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Coleção Ad usum delphini: aurora da censura na edição impressa de textos clássicos

Ad usum delphini collection: The Dawn of Censorship in the Printed Edition of Classical Texts

RESUMO:

Os objetivos deste artigo são: 1) apresentar alguns casos de expurgo de obras clássicas até o séc. XVII, momento em que a coleção Ad usum Delphini foi concebida para a educação de Luís o Grande Delfim, filho do rei francês Luís XIV; e explicar brevemente o contexto histórico e características da coleção Ad usum Delphini. Este ensaio apresenta alguns dos resultados de nossa pesquisa intitulada “O glossário do silêncio: palavras, expressões, versos e poemas expurgados na coleção Ad usum Delphini”, realizada com a bolsa do Programa Nacional de Apoio à Pesquisa (PNAP), que recebemos da Fundação Biblioteca Nacional em 2021-2022.

PALAVRAS-CHAVE:
Censura; Edição do texto clássico; Coleção Ad usum Delphini

ABSTRACT:

The objectives of this article are: 1) to present some cases of expurgation of classical works until the 17th century, when the Ad usum Delphini collection was conceived for the education of Louis the Great Dauphin, son of the French King Louis XIV; and briefly explain the historical context and characteristics of the Ad usum Delphini collection. This essay presents some of the results of our research titled "The Glossary of Silence: Words, Expressions, Verses, and Poems Expurgated in the Ad usum Delphini Collection," carried out with the grant from the National Research Support Program, which we received from the National Library Foundation in 2021-2022.

KEYWORDS:
Censorship; Editing of the classical text; Ad usum Delphini collection

1 Apontamentos sobre censura1 1 Em que pesem as alterações de sentido que a palavra censura e seus derivados adquiriram ao longo da história do Ocidente, ocorreram ações institucionais de punição de autores e de destruição de livros desde a Antiguidade clássica. No léxico latino clássico, o substantivo censura designava atividade do censor, magistrado romano que era escolhido em número de dois — primeiramente de cinco em cinco anos e depois a cada um ano e meio — e que tinha inicialmente a prerrogativa de contar os cidadãos romanos e seus bens, para classificá-los em ordens sociais. Paulatinamente, o censor passou também a cuidar da conduta dos cidadãos, sobretudo os da elite, e podia puni-los devido a crimes morais ou políticos, rebaixando-os a uma classe social inferior (Glare, 1968, p. 204). Modernamente, o conceito de censura, mais especificamente de censura de livros, remete stricto sensu à ideia de “um sistema de procedimentos que permeia as instituições” (Darnton, 2016, p. 249) para controlar a produção e a circulação de obras impressas. No entanto, nunca houve um modelo único para o controle de livros na história do Ocidente, já que a natureza das instituições encontra-se relacionada a cada sociedade, e os papéis dos censores variaram conforme as instituições que eles representavam. do texto clássico antes da coleção Ad usum Delphini

Muitos séculos antes de o expurgo se tornar um procedimento censório da Igreja romana, já é possível encontrarmos seus primeiros indícios na Atenas do séc. V a.C., quando o poeta Eveno de Paros (séc. V - IV a.C.) elaborou uma antologia de poemas elegíacos a pedido do aristocrata Cálias (séc. V - 371 a.C.), que desejava ter seus filhos preparados para cantar em simpósios (Bowie, 2012BOWIE, Ewen. Unnatural Selection: Expurgation of Greek Melic, Elegiac and Iambic Poetry. In: STRAY, Christopher; HARRISON, Stephen (ed.). Expurgating the Classics: Editing Out in Latin and Greek. London: Bristol Classical Press, 2012. p. 9-24., p. 10). Nessa compilação, Eveno buscou selecionar elegias moral e politicamente corretas para a época, que abordassem, de maneira leve, os temas do vinho, da música e do simpósio. O poeta reuniu diversos poemas de Teógnis de Mégara (570-485 a.C.), mas deixou de lado os que apresentavam conteúdo sexual explícito, talvez por se preocupar com os jovens filhos de Cálias, não obstante tivesse preparado paralelamente outra antologia de elegias em que não suprimiu passagens sexuais. Nenhum autor antigo mencionou essa segunda coleção de poemas, que chegou a ser preservada apenas por um único manuscrito de Paris do início do séc. X, ao passo que a antologia organizada para os filhos de Cálias foi frequentemente citada na Antiguidade.

No livro I da Institutio oratoria, o rétor Marco Fábio Quintiliano (35-95 d.C.) trata da importância da leitura para a formação do orador, uma vez que nela não se apresentam artifícios que influenciam a fruição da obra, como, por exemplo, as performances oratórias nos fóruns. A leitura possibilita ainda a repetição de passagens dos textos, para fins de memorização, de comparação ou de estudo mais aprofundado do discurso. No entanto, para que a leitura seja útil, Quintiliano salienta que o discípulo deve ler somente determinados autores, e, às vezes, é necessário que sejam omitidas certas passagens de suas obras:

As tragédias são úteis. Os líricos também alimentam o espírito, se escolheres não somente os autores, bem como suas partes. Os gregos escreveram muitas coisas de modo desregrado, e eu não quereria explicar Horácio em algumas passagens. Desterrem-se, se possível, as elegias amorosas e os hendecassílabos, desdobramentos dos sotadeus (com efeito nem se deve ensinar sobre os sotadeus); ou que ao menos sejam reservados para quando os jovens sejam maiores. (Quintilien, 1933QUINTILIEN -. Institution oratoire. Traduction nouvelle de Henri Bornecque. Paris: Librairie Garnier Fréres, 1933. 4 v., p. 120).2 2 No original: “Vtiles tragoediae: alunt et lyrici, si tamen in iis non auctores modo sed etiam partes operis elegeris: nam et Graeci licenter multa et Horatium nolim in quibusdam interpretari. Elegia uero, utique qua amat, et hendecasyllabi, qui sunt commata sotadeorum (nam de sotadeis ne praecipiendum quidem est), amoueantur si fieri potest, si minus, certe ad firmius aetatis robur reseruentur” (Quintilien, 1933, p. 120). Todas as traduções são de nossa autoria.

Ainda que incluísse os poetas líricos e elegíacos na famosa lista de autores no livro X da Institutio, Quintiliano, já no livro I, alertava que nem todas as “partes operis” poderiam ser mostradas ao discípulo. Mas, para o rétor, não só líricos e elegíacos inspiravam cuidado na seleção de partes para leitura. No mesmo livro X, é feita uma crítica à obra de Sêneca:

Porque muitas coisas se encontram nele [Sêneca] dignas de estima, como disse, e muitas também dignas de admiração, contanto que se tenha cuidado de selecionar [eligere], o que oxalá ele tivesse feito. Pois aquela espontaneidade, que levou a devido efeito tudo o que quis, merecia que voluntariamente tivesse se inclinado a melhores coisas. (Quintilien, 1934QUINTILIEN -. Institution oratoire. Traduction nouvelle de Henri Bornecque. Paris: Librairie Garnier Fréres, 1933. 4 v., p. 52-54).3 3 No original: “Verum sic quoque iam robustis et seueriore genere satis firmatis legendus, uel ideo quod exercere potest utrimque iudicium. Multa enim, ut dixi, probanda in eo, multa etiam admiranda sunt, eligere modo curae sit; quod utinam ipse fecisset: digna enim fuit illa natura quae meliora uellet; quod uoluit effecit” (Idem, 1934, p. 52-54).

Para Quintiliano, Sêneca afastara-se “do estilo dos antigos”4 4 No original: “[A]b antiquis descenderat” (Idem, ibidem). (Inst. Orat. X, 1, 126) e, ao invés de imitá-los, desenvolveu um estilo próprio e defeituoso. Embora reconhecesse “grandes virtudes”5 5 No original: “[M]agnae uirtutes” (Idem, ibidem). (Inst. Orat. X, 1, 128) na obra senequiana, o rétor advertia que, em alguns momentos, Sêneca trazia características de um “discurso corrompido e enfraquecido devido a todos os vícios”.6 6 No original: “[C]orruptum et omnibus uitiis fractum dicendi genus” (Idem, ibidem). Portanto, a leitura integral dos livros de Sêneca só seria segura para discípulos mais avançados, versados no “gênero mais correto”7 7 No original: “[S]eueriore genere” (Idem, ibidem). (Inst. Orat. X, 1, 131), uma vez que teriam capacidade de discernir as virtudes dos vícios estilísticos.

Na pedagogia de Quintiliano, o professor tinha essencialmente uma dupla incumbência: mostrar ao discípulo os autores e obras úteis e apropriadas para sua formação, mas omitir, nesses mesmos autores e obras, o que fosse inútil e inapropriado. O professor deveria, portanto, selecionar criteriosamente as partes dos textos que chegariam ao conhecimento do discípulo, condenando outras à invisibilidade, ao silêncio. Mas quais partes e o que selecionar? O rétor não chegou a prescrever exatamente, ficando essa escolha a cargo do professor, a quem se dirige por meio do verbo na segunda pessoa do singular eligeris (escolheres).

Contemporâneo de Quintiliano, Plutarco (46-120 d.C.) não tratou da necessidade pedagógica do expurgo, mas chegou a praticá-lo em suas citações da poesia grega arcaica e clássica (Bowie, 2012BOWIE, Ewen. Unnatural Selection: Expurgation of Greek Melic, Elegiac and Iambic Poetry. In: STRAY, Christopher; HARRISON, Stephen (ed.). Expurgating the Classics: Editing Out in Latin and Greek. London: Bristol Classical Press, 2012. p. 9-24., p. 12). Em Quomodo adolescens poetas audire debeat (Como o adolescente deveria ouvir os poetas), o autor beócio fala da importância de se interpretarem corretamente os episódios mitológicos em que deuses enganam mortais. Plutarco salienta que as traições de Zeus não passam de criações dos poetas para servirem de exemplo de ações a não serem seguidas. Assim como Platão (428/7-348/7 a.C.), Plutarco temia que a poesia corrompesse os jovens e, por isso, escreveu orientações para reduzir o poder de corrupção que julgava existir nas obras de poetas canônicos como Homero e Eurípides (c. 480-406 a.C.), integrantes da paideia grega. Sendo assim, as citações de Hipônax de Éfeso (541-487 a.C.), Simônides de Céos (c. 556-468 a.C.) e Arquíloco de Paros (680-645 a.C.) feitas por Plutarco na referida obra não apresentam passagens explicitamente sexuais.

Na Antiguidade Tardia, há um terceiro indício de expurgo: Anthológion, antologia de 208 fragmentos de autores gregos, organizada por João Estobeu (séc. V d.C.) para seu filho (Bowie, 2012BOWIE, Ewen. Unnatural Selection: Expurgation of Greek Melic, Elegiac and Iambic Poetry. In: STRAY, Christopher; HARRISON, Stephen (ed.). Expurgating the Classics: Editing Out in Latin and Greek. London: Bristol Classical Press, 2012. p. 9-24., p. 14). O fato de Estobeu reproduzir textos em prosa muito longos ajuda-nos a constatar que o antologista não estava preocupado com a extensão dos trechos utilizados em sua compilação, muito embora as passagens de poesia sejam bastante exíguas. Há citações de Mimnermo de Colofão (630-600 a.C.) que foram expurgadas a ponto de um excerto em dístico elegíaco se iniciar por pentâmetro, inequívoco sinal de expurgo. Em poemas de Arquíloco, foram também suprimidas passagens com conteúdo sexual, a exemplo dos fragmentos 48W e 193W, mesmo procedimento aplicado a versos de Hipônax e de Teógnis de Mégara. No caso de Safo (?-570 a.C.), a antologia de Estobeu traz apenas duas citações, não obstante manuscritos da obra da poetisa de Lesbos ainda circularem durante o séc. V d.C.

