Resumos
Este trabalho tem como objetivo descrever e analisar três casos (envolvendo seis empresas) de relação entre varejistas e produtores de hortícolas, com base no referencial teórico de alianças estratégicas proposto por GATTORNA & WALTERS (1996). Para isto estas seis empresas foram visitadas e foram entrevistadas em profundidade para se entender como se dá a transação, as alternativas ao formato em execução, os riscos, fatores de estabilidade e outros considerados no Modelo.
hortícolas; aquisição de produtos frescos; produtos frescos; alianças estratégicas
This research analyses three case studies of transactions between horticultural producers and retailers in their supply management process of horticultural products. The first transaction studied is what can be called an strategic alliance where both retailers and producers depend highly on each other, with several advantages for both, mainly related to transaction cost reducing and chain coordination. The second is a case where the retailer is the coordinator of the transaction, using mostly the price mechanism to buy horticultural products, and the third is a case where a company of producers coordinate the transaction. These three cases are discussed under the model of GATTORNA & WALTERS (1996) for strategic alliances.
horticultural supply; supply chain management; retailing; horticulture; entrepreneurship
Gestão de compra de produtos hortícolas por varejistas: análise de estratégias empresariais
Retailers horticultural supply chain strategies
Thiago Zanon PeliçãoI; Marcos Fava NevesII; Dante Pinheiro MartinelliII
IDepartamento de Administração ‑ FEA/USP - Ribeirão Preto
IIDepartamento de Administração ‑ FEA/USP ‑ Ribeirão Preto. Pesquisadores do PENSA/USP. E-mails: mfaneves@usp.br, dantepm@zaz.com.br
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo descrever e analisar três casos (envolvendo seis empresas) de relação entre varejistas e produtores de hortícolas, com base no referencial teórico de alianças estratégicas proposto por GATTORNA & WALTERS (1996). Para isto estas seis empresas foram visitadas e foram entrevistadas em profundidade para se entender como se dá a transação, as alternativas ao formato em execução, os riscos, fatores de estabilidade e outros considerados no Modelo..
Palavras-chave: hortícolas, aquisição de produtos frescos, produtos frescos, alianças estratégicas.
ABSTRACT
This research analyses three case studies of transactions between horticultural producers and retailers in their supply management process of horticultural products. The first transaction studied is what can be called an strategic alliance where both retailers and producers depend highly on each other, with several advantages for both, mainly related to transaction cost reducing and chain coordination. The second is a case where the retailer is the coordinator of the transaction, using mostly the price mechanism to buy horticultural products, and the third is a case where a company of producers coordinate the transaction. These three cases are discussed under the model of GATTORNA & WALTERS (1996) for strategic alliances.
Key words: horticultural supply, supply chain management, retailing, horticulture, entrepreneurship.
1. Introdução e Objetivos
Por diversos fatores a população tem aumentado o consumo de produtos hortícolas, em especial pela crescente preocupação com a questão da saúde. Apenas a título de exemplo, vale dizer que nos EUA, França e Alemanha cerca de 10% dos gastos dos consumidores com alimentos são com produtos frescos, chegando a números próximos a 20% na Itália e Holanda. O consumo de vegetais na Europa cresceu quase 10% ao ano desde 1975 (ZUURBIER, 1998).
Face a este fator, percebe-se nitidamente que os agentes de distribuição, notadamente os supermercados e hipermercados, têm aumentado sua área de vendas com estes produtos, visando oferecer tudo "sob um mesmo teto" ao consumidor cada vez mais pressionado com a questão do tempo, e também aumentar a freqüência de visita na loja, e com isto as compras por impulso.
Estes produtos, porém, compõem uma cadeia de suprimentos bastante delicada, em virtude da alta incerteza que ocorre no processo de compra, advindas da elevada especificidade temporal, pela grande perecibilidade e irregularidade na produção. Isto faz com que varie bastante a forma como os super e hipermercados gerenciam suas cadeias de suprimentos para estes produtos.
