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Alternância estativo-locativa no PB: verbos com sentido de continência

Stative-locative alternance in BP: Container verbs

RESUMO:

Neste artigo, analisamos, de acordo com os pressupostos teóricos-metodológicos adotados pelos estudos na área da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, um tipo de inversão locativa do português brasileiro. Ele ocorre com verbos do tipo armazenar, que são bitransitivos e denotam o sentido de mudança de estado em relação a uma locação: o fazendeiro armazenou 25 mil toneladas de milho no depósito/ o depósito armazenou 25 mil toneladas de milho. Em uma classificação mais ampla, esses verbos pertencem à classe dos verbos de mudança de estado locativo, juntamente a outros verbos que não realizam a inversão locativa, como colocar: a menina colocou o livro na caixa/ *a caixa colocou o livro. Ao analisarmos o sentido mais específico do verbo armazenar, percebemos que ele denota uma relação de continência entre seus argumentos, de modo que as 25 mil toneladas de milho passam a ficar contidas no depósito. É essa relação que licencia a ocorrência da inversão locativa em questão, a qual se caracteriza por uma reinterpretação da estrutura temática dos verbos e por uma mudança aspectual na forma alternada. Mostramos que essa reinterpretação temática ocorre através de um processo semântico conhecido como coercion, e que a mudança aspectual da sentença alternada é um epifenômeno da ocorrência desse processo. Também mostramos que a relação semântica de continência é relevante gramaticalmente.

PALAVRAS-CHAVE:
Inversão Locativa; Semântica Lexical; Alternância Verbal; Processo de Coercion.

ABSTRACT:

In this paper, we analyze a type of locative inversion in Brazilian Portuguese in accordance with the theoretical and methodological assumptions adopted in studies in the field of the Syntax-Semantic Lexical Interface. This phenomenon occurs with verbs such as armazenar ‘store’, which are ditransitive and denote a change of state in relation to a location: o fazendeiro armazenou 25 mil toneladas de milho no depósito ‘the farmer stored 25 thousand tons of corn in the warehouse’/ o depósito armazenou 25 mil toneladas de milho ‘the warehouse stored 25 thousand tons of corn’. In a broader classification, these verbs belong to the class of locative change-of-state verbs, along with other verbs that do not undergo locative inversion, such as colocar ‘put’: a menina colocou o livro na caixa ‘the girl put the book in the box’/ *a caixa colocou o livro ‘*the box put the book’. Upon analyzing the specific meaning of store verbs, we observe that they denote a container relationship between their arguments, in which the 25,000 tons of corn become contained within the warehouse. This relationship allows for the occurrence of locative inversion, characterized by a reinterpretation of the thematic structure of the verbs and an aspectual change in the alternate form. We demonstrate that this thematic reinterpretation occurs by means of a semantic process known as coercion, and the aspectual change in the alternate sentence is an epiphenomenon of this process. Furthermore, we establish that the semantic relationship of container is grammatically relevant.

KEYWORDS:
Locative Inversion; Lexical Semantics; Verbal Alternation; Coercion Process.

Introdução

No português brasileiro (PB), assim como no inglês e no espanhol, existe um fenômeno linguístico conhecido como inversão locativa (Hooper; Thompson, 1973HOOPER, Joan; THOMPSON, Sandra. On the applicability of root transformations. Linguistic Inquiry, v. 4, n. 4, p. 465-498, 1973. ; Bresnan, 1976BRESNAN, Joan. Nonarguments for Raising. Linguistic Inquiry, v. 7, n. 3, p. 485-502, 1976. ; Levin; Rappaport Hovav, 1992LEVIN, Beth; RAPPAPORT HOVAV, Malka. The lexical semantics of verbs of motion: the perspective from unaccusativity. In: ROCA, Iggy (ed.). Thematic structure: its role in grammar. Berlin: Foris, 1992. p. 247-269., 1995LEVIN, Beth; RAPPAPORT HOVAV, Malka. Unaccusativity: at the syntax lexical semantics interface. Cambridge: Cambridge University Press , 1995.; Levin, 1993LEVIN, Beth. English verb classes and alternations: a preliminary investigation. Chicago: Chicago University Press, 1993.; Duarte, 1995DUARTE, Maria Eugênia. A perda do princípio ‘evite pronome’ no português do Brasil. 1995. 151f. Tese (Doutorado em Ciências - Linguística) - Universidade de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil, 1995.; Nagase, 2007NAGASE, Erika. A inversão locativa no português brasileiro. 2007. 89f. Dissertação. (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, Brasil, 2007.; Munhoz; Naves, 2012MUNHOZ, Ana; NAVES, Rozana. Construções de tópico sujeito: uma proposta em termos de estrutura argumental e de transferência de traços de C. Signum: Estudos da Linguagem, v. 15, n. 1, p. 245-265, 2012. DOI: 10.5433/2237-4876.2012v15n1p245
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; Pilati, 2016PILATI, Eloísa. Sobre a ordem verbo-sujeito no português do Brasil. Revista Linguística, v. 12, n. 2, p. 183-205, 2016., dentre outros). De modo geral, esse fenômeno caracteriza-se pela presença de um sintagma nominal ou preposicionado, com função semântica de locativo, na posição pré-verbal, seja ele um argumento do verbo (sentenças de (1) a (3)) ou até mesmo um adjunto do sintagma verbal (sentença em (4)).

  1. a. Apareceu um corpo não identificado junto da praia.

  2. b. Junto da praia apareceu um corpo não identificado.

  3. a. Entrou um ladrão nessa casa.

  4. b. (N)essa casa (já) entrou ladrão.

  5. a. O fazendeiro armazenou 25 mil toneladas de milho no depósito.

  6. b. O depósito armazenou 25 mil toneladas de milho.

  7. a. Vendem-se livros acadêmicos na livraria do seu Zé.

  8. b. A livraria do seu Zé vende livros acadêmicos

Embora a ocorrência da inversão locativa seja favorecida por verbos inacusativos, esse não é um fator delimitador, como já apontam Levin e Rappaport Hovav (1995LEVIN, Beth; RAPPAPORT HOVAV, Malka. Unaccusativity: at the syntax lexical semantics interface. Cambridge: Cambridge University Press , 1995.). Nas sentenças em (1) e (2), os verbos aparecer e entrar são sintaticamente classificados como inacusativos de dois lugares. Em (1b) e (2b), os argumentos locativos, junto da praia e (n)essa casa, alçam para a posição pré-verbal. Em (3), temos o verbo armazenar, que é classificado como bitransitivo nos trabalhos de Levin (1993LEVIN, Beth. English verb classes and alternations: a preliminary investigation. Chicago: Chicago University Press, 1993.), Godoy (2012GODOY, Luísa. A reflexivização no português brasileiro e a decomposição semântica de predicados. 2012. 154f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Belo Horizonte, Brasil, 2012.), Cançado, Godoy e Amaral (2017CANÇADO, Márcia; GODOY, Luísa; AMARAL, Luana. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed, 2017. Edição Revisada Amazon.) e Cançado, Amaral e Meirelles (2022CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana; MEIRELLES, Letícia Lucinda. Verboweb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. 2022. Disponível em: http://verboweb.letras.ufmg.br/ . Acesso em: 15/05/2023
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). Em (3b), o argumento verbal com função de locativo, o depósito, passa a ocupar a posição pré-verbal. Em (4), há a presença do verbo vender, classificado como transitivo por Mioto, Silva e Lopes (2007MIOTO, Carlos; FIGUEIREDO SILVA, Maria; LOPES, Ruth. Novo manual de Sintaxe. Florianópolis: Insular, 3 ed, 2007.) - a atendente vendeu dois livros - ou como bitransitivo, segundo Raposo (1992RAPOSO, Eduardo. Teoria da Gramática: a faculdade da linguagem. Lisboa: Caminho, 1992.) - a atendente vendeu dois livros para o cliente. Em qualquer uma das duas classificações propostas para o verbo, o sintagma locativo não é um argumento, mas sim um adjunto, o qual alça para a posição pré-verbal em (4b). A diferença entre (3b) e (4b), portanto, está no caráter argumental do sintagma locativo.

