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Gestos de edição na divulgação do conhecimento: censura e resistência

Editing Gestures in the Circulation of Knowledge: Censorship and Resistance

Resumo:

A proposta deste artigo é contribuir com estudos sobre a produção e funcionamento de práticas censórias, bem como caminhos para se analisar a constituição dos sentidos de censura. Para o momento, questionamos em que medida o que aqui se propõe compreender como ‘gestos de edição’ intervém no real dos sentidos, considerando sua produção-circulação regulada pelo batimento silenciamento-evidenciamento em espaços enunciativos informatizados. Noções e procedimentos metodológicos da Análise do Discurso materialista e seus desdobramentos no Brasil nortearão a análise discursiva do fragmento de dois vídeos referentes à live Marcha pela Ciência-MG (2020), evento científico invadido por hackers que disseminaram discurso de ódio.

Palavras-chave:
gestos de edição; censura; circulação do conhecimento; discurso de ódio; ciência

Abstract:

The proposal of this article is to contribute to studies about censorial practices production and operation, as well as to ways to analyze the constitution of meanings on censorship. For the moment, we propose to question to what extent what we propose here to understand as ‘editing gestures’ intervene in the real of the senses, considering their production-circulation regulated by the silencing-evidencing beat in computerized enunciative spaces. Methodological notions and procedures of the materialist Discourse Analysis and its developments in Brazil will guide the discursive analysis of the fragment of two videos referring to Marcha pela Ciência (March for Science) live streaming (2020), scientific event invaded by hackers spreading hate speech.

Keywords:
editing gestures; censorship; science; circulation of knowledge; hate speech

(...) não seria esta a ocasião para os discursos com pretensão revolucionária, de empreender sua própria revolução? Aceitar questionar a lógica paranóica dos efeitos de fronteira para discernir os elementos de resistência de revolta que se deslocam sob as lógicas estratégicas da inversão: aceitar heterogeneizar o campo das contradições para esquivar as simetrias que aí se instalam (...); aceitar, enfim, desvizualizar (sic) os espectros do discurso revolucionário para começar a devolver o que se deve ao invisível, isto é, ao “movimento real” (Marx), que trabalha neste mundo para a abolição da ordem existente...”.

(MichelPêcheux, 1990aPÊCHEUX, Michel. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 19, p. 7-24, jul./dez. 1990a. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636823/4544 . Acesso em: 3 out. 2023.
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, p. 20).

Abrindo...

Os estudos sobre a produção, circulação e funcionamento da censura (Moreira, 2007MOREIRA, Carla Barbosa. Censura e silenciamento no discurso jornalístico. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart; FERREIRA, Lucia Maria Alves (org.). Mídia e memória: a produção de sentidos nos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 319-342., 2009MOREIRA, Carla Barbosa. Produção, circulação e funcionamento da censura na ditadura militar brasileira e no fascismo italiano: a censura na ordem do discurso. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009.) a compreendem enquanto um saber que produz diferentes práticas (censórias) com efeitos de dominação e repressão, na ordem do discurso e na constituição histórica dos sentidos. Enquanto um saber, torna-se produtivo - desde Análise de Discurso de materialista (Pêcheux, 1988PÊCHEUX, Michel. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp , 1988. [1975]; Orlandi, 2002ORLANDI, Eni Puccinelli. Língua e Conhecimento Lingüístico. Para uma História das Ideias no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002., 2007ORLANDI, Eni Puccinelli. (1992). As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas: Editora da Unicamp , 2007.) - interrogar a constituição dos sentidos de censura de forma institucionalizada e enquanto gestos censórios, como proposto por Moreira (2018MOREIRA, Carla Barbosa. Bloqueado, suspenso, fora do ar: a atualidade da censura no espaço digital. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 60, n. 3, p. 847-868, 2018. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8651532. Acesso em: 5 out. 2023.
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). Este texto procura discutir como o que tenho compreendido como ‘gestos de edição’ pode, através do ‘corte’, significar gestos censórios.

Em Orlandi (2002ORLANDI, Eni Puccinelli. Língua e Conhecimento Lingüístico. Para uma História das Ideias no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.), encontra-se um encaminhamento teórico-metodológico para este propósito: a Análise do Discurso (AD)1 1 Análise do Discurso: doravante AD. que se efetiva pela conjunção entre a opacidade do sujeito, a opacidade da língua e a opacidade da história. Por sua vez, a prática censória busca efetuar efeitos de evidência, apropriando-se da ilusão da transparência dos sentidos (Pêcheux, 1988PÊCHEUX, Michel. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp , 1988. [1975]), trabalho ideológico incisivo em contextos autoritários. Essa orientação também sustenta estudos anteriores sobre a atualidade da censura (Moreira, 2018MOREIRA, Carla Barbosa. Bloqueado, suspenso, fora do ar: a atualidade da censura no espaço digital. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 60, n. 3, p. 847-868, 2018. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8651532. Acesso em: 5 out. 2023.
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), que objetivaram compreender como ela está sendo discursivizada, significada e funcionando por um modo atualizado de se exercer essa prática na ordem do digital.

Assim, tomo, como objeto de análise, o acontecimento “Marcha Pela Ciência-MG” (2020CIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020a. 1 vídeo (1 hora, 16 min). Ob. 1. Não listado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xvTAo&list=PLwYaMUeyAydnvlIz63bwYH2Ay7bdMift6 . Acesso em: 7 maio 2020.
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), evento online que sofreu um ciberataque, constituindo, posteriormente, dois vídeos no espaço informatizado do YouTube: um com indicação de [editado] e outro configurado como [não listado]. A análise se debruça sobre os gestos de edição ‘corte’, cujo funcionamento busca compreender o modo como significam, discursivamente, enquanto práticas de dominação e resistência.

Para Pêcheux (1988PÊCHEUX, Michel. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp , 1988. [1975]), gestos produzem efeitos de sentido. Pode-se assim questionar em que condições de produção gestos de edição significam em diferentes espaços enunciativos. De que forma as práticas e políticas científicas para circulação do conhecimento orientam gestos de edição? Que modos de produção de discurso os gestos de edição vão designar e como se atualizam em outro ato simbólico ou em outras condições de produção? Para percorrer parcialmente essas questões, proponho compreender o Gesto de Edição enquanto ato que intervém nos processos de significação, atualizando outros modos de produção-circulação dos discursos e outros modos de leitura.

Condições de produção e circulação do conhecimento científico

Inicio esta seção com Indursky (2020INDURSKY, Freda. O teatro do grotesco como cenário de desconstrução do Brasil. Revista da Abralin, [s.l.], v. 19, n. 3, p. 365-388, 2020. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/347683205_O_teatro_do_grotesco_como_cenario_da_desconstrucao_do_Brasil . Acesso em: 20 set. 2023.
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) para sintetizar os momentos históricos que balizam o fio do discurso cujas condições de produção nos interessam para a análise:

Há uma memória discursiva proveniente da Formação Discursiva nazifascista que se atualizou em determinados momentos históricos do Brasil. Foi assim com o integralismo, versão brasileira do fascismo e contemporânea do regime fascista de Mussolini e do III Reich de Hitler, sem contar com o Estado Novo de Getúlio Vargas, que também flertou à luz do dia com esses regimes. Anos depois, foi a vez da ditadura militar beber nessa mesma fonte. Como é possível perceber, nossa formação social é frequentemente atravessada por saberes e práticas autoritárias. E assim chegamos ao (des)governo do tenente-capitão e suas arremetidas nessa mesma direção (Indursky, 2020INDURSKY, Freda. O teatro do grotesco como cenário de desconstrução do Brasil. Revista da Abralin, [s.l.], v. 19, n. 3, p. 365-388, 2020. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/347683205_O_teatro_do_grotesco_como_cenario_da_desconstrucao_do_Brasil . Acesso em: 20 set. 2023.
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, p. 373).

Aludindo a um desses períodos, remontamos à retomada do acontecimento histórico que reuniu cientistas contra a Ditadura Civil-Militar, em 1977, na 29ª reunião da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC)2 2 CIENTISTAS se reúnem contra a Ditadura: D. Paulo Arns abriga reunião anual de pesquisadores sabotada pelo governo. [S.l.]: Memorial da Democracia, [s.d.]. Módulo 1964-1985: 21 Anos de Resistência e Luta. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/cientistas-se-reunem-contra-a-ditadura. Acesso em: 15 maio 2020. , no Teatro Tuca (PUC-SP), com o fim de seguirmos na compreensão do funcionamento de discursos que reproduzem práticas políticas de dominação no interior da luta de classes e nas disputas pelos sentidos. O encontro foi “sabotado pelo governo federal, que negou verbas e locais públicos para as reuniões” (CIENTISTAS [...], [s.d.], n.pCIENTISTAS se reúnem contra a Ditadura: D. Paulo Arns abriga reunião anual de pesquisadores sabotada pelo governo. Memorial da Democracia, Módulo 1964-1985: 21 Anos de Resistência e Luta, [s.d.]. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/cientistas-se-reunem-contra-a-ditadura . Acesso em: 15 maio 2020.
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). Essa foi uma das águas que, durante a Pandemia, produziram uma enxurrada de sabotagens, invasões, atos normativos e (re)produção de discursos de ódio.

De acordo com Orlandi (2007ORLANDI, Eni Puccinelli. (1992). As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas: Editora da Unicamp , 2007., p. 76), “a censura pode ser concebida como a interdição da inscrição do sujeito em formações discursivas determinadas”. Portanto, é possível problematizar as relações de força e poder que, em condições políticas de opressão, colocam o discurso da ciência, da democracia, das pautas que buscam reduzir as formas de exploração - racial, econômica, do saber, etc. -, sob censura ou a elas dirigem gestos censórios, em Estados democráticos.

É na contramão dessa investida que o discurso da ciência não deve se preocupar em produzir evidências, mas desconstruí-las. Este é um fundamento da AD materialista. Mas há muitos modos de resistir e, vimos, a duras penas, que não basta resistir de qualquer modo. A ciência, os pesquisadores, também resistem. Resistência à dominação, à opressão, aos ‘cortes’.

Na pesquisa sobre a constituição e o funcionamento da censura, Moreira (2007MOREIRA, Carla Barbosa. Censura e silenciamento no discurso jornalístico. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart; FERREIRA, Lucia Maria Alves (org.). Mídia e memória: a produção de sentidos nos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 319-342., 2009MOREIRA, Carla Barbosa. Produção, circulação e funcionamento da censura na ditadura militar brasileira e no fascismo italiano: a censura na ordem do discurso. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009., 2018MOREIRA, Carla Barbosa. Bloqueado, suspenso, fora do ar: a atualidade da censura no espaço digital. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 60, n. 3, p. 847-868, 2018. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8651532. Acesso em: 5 out. 2023.
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), foi proposto que o evidenciamento seja compreendido enquanto um movimento discursivo que se inscreve na política do silêncio (Orlandi, 2007ORLANDI, Eni Puccinelli. (1992). As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas: Editora da Unicamp , 2007. [1992]). Na referida proposta, o batimento silenciamento-evidenciamento pode ser compreendido, portanto, pelos gestos de descrição-interpretação do discurso que produzem efeitos de evidência - dos sentidos que comparecem como evidentes - em relação a(os)sentidos silenciados. Esse procedimento de análise procura dar visibilidade à relação contraditória das formações discursivas que se referem a formações ideológicas dissidentes e antagônicas.