De uma maneira simplificada, dentro do ferramental de análise de transações no agribusiness, poder-se-ia caracterizar a transação de obtenção de suprimentos hortícolas de três formas: numa primeira, os varejistas compram os hortícolas do mercado, baseados única e exclusivamente no sistema de preços, inexistindo qualquer sofisticação adicional no processo de compra. Numa segunda alternativa, os varejistas poderiam obter a quantidade que necessitam de hortícolas a partir da sua produção própria (integração vertical), e, finalmente, numa terceira forma, poderiam adquirir estes produtos de formas intermediárias, ou seja, formas em que existam as chamadas "alianças estratégicas", ou também chamadas de formas contratuais. Este último formato vem ganhando importância devido à sintonia fina necessária para gerenciar adequadamente este suprimento, motivada por mudanças nos padrões de exigência do consumidor final (ZYLBERZTAJN, 1995; NEVES, 1999).
Estes padrões indicam que o consumidor de hortícolas:
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É consciente que vegetais e frutas têm importância crescente na alimentação.
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Tem preferências que diferem de região para região.
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Quer fornecimento o ano todo e com variedade.
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Diz que existe espaço para produtos ecológicos.
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Quer ver os produtos.
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Quer produtos pré-embalados.
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Quer porções menores, sabor e variedade.
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Quer redução dos danos causados durante a distribuição.
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Quer vegetais já preparados e limpos para uso em microondas conveniência.
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Deseja misturas atrativas e coloridas.
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Deseja conhecer a origem do produto (NEVES et al., 1999).
Este trabalho tem como objetivo descrever e analisar três casos (envolvendo seis empresas) de relação entre grandes varejistas e produtores de hortícolas, com base no referencial teórico de alianças estratégicas proposto por GATTORNA & WALTERS (1996). Para isto estas seis empresas foram visitadas e entrevistadas para se entender como se dá a relação, as alternativas ao formato em execução, os riscos, fatores de estabilidade e outros considerados no Modelo.
Vale ressaltar que o termo alianças estratégicas é cada vez mais utilizado, porém diversos autores o definem de modo diferente, não sendo objetivo deste artigo discutir estas definições, que diferem principalmente em que tipo de transações são consideradas como alianças estratégicas ou não. O objetivo deste trabalho é aplicar a metodologia de GATTORNA & WALTERS (1996) a três casos selecionados.
As seis empresas (três casos de transação) foram escolhidas por conveniência, com base em conhecimentos anteriores dos autores de que estas realizavam as transações em formatos diferentes, o que permitiu a comparação e a análise de coordenação. Além deste fator, pesaram contatos pessoais para que as entrevistas pudessem ser realizadas, uma vez que são empresas relativamente grandes.
As entrevistas foram no formato em profundidade, com um roteiro de questões abertas, pelo qual foi possível grande interação entre o pesquisador e o entrevistado. A pesquisa conta com diversas limitações, e seus resultados não devem ser extrapolados, porém serviu a seu objetivo principal, que era o de aplicar a metodologia de GATTORNA & WALTERS (1996) e verificar que esta pode ser útil no processo de análise de alianças nas empresas.
2. A Metodologia de Análise de GATTORNA & WALTERS para Alianças Estratégicas
O objetivo de se formar parcerias ou alianças é obter vantagens que de outra maneira não seriam possíveis e reduzir o risco geral do projeto, ao mesmo tempo em que se aumenta o retorno sobre o investimento (GATTORNA & WALTERS, 1996).
A fim de organizar-se uma parceria ou aliança de sucesso, KANTER (1994) (citação completa em GATTORNA & WALTERS, 1996) sugere oito critérios a serem analisados:
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excelência individual;
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importância: a relação deve ser congruente com as estratégias individuais;
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interdependência: deve existir necessidade mútua para a parceria;
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investimento;
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informação: esta deve ser compartilhada, sendo uma característica crucial para o sucesso das parcerias;
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integração;
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formalização;
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integridade.
Um aspecto fundamental é a interdependência dos parceiros. Existem vários graus de interdependência em função do tamanho dos parceiros e da indústria em que atuam. Alguns indicadores são enumerados no Quadro 1.
A partir deste quadro comparativo foi desenvolvida uma figura que relaciona o nível de interdependência com a resposta estratégica obtida entre os parceiros. Os níveis apresentados no Quadro 2 referem-se, em ordem decrescente, a quão apropriada é a aliança estratégica. Pode-se perceber que quando o nível de dependência é muito baixo para ambos, alianças estratégicas não são recomendadas, existindo outras formas mais interessantes para organização desta transação, com custos menores.