A partir da descrição dos exemplos de (1) a (4), podemos perceber que a inversão locativa é um fenômeno amplo que abrange diferentes tipos de verbos. Nos trabalhos de sintaxe do PB, ela é recorrentemente ligada ao fato de nossa língua ter se tornado uma língua de sujeito nulo parcial e, consequentemente, uma língua de tópico-sujeito (Duarte, 1995DUARTE, Maria Eugênia. A perda do princípio ‘evite pronome’ no português do Brasil. 1995. 151f. Tese (Doutorado em Ciências - Linguística) - Universidade de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil, 1995.; Nagase, 2007NAGASE, Erika. A inversão locativa no português brasileiro. 2007. 89f. Dissertação. (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, Brasil, 2007.; Gravina, 2008GRAVINA, Aline. Peixoto. A Natureza do Sujeito Nulo na Diacronia do PB: estudo de um corpus mineiro (1845 a 1950). 2008. 132f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, Brasil, 2008.; Munhoz; Naves, 2012MUNHOZ, Ana; NAVES, Rozana. Construções de tópico sujeito: uma proposta em termos de estrutura argumental e de transferência de traços de C. Signum: Estudos da Linguagem, v. 15, n. 1, p. 245-265, 2012. DOI: 10.5433/2237-4876.2012v15n1p245
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; Pilati, 2016PILATI, Eloísa. Sobre a ordem verbo-sujeito no português do Brasil. Revista Linguística, v. 12, n. 2, p. 183-205, 2016.; dentre outros). Contudo, nesses trabalhos são analisados os tipos de sentenças mostrados nos exemplos (1), (2) e (4), de modo que a inversão locativa presente em (3) geralmente é deixada de lado.

Como já mencionamos, essa é uma inversão que acontece com verbos bitransitivos, na qual há o apagamento do argumento externo verbal com função de agente (o fazendeiro), seguido do alçamento do segundo argumento interno do verbo, com função semântica de locativo (o depósito), para a posição pré-verbal. Trata-se, portanto, de uma alternância verbal, nos termos de Levin (1993LEVIN, Beth. English verb classes and alternations: a preliminary investigation. Chicago: Chicago University Press, 1993.) e Cançado (2010CANÇADO, Márcia. Verbal alternations in Brazilian Portuguese: a lexical semantic approach. Studies in Hispanic and Lusophone Linguistics, v. 3, n. 1, p. 1-23, 2010. DOI: 10.1515/shll-2010-1066
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), pois ocorre uma reorganização da estrutura argumental do verbo. Chamamos essa alternância de “alternância estativo-locativa”, porque, como mostraremos mais adiante, quando o argumento locativo alça para a posição de sujeito, ocorre uma alteração aspectual na sentença, de modo que ela passa a denotar um estado.

A partir de um levantamento de dados feito através do banco de dados verbais VerboWeb1 1 Disponível em: http://verboweb.letras.ufmg.br/ , encontramos 28 verbos do tipo armazenar, que realizam a alternância em (3). Neste artigo, mostramos, levando em conta o sentido decomponível dos verbos e a existência de propriedades de significado que impactam a sintaxe verbal, qual restrição semântica licencia a ocorrência dessa alternância, contribuindo, assim, para a descrição de um tipo de inversão locativa do PB.

A classe dos verbos bitransitivos com argumento locativo

Levin (1993LEVIN, Beth. English verb classes and alternations: a preliminary investigation. Chicago: Chicago University Press, 1993.) propõe a existência da classe dos verbos do tipo colocar que, de modo geral, descrevem o ato de pôr uma entidade em um determinado local. Fazem parte dessa classe verbos bitransitivos, como colocar, estocar, alojar, posicionar, entre outros.

Baseada no trabalho da autora, Godoy (2012GODOY, Luísa. A reflexivização no português brasileiro e a decomposição semântica de predicados. 2012. 154f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Belo Horizonte, Brasil, 2012.) propõe que verbos desse tipo, no PB, não denotam apenas uma relação de locação, mas também uma mudança de estado relacionada a essa locação. Assim, o verbo alojar, por exemplo, em uma sentença do tipo o anfitrião alojou os conviados no salão central, denota que o anfitrião agiu, causando o resultado de os convidados ficarem alojados no salão central.

Cançado et al. (2017CANÇADO, Márcia; GODOY, Luísa; AMARAL, Luana. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed, 2017. Edição Revisada Amazon.) e Cançado, Amaral e Meirelles (2022CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana; MEIRELLES, Letícia Lucinda. Verboweb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. 2022. Disponível em: http://verboweb.letras.ufmg.br/ . Acesso em: 15/05/2023
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) seguem a classificação de Godoy (2012GODOY, Luísa. A reflexivização no português brasileiro e a decomposição semântica de predicados. 2012. 154f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Belo Horizonte, Brasil, 2012.) e denominam essa classe de verbos de “classe dos verbos de mudança de estado locativo” ou “verbos de causação com mudança de lugar”. Essa é uma classe em um nível de análise conhecido como medium-grained (Levin, 2010LEVIN, Beth. What is the best grain‐ size for defining verb classes? In: CONFERENCE ON WORD CLASSES: NATURE, TYPOLOGY, COMPUTATIONAL REPRESENTATIONS, 2, Rome: Università Roma Tre, March, 2010. p. 24-26. ; Cançado; Gonçalves, 2016; Cançado; Amaral, 2016), pois todos os verbos pertencentes a ela compartilham a mesma estrutura argumental e os mesmos comportamentos sintáticos.

Os trabalhos na área da Interface Sintaxe-Semântica Lexical partem do pressuposto de que são as propriedades semânticas que determinam o comportamento sintático dos verbos (Fillmore, 2003FILLMORE, Charles. The grammar of hitting and breaking. In: FILLMORE, Charles (ed.). Form and meaning in language: papers on semantics roles. Stanford: CSLI Publications, 2003 [1970]. p. 123-139. [1970]; Pinker, 1989PINKER, Steven. Learnability and cognition: the acquisition of argument structure. Cambridge: Cambridge University Press , 1989.; Levin, 1993LEVIN, Beth. English verb classes and alternations: a preliminary investigation. Chicago: Chicago University Press, 1993.; Levin; Rappaport Hovav, 1995LEVIN, Beth; RAPPAPORT HOVAV, Malka. Unaccusativity: at the syntax lexical semantics interface. Cambridge: Cambridge University Press , 1995., 2005LEVIN, Beth; RAPPAPORT HOVAV, Malka. Argument realization. Cambridge: Cambridge University Press , 2005.; Beavers, 2010BEAVERS, John. The structure of lexical meaning: why semantics really matters. Language, v. 86, n. 4, p. 821-864, 2010. DOI: 10.1353/lan.2010.0040
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; Wunderlich, 2012WUNDERLICH, Dieter. Lexical Decomposition in Grammar. In: WERNING, Markus; HINZEN, Wolfram; MACHERY, Edouard (ed.). The Oxford Handbook of Compositionality. Oxford: Oxford University Press , 2012. p. 307-327; Cançado et al., 2017CANÇADO, Márcia; GODOY, Luísa; AMARAL, Luana. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed, 2017. Edição Revisada Amazon.; Beavers; Koontz-Garboden, 2020 BEAVERS, John.; KOONTZ-GARBODEN, Andrew. The roots of verbal meaning. Oxford: Oxford University Press, 2020.). Seguindo esse pressuposto, Cançado, Amaral e Meirelles (2022CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana; MEIRELLES, Letícia Lucinda. Verboweb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. 2022. Disponível em: http://verboweb.letras.ufmg.br/ . Acesso em: 15/05/2023
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) propõem que os verbos de mudança de estado locativo do PB apresentam as seguintes propriedades semânticas: (i) conteúdo semântico recorrente na classe: x age causando y ficar em determinado estado em algum lugar; (ii) aspecto lexical básico de accomplishment; (iii) estrutura de papéis temáticos: {Agente, Paciente, (Locativo)}; e (iv) estrutura de decomposição de predicados: [[X ACT VOLITION] CAUSE [BECOME [ [Y <RESULT-STATE>] LOC Z] ] ]. Em (iii), o papel temático Locativo aparece entre parênteses, pois pode ser omitido em algumas situações, de acordo com as intenções comunicativas do falante, como na sentença o fazendeiro estocou 25 mil toneladas de milho, pois não conseguiu vende-lo todo.2 2 É interessante notar que, embora o papel de Locativo possa ser omitido em alguns casos, ele ainda se faz presente na grande maioria das ocorrências. Em uma busca pelas ocorrências do verbo estocar no corpus do português (Davies, 2006) - https://www.corpusdoportugues.org - 70,93% das ocorrências são com a presença do argumento locativo. Nessa sentença, o foco não é o local no qual o milho foi estocado, mas o fato de ele precisar ser estocado devido à meta de venda não ter sido alcançada.

