Resumos
O setor coureiro-calçadista possui relevância no cenário econômico brasileiro, tendo a indústria curtumeira somado, em 2011, um montante de US$ 2,05 bi em exportações, contribuindo em 6,86% para o saldo da balança comercial brasileira. No entanto, apresenta-se como um setor altamente poluente e gerador de resíduos perigosos e de alta toxicidade. Assim, considera-se de extrema importância a busca por formas que possibilitem uma produção mais limpa e o reaproveitamento de resíduos, evitando que estes sejam dispostos no meio ambiente e provoquem a deterioração da natureza e da qualidade de vida do homem. Sendo assim, este trabalho, por meio da pesquisa bibliográfica e exploratória, procurou fazer um levantamento de algumas formas de utilização dos resíduos de couro provenientes das indústrias coureira e calçadista. A realização deste trabalho justifica-se pelo fato de que os curtumes e indústrias calçadistas geram resíduos de alta periculosidade, sendo necessárias ações ambientais para tratá-los de forma efetiva, visando minorar os seus impactos ambientais. E, por meio de pesquisas bibliográficas e empíricas, percebeu-se o surgimento de novas técnicas e tecnologias com vistas a mitigar os impactos dos rejeitos de couro no meio ambiente, sendo que estas ações tornam-se cruciais para as empresas que desejam permanecer num mercado cada vez mais competitivo e voltado para a busca da sustentabilidade nos negócios.
Indústria coureira; Sustentabilidade empresarial; Resíduos industriais perigosos; Gestão ambiental; Mitigação de impactos ambientais
The leather footwear industry is an important sector in the Brazilian economy. The tannery industry accounted for $ 2.05 billion to exports in 2011, which represents a contribution of 6.86% to the Brazilian balance of trade. However, it is a highly polluting industry generating highly toxic and hazardous waste. Therefore, it is extremely important to search for environmental management actions that allow a cleaner production and waste recycling to prevent its discharge into the environment resulting in the deterioration of nature and quality of human life. Thus, based on a literature review and exploratory research, this study consisted of an analysis of some environmental management actions adopted by the leather industry in Franca - SP verifying if the industries have certifications or follow standards that characterize a responsible environmental management. This study is justified by the fact that tanneries and footwear industries produce highly hazardous waste, and therefore environmental actions are necessary to treat the waste effectively in order to minimize its environmental impacts. The literature review and empirical research conducted demonstrated the development of new techniques and technologies aiming at mitigating the impacts of leather waste in the environment. These actions are crucial for companies to remain competitive and focused on sustainability in this rapidly growing market.
Leather industry; Business sustainability; Hazardous industrial waste; Environmental management; Mitigation of environmental impacts
Práticas de gestão ambiental das indústrias coureiras de Franca-SP
Management practices of leather footwear industry in Franca-SP
Vanessa Cintra AlvesI,II,III; Agnaldo Sousa BarbosaI
ILaboratório de Estudos Sociais do Desenvolvimento e Sustentabilidade – LabDES, Universidade Estadual Paulista – UNESP, CEP 14409-160, Franca, SP, Brasil, e-mail: vanessinhalves_fr@yahoo.com.br; agnaldoweb@gmail.com
IIUniversidade de Franca – UNIFRAN, CEP 14404-600, Franca, SP, Brasil
IIIPrograma de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Faculdade de Engenharia, Universidade Estadual Paulista – UNESP, CEP 17033-360, Bauru, SP, Brasil
RESUMO
O setor coureiro-calçadista possui relevância no cenário econômico brasileiro, tendo a indústria curtumeira somado, em 2011, um montante de US$ 2,05 bi em exportações, contribuindo em 6,86% para o saldo da balança comercial brasileira. No entanto, apresenta-se como um setor altamente poluente e gerador de resíduos perigosos e de alta toxicidade. Assim, considera-se de extrema importância a busca por formas que possibilitem uma produção mais limpa e o reaproveitamento de resíduos, evitando que estes sejam dispostos no meio ambiente e provoquem a deterioração da natureza e da qualidade de vida do homem. Sendo assim, este trabalho, por meio da pesquisa bibliográfica e exploratória, procurou fazer um levantamento de algumas formas de utilização dos resíduos de couro provenientes das indústrias coureira e calçadista. A realização deste trabalho justifica-se pelo fato de que os curtumes e indústrias calçadistas geram resíduos de alta periculosidade, sendo necessárias ações ambientais para tratá-los de forma efetiva, visando minorar os seus impactos ambientais. E, por meio de pesquisas bibliográficas e empíricas, percebeu-se o surgimento de novas técnicas e tecnologias com vistas a mitigar os impactos dos rejeitos de couro no meio ambiente, sendo que estas ações tornam-se cruciais para as empresas que desejam permanecer num mercado cada vez mais competitivo e voltado para a busca da sustentabilidade nos negócios.
Palavras-chave: Indústria coureira. Sustentabilidade empresarial. Resíduos industriais perigosos. Gestão ambiental. Mitigação de impactos ambientais.
ABSTRACT
The leather footwear industry is an important sector in the Brazilian economy. The tannery industry accounted for $ 2.05 billion to exports in 2011, which represents a contribution of 6.86% to the Brazilian balance of trade. However, it is a highly polluting industry generating highly toxic and hazardous waste. Therefore, it is extremely important to search for environmental management actions that allow a cleaner production and waste recycling to prevent its discharge into the environment resulting in the deterioration of nature and quality of human life. Thus, based on a literature review and exploratory research, this study consisted of an analysis of some environmental management actions adopted by the leather industry in Franca – SP verifying if the industries have certifications or follow standards that characterize a responsible environmental management. This study is justified by the fact that tanneries and footwear industries produce highly hazardous waste, and therefore environmental actions are necessary to treat the waste effectively in order to minimize its environmental impacts. The literature review and empirical research conducted demonstrated the development of new techniques and technologies aiming at mitigating the impacts of leather waste in the environment. These actions are crucial for companies to remain competitive and focused on sustainability in this rapidly growing market.
