEBVRE, 1991, p.37).

O espaço é produzido e se reproduz nos conteúdos e formas da cidade. Quando nos aproximamos da formação do bairro, é possível mobilizar os conceitos de apropriação e propriedade para interpretar o uso do espaço. Nessa pesquisa, o uso do espaço não está dissociado da relação geral entre produção, distribuição, troca e consumo. Sendo assim, no tópico a seguir, discutiremos a formulação da tríade, de como a produção possibilita a síntese das relações dialéticas entre propriedade e apropriação.

A formulação de uma tríade

Na proposição da tríade propriedade, apropriação e produção, a escolha do bairro foi de encontro à definição de Lefebvre (1975)LEFEBVRE, Henri. De lo rural a lo urbano. Barcelona: Ediciones Península, 1975, p. 268., para quem o bairro pode ser entendido como a organização concreta do espaço e do tempo na cidade. Situado ao nível das relações imediatas, interpessoais, cotidianas do usuário, mas também atravessado por relações e determinações mais gerais da cidade, do global etc.

O modo de produção está diretamente relacionado à produção do espaço. Assim, partimos do modo de produção capitalista para compreender a série de determinações que resultam nas desigualdades e na segregação do espaço urbano.

A propriedade está imediatamente relacionada com o quantitativo, ou seja, às mercadorias, na convergência das relações sociais de produção e de reprodução, mediada pelos agentes financeiros e pelo Estado. Harvey (2013)HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. 592 p. expõe o papel do ambiente construído para a reprodução da força de trabalho e do capital, indicando a ação dos agentes produtores do espaço urbano, visando à criação e extração da maisvalia, através da renda do solo pelos proprietários fundiários, dos lucros pelos construtores e dos juros pelos agentes financeiros.

O Pinheirinho institui-se formalmente como propriedade privada da terra, através da ação estatal e implantação do conjunto habitacional, concebido com vistas à reprodução de uma mão de obra barata na periferia, assim como promover o lucro da construção civil, os juros do banco e a renda da especulação imobiliária. Esta última em função do vazio urbano criado entre o residencial e o tecido urbano já consolidado, revelando as estratégias de reprodução do espaço na articulação das escalas do bairro e da cidade.

Em relação ao trabalhador, esse ambiente construído é visto como um fundo de consumo para sua reprodução, as moradias e as infraestruturas necessárias. O Estado é o principal agente regulador desses interesses antagônicos e, em geral, atua para assegurar a acumulação do capital.

A partir da industrialização, a separação dos trabalhadores da propriedade e principalmente da propriedade do solo, em que asseguravam sua sobrevivência, forçando a migrarem para as cidades a fim de venderem sua força de trabalho. A separação do local de morar e o de trabalhar foi um fator importante para a exploração do trabalho assalariado. Essa expropriação também contribuiu para a formação de um mercado de terras urbano e de um setor de construção de habitações para essa classe. A habitação constitui a mercadoria de mais difícil acesso dessa classe e interfere diretamente nas suas condições de reprodução, no seu padrão de vida e de sua inserção no espaço urbano.

O Estado atua diretamente nessa questão, embora não no sentido de uma solução definitiva. A criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1964 e as COHABs demonstraram esse processo. A formação de uma mão de obra barata nas cidades, em função do avanço de uma industrialização dependente, estimulou o setor da construção civil, o qual explorou a ideologia da casa própria, o resultado, entre outros, foi o êxodo rural, acentuando os problemas nos centros urbanos.

Assim, o direito à cidade coloca-se não apenas como o direito à infraestrutura e serviços coletivos que recaem apenas na esfera do consumo, mas à própria restituição da cidade, hoje implodida e fragmentada por diversas estratégias, ao próprio direito de participar nos rumos da cidade e de sua utopia como sociabilidade e cidadania plenas (LEFEBVRE, 2001LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro Editora, 2001, p.143.).

A apropriação é compreendida através do uso do espaço. Ao observar o bairro do Pinheirinho, identificamos que o uso do espaço se contrapõe em relação ao privado (aquele controlado e ordenado por um urbanismo “racional”). Os resultados evidenciam o uso do espaço como resistência. “Mas que uso, uso do quê? Uso dos espaços, do tempo, do corpo, essencialmente porque abrigam dimensões da existência, os sentidos da vida: o prazer, o sonho, o desejo, o riso!” (SEABRA, 1996SEABRA, Odette Carvalho de Lima Seabra. A insurreição do uso. In: MARTINS, José deSouza (org.). Henri Lefebvre e o retorno à dialética. São Paulo: Hucitec, 1996, p.71-86., p.71). Ao verificar o uso do espaço, não podemos desconsiderar as relações gerais entre produção, distribuição, troca e consumo. Mas o que se destaca nas observações dos trabalhos de campo, nas fotografias e nas entrevistas, o que emerge do todo caótico é o valor de uso e o uso do espaço.