O conteúdo semântico recorrente da classe diz respeito ao sentido compartilhado pelos verbos, que é o de mudança de estado relacionado a uma locação, como propõe Godoy (2012GODOY, Luísa. A reflexivização no português brasileiro e a decomposição semântica de predicados. 2012. 154f. Tese (Doutorado em Estudos Linguísticos) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras, Belo Horizonte, Brasil, 2012.). O aspecto lexical (Vendler, 1967VENDLER, Zeno. Linguistics in Philosophy. Ithaca: Cornell, 1967.; Comrie, 1976COMRIE, Bernard. Aspect: An introduction to the study of verbal aspect and related problems. Cambridge: Cambridge University Press , 1976.; Dowty, 1990; Smith, 1997SMITH, Carlota. The Parameter of Aspect. Dordrecht: Kluwer, 1997., dentre outros) refere-se à maneira como a situação descrita pelo verbo se desenrola no decorrer do tempo. Por denotarem acccomplishments, os verbos de mudança de estado locativo são eventos causativos, divididos em dois subeventos: o da ação e o do resultado. A estrutura argumental, a qual representa o sentido dos verbos, pode ser dada de duas maneiras distintas: através de papéis temáticos ou da linguagem de decomposição em predicados primitivos. Esta retrata o significado dos itens verbais como algo decomponível, representado por meio de primitivos semânticos (Jackendoff, 1990JACKENDOFF, Ray. Semantic structures. Cambridge: Cambridge University Press , 1990.; Pinker, 1989PINKER, Steven. Learnability and cognition: the acquisition of argument structure. Cambridge: Cambridge University Press , 1989.; Rappaport Hovav; Levin, 1998RAPPAPORT HOVAV, Malka; LEVIN, Beth. Building verb meanings. In: BUTT, Miriam Jessica; GEUDER, Wilhelm (ed.). The projection of arguments: lexical and syntactic constraints. Stanford: CSLI Publications ; Stanford University Press, p. 97-134. 1998.; Levin; Rappaport Hovav, 2005LEVIN, Beth; RAPPAPORT HOVAV, Malka. Argument realization. Cambridge: Cambridge University Press , 2005.; Cançado et al., 2017CANÇADO, Márcia; GODOY, Luísa; AMARAL, Luana. Catálogo de verbos do português brasileiro: classificação verbal segundo a decomposição de predicados. Vol I. Verbos de mudança, 2 ed, 2017. Edição Revisada Amazon.).

Retomando a sentença em (3a), o fazendeiro armazenou 25 mil toneladas de milho no depósito, vemos que a grade temática fornecida para os verbos da classe reflete a existência de um argumento agente (o fazendeiro), um argumento paciente, o qual muda de estado (25 mil toneladas de milho), e um locativo (o depósito).

A estrutura de decomposição de predicados proposta para os verbos da classe evidencia a existência de dois subeventos, sendo o primeiro [X ACT VOLITION] e o segundo [BECOME [[Y<RESULT-STATE>] LOC Z]]. O primeiro subevento representa a ação realizada pelo fazendeiro, que desempenha o papel de agente, veiculado pela presença do modificador VOLITION. O segundo subevento diz respeito ao resultado, representado pelo predicado BECOME e pela raiz <RESULT-STATE>, de as 25 mil toneladas de milho ficarem armazenadas/estocadas. Os subeventos da ação e do resultado são causalmente relacionados entre si, o que é representado pelo primitivo CAUSE. Por fim, a existência da relação entre a mudança de estado e o sentido de locação é representada pelo predicado LOC e seu argumento Z, que corresponde ao sintagma o depósito, na sentença em (3a).

Segundo Cançado, Amaral e Meirelles (2022CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana; MEIRELLES, Letícia Lucinda. Verboweb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. 2022. Disponível em: http://verboweb.letras.ufmg.br/ . Acesso em: 15/05/2023
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), fazem parte da classe dos verbos de mudança de estado locativo do PB 101 verbos, como: abrigar, acomodar, armazenar, colocar, estocar, hospedar, internar, injetar, pendurar, trancar, trancafiar, tatuar, entre outros.3 3 A lista completa dos verbos encontra-se disponível em: http://verboweb.letras.ufmg.br/?verbo&search_input=9&busca=classe Todos os verbos da classe apresentam os seguintes comportamentos sintáticos:

  • Forma básica: minha filha abrigou um cachorro perdido na garagem lá de casa; a menina pendurou as roupas no varal.

  • Licencia a passiva eventiva com dois argumentos: o cachorro perdido foi abrigado na garagem lá de casa; as roupas foram penduradas no varal.

  • Licencia a passiva resultativa com dois argumentos: o cachorro perdido ficou abrigado na garagem lá de casa; as roupas ficaram penduradas no varal.

  • Licencia a passiva estativa com dois argumentos: o cachorro perdido está abrigado na garagem lá de casa; as roupas estão penduradas no varal.

Contudo, embora compartilhem as propriedades semânticas e os comportamentos sintáticos apresentados anteriormente, apenas alguns verbos da classe permitem a ocorrência da inversão locativa, na qual o argumento agente é omitido e o argumento locativo passa a ocupar a posição de sujeito. Já mostramos a existência dessa alternância para o verbo armazenar, em (3), e mostramos a seguir para os verbos abrigar, hospedar e incluir. Por outro lado, verbos como colocar, pendurar e injetar não realizam a alternância.

  1. a. Minha família abrigou um cachorro perdido na garagem lá de casa.

  2. b. A garagem lá de casa abrigou um cachorro perdido (durante a madrugada).

  3. a. A recepcionista hospedou o casal em lua de mel na suíte master.

  4. b. A suíte master hospedou o casal em lua de mel.

  5. a. O pesquisador incluiu várias tabelas com análises quantitativas no artigo.

  6. b. O artigo incluiu várias tabelas com análises quantitativas.

  7. a. A menina colocou o livro no baú.

  8. b. *O baú colocou o livro.

  9. a. A menina pendurou as roupas no varal.

  10. b. *O varal pendurou as roupas.

  11. a. O médico injetou um medicamento no braço do paciente.

  12. b. *O braço do paceinte injetou um medicamento.

Como os verbos de (5) a (10) pertencem à mesma classe no nível medium-grained, deve haver algum sentido mais específico que os diferencia e licencia a ocorrência desse tipo de inversão locativa. Mostraremos que sentido é esse na seção seguinte.

Restrição semântica para a ocorrência da alternância

Como vimos, os verbos de (5) a (10) são bitransitivos com um argumento locativo e apresentam o sentido semântico de mudança de estado em relação a uma locação. Ao procurarmos pelas diferenças de significado entre esses verbos, percebemos, baseadas em Levin (1993LEVIN, Beth. English verb classes and alternations: a preliminary investigation. Chicago: Chicago University Press, 1993.), que verbos como armazenar, abrigar e hospedar apresentam, além do sentido de mudança de estado locativo, um sentido mais específico de continência. Isso quer dizer que esses verbos denotam um evento no qual o argumento paciente passa a ficar contido no argumento com função de locativo. Assim, as sentenças em (6) e (7), por exemplo, denotam respectivamente que o casal em lua de mel passa a ficar contido na suíte máster e que as tabelas com análises quantitativas passam a ficar contidas no artigo.

Sob a ótica da Linguística Cognitiva, esse sentido de continência pode ser associado ao Esquema de Recipiente, proposto por Johnson (1987JOHNSON, Mark. The body in the mind: the bodily basis of meaning, imagination, and reason. Chicago: Chicago University Press, 1987.). Esse esquema de imagem baseia-se na nossa experiência de estarmos contidos em lugares com dimenções delimitadas e de colocarmos objetos dentro de recipientes. O autor ainda propõe que um recipiente pode afetar a visão da entidade que contém, o que justifica a ocorrência da alternância em questão com verbos do tipo esconder e amoitar: a mulher escondeu os cabos da internet atrás do sofá/ o sofá escondia os cabos da internet; a mulher amoitou várias espécies de plantas nas fendas das pedras/ as fendas das pedras amoitavam várias espécies de plantas.

Levin (1993LEVIN, Beth. English verb classes and alternations: a preliminary investigation. Chicago: Chicago University Press, 1993.) já mostra a ocorrência desse tipo de alternância para verbos do tipo incluir ‘include’ e incorporar ‘incorporate’, que descrevem uma relação entre um “contentor” ou “recipiente”, nos termos de Johnson (1987JOHNSON, Mark. The body in the mind: the bodily basis of meaning, imagination, and reason. Chicago: Chicago University Press, 1987.) e Lakoff (1987LAKOFF, George. Women, fire, and dangerous things: what categories reveal about the mind. Chicago: Chicago University Press, 1987.), e um objeto contido. A entidade contida no recipiente é expressa como objeto direto em ambas as sentenças, enquanto o contentor pode aperecer como um sintagma preposicioanado (11a) ou como o sujeito da sentença (11b). Levin (1993LEVIN, Beth. English verb classes and alternations: a preliminary investigation. Chicago: Chicago University Press, 1993.) denomina essa alternância container subject alternation.

a. I incorporated the new results into the paper. ‘Eu incorporei os novos resultados ao/no artigo.’ b. The paper incorporates the new results. ‘O artigo incorpora os novos resultados.’ (Levin, 1993LEVIN, Beth. English verb classes and alternations: a preliminary investigation. Chicago: Chicago University Press, 1993., p. 82)

Passando para a análise dos verbos colocar e pendurar, mostrados em (8) e (9), podemos perceber que, embora denotem o sentido de mudança de estado em relação a uma locação, não apresentam o sentido específico de continência. A sentença em (8), a menina colocou o livro no baú, não acarreta que o livro passa a ficar contido no baú, pois pode ter sido colocado sobre a superfície desse objeto, por exemplo. Há, portanto, apenas uma interpretação de estar localizado/estar em contato com uma superfície. Essa é a mesma interpretação da sentença em (9), com o verbo pendurar, uma vez que as roupas não passam a ficar contidas no varal, mas em contato com ele. Assim, os verbos colocar e pendurar não acarretam o sentido de continência e, portanto, o seu argumento locativo não pode ser interpretado como um recipiente. Neste ponto, é importante observar que em uma sentença como a menina colocou o livro dentro do baú, o elemento que transmite o sentido de continência é a preposição dentro, a qual evidencia que esse significado não é acarretado pelo verbo. Por isso, a forma alternada *o baú colocou o livro é agramatical.