Durante os séc. XIII-XIV, um interessante caso de expurgo foram as edições da Antologia Palatina, censurada e reorganizada pelo monge bizantino Maximo Planudes (1260-1330) (Nisbet, 2012NISBET, Gideon. Flowers in the Wilderness: Greek Epigram in the Late Nineteenth and Early Twentieth Centuries. In: STRAY, Christopher; HARRISON, Stephen (ed.). Expurgating the Classics: Editing Out in Latin and Greek. London: Bristol Classical Press, 2012. p. 73-94., p. 75). A Antologia Palatina começou sua trajetória histórica como um extenso compêndio de poemas, reunidos pelo monge bizantino Constantino Céphalas (séc. X d.C.) a partir das guirlandas de Meleagro de Gadara (? - 60 a.C.) e de Filipe de Tessalônica (séc. I d.C), entre outras compilações, chegando a apresentar 3.700 epigramas. A versão de Planudes, que se tornou conhecida pelo título de Antologia Planudea e que seria impressa apenas em 1494, continha cerca de 2.400 epigramas, isto é, 1.300 poemas a menos. Em 1606, Cláudio Salmásio (1588-1653) descobriu um manuscrito de Céphalas na Biblioteca Palatina de Heidelberg (Alemanha), motivo para a coleção de poemas passar a ser nomeada Antologia Palatina, publicada apenas em 1776. No entanto, a publicação do texto da Antologia Palatina conforme Céphalas não foi bem aceita por todos. Muitos leitores preferiam reimpressões da versão planudeana, e havia quem elogiasse a censura de conteúdo sexual feita por Planudes, que passou a servir de modelo para expurgadores posteriores do epigrama, ao passo que o nome de Céphalas caiu no esquecimento.

No séc. XVI, imprimiu-se em Roma, pela oficina da Companhia de Jesus, a obra completa de Marco Valério Marcial (38-104 d.C.), editada e expurgada por André des Freux (1515-1556), mais conhecido pelo nome latino de Andreas Frusius, importante padre, escritor e humanista jesuíta muito próximo de Inácio de Loyola (1491-1556), fundador da Companhia de Jesus.8 8 Em 1599, seria impressa outra edição expurgada da obra completa de Marcial, organizada por Matthew Rader (1561-1634), filólogo e historiador jesuíta italiano mais conhecido pelo nome latino de Matthaeus Raderus, que editou ainda a História de Alexandre o Grande, de Quinto Cúrcio Rufo (séc. I d.C.). Frusius tornou-se jesuíta em 1541 e, sete anos depois, integrou o grupo encarregado por Loyola de fundar o colégio de Messina, na Sicília. Traduziu para o latim os Exercícios espirituais de Loyola, produziu um livro didático de latim (De utraque copiae verborum et praecepta rerum), um diálogo sobre o nascimento de Cristo (De modo renascendi cum Christo) e edições escolares de Marcial, Horácio e Terêncio para instituições de ensino dirigidas pela ordem. A primeira edição dos epigramas de Marcial organizada por Frusius saiu em 1558, dois anos após seu falecimento, graças às diligências de Émond Auger (1530-1591), padre jesuíta francês que se celebrizou com o nome latino de Emundus Augerius. Em sua epístola ao leitor, Augerius elogia o trabalho de Frusius, que “tomou em suas mãos Valério Marcial […] e purgou alguns epigramas com uma ou outra palavra modificada, tendo retirado outros que não puderam ser mantidos de modo algum honestamente” (MARTIALIS, 1580MARTIALIS, Valerii. Epigrammata: ab omni rerum obscenitate, verborumque; tupitudine uindicata. Opera & industria Andree Frusij, Societatis Iesu Theologi. Lugduni: apud Ioannem Stratium, 1580., p. 11).9 9 No original: “[…] Valerium Martialem […] in manus sumsit, […] sublatisque quibusdam epigrammatis, quae servari nullo pacto honeste poterant, aliis vero paucis uno, aut altero verbo reposito, immutatis, horis subsecivis sine ullo Latinioris dictionis detrimento perpurgavit” (Martialis, 1580, p. 11). Augerius lamenta que o amigo não tenha vivido o suficiente para editar outros poetas como Horácio, Catulo, Tibulo, Propércio e Ovídio, fazendo votos de que eruditos como Frusius venham a levar adiante a missão de corrigi-los todos

para que sejam queimados todos aqueles códices antigos que apresentam torpeza misturada. Oxalá haja quem reconduza à severidade Cristã, retirando toda a obscenidade, as elucubrações deles e todos os esforços de se explicarem os poetas que escreveram deste modo um pouco mais petulante. Com efeito, eles, a menos que sejam deixados nas mãos da juventude, não perecerão menos do que estes autores, que, devido a sua torpeza, costumam lançar a doença aos costumes íntegros. (Martialis, 1580MARTIALIS, Valerii. Epigrammata: ab omni rerum obscenitate, verborumque; tupitudine uindicata. Opera & industria Andree Frusij, Societatis Iesu Theologi. Lugduni: apud Ioannem Stratium, 1580., p. 14).10 10 No original: “[E]t reliquos ita corrigat, ut veteres illi omnes codices, qui turpitudinem admixtam habent, comburantur. Vtinam etiam aliquis sit, qui eorum lucubrationes, ac vigilias omnes, qui poetas huiusmodi paulo petulantius explicarunt, rejecta omni obscenitate, ad severitatem Christianam revocet. Neque enim illi, si in manibus juventutis relinquantur, minus oberunt, quam auctores isti, qui sua turpitudine labem integris moribus fere solent adspergere” (Martialis, 1580, p. 14).

Em sua edição, Frusius suprimiu integralmente alguns epigramas de Marcial e alterou palavras em outros que manteve.11 11 Na edição de Frusius, não há qualquer recurso tipográfico que indique expurgos ou alteração do texto original, diferentemente da coleção Ad usum Delphini, como veremos adiante. Verifica-se o uso de asteriscos apenas para o registro de variantes textuais. Portanto, a supressão integral de epigramas não é explicitada nem altera a numeração dos poemas. Matthaeus Raderus, por seu turno, empregou asteriscos para assinalar variantes textuais e expurgos em sua edição dos epigramas de Marcial. Foram retirados 310 epigramas (18,65%): I.13, I.31, I.34, I.35, I.37, I.46, I.62, I.68, I.71, I.73, I.74, I.83, I.84, I.90, I.92, I.94, I.106, I.115, II.4, II.9, II.10, II.28, II.31, II.33, II.34, II.39, II.42, II.45, II.47, II.49, II.50, II.51, II.52, II.54, II.56, II.61, II.62, II.63, II.70, II.72, II.73, II.83, II.84, II.87, III.11, III.15, III.34, III.39, III.42, III.51, III.53, III.54, III.63, III.65, III.68-76, III.81, III.83-92, III.96-98, IV.7, IV.9, IV.12, IV.17, IV.22, IV.30, IV.38, IV.41, IV.42, IV.50, IV.52, IV.59, IV.71, IV.81, IV.84, IV.87, V.41, V. 45, V.46, V.48, V.55, V.61, V.66, V.68, V.75, V.79, V.83, VI.2, VI.6, VI.7, VI.16, VI.21-24, VI.26, VI.31, VI.33, VI.34, VI.36, VI.37, VI.39, VI.40, VI.45, VI.49, VI.50, VI.54, VI.56, VI.66-68, VI.71-73, VI.81, VI.90, VI.91, VII.2, VII.4, VII.14, VII.15, VII.18, VII.29, VII.30, VII.35, VII.50, VII.55, VII.57, VII.58, VII.62, VII.67, VII.70, VII.71, VII.74, VII.75, VII.80, VII.82, VII.83, VII.91, VIII.40, VIII.46, VIII.49, VIII.52, VIII.53, VIII.63, VIII.79, IX.2, IX.4, IX.5, IX.7, IX.15-17, IX.21, IX.25, IX.27, IX.32, IX.33, IX.36, IX.37, IX.40, IX.41, IX.56, IX.63, IX.66, IX.67, IX.69, IX.80, IX.95, IX.95b, IX.103, X.8, X.22, X.29, X.40, X.52, X.56, X.65, X.66, X.68, X.81, X.91, X.95, X.98, X.102, XI.7, XI.8, XI.16, XI.20-23, XI.25-29, XI.40, XI.43, XI.45-47, XI.51, XI.58, XI.60-64, XI.70-75, XI.78, XI.81, XI.85, XI.87-89, XI.94, XI.95, XI.97-104, XII.6, XII.16, XII.26, XII.33, XII.35, XII.38, XII.42, XII.43, XII.49, XII.55, XII.65, XII.75, XII.83, XII.85, XII.86, XII.91, XII.93, XII.95-97, XIII.34, XIII.56, XIII.63, XIII.64, XIII.67, XIV.6, XIV.8, XIV.9, XIV.39, XIV.56, XIV.59, XIV.66, XIV.70, XIV.74, XIV.75, XIV.77, XIV.119, XIV.134, XIV.149, XIV.156, XIV.174, XIV.175, XIV.180, XIV.181, XIV.187, XIV.189, XIV.193, XIV.201, XIV.203-207, XIV.214, XIV.215. Entre as substituições de palavras realizadas por Frusius em poemas de Marcial, mencionamos, a título de exemplo, o v. 11 do epigrama I.3 (lascive > incaute) e o v. 8 do I.4 (lasciva > improba). A edição de Frusius foi reimpressa duas vezes ainda no séc. XVI (Lyon, 1580; Colônia, 1599) e, pelo menos, três vezes no séc. XVII (Lyon, 1603, 1612 e 1619). A edição de 1580 já dispunha de uma epístola de Christophe Plantin (1520-1589), um dos mais respeitados impressores do séc. XVII, dirigida a Gabriel Zaias, secretário de Felipe II, rei da Espanha, louvando o trabalho dos jesuítas no que diz respeito à edição e interpretação das obras clássicas:

E os Padres da Companhia de Jesus devem ser louvados merecidamente, se por nenhuma outra causa, ao menos pelo fato de que tenham um método verdadeiro e correto de oferecer ensinamentos das artes e interpretação dos antigos escritores. Por causa disso, foram seguidos, assim como também pelos próprios adversários, e que de fato se espalhem por meio de livros editados. Tamanha é a virtude deles, tamanha a santidade da vida e erudição, a ponto de ser, para os inimigos, motivo de admiração e de terror. Por isso, deve parecer pouco admirável que saiam de seus colégios tão e tantos discípulos eruditos e literatos. Graças a ela, eles têm um gênio peculiar que nada tolera que não seja erudito, casto, correto e simples. (Martialis, 1580MARTIALIS, Valerii. Epigrammata: ab omni rerum obscenitate, verborumque; tupitudine uindicata. Opera & industria Andree Frusij, Societatis Iesu Theologi. Lugduni: apud Ioannem Stratium, 1580., p. 8-9).12 12 No original: “Et laudandi merito sunt Patres Societatis Jesu, si nullam aliam ob caussam, saltem quod veram et rectam in artium praeceptis tradentis, et veterum scriptorum interpretatione rationem teneant. quo nomine hoc sunt consecuti, ut ab ipsis etiam adversariis, et quidem editis libris celebrentur. tanta est illorum virtus, vitae sanctimonia et eruditio, ut hostibus sit admirationi atque terrori. Minime idcirco mitum videri debet tam totque eruditos et litteratos ex illorum collegiis prodire discipulos. Habent illa peculiarem genium, qui nihil nisi quod doctum, castum, rectum et simplex est ferat” (Martialis, 1580, p. 8-9).

No séc. XVII, quando aproximadamente trinta volumes da coleção Ad usum Delphini já haviam sido impressos, o padre jesuíta Pierre de Rodelle (Petrus Rodellius) organizou uma compilação de poemas de Horácio, que saiu em Toulouse, em 1683. Embora não integrasse a equipe da coleção, Rodellius preparou uma edição ad serenissimum Galliarum delphinum (para o sereníssimo delfim das Gálias), que seguia essencialmente o mesmo plano geral de organização, como veremos com mais detalhes: texto latino original, interpretatio (texto latino facilitado) e notas. No entanto, diferentemente da proposta da coleção, a edição do jesuíta não trazia a obra completa de Horácio, pois apresentava apenas os quatro livros das odes, os epodos e o carmen saeculare. Além disso, Rodellius expurgou integralmente as odes I.5, I.13, I.23, I.25, I.33, II.6, III.20 e IV.10; e os epodos 8, 12 e 15. Ainda no séc. XVII, o trabalho do jesuíta foi reimpresso na Inglaterra, em 1690, com acréscimo das sátiras, da Arte poética e, inclusive, das odes e epodos censurados. Por outro lado, a edição de Rodellius seguiu com os expurgos e sem as sátiras em reimpressões na Bélgica (Liège, 1695 e 1741).