Keywords: Leather industry. Business sustainability. Hazardous industrial waste. Environmental management. Mitigation of environmental impacts.
1 Introdução
Atualmente, a gestão ambiental emerge como fator fundamental para a gestão de uma empresa. Com o advento do desenvolvimento sustentável, a comunidade como um todo passou a exigir uma postura de responsabilidade ambiental por parte de seus fornecedores, perante a necessidade urgente de racionalizar a utilização dos recursos, cada vez mais escassos. Neste contexto, empresas e indústrias viram-se pressionadas a adotar uma postura de responsabilidade ambiental, visando atender a legislações específicas, manter diferenciais de mercado e se sobressair diante de consumidores que buscam produtos com qualidade ambiental. Sendo assim, torna-se crucial a adoção de políticas e ações ambientais que permitam minorar os impactos ambientais negativos, especialmente no setor industrial.
Contudo, encontrar medidas eficazes de destinação de resíduos, que minimizem ou eliminem os impactos ao meio ambiente, é o problema fundamental das indústrias atualmente. Pesquisadores, organizações e algumas empresas, preocupadas com o futuro de seus negócios e com o meio ambiente, desenvolvem ações de gestão ambiental que buscam alternativas para solucionar o problema dos resíduos gerados pelas indústrias coureiras e calçadistas. Por meio de pesquisas bibliográficas e exploratórias, observou-se que o setor coureiro é gerador de resíduos de alta toxicidade e periculosidade (ASSOCIAÇÃO..., 2004), sendo necessárias ações ambientais para tratá-los, visando minorar os seus impactos ambientais.
A motivação para elaborar este artigo surgiu a partir de um estudo realizado no polo produtivo de Franca-SP, que é um importante cluster industrial da cadeia produtiva do couro e contém todos os problemas do setor coureiro aqui apresentados, e também pela necessidade de se conhecer as práticas encontradas com vistas a mitigar os impactos dos rejeitos de couro no meio ambiente, sendo que estas ações tornam-se cruciais para as empresas que desejam permanecer num mercado cada vez mais competitivo e voltado para a busca da sustentabilidade nos negócios.
Portanto, o presente trabalho tem como objetivo apresentar as ações de gestão ambiental que são adotadas pelas indústrias coureiras de Franca-SP e verificar se essas indústrias possuem certificações ou seguem normas que caracterizem uma gestão ambiental responsável.
A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho é a pesquisa bibliográfica e exploratória. Os parâmetros metodológicos foram orientados de acordo com Silva e Menezes (2005). Trata-se de um trabalho de natureza aplicada, com abordagem qualitativa, cujos objetivos do estudo foram conduzidos pela pesquisa exploratória e descritiva, as quais visaram proporcionar maior familiaridade com o problema e expor as características de uma determinada população ou fenômeno. Para a coleta dos dados, foram elaborados questionários, que foram respondidos pelos responsáveis pela área ambiental da empresa. Nas próximas alíneas, apresenta-se a contextualização da gestão ambiental e alguns aspectos que permitem visualizá-la como estratégia para a sustentabilidade das empresas.
2 A gestão ambiental
A degradação ambiental foi intensificada a partir da Revolução Industrial ocorrida há aproximadamente 250 anos, no século XVIII. A partir daí, o planeta tem sofrido impactos em todos os níveis da biosfera, causados pelos avanços tecnológicos e desenvolvimento acelerado dos países ricos, provocando, assim, crescimento econômico, mas a custos ambientais enormes.
Na busca de encontrar instrumentos de intervenção eficazes e capazes de atingir o ambiente internacional, em decorrência dos crescentes problemas ambientais, foram realizadas várias conferências em diversos países. Seguem as que tiveram maior repercussão: Conferência da Biosfera (Paris, 1968); Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Estocolmo, 1972); Eco 92 ou Rio 92 (Rio de Janeiro, 1992); Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável ou Rio + 10 (Johanesburgo, 2002); e, mais recentemente, a divulgação do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Paris, 2007). Todas essas conferências resultaram em documentos que auxiliam na conscientização da população e, consequentemente, numa mudança de postura dos indivíduos e das empresas.
No momento em que se sentiu a necessidade de adotar medidas para conter o avanço da degradação ambiental, as indústrias, diante da pressão de legislações específicas e dos consumidores, passaram a adaptar seus processos de forma a obter uma boa imagem institucional no mercado, atuando de forma ecologicamente responsável, pois a cada dia é maior o número de consumidores dispostos a pagar mais por um produto que não agrida o meio ambiente. Essa nova forma de gestão pode ser entendida como as diferentes atividades administrativas e operacionais realizadas pela empresa para abordar problemas ambientais decorrentes da sua atuação ou para evitar que eles ocorram no futuro (BARBIERI, 2004).
A tendência de preservação ambiental e ecológica, por parte das organizações, deve continuar de forma permanente e definitiva, de acordo com Tachizawa (2002, p. 24):
A gestão ambiental é a resposta natural das empresas ao novo cliente, o consumidor verde e ecologicamente correto. A empresa verde é sinônimo de bons negócios e no futuro será a única forma de empreender negócios de forma duradoura e lucrativa. Em outras palavras o quanto antes as organizações começarem a enxergar o meio ambiente como seu principal desafio e como oportunidade competitiva, maior será a chance de que sobrevivam.
Desenvolvimento e preocupação ambiental deveriam andar juntos, com o objetivo de não permitir que a poluição excedesse a capacidade do meio ambiente de se recuperar, porque, apesar de agressões, a natureza tem capacidade de recuperação, cujo limite está sendo alcançado devido à intensa degradação que está sofrendo.