Por outro lado, há verbos que possuem o sentido de continência, como injetar, mas que não realizam a inversão locativa. Em (10), embora o medicamento passe a ficar contido no braço do paciente, isso ocorre por meio de uma maneira bastante específica, envolvendo o uso de instrumentos também específicos. Assim, embora denote o sentido de continência, o verbo injetar também apresenta, em seu sentido idiossincrático, o componente semântico maneira.4 4 De acordo com as terminologias utilizadas nos trabalhos em Interface Sintaxe-Semântica Lexical, o sentido idiossincrático dos verbos diz respeito à parte da significação verbal que não é compartilhada de forma estrutural por todos os membros de uma classe verbal.

Beavers e Kontz-Garboden (2012BEAVERS, John.; KOONTZ-GARBODEN, Andrew. Manner and result in the roots of verbal meaning. Linguistic Inquiry, v. 43, n. 3, p. 331-369, 2012. DOI: 10.1162/LING_a_00093
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) propõem alguns testes para evidenciar o sentido de maneira presente nos verbos. Contudo, esses testes estão ligados a outras propriedades semânticas, como agentividade e movimento. Os autores propõem, por exemplo, que verbos de maneira só aceitam um sujeito agentivo, enquanto verbos que não apresentam esse componente semântico podem atribuir os papéis temáticos de Instrumento ou Força Natural para seu argumento externo. O exemplo dado é o do verbo quebrar que, por não veicular o sentido de maneira, aceita tanto um instrumento quanto uma força natural como argumento externo: o martelo/ o terremoto quebrou o vaso.5 5 Exemplo traduzido de Beavers e Kontz-Garboden (2012, p.16). Por outro lado, verbos de maneira não aceitam essas funções semânticas como sujeito: João varreu o chão com uma vassoura de piaçava/ *uma vassoura de piaçava varreu o chão/ ?o vento varreu o chão.6 6 Exemplos adaptados de Beavers e Kontz-Garboden (2012, p.16). Contudo, como mostramos anteriormente, há verbos, como colocar, que denotam um tipo de mudança de estado, sem veicular o sentido de maneira, mas que, mesmo assim, só aceitam um agente como sujeito: a manicure colocou o adesivo na unha da cliente com um alicate especial/ *um alicate especial colocou o adesivo na unha da cliente/ *a ventania colocou o adesivo na unha da cliente. Isso mostra que relacionar a noção de maneira à de agentividade não parece funcionar.

Beavers e Kontz-Garboden (2012BEAVERS, John.; KOONTZ-GARBODEN, Andrew. Manner and result in the roots of verbal meaning. Linguistic Inquiry, v. 43, n. 3, p. 331-369, 2012. DOI: 10.1162/LING_a_00093
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) ainda relacionam a noção de maneira à de movimento, uma vez que, segundo os autores, verbos de maneira denotam a realização de uma ação que envolve algum tipo de movimento, como correr, pular, nadar, entre outros. Desse modo, dizer sentenças do tipo ╞7 7 O símbolo ╞ indica relação de contradição (Cann, 1993). João correu, mas não moveu nem um músculo é algo contraditório, pois nega o sentido de maneira contido nos verbos. Por outro lado, quando o verbo não denota maneira, é possível dizer algo do tipo: João destruiu seu carro, mas não moveu um músculo _ pelo contrário, ele apenas deixou-o ao ar livre até que se desintegrasse.8 8 Adaptado de Beavers e Kontz-Garboden (2012, p.19). Contudo, há verbos como machucar e o próprio verbo colocar, que denotam tipos de mudança de estado, não veiculam o sentido de maneira, mas ficam contraditórios nas sentenças a seguir: ╞ o menino machucou o colega propositalmente, mas não moveu um músculo; ╞ a menina colocou o livro na mesa, mas não moveu um músculo. Portanto, também não é adequado relacionar a noção de maneira à de movimento.9 9 Um dos pareceristas sugeriu que a restrição primeira para a realização da alternância é que o verbo não seja estritamente agentivo. Contudo, todos os verbos da classe aceitam apenas um sujeito agentivo em sua forma básica: *Minha atitude/ o temporal abrigou um cãozinho de rua na garagem; *O movimento da menina/o arremesso colocou o livro no baú.

Neste artigo, além de esmiuçar o sentido específico dos verbos, tentamos evidenciar, através da comparação com itens verbais da mesma classe, que alguns verbos de mudança de estado locativo apresentam o componente maneira em seu sentido idiossincrático, enquanto outros verbos não veiculam esse componente semântico. Além do verbo injetar, outros exemplos de verbos que apresentam o sentido de maneira acrescido ao sentido de continência são: trancar, meter e socar. Vejamos as sentenças a seguir:

  1. a. O menino trancou o colega no quarto.

  2. b. *O quarto trancou o colega do menino.

  3. a. Os nazistas trancafiavam as crianças judias em imensos galpões.

  4. b. Um imenso galpão trancafiava as crianças judias.10 10 Retirado de: https://www.corpusdoportugues.org/web-dial/. Acessado em 20/06/2021.

  5. a. A menina meteu/socou as roupas no armário.

  6. b.*O armário meteu/socou as roupas.

  7. a. A senhora guardava uma série de louças antigas na cristaleira.

  8. b. A cristaleira guardava uma série de louças antigas.11 11 Retirado de: https://www.corpusdoportugues.org/web-dial/. Acessado em 20/06/2021.

Em (12), o verbo trancar apresenta o componente maneira, que é o fato de o menino ter fechado a porta com tranca para que o colega ficasse no quarto. Por outro lado, trancafiar denota apenas o sentido de ficar preso, não acarretando que a ação tenha sido realizada por meio de uma tranca. Em (14), os verbos meter e socar, apresentam o sentido de maneira relacionado à realização de uma ação de forma descuidada. Esse sentido é ausente no verbo guardar. Isso fica evidente ao compararmos as seguintes sentenças: o menino guardou as roupas no armário, mas não fez isso de forma descuidada versus ╞ o menino meteu/socou as roupas no armário, mas não fez isso de forma descuidada ou ainda ╞ o menino meteu/socou as roupas no armário, mas fez isso de forma cuidadosa. A contradição existente na segunda e na terceira sentenças advém justamente do fato de os verbos meter e socar denotarem que a ação foi realizada de uma maneira descuidada.

Neste ponto, é importante mencionar que a alternância estativa-locativa não deve ser confundida com sentenças que apresentam sujeito metonímico, como mostramos em (16) e (17):

  • A UFMG cadastra uma série de novos alunos todos os anos.

  • O hotel da praia hospedou a seleção alemã.

De acordo com Croft e Cruse (2009CROFT, William; CRUSE, Alan. Cognitive Linguistics. Cambridge: Cambridge University Press , 2009.), Handl (2001HANDL, Sandra. The conventionality of figurative language: a usage-based study. Tubingen: Narr Verlag, 2011.) e Amaral e Cançado (2020AMARAL, Luana; CANÇADO, Márcia. Metonymy triggers syntactic argument alternation: vehicle for conductor metonymy as a constraint on lexical-constructional integration. Cognitive Linguistics, v. 31, n. 1, p. 113-148, 2020. DOI: https://doi.org/10.1515/cog-2018-0098
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), um tipo de processo metonímico consiste na fusão de duas entidades em um só elemento linguístico, como ocorre na sentença a Mercedes estacionou, na qual o sintagma nominal a Mercedes refere-se tanto ao veículo quanto ao seu motorista. Amaral e Cançado (2020AMARAL, Luana; CANÇADO, Márcia. Metonymy triggers syntactic argument alternation: vehicle for conductor metonymy as a constraint on lexical-constructional integration. Cognitive Linguistics, v. 31, n. 1, p. 113-148, 2020. DOI: https://doi.org/10.1515/cog-2018-0098
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) evidenciam que esse sintagma nominal apresenta traços de agentividade e animacidade, os quais advêm da entidade motorista, através dos seguintes testes:

A Mercedes estacionou na porta do restaurante para pegar a encomenda. a. Quem estacionou na porta do restaurante foi a Mercedes. b. *O que estacionou na porta do restaurante foi a Mercedes. (Amaral; Cançado, 2020AMARAL, Luana; CANÇADO, Márcia. Metonymy triggers syntactic argument alternation: vehicle for conductor metonymy as a constraint on lexical-constructional integration. Cognitive Linguistics, v. 31, n. 1, p. 113-148, 2020. DOI: https://doi.org/10.1515/cog-2018-0098
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, p. 128-129).