Na Tabela 1, referente ao tempo de moradia no bairro do Pinheirinho, observamos que a maior parte dos 22 entrevistados (as) mora há mais de 11 anos no bairro. O que isso pode significar? O bairro é a forma de organização concreta do espaço e do tempo da cidade. As lembranças e as histórias sobre o bairro são essenciais na construção da identidade do lugar.

Tabela 1
Tempo de moradia no bairro do Pinherinho - Alfenas/MG

Nos tabalhos de observação de campo observam-se alguns modos de apropriação e ressignificação dos espaços do bairro, dentre eles a realização de brincadeiras é áreas livres do bairro. Durante os trabalhos de campo, essa cena foi observada com certa frequência, principalmente nos finais da tarde e da semana. Outras cenas cotidianas mais observadas durante o trabalho de campo, foi a presença des moradores nas calçadas, como também nas praças, próximas aos comércios, quadras ou das academias ao ar livre.

Uma questão a refletir é como ocorre a apropriação dos espaços pelos moradores do bairro. As conversas nas calçadas, a ressignificação dos espaços para o lazer, representa conforme Lefebvre “O uso (o valor de uso) dos lugares, dos monumentos, das diferenças, escapa às exigências da troca, do valor de troca” (LEFEBVRE, 2001LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro Editora, 2001, p.143., p.84). Portanto, também uma apropriação do tempo diferente do tempo e do ritmo produtivos.

A produção do espaço tem a sua materialidade assim como a imaterialidade, esta última relacionada com os saberes, os valores, os símbolos e os significados. Sendo assim, a produção está relacionada com o concreto e o abstrato.

No cotidiano ocorre a programação do consumo, bem como, a modificação das necessidades dos sujeitos. Para Damiani (2006), a era urbana vai além da fábrica, alcança elementos da vida. O espaço-tempo da vida cotidiana está subordinado à alienação da sociedade moderna. De acordo com Heller (2008)HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 124p., a vida cotidiana é heterogênea em seu conteúdo e, na significação das atividades, existe uma ordem hierárquica da vida cotidiana.

Nesse sentido, compreender o espaço, a partir da perspectiva lefebvriana, é elucidá-lo, não apenas como lógico e matemático, mas também usado, ao mesmo tempo, produzido, enquanto estrutura social (design espacial, práxis, conflito de classes sociais).

Estabelecer a tríade da propriedade, apropriação e produção nos permite interpretar a complexidade dessa periferia que se transforma que constitui uma centralidade através da infraestrutura, do comércio e da configuração da “região do Pinheirinho”, com a formação de novos bairros em seu entorno.

A produção da centralidade é o local da concentração das atividades sociais, econômicas e políticas. “A criação de centralidades nas áreas periféricas faz parte do processo de reprodução do capital, que tem por princípio a desigualdade socioespacial” (ALVES, 2018ALVES, G. A. Centralidades periféricas: da segregação socioespacial ao direito à cidade. In: CARLOS, A. F. A.; SANTOS, C. S; ALVAREZ, I. P. Geografia urbana crítica: teoria e método. São Paulo: Contexto, 2018, p. 109-124., p.119). Levando em consideração o surgimento do bairro do Pinheirinho, distante do centro, considerado, em suas carências, como uma típica periferia nos anos 1980, hoje essa classificação torna-se mais complexa. Atualmente, a escassez e a precariedade não explicam totalmente o processo de produção do espaço periférico.

As centralidades, tanto as tradicionais quanto as novas, ao mesmo tempo se complementam e concorrem entre si por investimentos, tanto públicos como privados. Embora todos esses espaços tenham como características a concentração de atividades econômicas, sociais e políticas, tendendo a certa homogeneização, eles possuem particularidades dadas a partir da fragmentação do centro e essas mesmas particularidades levam a uma hierarquização dessas centralidades. Assim, podemos afirmar que nesse processo há, ao mesmo tempo, homogeneização, fragmentação e hierarquização das centralidades (ALVES, 2018ALVES, G. A. Centralidades periféricas: da segregação socioespacial ao direito à cidade. In: CARLOS, A. F. A.; SANTOS, C. S; ALVAREZ, I. P. Geografia urbana crítica: teoria e método. São Paulo: Contexto, 2018, p. 109-124., p.111-112).