E tudo o que levou a consciência ambiental a evoluir, está sustentado pelo fato incontestável de que o ambiente não é apenas fonte de recursos naturais, mas a base e suporte para a vida, para a sobrevivência humana. Os efeitos globais mais detectados recentemente são o efeito estufa e a redução da camada de ozônio, que podem trazer consequências desastrosas e afetar o clima e o equilíbrio do planeta, ameaçando a própria sobrevivência do ser humano (BRAGA et al., 2002). Sendo assim, é necessário utilizar a tecnologia disponível a favor do meio ambiente e da perpetuação da espécie humana no planeta.
Nos próximos tópicos, serão apresentados o processo produtivo do couro, bem como algumas características da indústria coureira na cidade de Franca-SP.
3 Características gerais e estrutura organizacional dos curtumes da cidade de Franca
Franca é uma cidade de destaque no setor coureiro-calçadista brasileiro.
O polo industrial de Franca, localizado a 400 Km da capital paulista, abriga 449 indústrias e 265 prestadoras de serviços especializados para o segmento, além de 283 empresas fornecedoras de insumos e matérias-primas. Em 2010 sua produção foi de 25,9 milhões de pares de calçados (cerca de 3,2% da produção nacional), sendo 3,5 milhões destinados à exportação. Os valores de exportação do polo alcançaram US$ 95,74 milhões – 6,43% do faturamento total das exportações brasileiras de calçados no ano em questão. Em 2010 o polo empregou 32.300 trabalhadores, o que equivale a 8% da mão de obra empregada neste segmento no país. Informações baseadas em SINDIFRANCA, 2010 e MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO INDÚSTRIA E COMÉRCIO, 2010 (BARBOSA; SOUZA, 2011, p. 33).
A estruturação da indústria coureira na cidade remonta ao ano de
[...] 1886, quando o Pe. Alonso Ferreira de Carvalho montou um curtume às margens do córrego Cubatão, com o objetivo de aproveitar o couro vindo com tropeiros de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. (OLIVEIRA, 2003, p. 29).
Neste estudo, considera-se a importância que o cluster coureiro-calçadista possui para a cidade de Franca, no contexto da estrutura do setor em nível estadual e nacional e o significativo impacto socioambiental causado pela produção do couro. Segundo dados da RAIS-MTE (BRASIL, 2010), o arranjo produtivo local possui 33 curtumes empregando em torno de 2.278 pessoas. Verifica-se um aumento de pessoas empregadas em comparação ao ano de 2007, que apresentava um total de 1.639 pessoas apenas, nas indústrias curtumeiras da cidade. Houve, portanto, uma variação positiva de 38,99% no número de contratações. Conforme dados da RAIS-MTE (BRASIL, 2010), apenas mais um curtume foi aberto, sendo assim, não se verificou uma grande ascensão na quantidade de empresas abertas.
Assim, considera-se a importância que o cluster coureiro-calçadista possui para a cidade de Franca, no contexto da estrutura do setor em nível estadual e nacional e o significativo impacto socioambiental causado pela produção do couro. No ano de 2011, Franca experimentou um incremento das exportações de couro, alcançando a marca de US$ 63,7 milhões (SALES, 2012), resultado 22% maior que no ano anterior. Este aumento na produção e nas exportações deve-se, além de outros fatores, ao maior número de contratações observadas ao longo dos anos.
4 O processo produtivo do couro
O processamento do couro, abordado pelo presente trabalho, inicia-se na sua produção, realizada nos curtumes. A principal matéria-prima do calçado é o couro, portanto é importante destacar os aspectos principais de sua produção para a melhor compreensão dos resíduos e impactos que este pode trazer ao meio ambiente.
O curtimento visa transformar a pele, que é um material decomponível, em um material estável, o couro, conservando algumas de suas características naturais como a elasticidade, a maciez e o toque. A qualidade do couro é determinada por diversos fatores: as condições de criação e transporte dos animais; o abate e a esfola; a manutenção da pele; entre outros.
A pele bovina é utilizada em diversos segmentos e necessita de uma série de cuidados no seu processamento, pois é um produto perecível devido à sua composição (água, proteína, sais minerais, gorduras, entre outros). Os principais processos, aos quais a pele é submetida para transformar-se em couro, são: ribeira, curtimento e acabamento. O processo de acabamento é dividido em acabamento molhado, pré-acabamento e acabamento final (PACHECO, 2005). A seguir, estão representados, pelas Figuras 1 e 2, o processo completo de fabricação do couro e, em destaque, os principais pontos de geração de resíduos.
5 Resíduos gerados na produção do couro
Na produção do couro, são gerados efluentes líquidos, resíduos sólidos e emissões atmosféricas. Entre esses poluentes, estão presentes compostos orgânicos e inorgânicos. Os compostos orgânicos constituem-se de componentes proteicos e lipídicos, provenientes das peles dos animais, que perdem cerca de 30% de matéria orgânica durante o processamento, de acordo com estudos realizados. Os compostos inorgânicos provêm de produtos químicos que não foram completamente fixados pelas peles durante o processamento (CASSANO 2001) apud SCHRANK, 2003, p. 30).
Com relação aos resíduos sólidos, estes podem ser definidos como todo ou qualquer material sólido que provém das atividades diárias de um homem em sociedade, cujo produtor ou proprietário não o considere com importância suficiente para ser conservado (RENOFIO, 2002).
De acordo com Sousa (2006), o Brasil gera diariamente em torno de 1.400 toneladas de resíduos sólidos de classe 1 proveniente de curtumes, fábricas de calçados e artefatos. Franca, que é um importante polo industrial, gera diariamente cerca de 160 toneladas destes resíduos.