De acordo com as autoras, o sintagma preposicionado para pegar a encomenda indica finalidade, o propósito da ação, o que é uma evidência da agentividade do sujeito do verbo estacionar. Já em (19a), o fato de a Mercedes ser referenciada através do pronome quem em detrimento ao pronome que é uma evidência da animacidade do sintagma nominal.

Voltando para os exemplos em (16) e (17), vemos que os sujeitos a UFMG e o hotel da praia também apresentam essa interpretação metonímica, uma vez que denotam tanto o local onde foram realizados os eventos, como os agentes dessas ações.

  1. a. A UFMG cadastra, para compor seu corpo discente, uma série de novos alunos todos os anos.

  2. b. Quem cadastra uma série de novos alunos todos os anos é a UFMG.

  3. a. O hotel da praia hospedou a seleção alemã para ficar reconhecido internacionalmente.

  4. b. Quem hospedou a seleção alemã foi o hotel da praia.

O fato de as sentenças em (a) poderem se combinar com adjuntos de finalidade evidencia o caráter agentivo dos sujeitos. Já o fato de os sintagmas a UFMG e o hotel da praia poderem ser referenciados por quem evidencia a animacidade desses elementos. Na alternância estativo-locativa, a metonímia não ocorre:

  1. a. *A suíte máster hospedou o casal em lua de mel para acomodá-los melhor nessa viagem tão especial.

  2. b. *Quem hospedou o casal em lua de mel foi a suíte máster.

Por ser um sujeito com interpretação estritamente locativa, a suíte máster não pode ser referenciada pelo pronome quem e também não pode ter uma interpretação agentiva, como mostramos em (22a).

Após a argumentação apresentada nesta seção, concluímos que para realizar o tipo de inversão locativa em análise, os sujeitos das sentenças alternadas devem denotar entidades estritamente locativas, e os verbos da classe de mudança de estado locativo devem apresentar, em seu sentido idiossincrático, apenas uma relação de continência, não podendo esta ser acrescida do componente semântico maneira. Em nossa análise, percebemos que dos 101 verbos de mudança de estado locativo apenas 28 verbos carregam estritamente o componente semântico de relação de continência em seu sentido idiossincrático (armazenar, estocar, abrigar, registrar, trancafiar, guardar, hospedar, incluir, inserir, entre outros).12 12 A lista completa dos verbos está disponível no VerboWeb. Esses verbos formam uma subclasse, nos termos de Cançado, Amaral e Meirelles (2018CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana; MEIRELLES, Letícia Lucinda. VerboWeb: uma proposta de classificação verbal. Revista da Anpoll, n. 46, v. 1, 2018.) e Cançado, Amaral e Meirelles (2022CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana; MEIRELLES, Letícia Lucinda. Verboweb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. 2022. Disponível em: http://verboweb.letras.ufmg.br/ . Acesso em: 15/05/2023
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) da classe dos verbos de mudança de estado locativo. Uma subclasse verbal apresenta todas as propriedades sintático-semânticas de uma classe no nível medium-grained, acrescida de uma ou mais propriedades sintáticas que advém de algum sentido específico dos verbos. Na subclasse em questão, a propriedade sintática específica é a alternância estativo-locativa. Ainda é importante mencionar que essa alternância motiva uma classificação verbal em um nível fine-grained (Levin, 2010LEVIN, Beth. What is the best grain‐ size for defining verb classes? In: CONFERENCE ON WORD CLASSES: NATURE, TYPOLOGY, COMPUTATIONAL REPRESENTATIONS, 2, Rome: Università Roma Tre, March, 2010. p. 24-26. ; Cançado; Gonçalves, 2016CANÇADO, Márcia; GONÇALVES, Anabela. Lexical Semantics: verb classes and alternations. In: WETZELS, Leo; MENUZZI, Sérgio; COSTA, João (ed.). The Handbook of Portuguese Linguistics. Nova Jersey: Wiley-Blackwell, 2016, p. 374-391.; Cançado; Amaral, 2016CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana. Introdução à Semântica Lexical: papéis Temáticos, aspecto lexical e decomposição de predicados. Petrópolis: Editora Vozes, 2016.), pois agrupa verbos através de propriedades de sentido mais específicas, como é o caso do significado de continência.

Na próxima seção, mostramos a interpretação da forma alternada dos verbos que participam da alternância estativo-locativa, justificando o porquê de darmos esse nome ao fenômeno linguístico em questão.

A interpretação da forma alternada dos verbos de continência

Como já mencionamos, os verbos de mudança de estado locativo denotam um evento em que “x age causando y ficar em determinado estado em algum lugar” (Cançado; Amaral; Meirelles, 2022CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana; MEIRELLES, Letícia Lucinda. Verboweb: classificação sintático-semântica dos verbos do português brasileiro. 2022. Disponível em: http://verboweb.letras.ufmg.br/ . Acesso em: 15/05/2023
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). Desse modo, em sua forma básica (o fazendeiro armazenou 25 mil tonelados de milho no depósito), um verbo como armazenar atribui os seguintes papéis temáticos para seus argumentos: Agente, para o argumento que realiza a ação; Paciente, para o argumento que muda de estado; e Locativo, para o argumento que expressa o local no qual o argumento paciente passa a ficar localizado. Observemos a forma alternada dos verbos que carregam o sentido de continência:

  • O depósito armazenou 25 mil toneladas de milho.

  • A suíte master hospedou o casal em lua de mel.

  • Um imenso galpão trancafiava as crianças judias.

O primeiro fato a ser percebido, como já mencionamos no decorrer do artigo, é que, na forma alternada, ocorre o apagamento do argumento agente, de modo que o locativo alça para a posição de sujeito. O caráter locativo do sujeito da forma alternada pode ser evidenciado a partir do seguinte teste:

  • [O depósito]i armazenou 25 mil toneladas de milho. Foi lái que o milho ficou guardado até ser exportado.

  • [A suíte master]i hospedou o casal em lua de mel. Nelai, o casal passou seus melhores dias.

  • [Um imenso galpão]i trancafiava as crianças judias. Lái elas eram mantidas muitas vezes sem água e comida.

O fato de o sujeito das sentenças de (26) a (28) poder ser retomado pelo elemento anafórico ou pelo sintagma preposicionado nela evidencia seu caráter locativo, uma vez que essas expressões se referem tipicamente a locais.

Contudo, embora o papel de Locativo se mantenha, o papel de Paciente não parece estar mais presente na forma alternada das sentenças, pois elas não descrevem a mudança de estado de uma entidade. Quando dizemos a sentença em (23), por exemplo, não estamos descrevendo um evento em que as 25 mil toneladas passam a ficar armazenadas no depósito. Na verdade, estamos informando uma espécie de propriedade do depósito, que é ter a capacidade de armazenar toda essa quantidade de milho.

Portanto, propomos que o papel temático atribuído pelo verbo, na forma alternada, ao seu argumento interno, é o papel que denominamos Objeto Contido. Do mesmo modo, propomos que o papel atribuído ao sujeito da forma alternada é um tipo mais específico de locativo, que denominamos, baseadas nos trabalhos em Semântica Cognitiva, Contentor. Assim, a grade temática da forma alternada dos verbos é representada em (29):

v: {Contentor, Objeto Contido}

Bücking e Buscher (2015BÜCKING, Sebastian; BUSCHER, Frauke. Stative locative alternations as type coercion. In: STEINDL, Ulrike (ed.). Proceedings of the 32 nd West Coast Conference on Formal Linguistics . Somerville: Cascadilla Proceedings Project, 2015. p. 92-102.) analisam um tipo de alternância no alemão que apresenta o mesmo tipo de interpretação da alternância com os verbos de continência do PB. Vejamos o exemplo a seguir, retirado de Bücking e Buscher (2015, p. 92BÜCKING, Sebastian; BUSCHER, Frauke. Stative locative alternations as type coercion. In: STEINDL, Ulrike (ed.). Proceedings of the 32 nd West Coast Conference on Formal Linguistics . Somerville: Cascadilla Proceedings Project, 2015. p. 92-102.):

a. Kühe stehen auf dem Platz. vacas ficar de pé em a praça ‘As vacas estão em pé na praça.’ b. Der Platz steht voll mit Kühen. a praça ficar de pé cheia com vacas ‘A praça está cheia de vacas em pé.’