3. A Descrição e Análise dos Três Casos
3.1 Caso da Rede de Supermercados MERCADORAMA (nível 1 em GATTORNA & WALTERS, 1996): "A Dependência Mútua"
O Mercadorama em 1997, no momento das entrevistas, era uma rede de 12 lojas de supermercados na região metropolitana de Curitiba e uma loja em Maringá (PR). Se constituía na 12ª rede supermercadista do Brasil, empregando cerca de 4.200 pessoas e com faturamento anual próximo a R$ 500 milhões, com área de vendas de 30 mil metros quadrados. A rede foi fundada em 1914 por Pedro Demeterco, de origem ucraniana, quando este tornou-se proprietário do armazém onde trabalhava. Vale dizer que em 1998 foi comprada pela rede portuguesa SONAE.
Cerca de 7% a 8% das vendas das lojas, em termos de valores, eram da área de FLV (frutas, legumes e verduras). A evolução dos números no setor pode ser vista pelo Quadro 3.
Devido à alta dependência que a rede tinha dos mercados fornecedores paulistas, a diretoria do Mercadorama decidiu inovar em termos empresariais e incentivar a produção de legumes e verduras na sua própria região. Assim, começaram dando a produtores a garantia de compra. O processo iniciado com o tomate obteve sucesso, o que incentivou a expansão da estratégia. Este primeiro parceiro do supermercado já fornecia cerca de 4.000 caixas de alimentos por mês ao Mercadorama. Nas épocas em que o frio era intenso e as geadas traziam risco e não permitiam uma boa produtividade na região de Curitiba, o produtor tinha a alternativa da produção das verduras em outras áreas, no litoral, em associação com produtores locais.
Cerca de dez famílias estavam envolvidas nesse processo de produção no litoral durante a estação fria, coordenadas pelos produtores parceiros do supermercado. Verificou-se que os parceiros do supermercado, incentivados pela importância do cliente e pelas altas exigências do mesmo, formaram outras parcerias para honrar o compromisso o ano inteiro, ou seja, conseguiram, pela diversificação geográfica, fornecer com regularidade maior, atributo fundamental ao varejista, reduzindo os riscos.
A cada semana as lojas recebiam, diretamente das mãos de 104 produtores, 3.000 toneladas de legumes, verduras e frutas, que supriam 90% de sua demanda. Apenas as frutas tinham sua maior parte (70%) comprada na CEASA local.
O supermercado não fornecia insumos nem exigia exclusividade, apenas garantia a compra (fator que, devido à especificidade temporal, é fundamental para os produtores) e esperava a entrega o ano inteiro, com qualidade superior. Os preços flutuavam menos, não observando as variações especulativas, sob as quais a maioria dos produtores tinham de trabalhar. Entretanto, o supermercado mantinha um agrônomo que visitava as propriedades parceiras, orientando os produtores sobre técnicas para melhorar a produção e verificar as condições de manejo das culturas, a fim de garantir a qualidade que o Mercadorama exigia. Não existiam contratos formais e as negociações eram todas feitas verbalmente. O que existia era um sentimento de confiança entre os produtores e o supermercado, fruto do comportamento de parceiro das partes envolvidas.
A partir dessa interação entre o mercado consumidor e o produtor, a informação fluía de maneira eficiente, tornando o sistema mais preparado para atender o consumidor. Muitos dos fornecedores da rede já estavam produzindo verduras e legumes mais sofisticados, embalados a vácuo ou em atmosfera modificada, atividades que exigem um investimento maior, e portanto não poderiam ser assumidas de maneira unilateral, sem que tivesse sido estabelecido um compromisso.
O sistema de parcerias adotado na Mercadorama era ideal para ambas as partes, pois era uma tentativa de integrar a demanda com a oferta, além de propiciar investimentos em produção, garantir a qualidade dos produtos, a estabilidade da entrega, preço adequado para ambos, intercâmbio de informações e inovações tecnológicas que facilitavam o desenvolvimento de novos produtos e satisfaziam as vontades e necessidades do consumidor final. Ou seja, era um modelo redutor de custos de transação (custos de negociações, de obtenção de informações, de monitoramento e outros). A informação fluía eficientemente no sistema para rápidas readaptações advindas de mudanças no macroambiente.
Na metodologia de GATTORNA & WALTERS (1996), esta parceria estaria colocada no nível 1, visto que existia estratégia comum alinhada para benefício do consumidor final, não havendo grandes conflitos de interesses, podendo ser gerenciados, para que se obtivesse o mais importante, que era o fluxo adequado de produtos. O interesse e comprometimento do Mercadorama na manutenção da qualidade e constância de produção de seus parceiros fica mais evidente quando se considera que este contratou em regime permanente um agrônomo, responsável pela manutenção do padrão de qualidade nas hortas, ou seja, houve investimento de capital humano (técnico) para solidificar a relação entre os produtores e a rede, facilitando a coordenação.