As traduções dos poemas de Horácio impressas no séc. XVII também ilustram a prática expurgatória nesse período. Na coletânea de poemas horacianos organizada por Alexander Brome (1620-1666) e republicada em 1671, a tradução dos v. 8-6 do epodo 8 substituía palavras empregadas originalmente na primeira edição de 1666 (ex. buttocks > rump), e a referência ao ânus bovino foi atenuada (Harrison, 2012HARRISON, Stephen. Expurgating Horace, 1660-1900. In: STRAY, Christopher; HARRISON, Stephen (ed.). Expurgating the Classics: Editing Out in Latin and Greek. London: Bristol Classical Press, 2012. p. 115-126., p. 116).13 13 Stephen Harrison aborda o expurgo em traduções de Horácio do séc. XVII ao séc. XX no mundo anglófono, fazendo ainda algumas comparações com publicações alemãs. Suas considerações exploram, especificamente, os expurgos em traduções dos epodos 8 e 12, das odes 4.1 e 4.10 e da sátira I.2. Devido a nosso recorte cronológico, limitamo-nos apenas às informações sobre expurgos até o séc. XVII apresentadas pelo estudioso. Quanto aos v. 14-17 do epodo 12, Brome substituiu a expressão “hold longer”, em que se subentende algum verbo relacionado a coito, pelo atenuado “lov’st”. Também foram retiradas a referência à varíola e a expressão “tuff-backed”, uma sugestão ao atletismo sexual animalesco. Ainda no séc. XVII, Thomas Creech (1659-1700) publicou sua tradução de Horácio, atenuando a pederastia das odes 4.1 e 4.10. Os epodos 8 e 12 ficaram de fora da edição, e a tradução da sátira I.2 foi atenuada.

Mas, entre os autores da Antiguidade clássica, Tito Lucrécio Caro (94-50 a.C.) foi um dos mais expurgados, sendo considerado, inclusive, o poeta latino mais combatido desde a Antiguidade até a Idade Moderna (Butterfield, 2012BUTTERFIELD, David. Contempta Relinquas: Anxiety and Expurgation in the Publication of Lucretius' De rerum natura. In: STRAY, Christopher; HARRISON, Stephen (ed.). Expurgating the Classics: Editing Out in Latin and Greek. London: Bristol Classical Press, 2012. p. 95-114., p. 109).14 14 David Butterfield trata da censura em edições, traduções e interpretações de De rerum natura (DRN) ao longo de seis séculos, desde a (re)descoberta de seu manuscrito em 1417, por Poggio Bracciolini, até publicações do séc. XX, como a tradução de W.H.D. Rouse (1924). Devido a nosso recorte cronológico, mencionamos somente as considerações do estudioso a expurgos em DRN até o séc. XVII. Devido ao Concílio de Trento, traduções de De rerum natura (DRN) foram proibidas pela Igreja na Itália, ainda que o texto latino de Lucrécio não integrasse o rol do Index librorum prohibitorum. A tradução de Gianfrancesco Muscettola (séc. XVI), por exemplo, concluída em 1530, nem chegou a ser publicada. Com o impedimento religioso na península itálica, o poema lucreciano passou a ser impresso em outros lugares da Europa. Na França, DRN veio a público primeiramente em Lyon, pela prensa de Sebastian Gryphius (1492-1556), e depois em Paris, em 1563, por meio da edição de Denis Lambin (1520-1572), que, em seu prefácio, asseverou que não se deveria temer DRN, uma vez que os padres da Igreja leram autores pagãos sem sofrer prejuízo espiritual ou moral algum, e que o poema lucreciano poderia ser útil ao leitor para aprender a controlar o desejo, tranquilizar a mente e lidar com seus sentidos. Na Holanda, Hubert van Giffen (1534-1604) imprimiu DRN em 1565/6, também defendendo a importância de Lucrécio, talvez estimulado pelo sucesso da edição de Lambin.

Na Itália, DRN voltaria a ser impresso somente em 1647, com vários resumos inseridos em meio ao texto latino, de autoria de Giovanni Nardi (séc. XVI - c. 1655), que, em seu prefácio, alerta o leitor para o perigo representado pela obra:

Mas serpentes perniciosas escondem-se na grama, e os terríveis acônito e cicutas selvagens se insinuam frequentemente entre as flores brilhantes. Portanto, acautela-te ou afasta-te, jovem, para que este florilégio não seja a tua morte. (apudButterfield, 2012BUTTERFIELD, David. Contempta Relinquas: Anxiety and Expurgation in the Publication of Lucretius' De rerum natura. In: STRAY, Christopher; HARRISON, Stephen (ed.). Expurgating the Classics: Editing Out in Latin and Greek. London: Bristol Classical Press, 2012. p. 95-114., p. 101).15 15 No original: “[P]erniciosi tamen latent angues in herba, interque gemmantes flores insinuant semet frequenter Aconita dira, feralesque Cicutae. cave proinde, aut declina, adolescens, ne tibi sit exitio florilegium” (apud Butterfield, 2012, p. 101).

Após a edição de Nardi, a obra de Lucrécio ganharia nova impressão italiana em 1693, pela prensa de Antonio Bulifon (1649-1707) em Nápoles. Enquanto isso, crescia o interesse por DRN na França e na Inglaterra, inspirando uma série de trabalhos: Discours de morale sur Épicure, escritos em 1645/6 por Jean François Sarrazin (1614-1654); De vita et moribus Epicuri libri octo, de Pierre Gassendi (1592-1655), publicado em Lyon em 1647; e, do mesmo autor, Animadversiones in decimum librum Diogenis Laertii, também impresso em Lyon, em 1649, que trazia, em apêndice, uma Philosophiae Epicuri syntagma. Com a publicação póstuma dos Opera omnia de Gassendi, a filosofia epicurista logrou obter maior divulgação na Europa.

Foi justamente na França que se publicou a primeira tradução de DRN, em Paris, em 1650, feita por Michel de Marolles (1600-1681). Também na França saiu a primeira edição rigorosa do poema lucreciano, organizada por Tanneguy Le Fèvre (1615-1672)16 16 Tanneguy Le Fèvre não chegou a trabalhar na coleção Ad usum Delphini, mas indicou sua filha, Anne Le Fèvre Dacier, e genro, André Dacier, muito embora nenhum deles tenha editado o volume de DRN, que ficou a cargo de Michael Dufay. Por outro lado, Anne editou quatro volumes da coleção: Floro, Dictys de Creta e Dares da Frígia, Aurélio Vítor e Eutrópio. André Dacier, por sua vez, ficou encarregado do volume que continha as obras de Sexto Pompeu, Festo e Marco Verrio Flaco. e impressa em Saumur, em 1662. Embora reconhecesse que Lucrécio era uma leitura perigosa, fosse devido à doutrina filosófica, fosse devido ao conteúdo sexual do livro IV, Le Fèvre não adulterou nem expurgou o texto latino. A segunda tradução de DRN fora da Itália foi de autoria de John Evelyn (1620-1706), publicada em 1656, mas que permaneceu inédita até 2000, tendo circulado apenas em manuscritos. Ainda na segunda metade do séc. XVII, surgiram mais duas traduções do poema lucreciano, que não chegaram a ser publicadas: uma de Lucy Hutchinson (1620-1681) e outra de tradutor anônimo.

O texto de DRN seria pela primeira vez impresso na Inglaterra, em Cambridge, em 1675, com reimpressão em 1686, por John Hayes, sem prefácio. Finalmente, a primeira tradução de DRN para o inglês, publicada na época, foi feita em 1682 por Thomas Creech (1659-1700), que, não obstante asseverasse a filosofia de Lucrécio ser desagradável e ridícula, defendia que sua tradução serviria de ferramenta para ajudar o cristão a conhecer o inimigo, refutando as doutrinas do poeta ao invés de explicá-las. Além disso, Creech traduziu de modo falho algumas passagens de livro IV ou deixou de lado vários versos. Em seguida, John Dryden (1631-1700) publicou, em 1685, uma compilação de traduções de autores latinos que continha a tradução do livro IV sem cortes. O tradutor atacou a atitude censória de Creech, que, em 1695, lançou uma edição sem cortes do DRN com explicações e notas, talvez em reação à crítica de Dryden, mantendo essencialmente seu tom mordaz quanto à doutrina epicurista.17 17 Em Portugal, a primeira tradução de DRN viria a público somente em 1850, em Lisboa, sob o título de Da natureza das cousas, de autoria de José Duarte Machado Ferraz (1774-1861). No ano seguinte, Antonio José de Lima Leitão (1787-1856) publicou também em Lisboa o primeiro tomo de sua tradução de DRN, intitulada A natureza das coisas: poema de Tito Lucrecio Caro, traduzido do original latino para verso português por Antonio José de Lima Leitão, contendo os livros I-III. O segundo tomo, que abrangia os livros IV-VI, foi publicado em 1853.

2 A censura do texto clássico na coleção Ad usum Delphini 18 18 Esta seção consiste essencialmente numa síntese de Volpilhac-Auger (2000) e Furno (2005), acrescida de contribuições nossas, sobretudo no que diz respeito aos expurgos da coleção Ad usum Delphini.

A concepção e realização da coleção Ad usum Delphini estiveram essencialmente relacionadas a dois nomes da corte de Luís XIV (r. 1643-1715). O primeiro deles foi Charles de Saint-Maure (1610-1690), o duque de Montausier, militar que atuou nas Frondas (1648-1653) em defesa do rei e protestante convertido, nomeado em 1668 governador dos estudos de Luís o Grande Delfim (1661-1711) para cuidar que o príncipe aprendesse os princípios do cristianismo e do humanismo (Maget, 2010MAGET, Jean-Pierre. Monseigneur: Louis de France, dit Le Grand Dauphin, fils de Louis XIV. 2010. 576 f. Tese (Doutorado em História e Civilização da Europa). UFR de Sciences Historiques, Universidade de Estrasburgo, Estrasburgo, 2010., p. 80). Havia dois fatores pessoais que motivaram Montausier a querer elaborar uma coleção de obras clássicas para a educação do delfim, como o próprio duque relata em sua correspondência. O primeiro estava relacionado com a infância de Montausier, quando ele se via obrigado a reler diversas vezes um mesmo texto latino na tentativa de compreender as palavras, o estilo de um autor e referências à história e mitologia antigas. O segundo motivador era que a coleção servisse de ajuda não apenas ao príncipe bem como a todos os principiantes no assunto.