Os resíduos sólidos são os que apresentam a maior geração. De acordo com Sousa (2006), podem ser agrupados em duas categorias:
-
Resíduos sólidos não curtidos: provenientes da pele bruta e do descarne e divisão, são as aparas caleadas e não caleadas, carnaça, e demais resíduos gerados na operação de ribeira. Estes resíduos são classificados como não perigosos e são ricos em colágeno e gorduras. Podem ser transformados em cola, gelatina, chiclete, entre outros;
-
Resíduos sólidos curtidos: são provenientes da estação de tratamento dos efluentes (lodo contaminado com cromo), da etapa de acabamento molhado, quando o couro passa por fases físico-mecânicas de descanso, rebaixamento e recorte (compreendem: rebarbas, serragem cromada, farelos, raspas e aparas de couro curtido) e lixamento (pó de lixadeira). Estes resíduos são classificados como materiais perigosos (resíduos de classe 1) e são ricos em cromo trivalente e hexavalente (que podem causar câncer e mutações no ser humano). Para cada couro curtido, gera-se de 2 a 3 kg de serragem cromada. No Brasil, são geradas aproximadamente 375 toneladas de serragem diariamente. Em Franca, este valor é de 15 toneladas/dia. O lodo com cromo é o pior resíduo gerado por um curtume, pois além de ser um material de difícil aplicação econômica, são gerados grandes volumes (De acordo com Sousa (2006), são gerados aproximadamente 4,94 m3 de lodo sedimentado por tonelada de pele processada) diariamente, que demandam áreas especiais para sua disposição. Para cada tonelada de cromo processado nos curtumes, há uma geração de 300 a 400 kg de lodo com cromo. No Brasil, diariamente são geradas 121 toneladas de lodo com cromo. Em Franca, esta quantidade está em torno de 5 toneladas por dia. Com relação ao lodo de recurtimento, que pode apresentar grandes quantidades de cromo, são gerados diariamente no Brasil cerca de 54 toneladas e, em Franca, esta geração gira em torno de 2 toneladas por dia (SOUSA, 2006).
A Figura 3 foi elaborada com o intuito de fazer uma comparação entre a quantidade de resíduos perigosos gerados pelo setor coureiro no Brasil e em Franca.
Analisando a Figura 3 é possível concluir que Franca tem expressiva representatividade na geração de resíduos perigosos do setor curtumeiro do Brasil. A cidade é responsável pela geração de 4% do total de resíduos no País. Este valor torna-se significativo porque a cidade não é a maior produtora de couros do Brasil, contudo, gera o equivalente a 4% de todo o resíduo do setor coureiro no País. Com relação à geração dos resíduos de Classe 1, provenientes dos curtumes, fábricas de calçados e artefatos, este valor é ainda mais preocupante, visto que a cidade é responsável por mais de 11% do total de resíduos gerados em todo o País.
O processamento de 1000 kg de pele salgada gera somente 200 a 250 kg de couros acabados, o que equivale a 22,5% de rendimento médio do processo, gerando cerca de 600 kg de resíduos sólidos, o que demonstra um potencial poluidor significativo da geração de resíduos sólidos na produção de couros.
Dessa forma, observa-se que é grande a geração de resíduos pelo setor e que podem acarretar impactos ambientais expressivos. É fundamental que o setor invista em cuidados e tratamentos específicos, na busca de minimizar estes impactos no meio ambiente. Daí a importância singular de se implantar sistemas de gestão de resíduos, ou até de prevenção desses.
6 Aspectos e impactos ambientais da indústria coureira e o problema dos resíduos perigosos
Segundo o Art. 1º da resolução do CONAMA nº 1 de 1986, o impacto ambiental pode ser definido como:
[...] qualquer alteração das proprie dades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas, que direta ou indiretamente afetam: I – a saúde, a segurança, o bem-estar da população; II – as atividades sociais e econômicas III – a biota; IV – as condições estéticas e sanitárias do MA; V – a qualidade dos recursos ambientais (CONSELHO..., 1986, p. 1, grifo da autora).
O processo de produção de um curtume possui inúmeros impactos ambientais e consome grande quantidade de recursos naturais. Nos procedimentos de transformação da pele em couro e do couro em calçados e artefatos, são descartados como resíduos mais de 40% da matéria-prima colocada em operação (SOUSA, 2006).
Os principais impactos ambientais são: odor – incômodo ao bem-estar público, prejuízo à qualidade dos corpos d´água, eventual contaminação do solo e de águas subterrâneas.
Com relação aos aspectos ambientais, a ABNT ISO 14001 (ASSOCIAÇÃO..., 2004b) esclarece que são os elementos das atividades de uma organização, seja prestadora de serviços ou fabricante de produtos, que podem interagir com o meio ambiente.
Os impactos ambientais podem ocorrer em todas as etapas do processo produtivo, sendo assim, elaborou-se o Quadro 1, sintetizando-se as formas de emissão e aspectos ambientais que podem ocasionar tais impactos.
Quanto ao consumo de insumos e recursos naturais:
Os resíduos gerados pelos curtumes são ricos em cromo trivalente e em cromo hexavalente (SOUSA, 2006) e a sua destinação é vista como nociva pela legislação ambiental. O cromo trivalente é essencial do ponto de vista nutricional e, se absorvido em poucas quantidades pelo organismo, não é tóxico. O cromo hexavalente é altamente tóxico e tem efeito acumulativo no organismo e especialmente nos tecidos moles do corpo, como fígado, rins, seios, próstata, útero, sistema respiratório, coração, entre outros.