De acordo com os autores, a interpretação da sentença em (30a) envolve um componente locativo e um posicional. As vacas e a praça estão locacionalmente relacionadas entre si. Essa relação é representada pela presença da preposição auf ‘em’. Já em relação ao eixo posicional, as vacas estão no eixo vertical em relação à praça. Na forma alternada em (30b), o componente locativo é reinterpretado por meio de uma relação de continência, de modo que o sintagma der Platz ‘a praça’ passa a ser entendido como um recipiente. Para os autores, a interpretação de recipiente é um subtipo de locativo, assim como propusemos para o PB.

Contudo, diferentemente do alemão, os verbos analisados do PB não apresentam o componente posicional em sua estrutura conceitual, uma vez que não descrevem a posição (em pé, deitada, etc.) de uma entidade em relação ao locativo. Outra diferença entre o PB e o alemão reside no fato de o componente locativo dos nossos verbos diferir-se do dos verbos do alemão, uma vez que, no PB, verbos do tipo armazenar não descrevem relações locativas estáticas, como estar de pé, mas sim um resultado de mudança de estado locativo, como já mostramos no início deste artigo.

Ao propormos uma mudança nos papéis temáticos atribuídos pelo verbo aos seus argumentos na forma alternada das sentenças, nos deparamos com um problema: as formas básica e alternada não são casos de polissemia, pois o significado dos verbos se mantém em ambos as formas.13 13 Um exemplo de polissemia verbal pode ser observado com o verbo abalar, no sentido de abalar a estrutura do prédio x abalar alguém emocionalmente. Em Semântica Lexical, verbos polissêmicos apresentam duas entradas lexicais distintas, com estruturas argumentais também distintas. Para exemplos de verbos polissêmicos no PB e suas respectivas estruturas semânticas, ver o banco de dados VerboWeb. Assim, não podemos propor duas estruturas argumentais para um único verbo, pois se o fizéssemos, estaríamos dizendo que esse verbo possui dois significados distintos.

A solução para esse problema encontra-se no processo semântico de coercion, proposto por Pustejovsky (1995PUSTEJOVSKY, James. The Generative Lexicon, Cambridge: Cambridge University Press , 1995.), Egg (2003EGG, Markus. Beginning novels and finishing hamburgers: remarks on the semantics of to begin. Journal of Semantics, v. 20, n. 2, p. 163-191, 2003. DOI: 10.1093/jos/20.2.163
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), Asher e Pustejovsky (2006ASHER, Nicholas. PUSTEJOVSKY, James. A type composition logic for generative lexicon. Journal of Cognitive Science, v. 7, n. 1, p. 1-38, 2006. ) e Asher (2011ASHER, Nicholas. Lexical meaning in context: a web of words. Cambridge University Press, 2011.). Esse é um fenômeno linguístico que ocorre quando uma palavra “coage” outra a ter um significado diferente de seu significado usual. Vejamos o seguinte exemplo, retirado de Asher (2011ASHER, Nicholas. Lexical meaning in context: a web of words. Cambridge University Press, 2011., p. 14):

Julie enjoyd the book. ‘Julie se divertiu com o livro.’

Segundo o autor, o verbo enjoy ‘divertir’ toma como objeto um tipo de evento: enjoy reading the book ‘divertir com a leitura do livro’. Portanto, para que a sentença em (31) seja interpretada, há uma coerção por parte do verbo sobre o argumento livro, de modo que este passa a ser interpretado como um tipo de evento realizado pelo sujeito (a leitura do livro).

Bücking e Buscher (2015BÜCKING, Sebastian; BUSCHER, Frauke. Stative locative alternations as type coercion. In: STEINDL, Ulrike (ed.). Proceedings of the 32 nd West Coast Conference on Formal Linguistics . Somerville: Cascadilla Proceedings Project, 2015. p. 92-102.) propõem que as sentenças do alemão do tipo mostrado em (30b) também sofrem coercion. Para os autores o sintagma voll ‘cheio’, funciona como uma espécie de operador que predica a relação de continência presente na forma alternada dos verbos.

Propomos que, no PB, assim como no alemão, a forma alternada das sentenças ocorre via processo semântico de coercion. A diferença entre as duas línguas encontra-se no fato de o PB não possuir um operador sentencial que motiva a ocorrência desse processo. Assim, em nossa língua, é o próprio item verbal que predica a reinterpretação da forma alternada como uma situação que descreve uma relação entre um argumento contentor e um objeto contido. O que motiva essa reinterpretação temática é o componente semântico de continência presente no sentido idiossincrático dos verbos.

Neste ponto, é interessante observar que a reinterpretação temática das sentenças alternadas obedece ao Princípio da Hierarquia Temática. De acordo com Levin e Rappaport Hovav (2005LEVIN, Beth; RAPPAPORT HOVAV, Malka. Argument realization. Cambridge: Cambridge University Press , 2005.), esse é um princípio que regula o mapeamento dos argumentos verbais nas posições sintáticas de sujeito e objeto. Os papéis de Contentor e Objeto Contido comportam-se como os de Possuidor e Objeto Possuído. A relação de posse tem sido estudada por diversos autores na literatura (Guéron, 1985GUÉRON, Jacqueline. Inalienable possession, PRO-inclusion and lexical chains. In: GUÉRON, Jacqueline; OBENAUER, Hans-Georg; POLLOCK, Jean-Yves (ed.). Grammatical representation. Dordrecht, 1985. p.43-86., 2006GUÉRON, Jacqueline. Inalienable possession. In: EVERAERT, Martin; RIEMSDIJK, Henk van (ed.). The Blackwell companion to syntax. Malden, Mass: Blackwell, 2006. p. 589-638.; Jackendoff, 1983JACKENDOFF, Ray. Semantics and Cognition. Cambridge: Cambridge University Press , 1983.; Vergnaud; Zubizarreta, 1992VERGNAUD, Jacqueline; ZUBIZARRETA, Maria Luisa. The definite determiner and the inalienable constructions in French and in English. Linguistic Inquiry, v. 23, n. 4, p. 595-65, 1992., dentre outros). O que todos esses trabalhos apresentam em comum é o fato de o Possuidor ser mais alto hierarquicamente do que o Objeto Possuído. Assim, em relação ao Princípio da Hierarquia Temática, quando esses dois papéis estão presentes na estrutura argumental do verbo, é o Possuidor que deve ocupar a posição de sujeito. Isso fica claro quando analisamos a grade temática dos verbos ter e possuir: {Possuidor, Objeto Possuído}. Nas sentenças com esses verbos, o argumento Possuidor sempre ocupa a posição de sujeito, enquanto o Objeto Possuído ocupa a de objeto: João tem/possui uma casa.14 14 Uma exceção à proeminência do papel de Possuidor em relação ao de Objeto Possuído é o verbo pertencer (a casa pertence ao João), uma vez que, nesse verbo, o argumento Objeto Possuído ocupa a posição de sujeito. Contudo, Foley e Van Valin (1984) e Cançado e Amaral (2016) propõem que quando a Hierarquia Temática é violada, essa violação é marcada morfologicamente na sentença. Com o verbo pertencer, a preposição a marca essa violação. No fenômeno analisado neste artigo, o argumento que recebe o papel de Contentor ocupa a posição de sujeito, enquanto o Objeto Contido ocupa a posição de objeto.

Uma última questão que devemos considerar em relação à forma alternada das sentenças é a sua interpretação aspectual, a qual se difere da interpretação da forma básica. Como mostrado no início do artigo, a forma básica das sentenças apresenta o aspecto lexical de accomplishment, o qual carrega os valores aspectuais de dinamicidade, duratividade e telicidade (COMRIE, 1976COMRIE, Bernard. Aspect: An introduction to the study of verbal aspect and related problems. Cambridge: Cambridge University Press , 1976.). Contudo, ao examinarmos o aspecto das sentenças alternadas, percebemos que apenas a duratividade permanece, enquanto os valores aspectuais de dinamicidade e telicidade são alterados para estatividade e atelicidade. É devido à natureza estativa da forma alternada que denominamos, baseadas no trabalho de Bücking e Buscher (2015BÜCKING, Sebastian; BUSCHER, Frauke. Stative locative alternations as type coercion. In: STEINDL, Ulrike (ed.). Proceedings of the 32 nd West Coast Conference on Formal Linguistics . Somerville: Cascadilla Proceedings Project, 2015. p. 92-102.), o tipo de inversão locativa analisado de “alternância estativo-locativa”.

a. O fazendeiro armazenou 25 mil toneladas de milho no depósito em alguns dias.15 15 Quando as sentenças em (a) combinam-se com o adjunto temporal por x tempo (O fazendeiro armazenou 25 mil toneladas de milho no depósito por alguns dias), esse adjunto não está medindo o tempo de realização da ação, mas sim o tempo em que o milho ficou armazenado no depósito. Tal comportamento mostra que o verbo não denota uma atividade. b. O depósito armazenou 25 mil toneladas de milho por alguns dias/ *em alguns dias. a. A recepcionista hospedou o casal em lua de mel na suíte máster em alguns minutos. b. A suíte máster hospedou o casal em lua de mel por alguns dias/ *em alguns minutos/dias.