A produção contém processos da vida material e imaterial (valores, conhecimento e sabedoria). Marx (2011)MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857 - 1858: esboços da crítica da economia política. Sao Paulo: Boitempo, 2011, p.788. nos apresenta a produção no seu sentido geral: “Indivíduos produzindo em sociedade - por isso, o ponto de partida é, naturalmente, a produção dos indivíduos socialmente determinada” (MARX, 2011MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857 - 1858: esboços da crítica da economia política. Sao Paulo: Boitempo, 2011, p.788., p.39). Para Lefebvre (1991, p.37), partindo das reflexões de Marx, a produção vai além da fabricação de objetos.

Assim, todo o movimento da teoria e da prática realizado na pesquisa, ao correlacionar os termos propriedade, apropriação e produção, tornam-se possibilidades de interpretação do cotidiano e da história do bairro do Pinheirinho, unidade do diverso. Dessa forma, o que se sobrepõe na produção do espaço no bairro é o uso do espaço, como dito anteriormente, decorrente de sua apropriação.

De certa forma, o setor imobiliário também se apropria daquele espaço, mas com objetivos definidos pelo capital. Já os moradores do bairro se apropriam para sobreviver e, na busca constante de viver com direito à cidade e ao urbano. A apropriação e o uso anunciam o possível, sendo este sinônimo de possibilidade da revolução, rompendo com o real produzido e programado, criando o diferente, o diverso. É na margem, onde prevalecem a desigualdade e mesmo o caos, que pode surgir a utopia enquanto possível (LEFEBVRE, 2001LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro Editora, 2001, p.143.).

Conforme o relato de uma moradora, ex-presdente da associação dos moradores do Pinheirinho:

Eu ando por aí e vejo outros bairros, parece que não é a minha cara. Quando eu vim pra Alfenas, o Pinheirinho me abraçou! Então, eu sempre morei aqui! Morei dois anos em outro bairro, aqui no Jardim Boa Esperança, que é encostado aqui, que quase não faz diferença. Mas saí do Boa Esperança e voltei para o Pinheirinho e aqui estou até hoje. A casa é minha, então não tenho intenção de sair daqui tão cedo, a não ser que eu morra de hoje para amanhã. Lutei junto com os moradores do Santa Clara pelo asfaltamento; era uma terra danada, era uma terra vermelha que saia aquele poeirão que ninguém aguentava. Chegava na panha de café, na safra de café, os caminhões vinham com café e batata, e só vinha aquelas nuvens de poeira. Eu comprei a casa de outro morador, eu morava na casa da Neusa, mas eu não consegui regularizar ela, por falta de atenção da própria COHAB e do Prefeito, que na época… eu não lembro quem era! se eu não me engano, era o Beg na época. Aqui é COHAB ainda, nunca vai deixar de ser COHAB (INFORMAÇÃO VERBAL)9 9 Informação obtida junto ao morador E. M. 21 de Janeiro de 2022) .

As resistências dão-se pelo uso, na constituição do lugar, na construção de uma identidade que se contrapõe ao espaço simplesmente como valor de troca, a luta desde a formação do bairro por infraestrutura e serviços básicos indicam o esforço pela apropriação, que agora, com as transformações e valorização do bairro, ameaçam expulsar parte desses moradores, que não podem arcar com o aumento dos custos do aluguel, do comércio, expropriados, apontam a reprodução da periferia em locais mais distantes.

As tensões entre a propriedade e a apropriação vão ganhando novos contornos, a chegada da Universidade, dos novos loteamentos voltados a uma classe média, a melhoria da acessibilidade, corroboram a valorização deste espaço, e um novo perfil de morador, de usuário, projeta-se nesse espaço, reconfigurando e dando outro significado ao lugar. As ruralidades também vão sendo apagadas, perdendo-se nas memórias dos moradores mais antigos.

Considerações finais

As reflexões acerca dos moradores do bairro do Pinheirinho possibilitaram interpretar a expansão urbana e a criação do bairro, em uma articulação visando à totalidade, ou seja, a relação bairro-cidade. A propriedade e a apropriação foram fundamentais na compreensão da ampliação dos vazios urbanos, lotes vagos e da periferização da cidade. Assim como, a síntese do terceiro termo, a produção, que possibilitou o encaminhamento na teoria da produção do espaço e no cotidiano.

Os sujeitos que moram nesse bairro também produzem o urbano em Alfenas.