Em 1669, Montausier definiu o plano geral da coleção, que deveria conter o texto original das obras latinas, suas respectivas adaptações em latim mais fácil (interpretationes) e notas (annotationes), geralmente sobre história e mitologia. A elaboração de índices de palavras foi uma sugestão de Pierre-Daniel Huet (1630-1721), subtutor do delfim e segundo nome importante na história da coleção Ad usum Delphini. Não sabemos ao certo quem foi o responsável pela ideia dos expurgos, muito embora estivesse em consonância com a sétima regra de censura de livros, definida pelo Concílio de Trento,19 19 “Libri, qui res lascivas, seu obscoenas ex professo tractant, narrant, aut docent, cum non solum fidei, sed et morum, qui huiusmodi librorum lectione facile corrumpi solent, ratio habenda sit, omnino prohibentur: et qui eos habuerint, severo ab Episcopis puniantur. Antiqui vero, ab Ethnicis conscripti, propter sermonis elegantiam, et proprietatem permittuntur: nulla tamen ratione pueris praelegendi erunt” (Index, 1564, p. 13), proíbem-se totalmente livros que tratam, narram ou ensinam, abertamente, assuntos lascivos ou obscenos, uma vez que se devem manter os preceitos da fé e dos costumes, que facilmente são corrompidos por livros desse tipo: e que sejam punidas severamente pelos bispos as pessoas que possuírem esses [livros]. No entanto, são permitidas obras antigas, escritas por pagãos, devido à elegância e propriedade da linguagem, mas, de nenhuma maneira, deverão ser lidas para as crianças. e com a pedagogia jesuíta. O uso do título do príncipe no nome da coleção tinha o objetivo de ser um estímulo cultural à promoção da monarquia francesa em toda Europa, ajudando a transmitir a sensação de que a educação do futuro rei estava ao acesso de seus súditos. O plano geral de Montausier previa ainda, na parte pré-textual dos volumes, página de rosto, frontispício, louvores ao delfim (Epistola Serenissimo Delphino), exaltação aos três tutores e ao autor abordado (praefatio ad lectorem), sucedido pela citação dos destinatários, o delfim e o público. Apesar do título Ad usum Delphini, não é certo que o príncipe tenha usado toda a coleção em seus estudos, já que sua formação educacional foi finalizada após o casamento em 1680 com Maria Ana Vitória da Baviera (1660-1690), o que significa que ele talvez não tenha utilizado muitos dos volumes. Possivelmente, a manutenção da referência ao futuro rei na página de rosto foi uma estratégia comercial para conquistar o público.

Na produção dos volumes20 20 A rigor, as páginas de rosto dos livros pertencentes à coleção Ad usum Delphini não trazem designação de “volume” nem tampouco numeração. Com relação aos autores que ocupam mais de um livro, as portadas exibem expressões como “pars secunda” etc. ou “tomus secundus” etc. Dessa forma, utilizamos aqui o termo “volume” apenas para fins de simplificação e padronização. da coleção, Montausier ocupou o cargo de maior responsabilidade, cuidando da análise de cada detalhe dos livros, dos pagamentos aos autores de cada volume, da cobrança de prazos, da exportação e divulgação em outros países. Huet, por seu turno, era o diretor científico, exercendo a função de ponte entre Montausier e os comentaristas e livreiros. Legibilidade e desenvolvimento da reflexão histórica e política eram os princípios norteadores da coleção, vista como uma nova articulação de conhecimento e poder. Foram reunidas 39 obras de um total de 40 autores21 21 Foi Huet quem sugeriu agrupar quarenta autores clássicos, conforme o entendimento de Aulo Gélio. Embora Montausier desejasse publicar inicialmente todos os escritores latinos, a ideia foi deixada de lado devido às dificuldades enfrentadas nos primeiros volumes. Por outro lado, o número reduzido não significa que os mais importantes foram escolhidos, já que, por exemplo, ficaram de fora da coleção Sêneca, Quintiliano, Lucano e Petrônio. A correspondência de Huet e Montausier, por seu turno, revela que foram planejados volumes para as obras de Pompônio Mela, Marciano Capela, Vitrúvio, Columela, Palladius, Varrão e Sêneca. distribuídos por 6222 22 Adotamos aqui uma solução nossa para facilitar a numeração dos volumes da coleção Ad usum Delphini, baseada na ordenação por ano de impressão. No caso de volumes impressos no mesmo ano, a ordenação seguiu o critério alfabético de sobrenome do autor em latim: vol. 1 Salústio (1674); vol. 2 Floro (1674); vol. 3 Cornélio Nepos (1675); vol. 4 Fedro (1675); vol. 5 Terêncio (1675); vol. 6 Veleio Patérculo (1675); vol. 7 Panegíricos antigos (1676); vol. 8 Justino (1677); vol. 9 Claudiano (1677); vol. 10 Júlio César (1678); vol. 11 Quinto Cúrcio (1678); vol. 12 Manílio (1679); vol. 13-14 Plauto (1679); vol. 15-20 Tito Lívio (1679); vol. 21 Valério Máximo (1679); vol. 22 Boécio (1680); vol. 23 Díctis de Creta e Dares da Frígia (1680); vol. 24 Lucrécio (1680); vol. 25 Marcial (1680); vol. 26 Aulo Gélio (1681); vol. 27 Aurélio Vítor (1681); vol. 28 Sexto Pompeu, Festo e M. Verno Flaco (1681); vol. 29-32 Tácito (1682); vol. 33 Virgílio (1682); vol. 34 Eutrópio (1683); vol. 35-37 Cícero, discursos (1684); vol. 38 Juvenal e Pérsio (1684); vol. 39 Suetônio (1684); vol. 40-41 Catulo, Tibulo e Propércio (1685); vol. 42 Cícero, epístolas aos familiares (1685); vol. 43-47 Plínio, o velho (1685); vol. 48-49 Estácio (1685); vol. 50 Prudêncio (1687); vol. 51-52 Cícero, obras sobre retórica (1687); vol. 53-54 Apuleio (1688); vol. 55 Cícero, obras filosóficas (1689); vol. 56-59 Ovídio (1689); vol. 60-61 Horácio (1691); vol. 62 Ausônio (1730). volumes.23 23 Em nossa pesquisa, levamos em consideração apenas os volumes de obras de autores latinos. Na verdade, a coleção Ad usum Delphini chega a 64 volumes, computados o dicionário de antiguidades elaborado por Pierre Danet e o volume de poemas de Calímaco, único autor grego incluído na coleção. Não são claras as razões de esses dois autores terem sido incorporados ao plano editorial, já que Danet era contemporâneo de Montausier e Huet, e Calímaco, grego, destoando do objetivo da coleção. A quase totalidade dos volumes da coleção era de autores latinos, pois Montausier e Huet acreditavam que a educação do homem moderno deveria se restringir ao latim, além do fato de o duque desconhecer a língua grega. Grande parte dos autores considerados clássicos na coleção não o é atualmente. Dos quarenta reunidos, quinze são do período augustano, dezesseis do período posterior à dinastia Júlio-claudiana e nove dos séc. IV ao VI. Na verdade, o conceito de clássico na coleção mostra-se uma herança da Idade Média. A partir do séc. XVIII, esse conceito passou a mudar, o que provavelmente levou ao fracasso o empreendimento de Montausier, uma vez que vários autores publicados deixaram de ser considerados entre os mais relevantes, além de que a leitura do texto latino caiu em desuso, substituída pelo consumo de traduções.

Muitos dos golfinhos24 24 Adotamos aqui o termo golfinho em consonância com Volpilhac-Auger (2000) e Furno (2005) para designar os responsáveis por cada volume da coleção Ad usum Delphini, selecionados por Huet e Montausier. da coleção Ad usum Delphini eram iniciantes e alcançaram o reconhecimento após a publicação dos volumes a eles atribuídos, como André Dacier (1651-1722) e sua esposa Anne Le Fèvre Dacier (1645-1720). Em sua correspondência, Huet reclamava da falta de especialistas na França, o que tornava a seleção de comentaristas para a coleção uma tarefa complicada. Dessa forma, alguns autores latinos foram atribuídos a quem não tinha familiaridade com eles. Dos trinta golfinhos escolhidos, oito ficaram responsáveis por dois autores distintos, enquanto Le Frève, por exemplo, assumiu os comentários em quatro volumes diferentes.

A correspondência de Huet revela seu desejo de os jesuítas integrarem a coleção Ad usum Delphini. Após o casamento do delfim, Montausier, talvez influenciado pelo colega, aceitou a participação dos membros da Companhia de Jesus. A partir desse momento, os jesuítas passaram a ser encarregados por um terço da coleção, contando com onze golfinhos responsáveis por treze volumes. Concentraram-se no período entre 1684 a 1689 e, apesar de ser uma vontade de Huet havia bastante tempo, os editores demoraram a recorrer a eles por causa da dificuldade de controlarem seus trabalhos. Exemplos disso foram que os jesuítas não cumpriram prazos de lançamento dos volumes das obras de Cícero, a ponto de alguns saírem mal-acabados, e que não produziram os índices de vocabulário, que Huet orgulhosamente projetara para toda a coleção, mas elaboraram índices de assuntos, de figuras de linguagem, entre outros, alterando o plano geral. Entretanto, a presença de jesuítas na coleção ainda era bastante vantajosa, pois simbolizava a segurança e reputação de que não gozavam os demais golfinhos iniciantes, protestantes e jansenistas.

A seleção de golfinhos costumava levar mais em conta sua facilidade de compreensão e capacidade de comentar sobre a língua latina, o que, às vezes, resultava no arrependimento da escolha. Huet, no início da coleção Ad usum Delphini, buscava por inexperientes, acreditando que o desconhecimento os forçaria a adquirir rapidamente o domínio sobre o autor a ser comentado. Alguns dos selecionados foram Daniel Crespin (1640-1716) e Pierre Danet (1650-1709). Tanneguy Le Fèvre (1615-1672), estudioso escolástico francês, indicou a Huet sua filha, Anne Le Fèvre Dacier, e genro, André Dacier. Apesar de ter sido instruída em grego e latim pelo pai, Anne foi subestimada por todos até seu primeiro volume ser finalizado, Floro (1674), quando se tornou um golfinho de confiança de Huet, a única a trabalhar em outros três volumes, Dictys de Creta e Dares da Frígia (1680), Aurélio Vítor (1681) e Eutrópio (1683), e também a única protestante a trabalhar na coleção. Mesmo que os golfinhos tenham ficado conhecidos após a publicação de seu trabalho, a ausência de estudiosos estrangeiros e renomados concorreu para que a coleção não conquistasse reconhecimento acadêmico e internacional, além de ser subestimada como um empreendimento editorial em que a principal intenção era lançar os volumes rapidamente.

A coleção Ad usum Delphini não inaugurou a prática expurgatória na edição impressa de textos clássicos - o jesuíta Andreas Frusius já o fizera no séc. XVI com os epigramas de Marcial -, mas realizou-a com maior sofisticação, como veremos adiante. Os prefácios e epístolas dos volumes dedicados a Plauto, Lucrécio, Claudiano, Juvenal e Pérsio são de especial importância para o tema do expurgo, porque trazem os principais motivos de se terem retirado as obscenidades dos textos originais: a castidade do delfim e dos leitores. No prefácio do volume dedicado a Juvenal e Pérsio, o golfinho Louis Desprez (fl. 1675-1691) assevera que os editores da coleção Ad usum Delphini estabeleceram regras para separar o “precioso do vil”,25 25 No original: “[P]retiosum a vili” (Juvenalis, 1684, p. VII). por meio da remoção das obscenidades contidas no texto original. A relação de expurgos corrobora essa afirmação, pois seu texto introdutório informa que os fragmentos foram removidos em respeito ao delfim e aos leitores, porém se encontram reunidos no final dos volumes para evitar críticas sobre a incompletude das obras dos autores latinos. Geralmente, assinalam-se os expurgos com asteriscos e espaços em branco no texto original e na interpretatio, exceto em Lucrécio e Marcial. No caso específico de Claudiano, registra-se um exemplo isolado de substituição de palavra realizado em toda a coleção (cunnus > scortum, LXXVI.26, v. 8). O único indício dessa substituição, no corpo do texto, é o itálico que grifa a palavra scortum: “Haereo, quae scortum lambere causa facit” (Claudiani, 1677CLAUDIANI, Cl. Opera quae extant: interpretatione et annotationibus illustravit Gulielmus Pyrrho, in academia Cadomensi doctor eloquentiae, consiliariusque & professor regius: jussu christianissimi regis, in usum serenissimi delphini. Parisiis: apud Fredericum Leonard Typographum Regis, 1677., p. 685). Na seção final dos expurgata, o golfinho Guillaume Pyron (1637-1684) explica essa alteração. Há diversas técnicas de expurgo na coleção, como 1) manter o texto original e não o transcrever na interpretatio; 2) remover uma palavra no original e optar por outra menos obscena na interpretatio; 3) distorcer ou atenuar o significado, tal como no v. 39 da sátira I de Juvenal, em que a expressão “vetulae vesica beatae” (vulva de uma velha rica) é atenuada, na interpretatio, por “anus opulenta” (uma velha rica). De modo geral, a manutenção da unidade de sentido das passagens expurgadas foi buscada pelos golfinhos por meio da interpretatio, contudo, nem sempre de maneira bem-sucedida.