As sentenças em (32) e (33) mostram que tanto a forma básica quanto a alternada descrevem eventos durativos, evidenciados pelos adjuntos temporais em x tempo ou por x tempo. Contudo, a forma básica da sentença combina-se com o sintagma preposicionado em x tempo, que marca o tempo de duração da realização da ação até se alcançar o resultado. Já a forma alternada não ocorre com esse sintagma, o que mostra a sua atelicidade. Esse valor aspectual é evidenciado pela presença do sintagma preposicionado por x tempo, o qual marca o tempo de duração de uma atividade (o menino correu por 40 minutos) ou de um estado (João amou Maria por 5 anos).

Para evidenciar o valor aspectual de estatividade presente na forma alternada dos verbos, nos valemos de um teste proposto por Van Valin (2005VAN VALIN, Robert. Exploring the Syntax-Semantics Interface. Cambridge: Cambridge University Press , 2005.). De acordo com o autor, apenas situações dinâmicas funcionam como resposta para a pergunta “o que aconteceu?”.

A: O que aconteceu? B: O fazendeiro armazenou 25 mil toneladas de milho no depósito. A recepcionista hospedou o casal em lua de mel na suíte máster. A: O que aconteceu? B: #O depósito armazenou 25 mil toneladas de milho.16 16 Estamos utilizando o símbolo ‘#’ para indicar incompatibilidade das sentenças como respostas para a pergunta em questão. #A suíte máster hospedou o casal em lua de mel.

O fato de as sentenças em (35) soarem inadequadas como respostas à pergunta em questão mostra que a forma alternada dos verbos é uma forma estativa.

Além disso, Cançado e Amaral (2016CANÇADO, Márcia; GONÇALVES, Anabela. Lexical Semantics: verb classes and alternations. In: WETZELS, Leo; MENUZZI, Sérgio; COSTA, João (ed.). The Handbook of Portuguese Linguistics. Nova Jersey: Wiley-Blackwell, 2016, p. 374-391.), baseadas em Comrie (1976COMRIE, Bernard. Aspect: An introduction to the study of verbal aspect and related problems. Cambridge: Cambridge University Press , 1976.), propõem que os verbos de estado do PB não atualizam o aspecto gramatical imperfectivo progressivo, quando ocorrem com a perífrase estar + gerúndio.

a. O fazendeiro está armazenando, pouco a pouco, 25 mil toneladas de milho no depósito. b. *O depósito está armazenando, pouco a pouco, 25 mil toneladas de milho. a. A recepcionista está hospedando os casais nas suítes aos poucos. b. ??As suítes estão hospedando os casais aos poucos.

Os adjuntos pouco a pouco e aos poucos indicam a ideia de progressão do evento. A forma básica das sentenças, por denotar eventos de accomplishments, atualiza o aspecto gramatical imperfectivo progressivo. Contudo, a forma alternada das sentenças, por denotar estado, não atualizam esse aspecto gramatical, como podemos ver nos exemplos em (b), nos quais as sentenças soam pelo menos estranhas.

Ainda, verbos que denotam eventos podem combinar-se com advérbios de maneira, como rapidamente e lentamente. Isso ocorre, pois “ser realizado de uma determinada maneira” é uma propriedade de eventos e não de estados. Desse modo, podemos dizer sentenças como o fazendeiro armazenou, rapidamente, 25 mil toneladas de milho no depósito, mas sentenças do tipo? o depósito armazenou, rapidamente, 25 mil toneladas de milho soam estranhas. Essa é mais uma evidência da leitura estativa das sentenças alternadas. Vale lembrar que não é o fato de o sujeito da forma alternada não ser um agente que gera a estranheza do uso do advérbio rapidamente. Verbos não agentivos, mas que denotam eventos podem combinar-se com advérbios de maneira: a carta chegou rapidamente; o abacate amadureceu lentamente.

Portanto, propomos que a forma alternada dos verbos com sentido de continência apresenta o aspecto derivado de estado. De acordo com Smith (1997SMITH, Carlota. The Parameter of Aspect. Dordrecht: Kluwer, 1997.) e Cançado e Amaral (2016CANÇADO, Márcia; GONÇALVES, Anabela. Lexical Semantics: verb classes and alternations. In: WETZELS, Leo; MENUZZI, Sérgio; COSTA, João (ed.). The Handbook of Portuguese Linguistics. Nova Jersey: Wiley-Blackwell, 2016, p. 374-391.), um verbo pode ter seu aspecto alterado quando ocorrem mudanças morfossintáticas na sentença. Essas mudanças dizem respeito à flexão aspecto-temporal do verbo, à inserção de adjuntos e ao apagamento de argumentos verbais.17 17 Para saber mais sobre as ocorrências de diversos tipos de aspecto derivado no PB, ver Cançado e Amaral (2016), Capítulo 4. Assim, a forma básica dos verbos do tipo armazenar denota um evento de accomplishment, enquanto a forma derivada denota um estado. Por serem sentenças estativas derivadas, não é incomum que ocorram com alterações na morfologia verbal de tempo e aspecto gramatical (mais especificamente, aspecto imperfectivo não progressivo), de modo a ficar compatível com as propriedades de duratividade, atelicidade e estatividade. Isso fica evidente através dos seguintes dados reais, retirados do corpus do português:

  • Panelas cheias de gordura armazenavam as carnes para conservar.

  • O quarto hospeda fumantes.

  • (http://www.corpusdoportugues.org/web-dial/, acessado em 18/08/2021)

Ainda em relação à mudança aspectual da forma alternada, propomos que essa reinterpretação estativa é um epifenômeno do processo semântico de coercion que ocorre na estrutura temática dos verbos. A reinterpretação temática faz com que os verbos passem a atribuir aos seus argumentos os papéis de Contentor e Objeto Contido, que são papéis tipicamente relacionados a estados, assim como os papéis de Possuidor e Possuído. Tendo, em sua grade temática, apenas papéis estativos, automaticamente, a interpretação aspectual do verbo deve ser de estado.

Para finalizar, apresentamos um esquema (Figura 1) que resume o fenômeno da alternância estativo-locativa com os verbos de continência do PB:

Figura 1:
Descrição da alternância estativo-locativa no PB

Considerações Finais

Neste artigo, analisamos um tipo de inversão locativa do PB que ocorre com verbos bitransitivos, os quais denotam o sentido de mudança de estado locativo. Esses são verbos como armazenar, abrigar e hospedar que, além do sentido de mudança de estado em relação a uma locação, também denotam, em seu sentido idiossincrático, uma relação de continência entre seus argumentos. Esse sentido específico motiva uma classificação dos verbos em um nível mais restrito de análise, chamado de fine-grained, de modo que os verbos analisados formam uma subclasse da classe dos verbos de mudança de estado locativo.

Propusemos que na forma alternada das sentenças ocorre uma reinterpretação da estrutura temática dos verbos, através do processo semântico de coercion. Por apresentarem em seu sentido idiossincrático a ideia de continência, os verbos em questão passam a atribuir os papéis temáticos de Contentor e Objeto Contido para seus argumentos. Essa alteração da grade temática faz com que também haja uma alteração da leitura aspectual dos verbos. Em sua forma básica, denotam eventos de accomplishements, mas, na forma alternada, passam a denotar o aspecto derivado de estado. Essa mudança aspectual é um epifênomeno do processo de coercion sofrido pelos argumentos verbais, que têm suas funções temáticas reinterpretadas. É o aspecto derivado de estado e o sentido de continência apresentado pelos verbos que nomeia a alternância analisada neste artigo: “alternância estativo-locativa com verbos que denotam o sentido de continência”.

Através da descrição sintático-semântica dessa alternância, acreditamos ter contribuído para o estudo do fenômeno geral da inversão locativa no PB. Também colaboramos para o aprimoramento das análises na área da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, uma vez que propusemos a existência de um processo semântico de coercion na formação das sentenças alternadas. A ocorrência desse processo até então não havia sido proposta em demais trabalhos da área no PB. Além disso, também mostramos que a relação de continência tem relevância gramatical, o que é uma conclusão importante para os trabalhos na área da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, os quais visam determinar quais componentes semânticos influenciam no comportamento sintáticos dos itens lexicais.