Num percurso da memória histórica no Brasil, podemos aceitar que a censura (re)produziu saberes censórios e gestos censórios (Moreira, 2009MOREIRA, Carla Barbosa. Produção, circulação e funcionamento da censura na ditadura militar brasileira e no fascismo italiano: a censura na ordem do discurso. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009., 2018MOREIRA, Carla Barbosa. Bloqueado, suspenso, fora do ar: a atualidade da censura no espaço digital. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 60, n. 3, p. 847-868, 2018. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8651532. Acesso em: 5 out. 2023.
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) que funcionam, de forma mais ou menos incisiva, em qualquer conjuntura histórica. Assim, fica ressaltada a importância da noção de interdiscurso tal qual pontua Courtine: o “interdiscurso é uma articulação contraditória de formações discursivas que se referem a formações ideológicas antagônicas” (Courtine, 1981COURTINE, Jean-Jacques. Analyse du discours politique: le discours communiste adressé aux chrétiens. Langages, Paris, v. 15, n. 62, p. 9-128, 1981., p. 54). É, também, sob essa definição que proponho compreender como a censura se atualiza, trabalhando sempre a interdiscursividade que a faz significar.

Como afirma Pêcheux (1990b PÊCHEUX, Michel. Remontemos de Foucault à Spinoza. In: MALDIDIER, Denise. A inquietação do discurso. (Re)ler Michel Pêcheux Hoje. Campinas: Pontes , 1990b. p. 62-70.) sobre as fronteiras da Formação Discursiva, os Aparelhos Ideológicos do Estado não formam lista homogênea, mas existem dentro das relações de contradição-desigualdade-subordinação e intervêm na reprodução-transformação das condições de produção. O destaque dessa formulação de Pêcheux (1990bPÊCHEUX, Michel. Remontemos de Foucault à Spinoza. In: MALDIDIER, Denise. A inquietação do discurso. (Re)ler Michel Pêcheux Hoje. Campinas: Pontes , 1990b. p. 62-70.) faz eco à epígrafe, já que nos interessa analisar os atravessamentos constitutivos pelos quais essa pluralidade de relações se organiza em função das lutas ideológicas em um momento dado de seu desenvolvimento em uma dada formação social.

Nestes termos, lembramos que, no início e ao longo da pandemia, intensificou-se sobremaneira a ocorrência de eventos científicos na modalidade online. De acordo com Costa, Almeida e Santos (2021COSTA, Alice Maria F. R.; ALMEIDA, Wallace Carriço de; SANTOS, Edméa Oliveira dos. Eventos científicos online: o caso das lives em contexto da COVID-19. Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 17, n. 45, p. 162-177, abr./jun. 2021. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/praxis/article/view/8340. Acesso em: 2 dez. 2023.
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):

A comunicação síncrona - em tempo real - é a marca das lives. Entretanto, sua potência de comunicação também é assíncrona - acesso em diferentes tempos -, uma vez que elas podem ser gravadas e disponibilizadas no ciberespaço em diferentes plataformas. A gravação da live a transforma em um “artefato curricular” e ou cultural em potência, ou seja, podemos reutilizá-las em nossas aulas, atividades formativas ou para uso privado e autoestudo (Costa; Almeida; Santos, 2021COSTA, Alice Maria F. R.; ALMEIDA, Wallace Carriço de; SANTOS, Edméa Oliveira dos. Eventos científicos online: o caso das lives em contexto da COVID-19. Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 17, n. 45, p. 162-177, abr./jun. 2021. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/praxis/article/view/8340. Acesso em: 2 dez. 2023.
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, p. 164).

Apesar de, nessa citação, o objeto se debruçar sobre o ensino, a potencialidade das lives, em termos de reprodutibilidade através de sua gravação, muito importa para questionar o lugar do político na linguagem, a partir das condições de produção em que se inscreve nosso objeto de análise, posto que sua enunciação expõe diferentes materialidades significantes e a história dos sentidos pela posição de divulgador e editor do vídeo, então assumida pelo pesquisador.

Assim, costuramos que não é a tecnologia de comunicação audiovisual tomada pela metafísica ocidental ‘por meio de’ recursos visíveis que fariam significar sujeitos e sentidos, mas é o efeito de presença no processo discursivo, nessas condições de produção do Discurso de Divulgação Científica (Mariani; Moreira; Estrela, 2021MARIANI, Bethania Sampaio Correa.; MOREIRA, Carla B.; ESTRELA, Rebeca. A produção de conhecimento em análise do discurso e sua circulação em meio digital: problemáticas e perspectivas. In: SILVA, Dalexon Sérgio da; SILVA, Claudemir dos Santos (org.). Pêcheux em (dis)curso: entre o já-dito e o novo. Uma homenagem à professora Nadia Azevedo. São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. p. 333-356. v. 2.). Acrescentamos a essa reflexão o que Guilhaumou, Maldidier e Robin (2016GUILHAUMOU, Jacques; MALDIDIER, Denise; ROBIN, Régine. Discurso e Arquivo: experimentações em Análise do Discurso. Trad. de Carolina P. Fedatto e Paula Chiaretti. Campinas: Editora da Unicamp, 2016.) apresentaram como um “efeito de real” combinado ao “efeito de ao vivo”, nas condições produção-circulação reguladas por recursos do espaço enunciativo informatizado (GALLO; SILVEIRA, 2017GALLO, Solange Maria Leda; SILVEIRA, Juliana da. Forma discurso de escritoralidade: processos de normatização e legitimação. In: FLORES, Giovanna G. Benedetto (org.). Análise de discurso em rede: cultura e mídia. 3. ed. Campinas: Pontes Editores , 2017. p. 171-194.) na produção-circulação de webnários, como é o caso do YouTube. Nesta linha de orientação e por considerar a incompletude do efeito sob as condições que o fundam, podemos mobilizar a memória.

De fato, na Marcha pela Ciência-MG (2020CIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020a. 1 vídeo (1 hora, 16 min). Ob. 1. Não listado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xvTAo&list=PLwYaMUeyAydnvlIz63bwYH2Ay7bdMift6 . Acesso em: 7 maio 2020.
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), a contradição ressalta práticas de administração dos recursos tecnológicos em posições antagônicas, cujos sentidos podem ser compreendidos na interdiscursividade da divulgação científica em conjunturas históricas que nos remetem a julho de 1977. Os saberes censórios aqui-lá em funcionamento, por sua vez, nos remetem à ditadura Vargas em cooperação com o fascismo italiano (Moreira, 2009MOREIRA, Carla Barbosa. Produção, circulação e funcionamento da censura na ditadura militar brasileira e no fascismo italiano: a censura na ordem do discurso. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009.). A compreensão do funcionamento de uma memória não linear no gesto de leitura do arquivo - como o empenhado no gesto de leitura de arquivo no DOPS-MG (Moreira, 2009MOREIRA, Carla Barbosa. Produção, circulação e funcionamento da censura na ditadura militar brasileira e no fascismo italiano: a censura na ordem do discurso. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009.) - favorece um trabalho de descrição-interpretação sobre uma memória em dispersão.

Saberes censórios, por assim dizer, são produzidos também por outras práticas técnicas da ordem do digital, o que as inscreve no campo de questões da ordem do digital e da web na relação com a tríade língua, sujeito e história. É possível, nessa proposição, analisar como os gestos censórios e de interdição podem ser concebidos e analisados como gestos políticos, administrativos, jurídicos, no/sobre o discurso do ciberespaço - produzindo técnicas, recursos3 3 De acordo com Eni Orlandi, é preciso pensar os “recursos” do ponto de vista das ciências humanas - reintroduzindo a materialidade histórica, a ideologia e os sujeitos sociais - e sem separar estritamente as instâncias (ciência, tecnologia, administração) em que a mesma palavra “recurso” produz diferentes efeitos de sentidos” (Orlandi, 2003, p. 6) , práticas -, e em que medida as formas de dominação e resistência materializadas nas práticas discursivas apresentam-se como objeto de investigação produtivo para as Teorias do Discurso.

Encaminhamentos teórico-metodológicos e circulação do conhecimento

Edição4 4 Na disciplina Pesquisa em Edição, linha IV (Edição, Linguagem e Tecnologia) do POSLING/CEFET-MG, a Prof.ª Dr.ª Ana Elisa Ribeiro propôs aos estudantes uma definição de ‘edição’, na forma de um texto definidor, não definitivo. Para isso, empenharam-se em alguns procedimentos de pesquisa, diálogo, releituras, negociação, reorganização, revisão, mudança, refação” (Coutinho; Castro; Ribeiro, 2022, p. 9-10). Cf.: https://anadigital.pro.br/wp-content/uploads/2023/09/Edicao-s.f.-um-verbete-expandido-e-book.pdf. :

2. Processo de cortar, recortar, fazer caber em um formato e espaço preestabelecido. 3. Ato de reelaborar um texto para diversos fins: traduzir, reorganizar ou formatar o material com foco na legibilidade. 23. Substantivo derivado do verbo editar. A edição não se aplica apenas a textos, vídeos, áudios e congêneres. É o resultado de um processo amplo, social e cotidiano, pois, na esfera pública, o indivíduo apresenta-se como uma versão editada. Escolha - de maneira consciente ou inconsciente - como será projetada a “imagem de si” para o outro. Seja nas redes sociais, com fotos e frases; seja visualmente, com roupas e acessórios; seja discursivamente, na opção por um léxico e por determinado relato. Edição é efeito do contínuo ato de escolher o que mostrar e o que omitir, fora do ambiente interno e privado (...) (adaptado de Coutinho; Castro; Ribeiro, 2022COUTINHO, Samara; CASTRO, Cecília; RIBEIRO, Ana Elisa (org.). Edição, s.f.: um verbete expandido. Belo Horizonte: Quixote; CEFET-MG, 2022. v. 1. Disponível em: https://anadigital.pro.br/2023/04/04/edicao-s-f-um-verbete-expandido/ . Acesso em: 4 set. 2023.
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, p. 13).

Como é possível verificar, esse verbete, em processos e políticas de edição, pode assumir diferentes efeitos de sentido. Neste texto, procuraremos problematizar discursivamente o que está sendo proposto como ‘gestos de edição’, analisando seus efeitos (Pêcheux, 1988PÊCHEUX, Michel. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp , 1988. [1975]) a partir do gesto ‘cortar’ enquanto formas de dominação e resistência.