O Quadro 2 apresenta os principais insumos empregados na produção do couro. O contato direto ou o consumo de água e de alimentos contaminados pode, ao longo dos anos, causar falência de órgãos, como os rins, e até levar à morte. De acordo com Giannetti et al. (2001), o cromo, quando presente em forma solúvel, hexavalente, cromato ou dicromato, pode também representar um risco ambiental, pois os metais pesados (elementos de elevado peso molecular), quando absorvidos pelo ser humano, se depositam no tecido ósseo e gorduroso e deslocam minerais nobres dos ossos e músculos para a circulação, provocando doenças como asma, bronquite, perfuração do septo nasal, caso inalado em altas doses (CAMARGO, 2006), ou até mesmo câncer. Segundo Belavsky, 1965 (apud PALERMO, 2001), o trabalho em curtumes e o contato com o cromo hexavalente podem trazer também: asfixia por dióxido de enxofre, úlceras, dermatites, paradentosa (dentes abalados e soltando), catarro bronquial, entre outros.
No entanto, mesmo enquanto matéria-prima para calçados e afins, o uso de couro que contém cromo ainda é muito frequente no atual mercado brasileiro (ASSOCIAÇÃO..., 2007; Sindifranca (SINDICATO..., 2007).
Os resíduos que contêm cromo causam significativos impactos ao meio ambiente, pois possuem alto poder de contaminação. O cromo atinge o lençol freático, rios e reservatórios que abastecem as cidades. O resíduo disposto inadequadamente no solo favorece a permanência do cromo que pode ser absorvido pelas plantas que servirão de alimento ao homem, contaminando, finalmente, o ser humano. Desta forma, ressalta-se que, de acordo com a NBR 10004 (ASSOCIAÇÃO..., 2004c), o cromo presente nos resíduos da indústria coureira e calçadista encontra-se classificado como resíduo perigoso de Classe I, devido à sua toxicidade (ABNT NBR 10004 (ASSOCIAÇÃO..., 2004c, p. 2) define toxicidade como a propriedade potencial que o agente tóxico possui de provocar, em maior ou menor grau, um efeito adverso em consequência de sua interação com o organismo), conforme
Segundo Alves, Cultri e Barbosa (2008):
a periculosidade de um resíduo se refere à característica apresentada por um resíduo, que, em função de suas propriedades físicas, químicas ou infectocontagiosas, possam apresentar risco à saúde pública, provocando ou acentuando, de forma significativa, um aumento de mortalidade por incidência de doenças, e ou; riscos ao meio ambiente, quando o resíduo é manuseado ou destinado de forma inadequada.
O código de identificação D009, mencionado no Quadro 3, de acordo com a ABNT NBR 10004 (ASSOCIAÇÃO..., 2004c), refere-se aos resíduos considerados perigosos, devido à sua toxicidade, conforme ensaio de lixiviação realizado de acordo com a ABNT NBR 10005 (ASSOCIAÇÃO..., 2004a). A caracterização de toxicidade refere-se à análise, a partir de uma amostra representativa, obtida segundo a ABNT NBR 10007 (ALVES; CULTRI; BARBOSA, 2008).
O controle das emissões atmosféricas é outro problema ambiental importante e que deve ser resolvido pelo setor, devido a, em alguns casos, haver problemas de doenças ocupacionais, dependendo das instalações e dos procedimentos operacionais dos curtumes, bem como o incômodo causado às populações do entorno, pois estes são perceptíveis fora dos limites industriais.
7 A indústria coureira de Franca e as práticas de gestão ambiental
Este trabalho apresenta uma pesquisa de campo com o objetivo de levantar ações de gestão ambiental adotadas pelos curtumes. Para tanto, utilizou-se de alguns indicadores que podem contribuir para a inserção de valores ambientais na empresa, com vistas a minimizar a geração de resíduos e impactos ambientais. Sendo assim, para melhor compreensão da aplicação dos indicadores de gestão ambiental dentro da empresa, elaborou-se a Figura 4 que permite identificar, de forma concisa, a atuação destes.
A Figura 4 apresenta, sucintamente, a atuação dos indicadores da gestão ambiental. A gestão ambiental compreende diversos aspectos, no entanto, nesta pesquisa, foram utilizados: a implantação de um sistema de gestão ambiental aliado a ações de Produção mais Limpa; a adoção de um sistema de gerenciamento de resíduos e efluentes; o cumprimento de toda a legislação e licenciamento ambiental pertinente à área de atuação da empresa. A adoção das ferramentas citadas, bem como uma mudança de postura por parte da empresa, da externalização de seus impactos à adoção de uma postura proativa de controle ambiental reflete a melhoria da qualidade de vida da comunidade, visto que os recursos naturais serão conservados e utilizados racionalmente pelas empresas. Deste modo, a adoção de uma postura de responsabilidade ambiental proativa por parte da empresa reflete diretamente a melhoria da qualidade de vida da população.
Outro ponto importante é que em todos os aspectos deve-se observar a interação entre os diversos elos. Portanto, o pensamento sistêmico envolvendo todas as relações que a empresa mantém (consumidores, fornecedores, clientes, distribuidores, comunidades, funcionários, etc.). Desta forma, a sustentabilidade empresarial sustentada por este trabalho considera a adoção de ações de gestão ambiental, que possibilitem a eliminação e/ou minimização dos impactos ambientais e que refletem a melhoria do bem-estar do público interno e da comunidade como um todo.
Estes indicadores podem colaborar para a inserção dos aspectos ambientais nos curtumes e foram utilizados para avaliar as ações de gestão ambiental adotadas pelas empresas pesquisadas.
Para isso, optou-se por pesquisar as indústrias coureiras situadas na cidade de Franca-SP, sendo estas, portanto, a população alvo do trabalho. Foram feitas visitas às empresas com o intuito de conhecer a realidade vivenciada por elas no que tange aos aspectos sociais e ambientais. As indústrias investigadas foram selecionadas, aleatoriamente, de acordo com a relação de filiados do Sindicato dos Curtumeiros de Franca e dos integrantes da AMCOA (Associação de Manufaturados de Couros e Afins).