Em quase todos os volumes censurados, há seções com diferentes títulos26 26 Em Apuleio: “Obscoena ex Apuleiano textu resecta et ad calcem rejecta” (Obscenidades retiradas do texto de Apuleio e apartadas ao final); em Ausônio: “Obscoena e textu Ausoniano resecta” (Obscenidades retiradas do texto de Ausônio)”; em Catulo: “Versus obscoeni resecti e Catullo nemini verecundo legendi” (Versos obscenos retirados de Catulo que não devem ser lidos por ninguém casto); em Claudiano: “Obscoena quaedam in Claudiani contextu praetermissa, & in hunc locum rejecta” (Algumas obscenidades omitidas no texto de Claudiano e reservadas a este lugar); em Fedro: “Versus resecti” (Versos retirados); em Horácio, os expurgos não foram reunidos em seção ao final do tomo; em Juvenal e Pérsio: “Resecti versus tum e Juvenali, cum e Persio nemini probo legendi” (Versos retirados tanto de Juvenal quanto de Pérsio que não devem ser lidos por ninguém casto); em Lucrécio: “Obscoena quaedam in Lucretii contextu praetermissa, et in hunc locum rejecta” (Algumas obscenidades omitidas no texto de Lucrécio e reservadas a este lugar); em Marcial: “Epigrammata obscaena” (Epigramas obscenos); em Ovídio: “Quaedam in Ovidii obscoena” (Algumas obscenidades no texto de Ovídio); em Propércio: “Versus obscoeni resecti e Propertio” (Versos retirados de Propércio); em Plauto: “M. Accii Plauti obscoena” (passagens obscenas de Marco [sic] Ácio Plauto); em Tibulo: “Versus obscoeni resecti e Tibullo” (Versos obscenos retirados de Tibulo). em que se reuniram os expurgos ao final,27 27 Essas seções finais de expurgata consistem numa inovação da coleção Ad usum Delphini frente a edições expurgadas anteriores, a exemplo dos epigramas de Marcial editados por Andreas Frusius (1558) e Matthaeus Raderus (1599). de modo a serem facilmente cortados no exemplar do aluno ou mantidos no exemplar do professor ou de um leitor adulto, que desejasse ter as obras completas e ler as partes suprimidas. Os volumes que contêm expurgos são: Fedro (1675); Claudiano (1677); Plauto (1679); Lucrécio (1680); Marcial (1680); Juvenal e Pérsio (1685); Catulo, Tibulo e Propércio (1685); Apuleio (1688); Ovídio (1689); Horácio (1691) e Ausônio (1730). No total, foram realizados 361 expurgos em 30 obras:

Apuleio (edição de texto, interpretationes e notas de Julien Fleury)

Apologia: 4 expurgos parciais;28 28 Denominamos de parciais os expurgos que não cortam a obra integralmente.

Metamorphoseon libri XI: 30 expurgos parciais nos livros II, III, V, VII, VIII, IX e X.

Ausônio (edição de texto, interpretationes e notas de Joannes-Baptista Souchay)

Cento nuptialis: 1 expurgo parcial no epílogo e 2 expurgos integrais em Parecbasis e Imminutio;

Epigrammata: 14 expurgo integrais nos epigramas LXX, LXXI, XC, CVIII, CXIX, CXX, CXXIII, CXXIV, CXXV, CXXVI, CXXVII, CXXVIII, CXXXI, CXLII.

Catulo (edição de texto, interpretationes e notas de Philippe Dubois)

Carmina: 35 expurgos parciais nos poemas VI (v. 11-14), X (v. 12), XI (v. 19-20), XIII (v. 4), XV (v. 9-12), XVI (v. 1, 9-12, 17), XVII (v. 18), XIX (v. 6), XX (v. 18 e 21), XXI (v. 4, 8 e 13), XXVIII (v. 9-10 e 12-13), XXIX (v. 14), XXXII (v. 7-11), XXXIII (v. 4 e 6-7), XXXVII (v. 3-9), XLI (v. 1), LVI (v. 5-6), LXVII (v. 21-22), LXIX (v. 1-2), LXXI (v. 5-6), LXXIV (v. 3-6), LXXVIII (v. 4), LXXX (v. 6-8), LXXXVII (v. 1-2 e 6), XCII (v. 4), XCV (v. 7-12); 1 expurgo integral no poema Pervigilium Veneris, na época atribuído a Catulo;

Cláudio Claudiano (edição de texto, interpretationes e notas de Guillaume Pyrrhon)

Fescenina de nuptis Honorii Augusti: 4 expurgos parciais (v. 3-6, 11-13, 18 e 21-29);

In Eutropium: 5 expurgos parciais (v. 45-53, 61-109, 223-225, 280 e 358-370);

Epigrammata: substituição de palavra no v. 8 do epigramma XXVI, carmen LXXVI (cunnum > scortum)

Fedro (edição de texto, interpretationes e notas de Pierre Danet)

Fabularum Aesopiarum libri quinque: 2 expurgos parciais nas fábulas I.29 (v. 7-8) e IV.13 (v. 6-8), e 1 expurgo integral na fábula IV.14.

Horácio (edição de texto, interpretationes e notas de Louis Desprez)

Epodon liber: 4 expurgos parciais nos epodos VIII (v. 5-10 e 17-20) e XII (v. 8-9 e 11-20);

Satirae: 13 expurgos parciais nas sátiras I.2 (v. 36, 44-46, 68, 116-118, 125 e 127), I.3 (v. 107), I.5 (v. 84-85), I.8 (v. 5) e II.7 (v. 42, 48-50 e 64).

Juvenal (edição de texto, interpretationes e notas de Louis Desprez)

Saturarum libri V: 44 expurgos parciais nas sátiras II (v. 10, 12-13, 21a-21b, 49-50, 99), III (v. 96-97, 109, 134), IV (v. 106), VI (v. 34-37, 128-129, 190, 195, 237, 308-312, 317-321, 326, 333, 336-339, 369-371, 405, 421-422, 513, 535), VII (v. 241), IX (v. 4I, 25-26, 32-37, 43-44, 78, 130, 136), X (v. 204-209, 223-224, 321-322), XI (v. 156-158, 163-164, 167-168) e XIV (v. 30).

Lucrécio (edição de texto, interpretationes e notas de Michael Dufay)

De rerum natura: 1 expurgo parcial no livro IV (v. 1030-1287);

Marcial (edição de texto, interpretationes e notas de Vincent Collesson)

Apophoreta: 3 expurgos integrais nos epigramas 203, 205 e 215;

Epigrammatum libri XII: 148 expurgos integrais nos epigramas I.24 [I.23], I.47 [I.46], I.59 [I.58], I.91 [I.90], I.93 [I.92], I.95 [I.94], II.28, II.31, II.47, II.49, II.50, II.51, II.54, II.60, II.61, II.62, II.70, II.72, II.73, II.84, III.71, III.72, III.73, III.75, III.76, III.79, III.80, III.81, III.83, III.84, III.87, III.88, III.92, III.96, III.97, III.98, IV.7, IV.42, IV.43, IV.48, IV.50, IV.85 [IV.84], VI.16, VI.23, VI.26, VI.31, VI.33, VI.36, VI.37, VI.45, VI.49, VI.54, VI.56, VI.81, VI.91, VII.17 [VII.18], VII.29 [VII.30], VII.34 [VII.35], VII.54 [VII.55], VII.57 [VII.58], VII.61 [VII.62], VII.66 [VII.67], VII.69 [VII.70], VII.74 [VII.75], VII.81 [VII.82], VII.90 [VII.91], VIII.46, VIII.63, IX.3 [IX.2], IX.5,[IX.4], IX.28 [IX.27], IX.33 [IX.32], IX.34 [IX.33], IX.38 [IX.37], IX.41 [IX.40], IX.42 [IX.41], IX.64 [IX.63], IX.69 [IX.67], IX.71 [IX.69], IX.82 [IX.80], IX.97 [IX.95], X.40, X.55, X.68, X.75, X.81, X.90, X.91, X.95, X.102, XI.9 [XI.8], XI.20 [XI.19], XI.21 [XI.20], XI.22 [XI.21], XI.23 [XI.22], XI.24 [XI.23], XI.26 [XI.25], XI.27 [XI.26], XI.28 [XI.27], XI.29 [XI.28], XI.30 [XI.29], XI.31 [XI.30], XI.41 [XI.40], XI.44 [XI.43], XI.46 [XI.45], XI.47 [XI.46], XI.48 [XI.47], XI.52 [XI.51], XI.59 [XI.58], XI.61 [XI.60], XI.62 [XI.61], XI.63 [XI.62], XI.64 [XI.63], XI.65 [XI.64], XI.71 [XI.70], XI.72 [XI.71], XI.73 [XI.72], XI.74 [XI.73], XI.75 [XI.74], XI.76 [XI.75], XI.79 [XI.78], XI.82 [XI.81], XI.86 [XI.85], XI.88 [XI.87], XI.89 [XI.88], XI.95 [XI.94], XI.96 [XI.95], XI.98 [XI.97], XI.100 [XI.99], XI.101 [XI.100], XI.105 [XI.104], XII.16, XII.27 [XII.26], XII.33, XII.35, XII.42, XII.43, XII.55, XII.66 [XII.65], XII.72 [XII.71], XII.76 [XII.75], XII.81 [XII.79], XII.87 [XII.85], XII.88 [XII.86], XII.93 [XII.91], XII.97 [XII.95] e XII.98 [XII.96], XII.99 [XII.97].

Ovídio (edição de texto, interpretationes e notas de Daniel Crespin)

Amores: 5 expurgos parciais nas elegias I.4 (v. 47-48), I.5 (v. 13-26) e II.15 (v. 25-26) e integrais nas elegias III.7 e III.14;

Ars amandi: 2 expurgos parciais nos livros II (v. 679-732) e III (v. 769-808);

Remedia amoris: 1 expurgo parcial (v. 399-409).

Pérsio (edição de texto, interpretationes e notas de Louis Desprez)

Saturae sex: 4 expurgos parciais nas sátiras IV (v. 35-36, 38-41 e 48) e VI (v. 72-73).

Plauto (edição de texto, interpretationes e notas de Jacques de L'Oeuvre)

Bacchides: 1 expurgo parcial na cena III.3 (v. 75-78);

Casina: 6 expurgos parciais nas cenas II.8 (v. 22-26), IV.3 (v. 11-17), V.2 (v. 6-55), V.4 (v. 2-3 e 46-49) e no epílogo (três últimos versos);

Curculio: 1 expurgo parcial na cena I.3 (v. 29-32);

Mercator: 2 expurgos parciais na cena V.4 (v. 983-987 e 1015-1026);

Miles gloriosus: 3 expurgos parciais nas cenas III.1 (v. 55 e 60), IV.2 (v. 68-69) e IV.3 (v. 18-20);

Persa: 1 expurgo parcial na cena II.4 (v. 14-15);

Poenulus: 4 expurgos parciais nas cenas III.3 (v. 83-84), V.2 (v. 17), V.4 (v. 74) e V.5 (v. 32);

Pseudolus: 5 expurgos parciais nas cenas I.1 (v. 22-24 e 64-67), IV.1 (v. 51), IV.7 (v. 76-80) e V.1 (v. 14-16);

Truculentus: 1 expurgo parcial na cena II.2 (v. 6-9).

Propércio (edição de texto, interpretationes e notas de Philippe Dubois)

Elegiarum libri IV: 9 expurgos parciais nas elegias II.4 (v. 18-22), II.14 (v. 11-22 e 29-32), II.15 (v. 3-28 e 37-40), II.16 (v. 27-28), II.22 (v. 23-42), IV.5 (v. 33-52), IV.9 (v. 7-11);

Tibulo (edição de texto, interpretationes e notas de Philippe Dubois)

Corpus Tibullianum: 2 expurgos parciais na elegia I.9 (v. 26 e 35-38) e 1 expurgo integral Ad Priapum, de inertia inguinis, poema priápico na época atribuído a Tibulo mas atualmente considerado de autoria não identificada.