Estados em que a censura é institucionalizada - mas não só - buscam se apropriar de formas diversas de controle dos espaços enunciativos e da administração dos sentidos. Uma dessas formas se dá pelo evidenciamento, que busca naturalizá-los na contramão da historicidade. É nesse funcionamento do batimento silenciamento-evidenciamento que efeitos de sentidos dissidentes ou antagônicos são predominantemente produzidos por mecanismos materiais de resistência. O funcionamento da censura, teorizada enquanto política do silêncio por Orlandi (2007ORLANDI, Eni Puccinelli. (1992). As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas: Editora da Unicamp , 2007. [1992]), também se materializa através do corte, da supressão, do dizer. É o que mostram os estudos de Moreira (2009MOREIRA, Carla Barbosa. Produção, circulação e funcionamento da censura na ditadura militar brasileira e no fascismo italiano: a censura na ordem do discurso. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009.):

“SD6 - NÃO HÁ NECESSIDADE DE “PROIBIR” o filme de Arte - bastará cortar pequenas seqüências de IMAGEM, DIÁLOGO e TRILHA SONORA - (como já demonstrei no Curso de Prática de Mensagens Justapostas - de teor subversivo). COMO RESOLVER ESTE PROBLEMA? Aplicando pequenos CORTES PARA TRUNCAR as mensagens subversivas, NEUTRALIZANDO-AS, sem proibir o filme de arte (de teor político-subversivo)” (Moreira, 2009MOREIRA, Carla Barbosa. Produção, circulação e funcionamento da censura na ditadura militar brasileira e no fascismo italiano: a censura na ordem do discurso. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009., p. 65).

Para trabalharmos o corte enquanto gesto de edição, mobilizamos algumas noções. Souza (2020SOUZA, Pedro de. Gesto. In: MARIANI, Bethania (org.). Enciclopédia Virtual de Análise do Discurso e áreas afins (Encidis). Niterói: UFF, 2020. 1 vídeo (7 min). Videoverbete da Enciclopédia virtual do discurso (EnciDIS), organizada por Bethania Mariani. Postado pelo canal EnciDIS. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KJik4rLQoQE . Acesso em: 5 out. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=KJik4rLQ...
) apresenta a definição de gesto como ato tomado no nível simbólico. Como explica, qualquer ato, qualquer movimento corporal, é significado a partir da relação com o regime de sentidos historicamente estabilizados pelo funcionamento da ideologia. Não é o gesto em si que significa e é tomado como conceito para a AD, mas a intervenção, neste gesto, de uma memória de discurso.

Para Orlandi (2021ORLANDI, Eni Puccinelli. A terra não é plana e o mundo das palavras não tem só dois lados: ainda o silêncio em suas novas formas. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans; SILVA , SOBRINHO Helson Flávio da (org.). Ousar se revoltar: Michel Pêcheux e a análise do discurso no Brasil. Campinas: Pontes , 2021. p. 53-74.):

“A ideologia é, então, vista, (...) a partir do processo de assujeitamento - interpelação ideológica do indivíduo em sujeito - onde se estrutura a relação com o outro. E é nesse vínculo também que ligamos o significante à sociedade e à história (Orlandi, 2021ORLANDI, Eni Puccinelli. A terra não é plana e o mundo das palavras não tem só dois lados: ainda o silêncio em suas novas formas. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans; SILVA , SOBRINHO Helson Flávio da (org.). Ousar se revoltar: Michel Pêcheux e a análise do discurso no Brasil. Campinas: Pontes , 2021. p. 53-74., p. 59).

O fragmento se refere a uma reação discursiva comum nas lutas de classes, na qual se evita uma proibição explícita, incisiva, para que ela se vincule a uma suposta inscrição nos procedimentos e processos democráticos. É o que ocorre em jornais, em espaços enunciativos informatizados, editoras e, em especial, nas redes sociais, que discursivizam uma ilusão de poder de decisão aos que ocupam posições destituídas de poder; os “usuários” (Moreira, 2018MOREIRA, Carla Barbosa. Bloqueado, suspenso, fora do ar: a atualidade da censura no espaço digital. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 60, n. 3, p. 847-868, 2018. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8651532. Acesso em: 5 out. 2023.
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). As “Políticas de Uso” das redes sociais é que possuem controle do aparato técnico dos gestos de edição na ordem do digital e têm se apropriado dos mecanismos de poder e saber dispostos pelos recursos e conhecimentos tecnológicos.

Desse modo, um ponto fulcral para a problematização formulada para este trabalho é que se tome o meio material na perspectiva da Análise do Discurso: pensar o dispositivo, a técnica e o espaço de dizer em sua materialidade. Essas considerações discutidas anteriormente antecipam a sustentação teórico-metodológica e procedimentos de análise que passamos a apresentar.

Para começar a pensar a ampliação e a abertura dos espaços enunciativos em ambiente digital, colocamos em perspectiva que não nos pautamos na evidência de um único sentido do enunciado “ciência para todos”,, como discutido por Mariani (2022MARIANI, Bethania Sampaio Correa. As ciências humanas, a Análise do Discurso e o momento atual: discursos sobre ciência aberta, políticas públicas e periódicos científicos. Policromias - Revista de Estudos do Discurso, Imagem e Som, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p. 164-181, set./dez. 2022.) em sua pesquisa sobre Ciência Aberta. A isso, acrescente-se que a produção, circulação e difusão do saber científico estão quase completamente inseridos naquela que vem convencionalmente definida como a sociedade digital5 5 sia la produzione che la circolazione e la diffusione del sapere scientifico sono pressoché completamente inserite in quella che viene convenzionalmente definita la società digitale” (MARIANI, Bethania. La produzione e la circolazione del sapere su piattaforme digitali: lo status del portoghese brasiliano in un’enciclopedia digitale sottotitolata. Lingue e Linguaggi, Itália, v. 35, p. 13-28, 2020. Tradução: Gian Luiggi De Rosa. Disponível em: http://siba-ese.unisalento.it/index.php/linguelinguaggi/article/view/22388. Acesso em: 4 out. 2022. (Mariani, 2020MARIANI, Bethania Sampaio Correa. Divulgação Científica em Análise do Discurso: investigação e inovação com base nas novas tecnologias. In: MARIANI, Bethania Sampaio Correa (org.). Enciclopédia audiovisual virtual de termos, conceitos e pesquisas em análise do discurso e áreas afins: investigação, inovação, divulgação. Rio de Janeiro: Edições Makunaima; FAPERJ/CNPq , 2016. p. 10-24., p. 13, tradução nossa), o que reforça a importância da discussão que desenvolvemos neste artigo.

O que podemos compreender por ampliar, ou abrir, espaços de enunciação? Ciência para quem? A partir de quais sujeitos? Em qual língua? Em quais condições históricas de produção-circulação? Neste espaço enunciativo em que a incompletude é inerente à linguagem retomo Mariani, Moreira e Estrela:

(...) a propriedade pela qual sujeito e sentido estão em movimento; pela qual o corpo, em sua forma histórica, significa; tem forma material. O pesquisador - divulgador põe-se em circulação junto, ou melhor, em seu dizer. Essa prática simbólica se dá pela língua, na voz, no corpo, imagem, gestos, movimentos, do sujeito pesquisador-divulgador, constituindo a enunciação sob certas condições de produção. (Mariani, Moreira, Estrela, 2021MARIANI, Bethania Sampaio Correa.; MOREIRA, Carla B.; ESTRELA, Rebeca. A produção de conhecimento em análise do discurso e sua circulação em meio digital: problemáticas e perspectivas. In: SILVA, Dalexon Sérgio da; SILVA, Claudemir dos Santos (org.). Pêcheux em (dis)curso: entre o já-dito e o novo. Uma homenagem à professora Nadia Azevedo. São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. p. 333-356. v. 2., p. 346).

Assim, importa também, para os gestos de leitura de arquivo da Divulgação do Conhecimento Científico, o modo como o sujeito se relaciona com a língua, inscrevendo-se nos processos de enunciação em que as políticas e a administração dos recursos econômicos e técnicos intervêm. Da perspectiva do analista, Pêcheux ressalta duas vertentes de leitura de arquivo que aqui nos interessa. Na primeira, refere-se a “um espaço polêmico das maneiras de ler o arquivo”, uma descrição do “trabalho do arquivo enquanto relação do arquivo com ele-mesmo, em uma série de conjunturas (...)” (Pêcheux, 2014b PÊCHEUX, Michel. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, Eni Puccinelli (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp , 2014b [1994]. p. 57-67.[1994], p. 59).

A segunda vertente aponta aderências históricas completamente diferentes, as quais demandam um trabalho anônimo cujo gesto de leitura “impõe ao sujeito-leitor seu apagamento atrás da instituição que o emprega” (Pêcheux, 2014 b PÊCHEUX, Michel. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, Eni Puccinelli (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp , 2014b [1994]. p. 57-67. [1994], p. 59). Essa autoridade de ler, falar, escrever - e, acrescento, editar - “em nome de”, determina um funcionamento que só existe associado a quem o domina ou detém os aparelhos de poder na ordem do discurso digital.

Avançando, também podemos “questionar os recursos da inteli-gência humana em luta com o arquivo (...)” (Pêcheux, 2014 b PÊCHEUX, Michel. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, Eni Puccinelli (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp , 2014b [1994]. p. 57-67. [1994], p. 67). Clivagens resultantes de gestos de interpretação, em nosso procedimento de análise, encaminhando gestos de edição que alteram as formas de leitura. Nesse sentido, com Dias (2019DIAS, Cristiane. O sentido de automatização na análise do discurso: sobre a maquinaria dos sentidos. Língua e Instrumentos Linguísticos, Campinas, n. 44, p. 198-221, jul./dez. 2019., p. 218), lembro que “a materialidade do arquivo é constituída na discursividade digital”, bem como se encontra no dispositivo teórico-metodológico a saída da maquinaria do esquecimento, como procuraremos mostrar com as análises que seguem.

Gestos de edição: corte e gestos censórios

O nazismo não começará provavelmente como tal, mas “o ventre ainda é fecundo” (...) (Pecheux, 1990 a PÊCHEUX, Michel. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 19, p. 7-24, jul./dez. 1990a. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636823/4544 . Acesso em: 3 out. 2023.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 19)

Pensar a relação a no procedimento de descrição-interpretação pode fazer trabalhar tanto o interdiscurso quanto o intradiscurso. Entre as diversas práticas que levam a efeitos de evidência (Pêcheux, 1988PÊCHEUX, Michel. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp , 1988. [1975]) produzidos pela ideologia, o que está aqui em realce é seu mecanismo discursivo de ‘evidenciar para silenciar’ - evidenciamento, produzindo efeitos materiais na ordem do discurso e na constituição histórica dos sentidos (Moreira, 2007MOREIRA, Carla Barbosa. Censura e silenciamento no discurso jornalístico. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart; FERREIRA, Lucia Maria Alves (org.). Mídia e memória: a produção de sentidos nos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 319-342., 2009MOREIRA, Carla Barbosa. Produção, circulação e funcionamento da censura na ditadura militar brasileira e no fascismo italiano: a censura na ordem do discurso. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009.).