As parcerias firmadas pelo Mercadorama com seus produtores cumpriam os três requisitos para que uma aliança seja efetiva:
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atingiam objetivos estratégicos, pois propiciavam ao supermercado ter o produto na loja, e até mesmo um produto diferenciado, colocando-o em situação de vantagem competitiva com seus concorrentes; podendo até explorar mercadologicamente esta origem;
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reduziam riscos enquanto aumentavam o retorno, ficando anuladas as compras incertas no CEASA, situação em que nem o preço, nem a garantia do fornecimento podiam ser planejados a longo prazo e a negociação dependia de fatores externos às necessidades do supermercado;
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alavancavam recursos, pois os produtores podiam investir na produção, seja em termos quantitativos ou qualitativos e variedades, ação que se reflete de forma positiva no mix de produtos do supermercado e na sua qualidade.
3.2 Caso de Grande Rede Nacional de Supermercados (nível 2 em GATTORNA & WALTERS, 1996): "O Coordenador"
O segundo caso analisado era uma grande rede, que preferiu não ser identificada. A área de vendas da rede era de mais de 300 mil metros quadrados e a mesma encontrava-se entre as cinco maiores do Brasil. A rede tinha uma preocupação grande com os hortícolas, no tocante à qualidade e baixo preço de venda. Entretanto, quando esta preocupação foi passada para as lojas regionais, verificou-se que existiam fortes barreiras no processo de negociação com os produtores locais de hortícolas. Nesta rede não existia garantia de compra da produção. Todos os dias era feita uma cotação com diversos produtores cadastrados e aquele que tivesse o menor preço conseguia colocar o produto. Existia ainda outro problema, devido aos preços para estas cotações serem balizados pela central de abastecimento da rede, desconsiderando-se diferenças regionais, pois na região metropolitana existiam muito mais produtores, o que poderia diminuir os preços.
Os produtores que forneciam para esta rede ficavam na incerteza de vender ou não seus produtos, e caso vendessem, provavelmente seriam remunerados abaixo da média regional. De uma maneira ampla, todos os riscos da negociação ficavam por conta do fornecedor, e o supermercado posicionava-se como um agente de mercado buscando o melhor preço, preocupado apenas com a situação no momento. O relacionamento com os produtores apenas se mantinha, devido ao pouco poder de barganha destes, que eram obrigados a atender à rede para não perderem negócios.
O supermercado colocava-se na posição de não precisar do fornecedor, ou seja, um baixo nível de dependência. Mesmo no caso do verão, este buscava o produto em outras regiões do estado, apesar de pagar um pouco mais e ter os custos desta busca. Os fornecedores não eram encarados como um conjunto, que produziam bens necessários ao supermercado, mas sim tratados individualmente, como peças substituíveis do processo de abastecimento, devido ao seu pequeno porte e importância individual relativa. Não era interessante para a rede qualquer iniciativa de organização dos fornecedores, devido à possibilidade de aumentar o poder de barganha, algo não desejado na coordenação por preços.
Este é o nível dois da escala de GATTORNA & WALTERS (1996), no qual existe alta dependência por parte do fornecedor e baixa dependência por parte do comprador. O fornecedor acaba rendendo-se às imposições do comprador, que é o coordenador desta relação. As vantagens para o varejista resumem-se ao preço, principalmente por explorar o fato da grande dependência que os fornecedores possuíam. As desvantagens poderiam estar associadas à manutenção de estruturas (equipes) para cotações e busca de fornecedores diárias, problemas de abastecimento em outras regiões, elevando custos de transação, além de uma menor velocidade em fazer adaptações de interesse para os consumidores.
3.3 Caso da Sato Verduras (nível 3 em GATTORNA & WALTERS, 1996): "A Coordenadora"
A Sato Verduras é uma empresa sediada em Bauru (SP) que produz e comercializa pelo menos 20 tipos de verduras e legumes. A empresa teve início na metade da década de 80, a partir do trabalho de dois irmãos, que cuidavam do plantio e comercialização dos produtos em um pequeno sítio da cidade. A empresa cresceu bastante, atingindo um volume de vendas de cerca de 600.000 maços de verdura por mês em 1997.