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  • 1
    Disponível em: http://verboweb.letras.ufmg.br/
  • 2
    É interessante notar que, embora o papel de Locativo possa ser omitido em alguns casos, ele ainda se faz presente na grande maioria das ocorrências. Em uma busca pelas ocorrências do verbo estocar no corpus do português (Davies, 2006) - https://www.corpusdoportugues.org - 70,93% das ocorrências são com a presença do argumento locativo.
  • 3
    A lista completa dos verbos encontra-se disponível em: http://verboweb.letras.ufmg.br/?verbo&search_input=9&busca=classe
  • 4
    De acordo com as terminologias utilizadas nos trabalhos em Interface Sintaxe-Semântica Lexical, o sentido idiossincrático dos verbos diz respeito à parte da significação verbal que não é compartilhada de forma estrutural por todos os membros de uma classe verbal.
  • 5
    Exemplo traduzido de Beavers e Kontz-Garboden (2012BEAVERS, John.; KOONTZ-GARBODEN, Andrew. Manner and result in the roots of verbal meaning. Linguistic Inquiry, v. 43, n. 3, p. 331-369, 2012. DOI: 10.1162/LING_a_00093
    https://doi.org/10.1162/LING_a_00093...
    , p.16).
  • 6
    Exemplos adaptados de Beavers e Kontz-Garboden (2012BEAVERS, John.; KOONTZ-GARBODEN, Andrew. Manner and result in the roots of verbal meaning. Linguistic Inquiry, v. 43, n. 3, p. 331-369, 2012. DOI: 10.1162/LING_a_00093
    https://doi.org/10.1162/LING_a_00093...
    , p.16).
  • 7
    O símbolo ╞ indica relação de contradição (Cann, 1993CANN, Ronnie. Formal Semantics: An introduction. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.).
  • 8
    Adaptado de Beavers e Kontz-Garboden (2012BEAVERS, John.; KOONTZ-GARBODEN, Andrew. Manner and result in the roots of verbal meaning. Linguistic Inquiry, v. 43, n. 3, p. 331-369, 2012. DOI: 10.1162/LING_a_00093
    https://doi.org/10.1162/LING_a_00093...
    , p.19).
  • 9
    Um dos pareceristas sugeriu que a restrição primeira para a realização da alternância é que o verbo não seja estritamente agentivo. Contudo, todos os verbos da classe aceitam apenas um sujeito agentivo em sua forma básica: *Minha atitude/ o temporal abrigou um cãozinho de rua na garagem; *O movimento da menina/o arremesso colocou o livro no baú.
  • 10
    Retirado de: https://www.corpusdoportugues.org/web-dial/. Acessado em 20/06/2021.
  • 11
    Retirado de: https://www.corpusdoportugues.org/web-dial/. Acessado em 20/06/2021.
  • 12
    A lista completa dos verbos está disponível no VerboWeb.
  • 13
    Um exemplo de polissemia verbal pode ser observado com o verbo abalar, no sentido de abalar a estrutura do prédio x abalar alguém emocionalmente. Em Semântica Lexical, verbos polissêmicos apresentam duas entradas lexicais distintas, com estruturas argumentais também distintas. Para exemplos de verbos polissêmicos no PB e suas respectivas estruturas semânticas, ver o banco de dados VerboWeb.
  • 14
    Uma exceção à proeminência do papel de Possuidor em relação ao de Objeto Possuído é o verbo pertencer (a casa pertence ao João), uma vez que, nesse verbo, o argumento Objeto Possuído ocupa a posição de sujeito. Contudo, Foley e Van Valin (1984FOLEY, William; VAN VALIN, Robert. Functional Syntax and Universal Grammar. Cambridge: Cambridge University Press , 1984.) e Cançado e Amaral (2016) propõem que quando a Hierarquia Temática é violada, essa violação é marcada morfologicamente na sentença. Com o verbo pertencer, a preposição a marca essa violação.
  • 15
    Quando as sentenças em (a) combinam-se com o adjunto temporal por x tempo (O fazendeiro armazenou 25 mil toneladas de milho no depósito por alguns dias), esse adjunto não está medindo o tempo de realização da ação, mas sim o tempo em que o milho ficou armazenado no depósito. Tal comportamento mostra que o verbo não denota uma atividade.
  • 16
    Estamos utilizando o símbolo ‘#’ para indicar incompatibilidade das sentenças como respostas para a pergunta em questão.
  • 17
    Para saber mais sobre as ocorrências de diversos tipos de aspecto derivado no PB, ver Cançado e Amaral (2016CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana. Introdução à Semântica Lexical: papéis Temáticos, aspecto lexical e decomposição de predicados. Petrópolis: Editora Vozes, 2016.), Capítulo 4.

Anexos

Dados retirados do corpus do português, modalidade Web-dialeto

DAVIES, Mark. Corpus do Português: one billion words, 4 countries, 2016DAVIES, Mark. Corpus do Português: one billion words, 4 countries, 2016. Disponível em: http://www.corpusdoportugues.org/web-dial/ . Acesso em: 15/05/2023
http://www.corpusdoportugues.org/web-dia...
.

Disponível em: http://www.corpusdoportugues.org/web-dial/. (Web / Dialects)

1. Abrigar

Esse terreno abrigou o antigo Hospital São Carlos, no Jardim das Américas.

2. Acolher

A Praça Nossa Senhora Aparecida acolheu multidões durante 145 anos.

3. Acomodar

O edifício acomodou bem todos os moradores.

4. Acondicionar

Cada câmara acondiciona uma série de túbulos seminíferos, onde se localiza as células germinativas em vários estágios.

5. Alojar

A aldeia de Deir el-Medina alojava os artesãos e operários que trabalhavam no Vale dos Reis.

6. Aprisionar

Aquele horrendo porão o aprisionou por muito tempo.

7. Aninhar

Os vossos altares não aninham mais que serpentes e escorpiões, que pecados, vício, falsidade e vileza.

8. Armazenar

Panelas cheias de gordura armazenavam as carnes para conservar.

9. Anexar

O artigo anexava vários dados de fala.

10. Confinar

O navio confina uma multidão que está lá só para ouvir o Roberto Carlos.

11. Embutir

O preço final do produto já embute a comissão do vendedor.

12. Encarcerar

Os campos de detenção na ilha de Chipre encarceraram vários sobreviventes do holocausto.

13. Enclausurar

Uma caixa de vidro enclausurava a boneca Annabelle.

14. Enterrar

Este sepulcro enterra um homem de bem.

15. Esconder

O quintal da minha casa escondia um tesouro.

16. Estocar

Os pátios da fábrica já estocam unidades do novo produto.

17. Guardar

O local guardava uma série de objetos antigos, empoeirados (...)

18. Hospedar

A suíte já hospedou vários famosos.

19. Incorporar

O artigo incorporou um arcabouço teórico e bibliográfico pertinentes ao assunto.

20. Incluir

A lista incluía uma série de candidatos ao governo do estado.

21. Inserir

Cada linha da lista de chama insere o nome de um aluno.

22. Instalar

A suíte da casa instalou bem os hóspedes.

23. Trancafiar

Um imenso galpão trancafiava as crianças judias.

Dados retirados do site de buscas Google

1. Amoitar

As fendas das pedras amoitavam samambaias.

(https://site.colegiodominus.com.br/waUpload/trabalho-trimes00108032019073950.pdf, acessado em: 29/07/2021)

2. Asilar

A Polônia, Hungria e República Checa asilam, conjuntamente, 37.500 refugiados.

(https://mapamundi.org.br/2020/o-descaso-dos-refugiados-uma-questao-humanitaria-e-europeia/, acessado em: 29/07/2021)

3. Embarcar

A cabine embarca um total de 374 passageiros

(https://www.airway.com.br/boeing-777-da-latam-com-nova-cabine-entra-emoperacao/, acessado em: 29/07/2021)

4. Introduzir

O texto introduz citações de partes do segundo balanço do PAC

(http://www.observatoriodaimprensa.com.br/entre-aspas/terra_magazine__35187/, acessado em: 29/07/2021)

Dados retirados do banco de dados VerboWeb

1. Internar

Esta ala da UTI internou 60% a mais de pacientes durante a pandemia

Editado por

Editora-chefe dos Estudos de Linguagem:

Bethania Mariani

Editores convidados:

Brenda Laca Luciana Sanchez-Mendes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2023
  • Aceito
    06 Mar 2024
Programas de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rua Professor Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n, Bloco C - sala 518, CEP 24210-201 - Niterói, Rio de Janeiro, Brasil., Telefone +55 21 2629-2600 - Niterói - RJ - Brazil
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