Nessa especificidade, o impedimento do trabalho da historicidade é teórico-metodologicamente analisado a partir da relação que fazemos no retorno a Pêcheux ([1988PÊCHEUX, Michel. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp , 1988.] 1975) e Orlandi (2007ORLANDI, Eni Puccinelli. (1992). As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas: Editora da Unicamp , 2007. [1992]): discurso é relação a, assim como os sentidos. E é dessa mesma relação que o gesto pode ser interpretado enquanto resistência.

Necessário se faz recuperarmos agora o segundo momento histórico analisado por Indursky (2023INDURSKY, Freda. O Fascismo e a lógica do capital em tempos de redes sociais. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI Fabiele Stockmans; GALLI, Fernanda Correa Silveira; SILVA , SOBRINHO Helson Flávio da (org.). Trajetos dos sujeitos e dos sentidos. Campinas: Pontes , 2023. p. 7-347.) para retomarmos a memória discursiva sobre o Fascismo, a partir de uma sequência imagético-discursiva (Sd9), a qual, no Brasil, retoma mais que a memória da Ditadura. Como a autora analisa, a memória que algumas vozes atualizaram, sem pudor, em 2015, rememoraram as práticas de extermínio da Ditadura Civil-Militar e identificaram-se com uma posição-sujeito fascista, inscrita na FD de extrema-direita (Indursky, 2019), ao fazerem a saudação nazista (...), naturalizando, assim, saberes e práticas que funcionam como pré-construídos.

Isto posto, chegamos a maio de 2020. Pude assistir ao evento “Marcha pela Ciência”, organizada pela SBPC, de forma ao vivo, no Zoom, dada a necessidade de isolamento social decorrente da Covid 19, como já exposto. Na palestra de abertura da Marcha no estado de Minas Gerais, a mediadora foi interrompida em sua fala pela nomeada - entre outros termos - invasão, que aqui assumiremos, como consta da matéria “Mesa virtual sobre pandemia entre pesquisadores de MG é invadida com imagem nazista” (Mesa [...], 2020MESA virtual sobre pandemia entre pesquisadores de MG é invadida com imagem nazista. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7 maio 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/mesa-virtual-sobre-pandemia-entre-pesquisadores-de-mg-e-invadida-com-imagem-nazista.shtml . Acesso em: 7 maio 2020.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
). Vejamos uma captura de imagem de nosso Objeto discursivo de análise (Figura 1), que corresponde ao intervalo de tempo compreendido entre 9min38s e 11min53s e a que chamaremos de Od1.

Figura 1 -
Marcha pela Ciência (2020CIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura - versão editada. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020b. Obj. 2. 1 vídeo (1 hora, 12 min). Editado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4oL8&list=PPSV . Acesso em: 8 maio 2020.
https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4...
), edição Minas Gerais6 6 Mesa virtual sobre pandemia entre pesquisadores de MG é invadida com imagem nazista. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7 maio 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/mesa-virtual-sobre-pandemia-entre-pesquisadores-de-mg-e-in vadida-com-imagem-nazista.shtml. Acesso em: 7 maio 2020. .

O print comparece enquanto captura linguística ou imagética em um espaço enunciativo “congelado” pela informatização digital. Neste momento, essa captura imagética não será considerada, servindo apenas para abrir a apresentação do acontecimento histórico que, contudo, não é isolado. Anos antes e depois de 2020 foram noticiadas uma série de ‘invasões’ em eventos científicos7 7 Apresento um outro exemplo, que tem sido recorrente não só por questões de política, mas do político, das lutas que vão (re)posicionando sujeitos nas relações de poder. A nota “Reunião online de organização da Marcha pela Ciência em SP é invadida!” repudia o fato de uma reunião online da organização da Marcha pela Ciência 2022, em 14/06/2022, SP, ter sido invadida aparentemente por robôs, com dizeres pedindo o voto em Bolsonaro, também com palavrões e reproduzindo um discurso de Hitler. Reunião on-line de organização de Marcha pela Ciência em SP é invadida. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, São Paulo, 14 jun. 2022. Disponível em: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/reuniao-online-de-organizacao-da-marcha-pela-ciencia-em-sp-e-invadida. Acesso em: 30 set. 2023. , como consta da nota de rodapé.

Com base nos desdobramentos do acontecimento gravado em vídeo e disponível no YouTube - sendo Ob18 8 CIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020a. 1 vídeo (1 hora, 16 min). Obj. 1. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xvTAo&list=PLwYaMUeyAydnvlIz63bwYH2Ay7bdMift6. Acesso em: 7 maio 2020. a versão completa e [não listada], com 2200 visualizações, e sendo Ob29 9 CIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura - versão editada. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020b. 1 vídeo (1 hora, 12 min). Obj. 2. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4o L8&list=PPSV. Acesso em: 8 maio 2020. a versão [editada], com 272 visualizações10 10 Os vídeos foram acessados pela última vez no mesmo dia, em 02/10/2023. -, tomamos os dois vídeos como material descritivo de análise. A versão não listada - o vídeo completo - será nomeada como Ob1 [não listado] , e a versão editada será nomeada como Ob2 [vídeo editado]. Isso porque se faz necessário analisá-los não apenas como vídeo, na restrição a seus recursos tecnológicos, mas, como propõe Orlandi (2004ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Campinas: Pontes , 2004.), em suas condições de produção.

Assim, o gesto de análise empreende a desconstrução da relação palavra-coisa - esquecimento n. 2 (Pêcheux, 1988PÊCHEUX, Michel. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp , 1988. [1975]) - e o funcionamento das paráfrases, sinonímias, do dizer e não dito, do dito de outro modo, trabalhando a falta e o equívoco (Lagazzi, 2009LAGAZZI, Suzy Maria. O recorte significante na memória. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro; MITTMANN, Solange (org.). O Discurso na Contemporaneidade. Materialidades e Fronteiras. São Carlos: Claraluz, 2009. p. 67-78.). Posto que não importa, à Análise do Discurso, elucidar sentidos, mas analisar o processo discursivo em certas condições de produção, passaremos à análise da imbricação das materialidades significantes a partir do trabalho de descrição-interpretação do discurso.

Enquanto pesquisadora-espectadora de um evento ao vivo, também sou afetada pela redução da distância espacial e temporal, o que produz um efeito de presença, e isso aponta outros desdobramentos de pesquisa. Assim, a reflexão incidirá sobre os vídeos que reproduzem os acontecimentos na história.

Em pesquisa sobre os videoverbetes produzidos na Enciclopédia Audiovisual de Termos da Análise do discurso, Dela-Silva (2016DELA-SILVA, Silmara. De produtos a processos: pensando a produção em vídeo discursivamente. In: MARIANI, Bethania (org.). Enciclopédia audiovisual virtual de termos, conceitos e pesquisas em análise dos discursos e áreas afins: investigação, inovação, divulgação. Rio de Janeiro: Edições Makunaima; FAPERJ/CNPq, 2016. p. 77-91.) afirma que é um exercício pensá-los enquanto práticas inscritas sócio-historicamente: “(...) Os vídeos, em sua materialidade específica audiovisual, constituem também discursos, o que significa afirmar que eles não possuem conteúdos em si mesmos, mas produzem efeitos de sentidos para e por sujeitos” (Dela-Silva, 2016DELA-SILVA, Silmara. De produtos a processos: pensando a produção em vídeo discursivamente. In: MARIANI, Bethania (org.). Enciclopédia audiovisual virtual de termos, conceitos e pesquisas em análise dos discursos e áreas afins: investigação, inovação, divulgação. Rio de Janeiro: Edições Makunaima; FAPERJ/CNPq, 2016. p. 77-91., p. 81-82).

Essa abordagem tem relevância na medida em que a análise aqui delineada assume que os gestos de edição produzem consequências sobre o que Indursky (2019INDURSKY, Freda. Que sujeito é este? In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans; SILVA , SOBRINHO Helson Flávio da (org.). Silêncio, memória, resistência. A política e o político no discurso. Campinas: Pontes , 2019. p. 79-102.) chama de “regime de visibilidade”:

A política, hoje, se constrói a partir de um forte regime de visibilidade, independentemente do espaço e do tempo daquele que a observa. Desta forma, não só podemos ver/ouvir e analisar, como podemos observar tais práticas políticas, colocando-as em perspectiva para analisá-las entre o dizível e o indizível, por um lado, e entre o dizível e o visível, por outro. (Indursky, 2019INDURSKY, Freda. Que sujeito é este? In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans; SILVA , SOBRINHO Helson Flávio da (org.). Silêncio, memória, resistência. A política e o político no discurso. Campinas: Pontes , 2019. p. 79-102., p. 82).

Nessa esteira, poderíamos acrescentar uma outra perspectiva para analisar a política: gestos de edição, pela disputa dos espaços enunciativos e dos sentidos, podem ser similares, o que não os aproxima fundamentalmente, no sentido de que “o problema” está alhures. Nessa abordagem, mobilizamos a perspectiva de Pêcheux (1990PÊCHEUX, Michel. Remontemos de Foucault à Spinoza. In: MALDIDIER, Denise. A inquietação do discurso. (Re)ler Michel Pêcheux Hoje. Campinas: Pontes , 1990b. p. 62-70.a), aqui posta para confrontarmos dominação e resistência:

Não entender ou entender errado; não ‘escutar’ as ordens; não repetir as litanias ou repeti-las de modo errôneo; falar quando se exige silêncio; falar sua língua como uma língua estrangeira que se domina mal; mudar, desviar, alterar o sentido das palavras e das frases; tomar os enunciados ao pé da letra; deslocar as regras da sintaxe e desestruturar o léxico jogando com as palavras (Pêcheux, 1990a PÊCHEUX, Michel. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 19, p. 7-24, jul./dez. 1990a. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636823/4544 . Acesso em: 3 out. 2023.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 17).

Por isso, tomar a interpretação dos gestos de edição no funcionamento discursivo em que materialidade do digital o constitui é da ordem do político. Fato é que ‘ataques hacker’ a servidores e lives, e não só de eventos científicos, tiveram início muito antes da Pandemia, apesar de nela terem se intensificado drasticamente. Questões de segurança estão por serem respondidas, especialmente neste momento em que, no Brasil, estamos ainda buscando compreender as diretrizes e sentidos de uma Ciência Aberta (Mariani, 2022MARIANI, Bethania Sampaio Correa. As ciências humanas, a Análise do Discurso e o momento atual: discursos sobre ciência aberta, políticas públicas e periódicos científicos. Policromias - Revista de Estudos do Discurso, Imagem e Som, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p. 164-181, set./dez. 2022.), bem como os mecanismos e efeitos da desinformação e da disseminação do discurso de ódio.