Em geral, esses expurgos relacionam-se à presença de palavras ou de expressões, versos, trechos ou, por vezes, extensas passagens que contêm vocabulário alusivo a:29 29 Conforme James Noel Adams, “metáforas e designações eufemísticas fornecem a maior parte dos termos atestados para partes sexuais do corpo e atos sexuais em latim” (Adams, 1982, p. 2-3). Sendo assim, termos como cucumis (pepino), gladius (espada), radix (raiz) e vena (veia), por exemplo, designam metaforicamente pênis, razão para terem sido colocados no grupo de palavras alusivas a órgãos sexuais ou partes do corpo erógenas. O mesmo princípio aplica-se a muitas outras palavras desse e dos demais grupos, em que geralmente informamos apenas os sentidos metafórico-sexuais. Grande parte desse vocabulário, a exemplo das quatro palavras mencionadas anteriormente, permanece ainda hoje sem o significado sexual nos principais dicionários latino-portugueses (Torrinha, 1982; Ferreira, 2001; Saraiva, 2006). Há palavras que sequer figuram nesses dicionários, a exemplo de irrumatio (penetração da boca com o pênis), fellatio (felação) e tribas (lésbica ativa). Para mais detalhes sobre censura de palavras em dicionários latino-portugueses, cf. Moniz (2014).

a) Órgãos sexuais ou partes do corpo erógenas:

ex. aluta, pênis (Mart., Epigr., XI.61); barathrum, vagina (Mart., Epigr., III.81); cunnus, vagina (Mart., Epigr., I.91, II.84, III.72, III.81, III.87, VI.45, VII.17, VII.34, VII.66, IX.3, IX.38, X.90, XI.44, XI.47, XI.48, XI.62, XI.79, XI.86; Cat., Carm., XCV); capulus, testículos (Pl., Cas., V.2); caput, pênis (Ad Priapum); clunis, nádegas (Mart., Epigr., XI.101; Juv., Sat., 2, 6 e 11); columna, pênis grande (Mart., Epigr., XI.52); cucumis, pênis (Pl., Cas., V.2); genitalis, genitais (Juv., Sat., 6); inguen, virilha (Mart., Epigr., II.61, III.72, III.81, VII.17, VII.29, VII.34, VII.57, XI.23, XI.71; Juv. Sat. 3, 6, 9, 10, 11; Pers., Sat., 4 e 5; Ad Priapum); nates (Mart., Epigr., I.93, II.47, VI.46, XI.44, XI.59, XI.100, XII.76; Pers., Sat., 6; Cat., Carm., XXXIII; Ad Priapum); coleus, testículos (Mart., Epigr., IX.28); crista, clitóris (Juv., Sat., 6); culus, ânus (Mart., Epigr., I.93, II.51, II.62, III.71, III.98, VI.37, IX.28, XI.22, XI.44, XI.47, XI.100, XI.101; Cat., Carm., XXXIII e XCV); femur, coxa (Juv., Sat. 6; Tib., Eleg., I.9; Ad Priapum); fossa, ânus (Ad Priapum); gladius, pênis (Pl, Cas. V.2); hernia, testículos (Juv., Sat., 6); ilia, entranhas (Cat., Carm., XI e LXXX); lumbus, pênis (Mart., Epigr., I.93, XI.101; Juv., Sat., 6; Pers., Sat., 4; Cat., Carm. XVI; Prop., Eleg., II.16); machaera, pênis (Pl., Pseud., IV.7); mamma, seio (Pl., Pseud., V.1; Mart., Epigr., III.72 e II.15); medius, genitais (Mart., Epigr., II.61, II.81, VII.66, XI.47, XI.62; Cat., Carm., LXVII e LXXX); membrum, pênis (Prop., Eleg., II.15 e II.16); mentula, pênis grande (Mart., Epigr., I.59, II.62, II.70, III.71, III.75, III.81, VI.23, VI.36, VII.17, VII.29, VII.34, VII.54, IX.3, IX.28, IX.33, IX.34, IX.38, IX.64, X.90, XI.20, XI.21, XI.23, XI.26, XI.28, XI.47, XI.59, XI.71, XI.76, XI.79, XII.86, XII.97; Cat., Carm., XX, XXIX, XXXVII, XCII); papilla, mamilo (Pl., Bacch., III.3; Pl., Pseud., I.1; Prop., Eleg., II.15); pars, genitais (Mart., Epigr., XII.96; Juv., Sat., 9 e 10; Cat., Carm., XVII); penis, pênis (Mart., Epigr., II.51, VI.16, VI.23, VII.81, IX.28, X.55, XI.75; Pers., Sat., 4; Cat., Carm., XV; Ad Priapum); pipinna, pênis pequeno (Mart., Epigr., XI.73); praeputium, prepúcio (Juv., Sat., 6); podex, ânus (Mart., Epigr., VI.37; Juv., Sat., 2); porta, vagina (Cat., Carm., XV); radix, pênis (Pl., Cas., V.2); ramex, testículos (Juv., Sat., 10); rima, vagina (Juv., Sat., 3); saltus, vagina (Pl., Cas., V.2); specus, vagina (Ad Priapum); symplegas, nádegas (Mart., Epigr., XI.100); telum, pênis (Mart., Epigr., XI.79); tentum, pênis (Cat., Carm., LXXX); testiculus, testículos (Juv., Sat., VI); trabs, pênis (Cat., Carm., XXVIII); tubus, vagina (Mart., Epigr., XI.62); turtur, pênis (Juv., Sat., 6); vagina, vagina (Pl., Pseud., IV.7); vena, pênis (Mart., Epigr., VI.49; Pers., Sat., 6); venter, ventre (Mart., Epigr., XI.62, XI.89; Juv., Sat., 9); verpa, pênis (Cat., Carm., XXVIII); verpus, pênis circuncizado (Mart., Epigr., VII.81 e XI.95); vesica, vagina (Pl., Cas., II.8; Juv., Sat., 6); virilia, virilha (Mart., Epigr., XI.30); viscus, útero (Mart., Epigr., XI.62; Juv., Sat., 9); vulva, vagina (Mart., Epigr., XI.62; Juv., Sat., 6; Pers., Sat., 4 e 6).

b) Sentimentos e sensações relacionadas a atos sexuais:

ex. admissarius, lascivo (Pl., Mil. glor., IV.3); amoenitas, prazer (Pl., Mil. glor., III.1); ardere, desejar (Mart., Epigr., VIII.63; Juv., Sat., VI); blanditiae, sedução (Mart., Epigr., XI.71); blandus, sedutor (Mart., Apo., 203; Juv., Sat., 6); capere, seduzir (Prop., Juv., Eleg., II.15); cupido, desejo (Cat., Carm., XIII); cupidus, desejoso (Mart., Epigr., XI.79; Prop., Eleg., II.22); deliciae, prazeres (Mart., Epigr., VIII.63, XII.76; Cat., Carm., VI, LXIX, LXXIV; Prop., Eleg., II.15); diffututus, esgotado sexualmente (Cat., Carm., LXI); exfututus, esgotado sexualmente (Cat., Carm., VI); exoletus, lascivo (Mart., Epigr., XII.43 e XII.91); exsorbere, esgotar sexualmente (Juv., Sat., 10); frigidus, frígido (Pl., Cas., V.2; Juv., Sat., 6); gaudium, gozo (Mart., Epigr., IX.42, XI.27; Prop., Eleg., II.14); impatiens, excitado (Juv., Sat., 6); improbus, obsceno (Mart., Epigr., XII.55 e XII.97); impudicus, lascivo (Cat., Carm., XXIX); languere, esgotar sexualmente (Mart., Epigr., I.47, XII.97; Juv., Sat., 11); languidus, esgotado sexualmente (Catl., Carm., LXVII); lascivus, lascivo (Mart., Epigr., X.68, XI.21; Prop., Eleg. IV.5); lassare, esgotar sexualmente (Juv., Sat., 6); libidinosus, libidinoso (Mart., Epigr., XII.43, XII.95); libido, libido (Juv., Sat., 6 e 10; Prop., Eleg., II.16); luxuria, luxúria (Mart., Epigr., XI.71); nequam, lascivo (Juv., Sat., 6); nequitia, libido (Mart., Epigr., IX.69); obscaenus, obsceno ou lascivo (Mart., Epigr., IV.48, XI.62; Juv., Sat., 2 e 6); placere, proporcionar prazer (Mart., Epigr., II.28; Mart., Apo., 205; Juv., Sat., 3; Prop. Eleg., II.22, Ad Priapum); prurigo, tesão (Mart., Epigr., IV.48 e XI.74; Juv., Sat., 6); prurire, sentir tesão (Mart., Epigr., XI.82, XII.95; Mart., Apo., 203; Juv., Sat., XI; Cat., Carm., XVI e LXXXVII); salax, lascivo (Cat., Carm., XXXVII); Saturnalicus, Saturnálico ou lascivo (Mart., Epigr., VII.90); sectari, desejar (Mart., Epigr., XI.88); siccus, frígido (Mart., Epigr., XI.82); stare, estar ou ficar excitado (Mart., Epigr., III.73, III.75, VI.23, VI.49, VII.57); surgere, ficar excitado (Mart., Epigr., XII.97); Sybariticus, Sibarítico ou lascivo (Mart., Epigr., XII.95); tentigo, priapismo ou ereção do mamilo/clitóris (Mart., Epigr., VII.66; Juv., Sat., VI); urtica, ardor sexual (Juv., Sat., 11); voluptas, volúpia (Juv., Sat., 6, 10 e 11).

c) Atos sexuais:

ex. adulter, adúltero (Mart., Epigr., X.95; Juv., Sat., 6 e 9); adultera, adúltera (Mart., Epigr., IX.3); adulterium, adultério (Cat., Carm., LXXVIII); amica, amante ou lésbica passiva (Mart., Epigr., XI.28 e XI.101; Prop., Eleg., II.16); amplexus, carícia (Juv., Sat., 6; Prop., Eleg., II.15); basiare, beijar genitais (Mart., Epigr., I.95, XI.62, XII.55); basium, beijo em genitais (Mart., Epigr., VIII.46, XI.9, XI.23, XI.24, XI.27, XI.96, XI.105, XII.55, XI.66; Cat., Carm., XVI); bucca, boca (Mart., Epigr., II.28, III.75, XI.62); cadere, ser seduzido ou estuprado (Cat., Carm., LVI); cevere, rebolar (Juv., Sat., 2); cinaedus, pederasta passivo (Mart., Epigr., II.28, III.73, IV.43, VI.16, VI.37, VII.57, IX.3, IX.64, X.40, XI.22, XII.16; Juv., Sat., 2, 4, 9 e 14; Cat., Carm., 14, 29 e 33); coitus, coito (Juv., Sat., 10); collocare, preparar a noiva para o coito (Pl., Cas., V.2); comedere, comer ou penetrar ânus ou vagina (Cat., Carm., XXIX); complexus, o enlace do coito (Pl., Poen., III.3; Mart., Epigr., XI.79); concubitus, coito (Juv., Sat., 6); concumbere, fazer sexo (Juv., Sat., 6; Prop., Eleg., II.15); confutuere, foder compartilhadamente (Cat., Carm., XXXVII); contubernalis, companheiro de coito (Cat., Carm., XXXVII); crissare, movimentar-se sensualmente no coito (Mart., Epigr., X.68; Mart., Apo., 203; Juv., Sat., 6); cunnilingus, cunilíngua (Mart., Epigr., IV.43 e XII.85); dare, fazer sexo (Mart., Epigr., II.31, II.49, IV.7, VII.29, VII.74, IX.33, X.75, X.81, XI.59, XI.79, XI.105, XII.55, XII.96); depilatus, pederasta passivo (Mart., Epigr., IX.28); draucus, pederasta ativo (Mart., Epigr., VII.66, IX.28, XI.9, XI.73); facere, fazer sexo (Mart., Epigr., III.71, III.83, VII61, XI.21, XI.72, XII.86; Juv., Sat., 7); fascinum, consolo de couro ou de tecido (Ad Priapum); fellare, fazer felação (II.50, II.61, II.73, IV.85, IX.5 e XII.79); fellator, quem faz felação (Mart., Epigr., XI.31 e XI.96); flagitium, infâmia do estupro (Pl., Cas., V.2); fovere, masturbar (Ad priapum); irrumare, penetrar a boca (Mart., Epigr., XII.47, II.70, IV.50; Cat., Carm., XVI, XXI, XXVIII, XXXVII e LXXIV); furtum, adultério (Mart., Epigr., IV.9); futuere, foder (Mart., Epigr., I.95, II.31, II.47, II.60, III.72, III.79, III.87, III.96, IV.85, VI.31, VI.33, VI.91, VII.69, VII.74, IX.3, IX.5, IX.42, IX.71, IX.82, X.81, X.95, X.102, XI.21, XI.22, XI.24, XI.41, XI.46, XI.48, XI.63, XI.72, XI.86, XII.27; Mart., Apo., 215; Cat., Carm., LXXI, XCV); fututio, foda (Cat., Carm., XXXII); fututor, fodedor (Mart., Epigr., I.91, II.28, III.96, VII.17, VII.29, XI.88, XII.43); fututrix, fodedora (Mart., Epigr., XI.23 e XI.62); Ganymedes, Ganimedes ou pederasta (Mart., Epigr., XI.23, XI.27, XI.44 e XI.105); Ganymedeus, relativo a Ganimedes ou a pederasta (Mart., Epigr., VIII.46); irrumatio, penetração de boca (Cat., Carm., XXI); jacere, deitar-se para o coito (Mart., Epigr., XI.74, XI.82; Juv., Sat., 6; Cat., Carm., XXXII; Ad Priapum); masturbare, masturbar (Mart., Epigr., IX.42 e XI.105); irrumator, quem penetra a boca (Cat., Carm., X); lambere, fazer felação (Mart., Epigr., II.61 e II.81; Juv., Sat., II); lena, alcoviteira (Mart., Epigr., IV.5); leno, proxeneta ou alcoviteiro (Juv., Sat., 6); Lesbia, Lésbia ou prostituta (Mart., Epigr., II.50, XI.63 e XI.100); lingere, fazer felação (Mart., Epigr., II.84, III.88, III.96, VI.26, VI.54, VII.66, IX.41, XI.48, XI.86 e XII.55; Cat., Carm., XCV); ludere, brincar sexualmente (Mart., Epigr., VI.45; Juv., Sat., 7; Cat., Carm., XVII); ludus, brincadeira sexual (Juv., Sat., 6); lupanar, lupanar (Juv., Sat., 6); Massiliensis, massiliense ou pederasta (Pl., Cas., V.4); masturbator, masturbador (Mart., Apo., 203); moechari, cometer adultério (Cat., Carm., XCII); moechus, adúltero (Mart., Epigr., I.91, II.47, II.49, III.84, III.92, III.96, IX.3, XI.62; Juv., Sat., 9, 10 e 14; Cat., Carm., XI, XXXVII; Prop., Eleg., IV.5); morsiuncula, mordida prazerosa (Pl., Pseud., I.1); motus, movimentação erótica (Mart., Epigr., XI.105); opera, esforço físico no coito (Pl., Cas., V.2); orgia, orgia (Pl., Pseud., I.1); paedicare, sodomizar (Mart., Epigr., I.28, I.93, III.98, VI.56, VII.61, VII.66, IX.71, XI.21, XI.46, XI.64, XI.79, XI.89, XI.95, XI.100, XI.105, XII.16; Cat., Carm., XVI e XXI); paedico, sodomista (Mart., Epigr., II.28, II.47, VI.33, VI.88 e XII.85); patere, deitar-se para o coito (Mart., Epigr., XI.105); pathicus, pederasta passivo (Mart., Epigr., Mart., Epigr., XII.95; Juv., Sat., 2 e 9; Cat., Carm., XVI); pellex, prostituta ou prostituto (Mart., Epigr., XII.96); perdepsere, acariciar (Cat., Carm., LXXIV); praecidere, penetrar a boca (Mart., Epigr. IV.48, XI.29 e XII.35); prostituere, prostituir (Mart., Epigr., IX.28); puella, jovem prostituta (Mart., Epigr., XI.65, XII.76, XII.86, XII.95, XII.97; Mart., Apo., 205; Juv., Sat., 6 e 11; Cat., Carm., XIII, XVII, XLI, LXIX, LXXVIII; Ad Priapum; Prop., Eleg., II.16 e II.22); puer, jovem prostituto (Mart., Epigr., XII.76, XII.86, XII.96; Mart., Apo. 205; Cat., Carm., XV, XVI, LXXVIII; Tib., Eleg., I.9; Prop., Eleg., II.4); pusio, pederasta passivo (Juv., Sat., 6); savium, beijo nos genitais (Pl., Cas., V.2; Pl., Poen., V.4; Pl., Pseud., IV.1); scortillum, jovem prostituto ou prostituta (Cat., Carm., X); scortum, prostituto ou prostituta (Pl., Cas., epil.; Pl., Mil. glor., III.1; Pl., Merc., V.4; Juv., Sat., 3; Cat., Carm., VI); sedere, sentar-se no pênis (Mart., Epigr., XI.105); stuprum, estupro ou relação sexual ilícita (Pl., Cas., V.2); subigitare, masturbar (Pl., Cas., V.4; Pl., Mil. glor., III.1); symplegma, orgia masculina (Mart., Epigr., XI.43); tractare, masturbar (Mart., Epigr., XI.30); tribas, lésbica ativa (Mart., Epigr., VII.69); vorare, devorar ou fazer felação (Cat., Carm., LXXXVII).

d) Excrementos e secreções:

ex. cacare, cagar (Mart., Epigr., IX.71); effectus, ejaculação (Mart., Epigr., XI.82); expatrare, ejacular (Cat., Carm., XXIX); meiere, mijar (Mart., Epigr., XI.47; Cat., Carm., XCV); micturire, sentir vontade de mijar (Juv., Sat., 6); semen, esperma (Cat., Carm. LXVII); serum, esperma (Cat., Carm., LXXX); urina, urina (Juv., Sat., 6 e 11; Cat., Carm., XXXVII).

Certamente, o expurgo de passagens contendo palavras dos grupos acima seguiu um plano geral de remoção de obscenidades, mas os golfinhos não trabalharam de maneira uniformizada, o que nos permite observar certa flutuação de práticas expurgatórias em diversos volumes da coleção Ad usum Delphini (Wolff, 2000WOLFF, Étienne. Chapitre cinq. La censure. In: La collection Ad usum Delphini: l'Antiquité au miroir du Grand Siècle. Grenoble: UGA Éditions, 2000. v. 1. p. 122-128., p. 125). À guisa de exemplo, Vincent Collesson suprimiu integralmente todos os epigramas de Marcial (II.28, III.73, IV.43, VI.37, VII.58, IX.2, IX.63, X.40, XI.31 e XII.16) que contêm cinaedus (pederasta ativo), mas Louis Desprez cortou precisamente essa palavra nas sátiras juvenalianas (II, v. 10; IV, v. 106; e XIV, v. 30). Philippe Dubois, por seu turno, manteve as cinco ocorrências de cinaedus nos poemas de Catulo (X, v. 24; XVI, v. 2; XXIX, v. 5 e 9; e XXXIII, v. 2). Pathicus (pederasta passivo) é outra palavra que nos ajuda a verificar procedimentos distintos dos golfinhos: Vincent Colleson também eliminou completamente o epigrama de Marcial em que ocorre pathicus (XII.95, v. 1); Louis Desprez, nas sátiras juvenalianas (II, v. 99 e IX, v. 130), cortou somente essa palavra, mas Philippe Dubois a conservou em Catulo (XVI, v. 2).

Às vezes, essas flutuações de práticas chegam a ocorrer num mesmo volume. Nas sátiras de Juvenal, Louis Desprez deixou passar, em alguns poemas, palavras que foram suprimidas em outros: ex. spado, eunuco (I, v. 22); mamma, seio (I, v. 23); vesica, vagina (I, v. 39); inguen, virilha (I, v. 41); suavis, efeminado (II, v. 47); moecha, adúltera (II, v. 68); entre outros termos obscenos e passagens ambíguas (Guellouz, 2005GUELLOUZ, Suzanne. Juvénal et Perse. In: FURNO, Martine (dir.) La collection Ad usum Delphini: l’Antiquité au miroir du Grand Siècle, Grenoble: UGA Éditions, 2005. vol. 2. p. 333-341., p. 335-336). No volume dos epigramas de Marcial, Vincent Colleson excluiu o epigrama I.23, mas manteve I.24 e XIV.74.30 30 Os epigramas I.23 e I.24 apresentam temática homoerótica masculina. O epigrama XIV.74 alude à felação. Além disso, Colleson conservou, no texto latino, os substantivos draucus (pederasta ativo) e mentula (pênis grande) em I.96, v. 12-13, empregando reticências na interpretatio para não os traduzir. Porém, em outras passagens obscenas mantidas no original (ex. III.85, v. 4, “mentula”, pênis; I.34, v. 10, “non futui”, não ser fodido), nem sequer aparecem reticências na interpretatio. Por outro lado, em I.84, v. 3, Colleson utilizou-se de interpretatio atenuada: “futuit”, fodeu > “rem habet cum”, tem negócio com (Wolf, 2015WOLF, Hubert. Congregation of the Index. In: JONES, Derek (ed.). Censorship: a World Encyclopedia. London; New York: Routledge, 2015. vol. 1-4. p. 1151-1153., p. 214).

Em linhas gerais, esses expedientes, entre muitos outros, revelam que a prática expurgatória na coleção Ad usum Delphini não se pautou apenas por regras de índices expurgatórios ou por diretrizes editoriais mas ainda pelo subjetivismo dos golfinhos. Ademais, a censura na coleção já mostrava, pelo menos com relação a certos autores latinos, algum afrouxamento frente a edições anteriores expurgadas. No que diz respeito a Marcial, Andreas Frusius, como vimos, cortara 310 epigramas, enquanto Vincent Collesson eliminou 151, ou seja, menos da metade. Quanto aos poemas de Horácio, Petrus Rodellius suprimira oito odes (I.5, I.13, I.23, I.25, I.33, II.6, III.20 e IV.10) e três epodos (8, 12 e 15), ao passo que Louis Desprez realizou expurgos parciais em dois epodos (8 e 12) e não expurgou as odes.