A empresa produzia em 28 sítios separados (diversificação geográfica reduzindo riscos), que juntos ocupavam uma área de 180 hectares, empregando cerca de 300 pessoas e vendendo para mais de 200 clientes espalhados principalmente pelo estado de São Paulo. Clientes da Sato Verduras incluem: Wal Mart (Bauru e Ribeirão Preto), Eldorado (São Paulo) e Carrefour (Ribeirão Preto). A empresa entregava até mesmo em Campo Grande (MS). As entregas eram feitas diariamente por caminhões (18 caminhões, sendo sete próprios e onze terceirizados), que deixavam, ainda de madrugada, o centro de distribuição da empresa em Bauru (SP).
A estratégia de crescimento da Sato Verduras foi a de formar parcerias com outros produtores de hortaliças, ou seja, atuando como um empresa coordenadora do sistema. Cerca de 120 hectares eram cultivados desta forma. O esquema consistia em formar uma sociedade entre uma empresa e um produtor autônomo, com propriedade da terra. A empresa determinava o que deveria ser produzido e em que quantidade, encarregando-se da distribuição do produto. No final, as duas partes dividiam o lucro, ou seja, a empresa não comprava a produção dos agricultores, mas realizava um trabalho em sociedade. Os critérios para definir qual o valor do "lucro" eram subjetivos, já que não existia controle efetivo de custos por parte dos produtores, podendo gerar dúvidas e controvérsias sobre a transparência dos critérios. Entretanto existia aparente satisfação dos consorciados com o sistema.
A Sato Verduras atingiu níveis de produção dos maiores do estado e do Brasil, o que lhe conferiu características de negociação bastante diferentes daquelas observadas nos produtores tradicionais, tornando grandes varejistas em tomadores de preços. Grandes empresas como Pão de Açúcar, Carrefour e Wal Mart, tinham na Sato Verduras a única fonte confiável de fornecimento de hortaliças nas quantidades demandadas. Em épocas de alta demanda, nenhum outro produtor conseguia entregar as quantidades de verduras vendidas nas lojas.
A existência da Sato Verduras era analisada de duas maneiras pelos varejistas: como um problema ou como uma solução. De acordo com a visão do responsável pelas compras de FLV (Frutas, Legumes & Verduras) do Carrefour, loja Ribeirão Preto, a Sato resolveu o problema da loja, reduzindo custos da transação de compra de hortícolas pois propiciava verduras durante o ano todo e em qualquer quantidade. Além disso, como os volumes de vendas eram grandes, o supermercado era beneficiado, pois pode negociar como se estivesse comprando de uma empresa, exigindo a presença de monitores na loja, bem como a construção de expositores e outros expedientes, que normalmente os pequenos produtores não têm condições de bancar.
Já na visão do ocupante do mesmo cargo em outro hipermercado de Ribeirão Preto a Sato Verduras é um problema, e não esconde a sua insatisfação em ter que submeter-se à imposição de preços promovida pela empresa. São os dois extremos.
Este é um caso de nível três na escala de GATTORNA & WALTERS (1996), no qual há alta dependência do comprador e baixa dependência do fornecedor. Apesar dos compradores citados serem grandes mercados, a empresa vendia para mais de 200 clientes. A importância relativa de cada um deles era pequena, mesmo em se tratando de hipermercados. Este desbalanço refletia não só no alto preço praticado durante certas épocas do ano, mas também na qualidade dos produtos. Muitas vezes as verduras da Sato não eram as melhores, mas devido à sua grande habilidade de logística, acabavam sendo as mais vendidas.
4. Conclusões
A formação de alianças ou parcerias é uma tendência em franca expansão no mercado global. Motivadas pela crescente concorrência e exigências maiores do mercado consumidor, as organizações buscam agrupar-se, associar-se ou até mesmo fundir-se, a fim de atender a nova realidade. Conseguem com isso ressaltar, focar seus pontos fortes e usufruir dos pontos fortes de outros, sejam eles concorrentes, fornecedores, clientes, entidades governamentais, universidades e demais formas de organização. O setor supermercadista não foge à regra, e o departamento de FLV também não. Este é um campo vasto para que as alianças sejam construídas, criando vantagens competitivas fortes para as partes envolvidas, principalmente por ser uma transação de elevados custos potenciais, face às especificidades envolvidas.