A produção do espaço urbano no bairro Pinheirinho apresenta o mínimo de acesso aos equipamentos e serviços urbanos, bem como às particularidades do bairro na conformação da sua vida cotidiana. A precariedade se inscreve no espaço, mas no “chão do bairro” os moradores resistem, ressignificam e fazem à sua maneira. O “apego” ao lugar, construído ao longo dos anos, e na presença constante dos moradores nos diversos espaços, foram fundamentais para apreendermos sua identidade, visto que essa é articuladora dos processos de permanência e luta pelo espaço do bairro.

As mulheres e os homens são privados do direito à cidade, à vida urbana, alteram-se suas condições no espaço, no tempo e a relação com os equipamentos urbanos. A não regularização dos imóveis da COHAB, a moradia desses sujeitos do bairro do Pinheirinho, representa um entrave para a reprodução do capital e para o setor imobiliário.

Em vista dos argumentos apresentados, o bairro do Pinheirinho é obra e produto. É obra porque está permeado de identidades, signos, usos e apropriações, e é produto porque derivado de uma produção, tanto material como imaterialmente. O negativo se apresenta através da apropriação e da produção do espaço. Por fim, o ato de sobreviver, mesmo que se apropriando minimamente, é uma forma de resistência espacializada no lugar, através da moradia, do uso e ocupação dos equipamentos urbanos e dos espaços públicos.

  • 3
    Informações obtidas junto à Secretária de Planejamento Estratégico de Alfenas, em 01 de dezembro de 2021.
  • 4
    Ioformações obtidas junto ao Vereador J.D, 30 de novembro de 2021
  • 5
    Ioformações obtidas junto à Funcionária A.B, 26 de novembro de 2021
  • 6
    Informações obtidas junto à Secretária de Planejamento Estratégico de Alfenas, em 01 de dezembro de 2021.
  • 7
    Informações obtidas junto a Prefeitura Municipal de Alfenas com entrevista ao Prefeito L.S, em 27 de novembro de 2021
  • 8
    Idem
  • 9
    Informação obtida junto ao morador E. M. 21 de Janeiro de 2022)

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), pela concessão de bolsa de mestrado.

Referências

  • ALFENAS, Leitura do Plano Diretor de Alfenas Alfenas: PMA, 2006. 165p.
  • ALVES, G. A. Centralidades periféricas: da segregação socioespacial ao direito à cidade. In: CARLOS, A. F. A.; SANTOS, C. S; ALVAREZ, I. P. Geografia urbana crítica: teoria e método São Paulo: Contexto, 2018, p. 109-124.
  • ARAÚJO, J. A. SOBRE A CIDADE E O URBANO EM HENRI LÉFÈBVRE. GEOUSP Espaço e Tempo, [S. l.], v. 16, n. 2, p. 133-142, 2012. Disponível em: https://bityli.com/QjjP3 Acesso em: 10 jan. de 2022.
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  • BRANQUINHO, Evânio dos Santos; SILVA, Letícia Silvério da. A reestruturação das cidades médias: o caso de Alfenas no sul de Minas Gerais. In: FERREIRA, Marta Marujo; VALE, Ana Rute do (Orgs). Dinâmicas geográficas no sul de Minas Gerais Curitiba: Appris, 2018, p.79-106.
  • DAMIANI, Amélia Luísa. A Produção do Espaço Urbano e a Propriedade Privada da Terra. Revista Continentes, n. 9, p. 12-24, jul. 2016. Disponível em: https://bityli.com/cLpoi Acesso em: 08 jan. de 2022.
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  • HARVEY, David. Os limites do capital São Paulo: Boitempo, 2013. 592 p.
  • HELLER, Agnes. O cotidiano e a história São Paulo: Paz e Terra, 2008. 124p.
  • LEFEBVRE, Henri. De lo rural a lo urbano Barcelona: Ediciones Península, 1975, p. 268.
  • LEFEBVRE, Henri. La producción del espacio Madri: Capitán Swing, 2013, 451 p.
  • LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade São Paulo: Centauro Editora, 2001, p.143.
  • MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857 - 1858: esboços da crítica da economia política. Sao Paulo: Boitempo, 2011, p.788.
  • MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, livro 1, 2013. 894p.
  • MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, livro 3, 2017. 984p.
  • PREFEITURA MUNICIPAL DE ALFENAS.. Plano Diretor de Alfenas Alfenas: 2006. 165p.
  • SANTOS, Milton. A urbanização brasileira São Paulo: Edusp, 2002. 176p.
  • SEABRA, Odette Carvalho de Lima Seabra. A insurreição do uso. In: MARTINS, José deSouza (org.). Henri Lefebvre e o retorno à dialética São Paulo: Hucitec, 1996, p.71-86.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2022
  • Aceito
    30 Out 2022
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