Na esteira da AD, como disciplina de entremeio, interrogamo-nos sobre a relação entre sujeito e máquina não perdendo de vista que o modo como o acontecimento na história é/será significado leva a tomadas de posição acerca do uso de recursos técnicos, como os da IA, na produção-circulação do conhecimento. É nesta perspetiva que, para analisar o funcionamento parafrástico - a interdiscursividade - no processo de produção de sentidos, tomamos as sequências discursivas (Sd’s) que correspondem ao recorte discursivo dos comentários dos espectadores da live durante a invasão, em Ob111 11 CIÊNCIA DE MG, Op. cit., 2020a. , considerados ‘mais relevantes’ pela indicação do recurso no YouTube:

  1. Imaginários de um problema cuja causa é uma falha técnica

    Sd1: O problema é o Zoom

    Sd2: Parece hacker

    Sd3: Invadiram o Zoom

    Sd4: Vírus

    Sd5: Gente, por favor, evitem usar o Zoom. Como ficou bem claro, a ferramenta é insegura e tem diversos registros não só de erros como de brechas de segurança. Isso ficou bem claro no vídeo. Aquilo não é uma invasão, é simplesmente exploração de brechas simples de segurança do Zoom.

  2. Imaginários de invasão cuja causa é o ataque à ciência vindo de posições antagônicas

    Sd6: Que a ciência possa contribuir por um mundo mais justo e igualitário para todos!

    Sd7: Fundamental em tempos de constantes ataques à Ciência no Brasil!

    Sd8: Ficaremos pela ciência!

    Sd9: O que significa a importância da ciência.

  3. Imaginários de reconhecimento da conjuntura histórica de ataque à democracia e à ciência

    Sd10: Vírus BOICOTE!!!!

    Sd11: É o gabinete do ódio

    Sd12: Juntos somos mais fortes! Não vamos desistir!

    Sd13: Mais do que nunca estamos percebendo a importância da ciência nos tempos atuais.

    Sd14: Fundamental em tempos de constantes ataques à Ciência no Brasil!

Faz-se necessário considerar a articulação entre os grupos de imaginários 2 e 3, bem como o esvaziamento da conjuntura histórica e política pela negação discursivizada em Sd5: “não é uma invasão, é simplesmente exploração de brechas simples de segurança do Zoom”, em uma corrente lógico-tecnicista constituída pela transparência dos sentidos para explicações que reduzem os confrontos ideológicos e as contradições na história ao mínimo.

As marcas linguístico-discursivas no grupo 1 (Zoom, hacker, vírus, brecha de segurança, ferramenta) conduzem a efeitos de sentido de ataques, mas não naturalizam, na discursividade, situações de confronto, de guerra, de ódio, seja enquanto absurdo Nazista na imbricação significante com a imagem de Hitler ao fundo, seja na Ditadura Civil-Militar ou na conjuntura política no entorno dos anos 2020.

Durante a invasão, por 135 segundos, a ciência é silenciada na tela, e, como no 29.º encontro da SBPC (1977), perde seu espaço enunciativo; fica ‘sem lugar’, à deriva, realizando-se, como já apresentado anteriormente, em momento outro e em outro lugar (PUC-SP). Nos comentários da Sd6 à Sd9, a discursivização “da, pela, à, por” ciência” constitui efeitos do Outro, pelo que se resiste. O evento online fica off. Contudo, na administração dos recursos técnicos, o gesto de edição ‘corte’ também funciona como resistência a partir dos organizadores e pesquisadores, ao produzirem o Ob2 [editado], e configurarem o Ob1 [não listado]. O gesto de edição ‘configurar/marcar’ Ob1 como não listado produz efeito de alteração - rasura - na ordem do discurso e movência de sentidos. Ob1 e Ob2 são aqui entendidos não como o acontecimento histórico, mas dois acontecimentos discursivos. De outra sorte, Ob2 [editado] passa a significar de outro modo; “alhures” (Pêcheux, 1990 a PÊCHEUX, Michel. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 19, p. 7-24, jul./dez. 1990a. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636823/4544 . Acesso em: 3 out. 2023.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 10).

Admitimos, com Orlandi (1996, 2017ORLANDI, Eni Puccinelli. Eu tu ele. Discurso e real da história. Campinas: Pontes , 2017.), o gesto como ato simbólico que intervém no real do sentido, isto é, como gesto de interpretação. Na mesma perspectiva, Souza (2020SOUZA, Pedro de. Gesto. In: MARIANI, Bethania (org.). Enciclopédia Virtual de Análise do Discurso e áreas afins (Encidis). Niterói: UFF, 2020. 1 vídeo (7 min). Videoverbete da Enciclopédia virtual do discurso (EnciDIS), organizada por Bethania Mariani. Postado pelo canal EnciDIS. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KJik4rLQoQE . Acesso em: 5 out. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=KJik4rLQ...
) nos ajuda a compreender a materialidade visual que constitui o fundo da tela por trás do jovem nos minutos finais do intervalo de invasão no Ob1 [não listado].

O impossível de ser dito/visto nessa formação discursiva ‘discurso da ciência’ - ou das ciências, para não nos esquecemos das dominações no interior da própria formação discursiva - a invade e a ataca com dizeres racistas discurvizados também na materialidade imagética: Hitler, em seu gesto ‘saudação nazista’12 12 CIÊNCIA DE MG, Op. cit., 2020a. , repetidamente orquestrado em condições históricas e políticas de produção. Aproximações cujos sentidos se inscrevem em uma formação discursiva de extrema direita.

Em meu trajeto do olhar - nos termos e sentidos de Lagazzi (2022LAGAZZI, Suzy Maria. A hostilidade do abandono no testemunho da fotografia. In: CASTELLO BRANCO, Luiza et al. Entrenós da Língua do Sujeito, do Discurso. Campinas: Pontes Editores , 2022. p. 253-266. v. 2., p. 262) - sigo na descrição-interpretação de Ob1 [não listado] em relação ao batimento das materialidades significantes, de forma não linear: esse jovem com um fone de ouvido, muito utilizado nos jogos digitais, parece sorrir, o que ressoa nas risadas que ouvimos durante a invasão. Ambos parecem “jogar” contra os participantes do evento - pesquisadores-divulgadores científicos - como se gabando de conseguirem ‘bugar’ o evento científico e calar cientistas. Só que, se fosse um jogo, a seguinte pergunta seria pertinente: - Isso vale?

O espaço enunciativo aberto da circulação do conhecimento é atravessado por uma memória discursiva que toma a ciência como o outro a ser eliminado: Fomos invadidos”, falaram os pesquisadores-divulgadores durante os segundos de resistência durante a invasão (Od1). A ‘contradição’ está lá, no discurso antes-depois da fronteira intervalar da invasão. Cientistas discutem o negacionismo antes da invasão; depois dela, o palestrante ensina que a ciência trabalha com evidências.

A contradição também está no seu interior, já que a formação discursiva negacionista (sorriso do jovem, imagem de Hitler, em seu gesto no plano de fundo, frases racistas e nazistas pronunciadas em inglês, nas risadas) intercepta a formação discursiva ‘Discurso de Divulgação da Ciência’. O corte para invadir, para ocupar o ‘lugar de’, enquanto gesto de edição, atua no mesmo espaço enunciativo do discurso da ciência.

A “língua franca da ciência” e as formas de dominação imperialistas se impõem no batimento silenciamento-evidenciamento, eliminando as imagens e os corpos de seus antagonistas, de um lado; e insistindo na repetibilidade: “Nigger nigger nigger nigger”... Nas palavras sem sentido; na voz feminina e no nome ‘John scaife’; com palavrões, seguidos de outra voz, masculina.

De acordo com Lagazzi (2009LAGAZZI, Suzy Maria. O recorte significante na memória. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro; MITTMANN, Solange (org.). O Discurso na Contemporaneidade. Materialidades e Fronteiras. São Carlos: Claraluz, 2009. p. 67-78.) é pela falta que trabalhamos a imbricação material pela relação de contradição; cada uma fazendo trabalhar a incompletude na outra, mostrando a necessidade de refletir o intradiscurso como lugar heterogêneo de rupturas. O palestrante pesquisador aparece na tela, resiste por uns segundos, mas todos são dominados pela exclusão e pela mistura de vozes sobrepostas, em discurso de ódio; e a voz feminina segue sem respiro ao longo do vídeo: “nigger nigger nigger nigger nigger nigger nigger nigger nigger nigger nigger nigger nigger”, ou “preto”, tradução do inglês em condições de produção que configuram racismo13 13 Palavra que foi usada por um tempo como sinônimo de negro na língua inglesa, mas que ao longo do século XX passou a ser considerada ofensiva e por volta de meados do século XX se tornou um termo racista extremamente ofensivo nos Estados Unidos e foi deixando de ser usada. Ela foi inicialmente substituída pela palavra “black” mas, principalmente a partir dos anos 1990, vem sendo substituída por “African American” nos Estados Unidos, influenciando o Brasil no termo “afro-brasileiro” que passou a ser adotado há alguns anos. A razão do termo “nigger” ter adquirido uma conotação ofensiva é que pessoas parcialmente negras nem sempre admitiam ser chamadas de “nigger”. Um bom exemplo sobre a conotação negativa que o termo adquiriu ao longo do século XX se vê no clássico de Agatha Christie lançado em 1939 chamado de “Ten Little Niggers” (O Caso dos Dez Negrinhos) que teve que mudar de nome em inglês”. Cf. Biografia de Mahommah Gado Baquaqua (BAQUAQUA; MOORE 2018, nota 96). .

Meu olhar e as possibilidades de ouvir, de entender as outras palavras, neste momento, foram capturadas e se perderam por um tempo. Lutas de classe, raça e gênero, no Brasil, também são indissociáveis. De minha posição de sujeito, analista do discurso, que não se constitui sem as demais, entendo o trajeto do olhar (Lagazzi, 2022LAGAZZI, Suzy Maria. A hostilidade do abandono no testemunho da fotografia. In: CASTELLO BRANCO, Luiza et al. Entrenós da Língua do Sujeito, do Discurso. Campinas: Pontes Editores , 2022. p. 253-266. v. 2.) como uma das noções mais produtivas no trabalho de descrição-interpretação quando o próprio discursivista, em seu modo, é capturado.

Discursivamente, buscamos mostrar como a análise dos gestos de edição trabalha seus efeitos em sua deriva significativa. Ou seja, o modo como esse gesto de edição ‘corte’ é, em certas condições históricas de produção-circulação do discurso, materialmente significado, também pode corresponder, entre outras possibilidades, a um gesto censório.

Passemos ao segundo momento da análise: o vídeo editado (Ob2).