Para a coleta dos dados, foram elaborados questionários respondidos pelos responsáveis da área ambiental da empresa. Cada tipo de questão utiliza um critério para sua interpretação, permitindo, desta forma, enquadrar as empresas em determinados parâmetros.
Os questionários foram enviados às indústrias no período de janeiro a março de 2008 e foi concedido o prazo de uma semana para que fossem respondidos. Depois deste prazo, a pesquisadora retornou à empresa para buscá-los. A Tabela 1 demonstra a quantidade de questionários enviados e respondidos na pesquisa de campo.
De acordo com a Tabela 1, observa-se que 75% das empresas responderam aos questionários enviados pela pesquisadora. Inicialmente, enviou-se o questionário a dezesseis indústrias localizadas em Franca, representando cerca de 50% do total de empresas instaladas na cidade. No entanto, observou-se, durante a distribuição dos questionários, certa resistência por parte das empresas em respondê-los, visto que quatro delas entregaram os questionários sem responder, alegando que são dados confidenciais ou que a empresa não se interessa por este tipo de prática. Este fato alimenta ainda mais o fato de que as empresas desconhecem as novas técnicas de gestão e a necessidade de desenvolver ações que extrapolem o cumprimento da legislação. Sendo assim, foram investigadas, no total, doze empresas que responderam e entregaram os questionários.
A primeira parte dos questionários objetivou caracterizar os principais aspectos das empresas pesquisadas, bem como o perfil dos respondentes. Em relação à gestão ambiental, 50% dos respondentes atuam na área técnica da empresa, isto se justifica porque a gestão ambiental dos curtumes francanos não é contemplada pelo gerenciamento estratégico da empresa, mas é vista basicamente pelo nível técnico, composto por funcionários responsáveis pelo sistema de tratamento dos efluentes dos curtumes.
Com relação à caracterização das empresas, tem-se a Figura 5.
De acordo com a Figura 5, pode-se observar que, em Franca, predomina a existência de curtumes de acabamento, somando um total de sete indústrias, representando cerca de 58%. Este é um fator positivo, pois os processos de acabamento do couro possuem um valor agregado maior, arrecadando assim maiores valores monetários para a cidade e gerando maior quantidade de empregos.
Com relação à produção diária, observa-se que 41,67% dos curtumes pesquisados produzem de 1.000 a 2.000 unidades de couro, o que representa expressiva quantidade de produção gerada pela cidade diariamente. Além disso, um curtume ainda produz entre 2.001 e 3.000 peças e outro produz mais de 3.000 peças diariamente. Estes fatos corroboram para caracterizar a cidade de Franca como expressiva produtora de couros no cenário produtivo nacional.
Além da quantidade produzida, foi questionada qual a média de peles exportadas pela empresa. Apenas três empresas responderam favoravelmente. A exportação em cada uma é de 50%, 80% e 95%, indicando uma expressiva quantidade exportada, corroborando o fator salientado por Barbosa (2006): o setor coureiro e calçadista enfrenta um conflito de interesses específicos, no caso dos curtumes, a exportação do couro torna escassa e cara a matéria-prima para o setor calçadista nacional.
Com relação ao porte da empresa, 16,67% enquadram-se em microempresas, e a grande maioria, 83,33%, classifica-se como pequena e média empresa, conforme classificação do SEBRAE (2009) . Este fato corrobora a estatística de que as indústrias curtumeiras são, em sua maioria, compostas por empresas de pequeno e médio porte. Com relação ao tempo de existência, as empresas coureiras de Franca podem ser consideradas sólidas, visto que 58,33% estão funcionando há mais de 20 anos, fato que sustenta a tradição do setor na cidade.
7.1 A indústria coureira de Franca diante das proposições da Gestão Ambiental
Neste tópico, apresentam-se os resultados do questionário sobre a gestão ambiental.
Com relação a aspectos gerais da gestão ambiental, as empresas foram questionadas sobre o grau de importância que a empresa emprega à adoção da gestão ambiental, conforme Figura 6.
Como se pode observar na Figura 6, cerca de 91% das empresas empregam à adoção da gestão ambiental um alto grau de importância. Este fato relaciona-se também com a obrigatoriedade da adoção de sistemas de tratamento dos efluentes pelas empresas, o que pode acarretar pesadas multas àquelas que não cumprirem a legislação.
7.1.1 Política ambiental
Questionou-se sobre a existência de ações empresariais voltadas à gestão ambiental, tais como o SGA, ações de gestão ambiental e programas de P2, conforme Figura 7.
Observa-se na Figura 7 que a maioria das empresas declararam adotar SGA, ações de gestão ambiental, programas de P2, indicadores de desempenho ambiental e objetivos e metas de desempenho ambiental. No mínimo 50% das empresas informaram que possuem tais ações dentro de suas empresas.
7.1.2 Gerenciamento ambiental
Com relação ao gerenciamento ambiental, questionou-se sobre o grau de importância de alguns fatores ambientais, tais como insumos, impactos e aspectos ambientais. As respostas das empresas estão representadas pela Figura 8.
Analisando a Figura 8, observa-se que o consumo de água, consumo de energia e a redução de desperdícios de matéria-prima são aspectos com alto ou muito alto grau de importância. No caso do consumo da água e da energia elétrica, cerca de 91% das empresas consideram importante o seu gerenciamento. A minimização da geração de resíduos e a geração de resíduos sólidos e efluentes são vistas com médio grau de importância por 25% dos entrevistados, alto grau por 41,67% das empresas e muito alto por 33% das respondentes. Observa-se, também, que as empresas empregam importância à minimização da geração de resíduos.