A rede de supermercados Mercadorama, do Paraná, classificada como nível de dependência 1 na escala adotada, utiliza este expediente de forma clara e produtiva. Sua motivação inicial foi a ausência de fornecimento local de FLV, o que criava dependência do mercado paulista. As alianças do Mercadorama cumprem os três pontos colocados como pré-requisitos para que uma aliança seja efetiva (atingir objetivos estratégicos, reduzir riscos e aumentar o retorno, alavancar recursos), portanto o supermercado e seus aliados desfrutam dos benefícios da aliança, conforme definido por LYNCH (1993):
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Sinergias, pela combinação de forças das empresas: o produtor vende mais e o varejista vende mais e/ou melhor. Podem ser idealizados novos produtos e modos de produção, a partir desta sintonia fina de coordenação. Assim surgiu no Mercadorama a radicetta, um tipo diferente de radice até então desconhecido do mercado de Curitiba. A informação surgiu numa visita de um executivo do supermercado a um restaurante de Buenos Aires, e conseqüente encomenda da produção a um de seus associados, criando assim um novo produto no supermercado. Sem o tipo de relação de que o Mercadorama tem com os produtores, seria difícil comercializar a verdura no supermercado. É o fluxo de informações funcionando no sistema;
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Maior velocidade nas operações: o supermercado não tem de comprar no CEASA, a partir de cotações e com qualidade instável. O produtor entrega diretamente na central de distribuição reduzindo um problema ao supermercado, e eventualmente até equipes (pessoal) anteriormente envolvidas no processo de compra;
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Divisão de riscos: os produtores podem investir no aumento e na qualidade da produção, pois sabem que conseguirão escoar as mercadorias;
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Transferência de tecnologia: um agrônomo é contratado para acompanhar e orientar os produtores;
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Impedir que os produtores vendam seus produtos para concorrentes. Apesar de não haver exclusividade de fornecimento, grande parte da produção total dos aliados fica na rede. Os produtos mais elaborados são até mesmo exclusivos, o que rende propaganda para varejista e produtor. Um desses produtores, a Chácara Strapasson, distribui em conjunto com o Mercadorama pequenos folders indicando que seus produtos são exclusivos do Mercadorama e ressaltando os atributos de "food safety" de sua linha.
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Aumentar as vendas nos mercados: os produtores não ficam restritos aos mercados da região onde atuam, mas podem colocar seus produtos em todos os supermercados da rede, aumentando assim suas vendas e a presença de sua marca.
Outros pontos observados na aliança que a classificam como tal são os seguintes:
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Interesse mútuo no futuro do outro;
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Orientação estratégica de longo prazo;
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Suporte da alta gerência;
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Estilos de administração baseados em coordenação, discussão dos assuntos, sem decisões unilaterais.
A grande rede de supermercados, nível dois na escala dos autores, tem uma visão diferente da apresentada pelo Mercadorama. Ali os produtores são considerados como peças substituíveis e, portanto, as negociações e decisões são tomadas unilateralmente. Pode trazer vantagens de preço, porém não traz as vantagens citadas do caso 1.
A terceira empresa analisada, Sato Verduras, desfruta de uma posição privilegiada entre suas congêneres. Reverter a regra do setor (varejo coordenando) e colocar o produtor como agente coordenador foi um aspecto interessante, servindo de exemplo para outras empresas e grupos de produtores neste mercado.
A formação de alianças estratégicas surge como um substituto para as compras de mercado, ou verticalizadas, criando formas híbridas de relacionamento. É, portanto, algo que se verifica em diferentes estágios de implementação. As formas em que a interdependência é maior, têm maiores chances de serem mais perenes. Acredita-se que existe bastante espaço para este tipo de relação e inclusive para o crescimento de empresas "coordenadoras" de produtores rurais, quase que "cooperativas virtuais", profissionalmente geridas e orientadas para o mercado, sejam privadas ou até mesmo de propriedade dos produtores, resolvendo os problemas de sazonalidade na oferta e conseqüentemente reduzindo riscos, além de possibilitarem redução nos custos de transação, principalmente nos custos de negociação, de procura por produtos, empresas, conhecimento destas empresas, de monitoramento e outros, entregando aos varejistas a solução para o abastecimento destes produtos.
Referências bibliográficas
- GATTORNA, J.L. & WALTERS, D.W.:Managing the Supply Chain. New York, MacMillan, 1996, p.189-203.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
11 Mar 2010 -
Data do Fascículo
Dez 1999