Gestos de edição e sua intervenção no real dos sentidos: cortar e resistir

E assim começar a se despedir do sentido que reproduz o discurso de dominação, de modo que o irrealizado advenha formando sentido no interior do sem-sentido. (Pêcheux, 1990a PÊCHEUX, Michel. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 19, p. 7-24, jul./dez. 1990a. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636823/4544 . Acesso em: 3 out. 2023.
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, p. 18)

Passemos à compreensão do funcionamento discursivo em Ob2, a partir da articulação entre as sequências discursivas a seguir que, no intervalo de análise do vídeo editado, abre a fala da mediadora:

Sd1514 14 CIÊNCIA DE MG, Op. cit., 2020a. : Bom dia, Brasil, bom dia Zona da Mata (...). (Ob1, minuto 09min38s-11min53s)

Sd1615 15 CIÊNCIA DE MG. Op. cit., 2020b. : Bom dia, Brasi [corte do ‘l’] pessoal, então, mais uma vez bom dia (Ob2, minuto 9min38s)

Para Pêcheux, o intradiscurso é definido como:

Funcionamento do discurso com relação a si mesmo (o que eu digo agora, com relação ao que eu disse antes e ao que eu direi depois; portanto, o conjunto dos fenômenos de “coesão (sequenciador)-referência” que garantem aquilo que se pode chamar o “fio do discurso”, enquanto discurso de um sujeito (Pêcheux, 1988PÊCHEUX, Michel. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp , 1988. [1975]), p. 166).

Partindo do fato de que temos acesso ao vídeo completo, no qual se inscreve o intervalo Od1, pensamos esse espaço enunciativo dividido, gerando o vídeo editado Ob2. O intervalo materialmente suprimido (Od1) pelo gesto de edição ‘corte’ (intervalo 9min38s a 11min53s) deixa marcas no funcionamento do discurso em relação a si mesmo. Na voz da mediadora é possível perceber que a junção das partes não ‘cola’; a temporalidade entre as palavras Brasil e pessoal é cortada. De “Clementis”, restaram o “l” de Brasil. Já a repetição se materializa por ‘mais uma vez’ (Sd16), trabalhando a falta e o excesso na articulação entre Sd15 e Sd16.

Nessa interpretação, reformulamos Pêcheux (2014a PÊCHEUX, Michel. Ousar pensar e ousar se revoltar. Ideologia, marxismo, luta de classes. Décalages, [S.l.], v. 1, n. 4, 2014a. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/pecheux/ano/mes/40.pdf . Acesso em: 8 set. 2023.
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) ao refletir sobre a dominação. Concebemos, assim, que o excesso e a falta podem remeter à marca do impossível da resistência fora da contradição. Essa seria a contenda que levantamos em relação aos gestos de edição ‘cortar’ - o intervalo da invasão e os comentários - e/ou o gesto de edição ‘marcar como não listado’, encaminhando o vídeo para um espaço informatizado que faz/produz fronteira. Retornaremos a este ponto mais adiante.

Assim, na articulação entre Ob1 [não listado] e Ob2 [editado], enquanto procedimento de construção do arquivo sujeito à interpretação, acrescente-se que a falta também nos orienta para uma dispersão no fio discursivo, quer seja, do discurso da mediadora. Essa articulação ‘antes (Ob1) - depois (Ob2)’ do seu dizer nos orienta para o intervalo suprimido pelo corte e de como ele significa discursivamente, considerando o que não se completa. O corte foi materializado no desajuste sonoro da “ferramenta” (Sd5), na língua que claudica; imperfeita. A falta da letra “l” de “Brasil” e o excesso de palavras “pessoal, então, mais uma vez bom dia” em Ob2, na articulação com Ob1 [não listado], materializam o gesto de edição ‘corte’ enquanto resistência - “no lugar de”16 16 Cf. Courtine (1999). O chapéu de Clémentis. Observações sobre a memória e o esquecimento da enunciação do discurso político. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro (org.). Os múltiplos territórios da Análise do Discurso. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999, p. 15-22. -, resistência ao Outro.

Em Ob2 [editado], o chat e os outros 16 comentários de Ob1 [não listado] também foram suprimidos, restando apenas dois, que não constam na versão [não listada]:

Sd17: Orgulhosa de nossos cientistas da Vida!!!

Sd18 SBPC: parabéns pelo evento!!! Ciência é Vida!!!

Ressaltamos que o título de Ob2 [editado] no YouTube, com o acréscimo, com o acréscimo de ‘[versão editada]’, materializa, também na língua, o corte enquanto resistência por parte dos organizadores do evento, alterando o gesto de edição ‘exclusão’ do vídeo e ‘incluindo’ duas sequências Sd17 e Sd1817 17 Tudo indica que a matéria publicada na Folha de São Paulo, em 7/10/2020, impulsionou a visibilidade: 2200 visualizações até meu último acesso, no início de outubro de 2023, mesmo tendo sido posteriormente programado para não constar no sistema de busca, ou seja, ‘não listado’. Essa hipótese se deve ao fato de o vídeo editado - programado como listado e, portanto, facilmente localizável no sistema de busca como ‘Marcha pela Ciência’ - ter tido apenas 272 visualizações. O gesto de edição produziu um outro movimento na ordem do discurso, um acontecimento discursivo. O vídeo havia sido excluído em sua primeira versão. Mas, após conversa com a organização do evento, retornou para o espaço enunciativo no YouTube @CiênciadeMG com a programação do recurso [não listado]. . Entendemos que se trata de assumir uma posição de desidentificação com o Grupo 3: Imaginários de reconhecimento da conjuntura histórica de ataque à democracia e à ciência. Ao mesmo tempo, há questões para os 135s do intervalo de invasão (Od1), de deriva e dispersão de diferentes temporalidades e conjunturas históricas de autoritarismo, ditaduras, opressão... e modos de resistência.

Como encaminhar outras formas de resistir? Decerto, o gesto de edição ‘corte’ que incide sobre o intervalo enunciativo dissidente, em Ob2 [editado], constitui-se em outras condições de produção em relação a Ob1 [não listado], produzindo consequências para a divisão social do trabalho de leitura e para a constituição da memória histórica.

Essas condições de produção do discurso que analisamos remontam, no interdiscurso, às do “(des)governo do tenente-capitão”, como expõe Indursky (2020INDURSKY, Freda. O teatro do grotesco como cenário de desconstrução do Brasil. Revista da Abralin, [s.l.], v. 19, n. 3, p. 365-388, 2020. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/347683205_O_teatro_do_grotesco_como_cenario_da_desconstrucao_do_Brasil . Acesso em: 20 set. 2023.
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, p. 373), cujos saberes e práticas autoritárias constituem a memória em que o enunciador se subjetiva e assume a posição sujeito facista. Desse modo, inscrevem-se nessa mesma posição os(as) enunciadores(as) que atravessam/cortam/invadem/censuram a formação discursiva ‘discurso da ciência’. Em obra anterior, assim Indursky teoriza o discurso de ódio:

A ideologia é da ordem do imaginário’ nos diz Pêcheux ([1988PÊCHEUX, Michel. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp , 1988.] 175, p. 145). E o discurso de ódio é formatado por representações imaginárias que atravessem o sujeito no que tange suas relações com a ideologia, com o outro e com a memória que se materializa pelo viés de pré-construídos e discursos transversos (...) (Indursky, 2019INDURSKY, Freda. Que sujeito é este? In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans; SILVA , SOBRINHO Helson Flávio da (org.). Silêncio, memória, resistência. A política e o político no discurso. Campinas: Pontes , 2019. p. 79-102., p. 87).

Após a finalização do evento, em outras condições de produção, o gesto de edição dos organizadores do evento em Minas intervém através do corte dos comentários em tempo “real”, incluindo um público de pesquisadores, professores, principalmente de Minas, mas também de outras Instituições de pesquisa (SBPC, Fiocruz, CEFET-MG, etc.). Pode-se, assim, afirmar que se inscrevem nessa mesma posição-sujeito que reconhece os embates travados por uma interrupção e nos diferentes modos de nomeá-lo, representando diferentes posições-sujeito.

Contudo, a interrupção como a que aqui trabalhamos não significa em relação ao tempo de pausa de um dizer ou da sua finalização, mas, referindo-se a uma intervenção no real dos sentidos, articula-se discursivamente ao gesto de edição ‘cortar’ com efeitos incisivos na ordem do discurso e na constituição da memória. Dito isso, na articulação discursiva, o corte (inter)rompe incisivamente a rede de filiação de sentidos, ou seja, corta “a palavra” - no complexo de formações discursivas - refutando, abstendo, as formulações anteriores: em Ob1 [não listada] temos a Sd1518 18 CIÊNCIA DE MG, Op. cit., 2020a. - Bom dia, Brasil, bom dia Zona da Mata (...). (minuto 09min38s-11min53s), na articulação com a Ob2 [editada] Sd1619 19 CIÊNCIA DE MG, Op. cit., 2020b. - Bom dia, Brasi [corte do ‘l’] pessoal, então, mais uma vez bom dia (minuto 9:38).

Esse modo de circulação do conhecimento - evento Marcha pela ciência, online, em nível nacional - nos permite trabalhar as fronteiras e sua mobilidade a partir dos efeitos de sentido de uma ‘ciência para todos’, justamente porque em jogo está o direito de o sujeito significar; de fazer, debater e também de divulgar ciência em quaisquer condições de produção. É possível tomar o corte no vídeo editado (Ob2) como um gesto de edição enquanto resistência ‘em relação ao’ silenciamento que o gesto corte, enquanto gesto censório, impõe a sujeitos, sentidos, discurso da ciência, da democracia, da divisão. Ainda assim, não subestimo a potência - poder - de outros modos de resistência que confrontem a contradição no interior dessas disputas.

É nesse entendimento que os títulos compostos pela advertência [versão editada] e [não listado] no YouTube jogam com a contradição dos sentidos na história, pois orientam - por várias razões - quais são e como os gestos de edição intervêm no real dos sentidos, uma questão não apenas para pensarmos as políticas científicas, mas também as políticas de uso dos recursos técnicos, as políticas do dizer das comunidades/redes sociais, as políticas editoriais, entre outras.

Ocorre que também os modos de resistência têm funcionado nos espaços informatizados por um Regime de visibilidade (Indursky, 2019INDURSKY, Freda. Que sujeito é este? In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans; SILVA , SOBRINHO Helson Flávio da (org.). Silêncio, memória, resistência. A política e o político no discurso. Campinas: Pontes , 2019. p. 79-102.), inscrevendo-se na regularidade de um jogo muito comum em contextos de combate à democracia, quando o opressor invade um espaço enunciativo e/ou busca dominá-lo, evidenciando-silenciando o Outro. Nesta análise, enquanto modo de resistência, na atualidade desse forte Regime, o pesquisador-divulgador faz significar os recursos técnicos, o corte que invisibiliza o opressor. Nessa perspectiva, se o discurso da segurança cibernética, assim como os da eficácia da IA, solapar a percepção do modo como a ciência, a democracia, as condições de existência e relações sociais dos sujeitos são atacados na história (sd5), seguiremos numa luta desigual contra as determinações e poder do mercado.

Isto posto, a tecnologia, a inteligência Artificial, a máquina, não constituem saberes externos ou excludentes da relação sujeito, língua e história. Isso significa, ao mesmo tempo, que qualquer gesto, recurso e técnica de controle de arquivos, de discursos, têm relação com a memória discursiva que os constitui. Os gestos de edição, nesta orientação, significam na medida em que neles intervêm maneiras diversas de significar: enquanto um gesto censório, de dominação (Ob1); de regulação, de resistência (Ob2), entre outros. Assim ‘cortar’ pode produzir efeitos de censura, resistência, regulação, preparação, etc., mobilizando memórias que articulam esse gesto a um referencial histórico de disputas pelos sentidos.