Um fator preocupante na análise da Figura 8 é o fato de duas empresas empregarem um baixo grau de importância à manutenção da qualidade de águas subterrâneas e dos mananciais e uma empresa empregar médio grau. Esta preocupação advém do fato de que duas respondentes são empresas consolidadas no mercado, funcionando há mais de 20 anos e com uma expressiva produção de couros. Para as empresas que declaram possuir SGA, política ambiental, que é o caso de duas das empresas que responderam baixo e médio grau nesta questão, a manutenção de quaisquer recursos essenciais para o bem-estar do ser humano deveria ser considerada muito importante pelas organizações e, mais do que isso, deveria ser uma meta ambiental a sua preservação e manutenção, visto que a água é também insumo importante na produção do couro.
Com relação à estrutura de gestão ambiental dentro da empresa, questionou-se sobre a disponibilização de recursos humanos, físicos e financeiros, essenciais para a qualidade da gestão ambiental. As respostas das empresas geraram a Figura 9.
A Figura 9 mostra que 50% das empresas possuem uma pessoa que trata apenas dos aspectos ambientais da empresa. Com relação aos recursos físicos, apesar de metade das empresas declararem ter uma pessoa que cuida especificamente das questões ambientais, apenas 25% possuem um departamento exclusivo para tratar de assuntos ambientais, incluindo equipamentos necessários ao seu funcionamento. E quando questionadas sobre a disponibilização de recursos financeiros, 41,67% das empresas declararam a constante disponibilização para o bom funcionamento da gestão ambiental.
Outro fator questionado foi a existência da realização de pesquisas sobre novas formas de curtimento que sejam menos agressivos ao meio ambiente. Tem-se então a Figura 10.
A Figura 10 demonstra que 83% das empresas pesquisadas promovem pesquisas buscando novas formas de curtimento que sejam menos agressivas ao meio ambiente.
Com relação à utilização de outro tipo de curtente, substituindo o cromo, tem-se a Figura 11.
A análise do gráfico permite observar que 58% das empresas não utilizam outro tipo de curtente substituindo o cromo. No caso das quatro empresas que responderam positivamente à questão, os curtentes utilizados por duas delas são taninos vegetais e sintéticos, por outra, taninos orgânicos, sintéticos e aldeídos alifáticos modificados e pela última, formaldeído.
7.1.3 Racionalização do processo produtivo
Na terceira parte do questionário, procurou-se abordar os aspectos do processo produtivo que sofrem alguma racionalização. Primeiramente questionou-se sobre a matéria-prima mais poluente utilizada no processo produtivo, como mostra a Figura 12.
A Figura 12 permite observar que a matéria mais poluente utilizada no processo produtivo é o cromo, de acordo com 51% das empresas. Não obstante, apesar de considerarem a matéria-prima poluente, apenas 33% das empresas buscam outras formas de curtimento que substituam o cromo, procurando tornar o processo produtivo e os resíduos menos agressivos ao meio ambiente, conforme a Figura 11.
Questionou-se sobre a frequência da racionalização de alguns aspectos durante o processo produtivo, segundo a Figura 13.
Analisando-se a Figura 13, observa-se que o fator racionalizado mais frequentemente é a energia elétrica. Cerca de 58% das empresas afirmaram racionalizar energia elétrica com frequência. O segundo fator mais racionalizado, em 50% das empresas, são as matérias-primas. Logo após, tem-se a redução de resíduos sólidos na fonte, praticada por 41% das empresas. Com relação ao reaproveitamento de água no processo produtivo, apenas uma empresa (cerca de 8% do total) declarou reaproveitá-la nas bombas de vácuo que precisam de água para serem resfriadas. Cerca de 66% das empresas nunca ou raramente fazem este tipo de reaproveitamento durante o processo. Contudo, se uma empresa realiza algum tipo de reaproveitamento, talvez haja esse potencial, que não está sendo realizado ou visto pelo empresário. Com relação à racionalização de matérias-primas, 50% das empresas alegaram racionalizar frequentemente. O reuso de materiais é feito frequentemente por 16% das empresas, enquanto 58% das empresas entrevistadas nunca ou raramente fazem este tipo de reuso. A reciclagem externa, ou seja, envio de materiais para que sejam reciclados por terceiros, é feita frequentemente por 33% das indústrias, e nunca ou raramente é realizada por 33% das indústrias. Já ações de redução de emissões atmosféricas são realizadas frequentemente por 25% das empresas e nunca ou raramente são feitas por 50% das indústrias.
As respostas das empresas para esta questão contradizem, em todos os aspectos, a adoção de um programa de P2 ou P+L na empresa. Cerca de 83% das empresas informaram a existência de um programa de P2 (Figura 7). Todavia, analisando estas respostas, conclui-se que as indústrias não adotam este tipo de programa. A redução de resíduos sólidos na fonte é o primeiro passo para a implementação de programas de P2 e P+L, no entanto, só foi relatado por 41% das empresas. Com relação a práticas de conservação de matéria-prima e energia, observa-se que apenas 58% das empresas fazem a racionalização frequente de energia, 8% reaproveitam água frequentemente em suas atividades e 50% racionalizam frequentemente matéria-prima no processo produtivo. Outro fator interessante que pode ser comparado é sobre a conservação da água. Cerca de 66% das empresas declararam empregar um alto grau de importância para o consumo de água no processo produtivo (Figura 8), no entanto, apenas uma empresa realiza algum tipo de reaproveitamento, e que pode ser interpretado como um cuidado mais concreto com este recurso natural. Com relação à redução na quantidade e toxicidade das emissões e resíduos, quase nada é feito pelas empresas. Cerca de 16% delas declararam o frequente reuso de materiais dentro da indústria, 33% afirmaram enviar resíduos para reciclagem externa e apenas 25% realizam ações de redução de emissões atmosféricas. Desta forma, não se visualiza a existência de programas de P2 ou P+L dentro das empresas pesquisadas. Para tanto, deveria haver maior concordância entre as respostas coletadas.