O problema que se coloca para além da importância de se fazer resistência aos diferentes tipos de violência contra a diversidade, contra a democracia, é também discutir a inscrição dos sujeitos em posição de dominância em relação ao outro, principalmente nos espaços enunciativos informatizados em que essas posições parecem não ter nome, dono, poder. É aí onde mais temos nos fatigado - analistas do discurso e de outras áreas do conhecimento - para compreender como funciona o batimento silenciamento-evidenciamento que produz efeitos de evidência.

De outra ordem, mas não independente, o efeito do gesto de edição em Ob2 [editado] atenuado pela manutenção do vídeo no YouTube com o acréscimo de [não listado], também produz ambiguidade, posto que existem diversos modos de edição e que, em grande medida, essa marcação diz respeito também a muitos outros gestos de edição: qualidade de imagem, som, correção linguístico-gramatical, políticas editoriais que definem o que deve sair, permanecer - e como -, ser alterado, etc.

Por ora, o vídeo completo que consta como ‘não listado’ pode até ser encontrado e, portanto, vir a circular - como efetivamente muito circulou -, mas não conduz ao apagamento, e isso de forma deliberada, da contradição; por: ‘falha da ferramenta’, ‘ataque facista’, ‘invasão’, ‘gabinete do ódio’, ‘absurdo’, ‘boicote’. Como afirma Pêcheux, “o Nazismo não recomeçará provavelmente como tal, mas o ventre ainda é fecundo e ele gera a cada dia meios mais eficazes para dominar o que lhe resiste: as ‘línguas de vento’ (...)” (Pêcheux, 1990aPÊCHEUX, Michel. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 19, p. 7-24, jul./dez. 1990a. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636823/4544 . Acesso em: 3 out. 2023.
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, p. 19).

Após esse percurso de análise, tensionamos o que se apresenta como evidente, mas precisa ser compreendido discursivamente de diferentes modos e em diferentes condições históricas e políticas de produção: a censura não funciona apenas pelo corte. Ela também evidencia, apagando sentidos dissidentes, antagônicos ou os que não podem e não devem circular (Moreira, 2007MOREIRA, Carla Barbosa. Censura e silenciamento no discurso jornalístico. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart; FERREIRA, Lucia Maria Alves (org.). Mídia e memória: a produção de sentidos nos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 319-342., 2009MOREIRA, Carla Barbosa. Produção, circulação e funcionamento da censura na ditadura militar brasileira e no fascismo italiano: a censura na ordem do discurso. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009.). Por sua vez, os efeitos do corte no discurso não significam necessariamente censura ou um gesto censório.

Como afirma Courtine (1999COURTINE, Jean-Jacques. O chapéu de Clémentis. Observações sobre a memória e o esquecimento da enunciação do discurso político. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro (org.). Os múltiplos territórios da Análise do Discurso. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999. p. 15-22., p. 22), memória e esquecimento são indissociáveis. O corte, enquanto gesto de edição praticado pelo pesquisador-divulgador científico, que resiste à língua do opressor se apropriando do recurso técnico ‘não listado’ no YouTube produz um outro modo de circulação: um reduzido efeito de repetibilidade.

Como apontou Dias (2018DIAS, Cristiane. Análise do Discurso Digital: Sujeito, memória e arquivo. Campinas: Pontes, 2018.), a materialidade do arquivo é constituída na discursividade digital. Portanto, a administração dos recursos técnicos e das inteligências que os constituem são da ordem do político, da divisão dos sentidos. Nesse sentido, impedir que vídeos sejam acessíveis via sistemas de busca, excluí-los ou não, arquivá-los com fins de pesquisa e constituição de memória, são decisões que precisam também ser enfrentadas. No Brasil, encontramo-nos ainda no lento e atrasado processo de regulação dos espaços enunciativos informatizados e da administração das políticas e recursos que controlam a produção e circulação dos discursos (Moreira, 2018MOREIRA, Carla Barbosa. Bloqueado, suspenso, fora do ar: a atualidade da censura no espaço digital. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 60, n. 3, p. 847-868, 2018. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8651532. Acesso em: 5 out. 2023.
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). Quem e como se deve regular?

Cortando...

Neste trabalho, procurei apontar caminhos para trabalhar discursivamente os ‘gestos de edição’ a partir da produção-circulação do conhecimento em condições históricas de negacionismo da ciência e acirramento do discurso de ódio, em uma conjuntura política em que também precisamos nos referir ao corte enquanto modo de resistência, na disputa por espaços de enunciação do discurso da ciência. Como analisado, o Discurso de Divulgação Científica impõe questões com as quais não só os pesquisadores da linguagem devem se implicar, na medida em que os gestos de edição, nas condições que aqui trabalhamos, se não empenhados por uma postura ética do pesquisador, das políticas científicas e do Divulgador, acabam por subverter a relação entre sujeitos, Estado e língua, em favor das relações desiguais de existência.

Ao final desta reflexão é possível insistir no que pode estar passando ‘batido’ diante da máquina de moer gente e sentidos quando se trata de relações de força e de um saber tecnológico que não é dividido, não é para todos. Desse modo, os gestos de edição, bem como os sentidos e a atualidade da censura, demandam interpretação. Quem sabe, superando a insistência nas fronteiras (Pêcheux, 1990a PÊCHEUX, Michel. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 19, p. 7-24, jul./dez. 1990a. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636823/4544 . Acesso em: 3 out. 2023.
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), possamos nos despir do invólucro das mesmas armas e investir em outros modos de resistência na via da contradição?

É a epígrafe que fecha este texto.