7.1.4 Requisitos legais
A última parte do questionário procurou abordar algumas questões relativas aos requisitos legais pertinentes às atividades de curtimento de couros. A primeira questão procurou questionar o conhecimento dos respondentes sobre a classificação dos resíduos sólidos gerados pelas suas atividades, com base na NBR 10004 (ASSOCIAÇÃO..., 2004c), conforme Figura 14.
A análise da 15 Figura 14 permite observar que grande parte dos entrevistados não conhece (27%) ou não respondeu à questão (13%). Entre os que responderam sobre a classificação dos resíduos sólidos, 33% os consideram como de classe IIa (não inertes) e 20% os consideram como classe I (perigosos). No entanto, de acordo com a ABNT NBR 10004 (ASSOCIAÇÃO..., 2004c), os resíduos da indústria coureira e calçadista são considerados perigosos e, portanto, de classe I.
A última questão procurou conhecer se as indústrias coureiras de Franca sofreram alguma autuação ambiental nos últimos 2 anos, conforme Figura 15.
Como se pode observar na Figura 15, duas empresas, cerca de 16%, declararam ter sofrido autuação ambiental nos últimos 2 anos. A CETESB (COMPANHIA..., 2009) disponibiliza em sua homepage a relação de áreas contaminadas no Estado de São Paulo. Nela pode-se consultar uma área, local ou terreno onde há comprovadamente poluição ou contaminação causada pela introdução de quaisquer substâncias ou resíduos que nela tenham sido depositados, acumulados, armazenados, enterrados ou infiltrados de forma planejada, acidental ou até mesmo natural. Constatou-se que o Curtume Della Torre, dados de novembro de 2008, possui uma área contaminada sob investigação da CETESB. A fonte de contaminação, segundo o relatório CETESB (COMPANHIA..., 2009), advém do tratamento de efluentes.
O que se observou na aplicação da pesquisa é que, apesar de os respondentes considerarem importante a adoção da gestão ambiental e afirmarem a adoção de algumas ações relevantes para que esta seja realizada de forma proativa dentro da organização, não há indícios de que as empresas possuam um sistema estruturado para gerir estas variáveis, ou mesmo que adotem um programa de P2, como informado pelos respondentes. O que se observa na prática é que muitas teorias ainda não saíram do papel, ou mesmo que as empresas desconhecem o real sentido da aplicação destas importantes ferramentas no processo produtivo. Sendo assim, nota-se que a adoção da gestão ambiental nas indústrias coureiras de Franca é ainda incipiente, e as empresas agem de forma reativa, atendendo somente aos requisitos legais. Deste modo, é necessário que a gestão ambiental seja mais difundida e que sua aplicabilidade e importância sejam disseminadas entre os empresários da indústria coureira para que deixem de ser apenas um instrumento sem aplicação efetiva na prática e no dia a dia das empresas.
8 Considerações finais
Este trabalho foi desenvolvido utilizando-se uma estrutura teórica que norteou os objetivos propostos pela pesquisa e na qual foram abordados alguns instrumentos de gestão ambiental. Tais instrumentos permitiram definir alguns indicadores de gestão ambiental que podem contribuir para a inserção de valores ambientais na empresa, com vistas a minimizar a geração de resíduos e impactos ambientais e contribuir com a melhoria do bem-estar da comunidade. A metodologia empregada possibilitou o levantamento e análise das ações de gestão ambiental empreendida pelas indústrias coureiras de Franca, permitindo maior compreensão da realidade vivenciada por elas.
Com relação à gestão ambiental, as empresas confirmaram a existência de programas de P2. Contudo, os questionamentos posteriores, tais como a redução de resíduos sólidos na fonte, primeiro passo para a implementação de um programa de P2 e P+L, não permitiram a visualização destes dentro da empresa. Apesar de muitas empresas declararem a realização de pesquisas para o desenvolvimento de novas formas de curtimento, o que possibilita a redução da toxicidade dos resíduos finais, a maior parte delas não aplica em seu processo produtivo esta nova tecnologia. Não se visualizou também a existência de um SGA, pois se verificou a falta de disponibilização de recursos físicos, humanos e financeiros para a gestão ambiental, a ausência de racionalização de aspectos ambientais necessários ao processo produtivo, ausência de conscientização, por parte de algumas empresas, sobre a necessidade de preservarem mananciais e águas subterrâneas, pouca frequência, na maior parte das empresas, de uma sensibilização dos colaboradores sobre o seu papel nas atividades de gestão ambiental, desconhecimento sobre a periculosidade e classificação dos resíduos sólidos de acordo com a ABNT NBR 10004 (ASSOCIAÇÃO..., 2004c), o que impede que as empresas empreguem medidas de minimização e correta destinação destes, entre outros aspectos. Deste modo, o que se observou foi que as empresas não possuem ações ambientais sistematizadas.
Verificou-se, enfim, que as indústrias coureiras possuem potencial para atuar com responsabilidade ambiental, pois várias áreas podem se contempladas com a inserção de valores ambientais, permitindo à empresa atuar com ações de gestão ambiental, por meio da implantação de sistemas e políticas de gestão, contribuindo assim para o desenvolvimento sustentável e para a melhor integração entre os diversos elos da cadeia produtiva coureira-calçadista.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Nov 2013 -
Data do Fascículo
2013
Histórico
-
Recebido
19 Mar 2011 -
Aceito
08 Maio 2012