Referências

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    » https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xvTAo&list=PLwYaMUeyAydnvlIz63bwYH2Ay7bdMift6
  • CIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura - versão editada. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020b. Obj. 2. 1 vídeo (1 hora, 12 min). Editado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4oL8&list=PPSV Acesso em: 8 maio 2020.
    » https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4oL8&list=PPSV
  • CIENTISTAS se reúnem contra a Ditadura: D. Paulo Arns abriga reunião anual de pesquisadores sabotada pelo governo. Memorial da Democracia, Módulo 1964-1985: 21 Anos de Resistência e Luta, [s.d.]. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/cientistas-se-reunem-contra-a-ditadura Acesso em: 15 maio 2020.
    » http://memorialdademocracia.com.br/card/cientistas-se-reunem-contra-a-ditadura
  • COSTA, Alice Maria F. R.; ALMEIDA, Wallace Carriço de; SANTOS, Edméa Oliveira dos. Eventos científicos online: o caso das lives em contexto da COVID-19. Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 17, n. 45, p. 162-177, abr./jun. 2021. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/praxis/article/view/8340. Acesso em: 2 dez. 2023.
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  • COURTINE, Jean-Jacques. Analyse du discours politique: le discours communiste adressé aux chrétiens. Langages, Paris, v. 15, n. 62, p. 9-128, 1981.
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  • MARIANI, Bethania Sampaio Correa. As ciências humanas, a Análise do Discurso e o momento atual: discursos sobre ciência aberta, políticas públicas e periódicos científicos. Policromias - Revista de Estudos do Discurso, Imagem e Som, Rio de Janeiro, v. 7, n. 3, p. 164-181, set./dez. 2022.
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  • MESA virtual sobre pandemia entre pesquisadores de MG é invadida com imagem nazista. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7 maio 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/mesa-virtual-sobre-pandemia-entre-pesquisadores-de-mg-e-invadida-com-imagem-nazista.shtml Acesso em: 7 maio 2020.
    » https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/mesa-virtual-sobre-pandemia-entre-pesquisadores-de-mg-e-invadida-com-imagem-nazista.shtml
  • BAQUAQUA, Mahommah; MOORE, Samuel. Biografia de Mahommah Gado Baquaqua Trad. de Fabio R. de Araujo. [S.l]: [s. n.], 2018.
  • MOREIRA, Carla Barbosa. Censura e silenciamento no discurso jornalístico. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart; FERREIRA, Lucia Maria Alves (org.). Mídia e memória: a produção de sentidos nos meios de comunicação. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 319-342.
  • MOREIRA, Carla Barbosa. Produção, circulação e funcionamento da censura na ditadura militar brasileira e no fascismo italiano: a censura na ordem do discurso. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009.
  • MOREIRA, Carla Barbosa. Bloqueado, suspenso, fora do ar: a atualidade da censura no espaço digital. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 60, n. 3, p. 847-868, 2018. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8651532. Acesso em: 5 out. 2023.
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  • ORLANDI, Eni Puccinelli. Língua e Conhecimento Lingüístico Para uma História das Ideias no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.
  • ORLANDI, Eni Puccinelli. Os recursos do futuro: um outro discurso. Revista Multiciência, n. 1, p. 1-7, out. 2003.
  • ORLANDI, Eni Puccinelli. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Campinas: Pontes , 2004.
  • ORLANDI, Eni Puccinelli. (1992). As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas: Editora da Unicamp , 2007.
  • ORLANDI, Eni Puccinelli. Eu tu ele Discurso e real da história Campinas: Pontes , 2017.
  • ORLANDI, Eni Puccinelli. A terra não é plana e o mundo das palavras não tem só dois lados: ainda o silêncio em suas novas formas. In: GRIGOLETTO, Evandra; DE NARDI, Fabiele Stockmans; SILVA , SOBRINHO Helson Flávio da (org.). Ousar se revoltar: Michel Pêcheux e a análise do discurso no Brasil. Campinas: Pontes , 2021. p. 53-74.
  • PÊCHEUX, Michel. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 19, p. 7-24, jul./dez. 1990a. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636823/4544 Acesso em: 3 out. 2023.
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  • PÊCHEUX, Michel. Remontemos de Foucault à Spinoza. In: MALDIDIER, Denise. A inquietação do discurso (Re)ler Michel Pêcheux Hoje. Campinas: Pontes , 1990b. p. 62-70.
  • PÊCHEUX, Michel. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. de Eni Puccinelli Orlandi et al Campinas: Editora da Unicamp , 1988.
  • PÊCHEUX, Michel. Ousar pensar e ousar se revoltar. Ideologia, marxismo, luta de classes. Décalages, [S.l.], v. 1, n. 4, 2014a. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/pecheux/ano/mes/40.pdf Acesso em: 8 set. 2023.
    » https://www.marxists.org/portugues/pecheux/ano/mes/40.pdf
  • PÊCHEUX, Michel. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, Eni Puccinelli (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp , 2014b [1994]. p. 57-67.
  • REUNIÃO on-line de organização da Marcha pela Ciência em SP é invadida. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, São Paulo, 14 jun. 2022. Disponível em: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/reuniao-online-de-organizacao-da-marcha-pela-ciencia-em-sp-e-invadida Acesso em: 30 set. 2023.
    » http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/reuniao-online-de-organizacao-da-marcha-pela-ciencia-em-sp-e-invadida
  • SOUZA, Pedro de. Gesto. In: MARIANI, Bethania (org.). Enciclopédia Virtual de Análise do Discurso e áreas afins (Encidis) Niterói: UFF, 2020. 1 vídeo (7 min). Videoverbete da Enciclopédia virtual do discurso (EnciDIS), organizada por Bethania Mariani. Postado pelo canal EnciDIS. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KJik4rLQoQE Acesso em: 5 out. 2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=KJik4rLQoQE
  • 1
    Análise do Discurso: doravante AD.
  • 2
    CIENTISTAS se reúnem contra a Ditadura: D. Paulo Arns abriga reunião anual de pesquisadores sabotada pelo governo. [S.l.]: Memorial da Democracia, [s.d.]. Módulo 1964-1985: 21 Anos de Resistência e Luta. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/cientistas-se-reunem-contra-a-ditadura. Acesso em: 15 maio 2020.
  • 3
    De acordo com Eni Orlandi, é preciso pensar os “recursos” do ponto de vista das ciências humanas - reintroduzindo a materialidade histórica, a ideologia e os sujeitos sociais - e sem separar estritamente as instâncias (ciência, tecnologia, administração) em que a mesma palavra “recurso” produz diferentes efeitos de sentidos” (Orlandi, 2003ORLANDI, Eni Puccinelli. Os recursos do futuro: um outro discurso. Revista Multiciência, n. 1, p. 1-7, out. 2003., p. 6)
  • 4
    Na disciplina Pesquisa em Edição, linha IV (Edição, Linguagem e Tecnologia) do POSLING/CEFET-MG, a Prof.ª Dr.ª Ana Elisa Ribeiro propôs aos estudantes uma definição de ‘edição’, na forma de um texto definidor, não definitivo. Para isso, empenharam-se em alguns procedimentos de pesquisa, diálogo, releituras, negociação, reorganização, revisão, mudança, refação” (Coutinho; Castro; Ribeiro, 2022COUTINHO, Samara; CASTRO, Cecília; RIBEIRO, Ana Elisa (org.). Edição, s.f.: um verbete expandido. Belo Horizonte: Quixote; CEFET-MG, 2022. v. 1. Disponível em: https://anadigital.pro.br/2023/04/04/edicao-s-f-um-verbete-expandido/ . Acesso em: 4 set. 2023.
    https://anadigital.pro.br/2023/04/04/edi...
    , p. 9-10). Cf.: https://anadigital.pro.br/wp-content/uploads/2023/09/Edicao-s.f.-um-verbete-expandido-e-book.pdf.
  • 5
    sia la produzione che la circolazione e la diffusione del sapere scientifico sono pressoché completamente inserite in quella che viene convenzionalmente definita la società digitale” (MARIANI, BethaniaMARIANI, Bethania Sampaio Correa. La produzione e la circolazione del sapere su piattaforme digitali: lo status del portoghese brasiliano in un’enciclopedia digitale sottotitolata. Lingue e Linguaggi, Itália, v. 35, p. 13-28, 2020. Tradução: Gian Luiggi De Rosa. Disponível em: http://siba-ese.unisalento.it/index.php/linguelinguaggi/article/view/22388 Acesso em: 22 mar. 2023.
    http://siba-ese.unisalento.it/index.php/...
    . La produzione e la circolazione del sapere su piattaforme digitali: lo status del portoghese brasiliano in un’enciclopedia digitale sottotitolata. Lingue e Linguaggi, Itália, v. 35, p. 13-28, 2020. Tradução: Gian Luiggi De Rosa. Disponível em: http://siba-ese.unisalento.it/index.php/linguelinguaggi/article/view/22388. Acesso em: 4 out. 2022.
  • 6
    Mesa virtual sobre pandemia entre pesquisadores de MG é invadida com imagem nazistaMESA virtual sobre pandemia entre pesquisadores de MG é invadida com imagem nazista. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7 maio 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/mesa-virtual-sobre-pandemia-entre-pesquisadores-de-mg-e-invadida-com-imagem-nazista.shtml . Acesso em: 7 maio 2020.
    https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
    . Folha de S. Paulo, São Paulo, 7 maio 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/mesa-virtual-sobre-pandemia-entre-pesquisadores-de-mg-e-in vadida-com-imagem-nazista.shtml. Acesso em: 7 maio 2020.
  • 7
    Apresento um outro exemplo, que tem sido recorrente não só por questões de política, mas do político, das lutas que vão (re)posicionando sujeitos nas relações de poder. A nota “Reunião online de organização da Marcha pela Ciência em SP é invadida!” repudia o fato de uma reunião online da organização da Marcha pela Ciência 2022, em 14/06/2022, SP, ter sido invadida aparentemente por robôs, com dizeres pedindo o voto em Bolsonaro, também com palavrões e reproduzindo um discurso de Hitler. Reunião on-line de organização de Marcha pela Ciência em SP é invadidaREUNIÃO on-line de organização da Marcha pela Ciência em SP é invadida. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, São Paulo, 14 jun. 2022. Disponível em: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/reuniao-online-de-organizacao-da-marcha-pela-ciencia-em-sp-e-invadida . Acesso em: 30 set. 2023.
    http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/re...
    . Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, São Paulo, 14 jun. 2022. Disponível em: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/reuniao-online-de-organizacao-da-marcha-pela-ciencia-em-sp-e-invadida. Acesso em: 30 set. 2023.
  • 8
    CIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - AberturaCIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020a. 1 vídeo (1 hora, 16 min). Ob. 1. Não listado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xvTAo&list=PLwYaMUeyAydnvlIz63bwYH2Ay7bdMift6 . Acesso em: 7 maio 2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xv...
    . [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020a. 1 vídeo (1 hora, 16 min). Obj. 1. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xvTAo&list=PLwYaMUeyAydnvlIz63bwYH2Ay7bdMift6. Acesso em: 7 maio 2020.
  • 9
    CIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura - versão editadaCIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura - versão editada. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020b. Obj. 2. 1 vídeo (1 hora, 12 min). Editado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4oL8&list=PPSV . Acesso em: 8 maio 2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4...
    . [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020b. 1 vídeo (1 hora, 12 min). Obj. 2. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4o L8&list=PPSV. Acesso em: 8 maio 2020.
  • 10
    Os vídeos foram acessados pela última vez no mesmo dia, em 02/10/2023.
  • 11
    CIÊNCIA DE MG, Op. cit., 2020aCIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020a. 1 vídeo (1 hora, 16 min). Ob. 1. Não listado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xvTAo&list=PLwYaMUeyAydnvlIz63bwYH2Ay7bdMift6 . Acesso em: 7 maio 2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xv...
    .
  • 12
    CIÊNCIA DE MG, Op. cit., 2020aCIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020a. 1 vídeo (1 hora, 16 min). Ob. 1. Não listado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xvTAo&list=PLwYaMUeyAydnvlIz63bwYH2Ay7bdMift6 . Acesso em: 7 maio 2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xv...
    .
  • 13
    Palavra que foi usada por um tempo como sinônimo de negro na língua inglesa, mas que ao longo do século XX passou a ser considerada ofensiva e por volta de meados do século XX se tornou um termo racista extremamente ofensivo nos Estados Unidos e foi deixando de ser usada. Ela foi inicialmente substituída pela palavra “black” mas, principalmente a partir dos anos 1990, vem sendo substituída por “African American” nos Estados Unidos, influenciando o Brasil no termo “afro-brasileiro” que passou a ser adotado há alguns anos. A razão do termo “nigger” ter adquirido uma conotação ofensiva é que pessoas parcialmente negras nem sempre admitiam ser chamadas de “nigger”. Um bom exemplo sobre a conotação negativa que o termo adquiriu ao longo do século XX se vê no clássico de Agatha Christie lançado em 1939 chamado de “Ten Little Niggers” (O Caso dos Dez Negrinhos) que teve que mudar de nome em inglês”. Cf. Biografia de Mahommah Gado Baquaqua (BAQUAQUA; MOORE 2018BAQUAQUA, Mahommah; MOORE, Samuel. Biografia de Mahommah Gado Baquaqua. Trad. de Fabio R. de Araujo. [S.l]: [s. n.], 2018., nota 96).
  • 14
    CIÊNCIA DE MG, Op. cit., 2020aCIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020a. 1 vídeo (1 hora, 16 min). Ob. 1. Não listado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xvTAo&list=PLwYaMUeyAydnvlIz63bwYH2Ay7bdMift6 . Acesso em: 7 maio 2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xv...
    .
  • 15
    CIÊNCIA DE MG. Op. cit., 2020bCIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura - versão editada. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020b. Obj. 2. 1 vídeo (1 hora, 12 min). Editado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4oL8&list=PPSV . Acesso em: 8 maio 2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4...
    .
  • 16
    Cf. Courtine (1999COURTINE, Jean-Jacques. O chapéu de Clémentis. Observações sobre a memória e o esquecimento da enunciação do discurso político. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro (org.). Os múltiplos territórios da Análise do Discurso. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999. p. 15-22.). O chapéu de Clémentis. Observações sobre a memória e o esquecimento da enunciação do discurso político. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro (org.). Os múltiplos territórios da Análise do Discurso. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999, p. 15-22.
  • 17
    Tudo indica que a matéria publicada na Folha de São Paulo, em 7/10/2020, impulsionou a visibilidade: 2200 visualizações até meu último acesso, no início de outubro de 2023, mesmo tendo sido posteriormente programado para não constar no sistema de busca, ou seja, ‘não listado’. Essa hipótese se deve ao fato de o vídeo editado - programado como listado e, portanto, facilmente localizável no sistema de busca como ‘Marcha pela Ciência’ - ter tido apenas 272 visualizações. O gesto de edição produziu um outro movimento na ordem do discurso, um acontecimento discursivo. O vídeo havia sido excluído em sua primeira versão. Mas, após conversa com a organização do evento, retornou para o espaço enunciativo no YouTube @CiênciadeMG com a programação do recurso [não listado].
  • 18
    CIÊNCIA DE MG, Op. cit., 2020aCIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020a. 1 vídeo (1 hora, 16 min). Ob. 1. Não listado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xvTAo&list=PLwYaMUeyAydnvlIz63bwYH2Ay7bdMift6 . Acesso em: 7 maio 2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=gq_1u9xv...
    .
  • 19
    CIÊNCIA DE MG, Op. cit., 2020bCIÊNCIA DE MG. Marcha pela Ciência - Abertura - versão editada. [Minas Gerais]: Ciência de MG, 2020b. Obj. 2. 1 vídeo (1 hora, 12 min). Editado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4oL8&list=PPSV . Acesso em: 8 maio 2020.
    https://www.youtube.com/watch?v=Gi6EJve4...
    .

Editado por

Editora-chefe dos Estudos de Linguagem:

Bethânia Mariani

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2024
  • Aceito
    28 Fev 2024
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