Referências

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  • 1
    Em que pesem as alterações de sentido que a palavra censura e seus derivados adquiriram ao longo da história do Ocidente, ocorreram ações institucionais de punição de autores e de destruição de livros desde a Antiguidade clássica. No léxico latino clássico, o substantivo censura designava atividade do censor, magistrado romano que era escolhido em número de dois — primeiramente de cinco em cinco anos e depois a cada um ano e meio — e que tinha inicialmente a prerrogativa de contar os cidadãos romanos e seus bens, para classificá-los em ordens sociais. Paulatinamente, o censor passou também a cuidar da conduta dos cidadãos, sobretudo os da elite, e podia puni-los devido a crimes morais ou políticos, rebaixando-os a uma classe social inferior (Glare, 1968GLARE, P.G.W. (ed.). Oxford Latin Dictionary. Oxford: Oxford University Press, 1968., p. 204). Modernamente, o conceito de censura, mais especificamente de censura de livros, remete stricto sensu à ideia de “um sistema de procedimentos que permeia as instituições” (Darnton, 2016DARNTON, Robert. Censores em ação: como os estados influenciaram a literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2016., p. 249) para controlar a produção e a circulação de obras impressas. No entanto, nunca houve um modelo único para o controle de livros na história do Ocidente, já que a natureza das instituições encontra-se relacionada a cada sociedade, e os papéis dos censores variaram conforme as instituições que eles representavam.
  • 2
    No original: “Vtiles tragoediae: alunt et lyrici, si tamen in iis non auctores modo sed etiam partes operis elegeris: nam et Graeci licenter multa et Horatium nolim in quibusdam interpretari. Elegia uero, utique qua amat, et hendecasyllabi, qui sunt commata sotadeorum (nam de sotadeis ne praecipiendum quidem est), amoueantur si fieri potest, si minus, certe ad firmius aetatis robur reseruentur” (Quintilien, 1933QUINTILIEN -. Institution oratoire. Traduction nouvelle de Henri Bornecque. Paris: Librairie Garnier Fréres, 1933. 4 v., p. 120). Todas as traduções são de nossa autoria.
  • 3
    No original: “Verum sic quoque iam robustis et seueriore genere satis firmatis legendus, uel ideo quod exercere potest utrimque iudicium. Multa enim, ut dixi, probanda in eo, multa etiam admiranda sunt, eligere modo curae sit; quod utinam ipse fecisset: digna enim fuit illa natura quae meliora uellet; quod uoluit effecit” (Idem, 1934, p. 52-54).
  • 4
    No original: “[A]b antiquis descenderat” (Idem, ibidem).
  • 5
    No original: “[M]agnae uirtutes” (Idem, ibidem).
  • 6
    No original: “[C]orruptum et omnibus uitiis fractum dicendi genus” (Idem, ibidem).
  • 7
    No original: “[S]eueriore genere” (Idem, ibidem).
  • 8
    Em 1599, seria impressa outra edição expurgada da obra completa de Marcial, organizada por Matthew Rader (1561-1634), filólogo e historiador jesuíta italiano mais conhecido pelo nome latino de Matthaeus Raderus, que editou ainda a História de Alexandre o Grande, de Quinto Cúrcio Rufo (séc. I d.C.).
  • 9
    No original: “[…] Valerium Martialem […] in manus sumsit, […] sublatisque quibusdam epigrammatis, quae servari nullo pacto honeste poterant, aliis vero paucis uno, aut altero verbo reposito, immutatis, horis subsecivis sine ullo Latinioris dictionis detrimento perpurgavit” (Martialis, 1580MARTIALIS, Valerii. Epigrammata: ab omni rerum obscenitate, verborumque; tupitudine uindicata. Opera & industria Andree Frusij, Societatis Iesu Theologi. Lugduni: apud Ioannem Stratium, 1580., p. 11).
  • 10
    No original: “[E]t reliquos ita corrigat, ut veteres illi omnes codices, qui turpitudinem admixtam habent, comburantur. Vtinam etiam aliquis sit, qui eorum lucubrationes, ac vigilias omnes, qui poetas huiusmodi paulo petulantius explicarunt, rejecta omni obscenitate, ad severitatem Christianam revocet. Neque enim illi, si in manibus juventutis relinquantur, minus oberunt, quam auctores isti, qui sua turpitudine labem integris moribus fere solent adspergere” (Martialis, 1580MARTIALIS, Valerii. Epigrammata: ab omni rerum obscenitate, verborumque; tupitudine uindicata. Opera & industria Andree Frusij, Societatis Iesu Theologi. Lugduni: apud Ioannem Stratium, 1580., p. 14).
  • 11
    Na edição de Frusius, não há qualquer recurso tipográfico que indique expurgos ou alteração do texto original, diferentemente da coleção Ad usum Delphini, como veremos adiante. Verifica-se o uso de asteriscos apenas para o registro de variantes textuais. Portanto, a supressão integral de epigramas não é explicitada nem altera a numeração dos poemas. Matthaeus Raderus, por seu turno, empregou asteriscos para assinalar variantes textuais e expurgos em sua edição dos epigramas de Marcial.
  • 12
    No original: “Et laudandi merito sunt Patres Societatis Jesu, si nullam aliam ob caussam, saltem quod veram et rectam in artium praeceptis tradentis, et veterum scriptorum interpretatione rationem teneant. quo nomine hoc sunt consecuti, ut ab ipsis etiam adversariis, et quidem editis libris celebrentur. tanta est illorum virtus, vitae sanctimonia et eruditio, ut hostibus sit admirationi atque terrori. Minime idcirco mitum videri debet tam totque eruditos et litteratos ex illorum collegiis prodire discipulos. Habent illa peculiarem genium, qui nihil nisi quod doctum, castum, rectum et simplex est ferat” (Martialis, 1580MARTIALIS, Valerii. Epigrammata: ab omni rerum obscenitate, verborumque; tupitudine uindicata. Opera & industria Andree Frusij, Societatis Iesu Theologi. Lugduni: apud Ioannem Stratium, 1580., p. 8-9).
  • 13
    Stephen Harrison aborda o expurgo em traduções de Horácio do séc. XVII ao séc. XX no mundo anglófono, fazendo ainda algumas comparações com publicações alemãs. Suas considerações exploram, especificamente, os expurgos em traduções dos epodos 8 e 12, das odes 4.1 e 4.10 e da sátira I.2. Devido a nosso recorte cronológico, limitamo-nos apenas às informações sobre expurgos até o séc. XVII apresentadas pelo estudioso.
  • 14
    David Butterfield trata da censura em edições, traduções e interpretações de De rerum natura (DRN) ao longo de seis séculos, desde a (re)descoberta de seu manuscrito em 1417, por Poggio Bracciolini, até publicações do séc. XX, como a tradução de W.H.D. Rouse (1924). Devido a nosso recorte cronológico, mencionamos somente as considerações do estudioso a expurgos em DRN até o séc. XVII.
  • 15
    No original: “[P]erniciosi tamen latent angues in herba, interque gemmantes flores insinuant semet frequenter Aconita dira, feralesque Cicutae. cave proinde, aut declina, adolescens, ne tibi sit exitio florilegium” (apud Butterfield, 2012BUTTERFIELD, David. Contempta Relinquas: Anxiety and Expurgation in the Publication of Lucretius' De rerum natura. In: STRAY, Christopher; HARRISON, Stephen (ed.). Expurgating the Classics: Editing Out in Latin and Greek. London: Bristol Classical Press, 2012. p. 95-114., p. 101).
  • 16
    Tanneguy Le Fèvre não chegou a trabalhar na coleção Ad usum Delphini, mas indicou sua filha, Anne Le Fèvre Dacier, e genro, André Dacier, muito embora nenhum deles tenha editado o volume de DRN, que ficou a cargo de Michael Dufay. Por outro lado, Anne editou quatro volumes da coleção: Floro, Dictys de Creta e Dares da Frígia, Aurélio Vítor e Eutrópio. André Dacier, por sua vez, ficou encarregado do volume que continha as obras de Sexto Pompeu, Festo e Marco Verrio Flaco.
  • 17
    Em Portugal, a primeira tradução de DRN viria a público somente em 1850, em Lisboa, sob o título de Da natureza das cousas, de autoria de José Duarte Machado Ferraz (1774-1861). No ano seguinte, Antonio José de Lima Leitão (1787-1856) publicou também em Lisboa o primeiro tomo de sua tradução de DRN, intitulada A natureza das coisas: poema de Tito Lucrecio Caro, traduzido do original latino para verso português por Antonio José de Lima Leitão, contendo os livros I-III. O segundo tomo, que abrangia os livros IV-VI, foi publicado em 1853.
  • 18
    Esta seção consiste essencialmente numa síntese de Volpilhac-Auger (2000VOLPILHAC-AUGER, Catherine (dir.). La collection Ad usum Delphini: l'Antiquité au miroir du Grand Siècle. Grenoble: UGA Éditions, 2000. v. 1.) e Furno (2005FURNO, Martine (dir.) La collection Ad usum Delphini: l’Antiquité au miroir du Grand Siècle, Grenoble: UGA Éditions, 2005. vol. 2.), acrescida de contribuições nossas, sobretudo no que diz respeito aos expurgos da coleção Ad usum Delphini.
  • 19
    “Libri, qui res lascivas, seu obscoenas ex professo tractant, narrant, aut docent, cum non solum fidei, sed et morum, qui huiusmodi librorum lectione facile corrumpi solent, ratio habenda sit, omnino prohibentur: et qui eos habuerint, severo ab Episcopis puniantur. Antiqui vero, ab Ethnicis conscripti, propter sermonis elegantiam, et proprietatem permittuntur: nulla tamen ratione pueris praelegendi erunt” (Index, 1564, p. 13), proíbem-se totalmente livros que tratam, narram ou ensinam, abertamente, assuntos lascivos ou obscenos, uma vez que se devem manter os preceitos da fé e dos costumes, que facilmente são corrompidos por livros desse tipo: e que sejam punidas severamente pelos bispos as pessoas que possuírem esses [livros]. No entanto, são permitidas obras antigas, escritas por pagãos, devido à elegância e propriedade da linguagem, mas, de nenhuma maneira, deverão ser lidas para as crianças.
  • 20
    A rigor, as páginas de rosto dos livros pertencentes à coleção Ad usum Delphini não trazem designação de “volume” nem tampouco numeração. Com relação aos autores que ocupam mais de um livro, as portadas exibem expressões como “pars secunda” etc. ou “tomus secundus” etc. Dessa forma, utilizamos aqui o termo “volume” apenas para fins de simplificação e padronização.
  • 21
    Foi Huet quem sugeriu agrupar quarenta autores clássicos, conforme o entendimento de Aulo Gélio. Embora Montausier desejasse publicar inicialmente todos os escritores latinos, a ideia foi deixada de lado devido às dificuldades enfrentadas nos primeiros volumes. Por outro lado, o número reduzido não significa que os mais importantes foram escolhidos, já que, por exemplo, ficaram de fora da coleção Sêneca, Quintiliano, Lucano e Petrônio. A correspondência de Huet e Montausier, por seu turno, revela que foram planejados volumes para as obras de Pompônio Mela, Marciano Capela, Vitrúvio, Columela, Palladius, Varrão e Sêneca.
  • 22
    Adotamos aqui uma solução nossa para facilitar a numeração dos volumes da coleção Ad usum Delphini, baseada na ordenação por ano de impressão. No caso de volumes impressos no mesmo ano, a ordenação seguiu o critério alfabético de sobrenome do autor em latim: vol. 1 Salústio (1674); vol. 2 Floro (1674); vol. 3 Cornélio Nepos (1675); vol. 4 Fedro (1675); vol. 5 Terêncio (1675); vol. 6 Veleio Patérculo (1675); vol. 7 Panegíricos antigos (1676); vol. 8 Justino (1677); vol. 9 Claudiano (1677); vol. 10 Júlio César (1678); vol. 11 Quinto Cúrcio (1678); vol. 12 Manílio (1679); vol. 13-14 Plauto (1679); vol. 15-20 Tito Lívio (1679); vol. 21 Valério Máximo (1679); vol. 22 Boécio (1680); vol. 23 Díctis de Creta e Dares da Frígia (1680); vol. 24 Lucrécio (1680); vol. 25 Marcial (1680); vol. 26 Aulo Gélio (1681); vol. 27 Aurélio Vítor (1681); vol. 28 Sexto Pompeu, Festo e M. Verno Flaco (1681); vol. 29-32 Tácito (1682); vol. 33 Virgílio (1682); vol. 34 Eutrópio (1683); vol. 35-37 Cícero, discursos (1684); vol. 38 Juvenal e Pérsio (1684); vol. 39 Suetônio (1684); vol. 40-41 Catulo, Tibulo e Propércio (1685); vol. 42 Cícero, epístolas aos familiares (1685); vol. 43-47 Plínio, o velho (1685); vol. 48-49 Estácio (1685); vol. 50 Prudêncio (1687); vol. 51-52 Cícero, obras sobre retórica (1687); vol. 53-54 Apuleio (1688); vol. 55 Cícero, obras filosóficas (1689); vol. 56-59 Ovídio (1689); vol. 60-61 Horácio (1691); vol. 62 Ausônio (1730).
  • 23
    Em nossa pesquisa, levamos em consideração apenas os volumes de obras de autores latinos. Na verdade, a coleção Ad usum Delphini chega a 64 volumes, computados o dicionário de antiguidades elaborado por Pierre Danet e o volume de poemas de Calímaco, único autor grego incluído na coleção. Não são claras as razões de esses dois autores terem sido incorporados ao plano editorial, já que Danet era contemporâneo de Montausier e Huet, e Calímaco, grego, destoando do objetivo da coleção.
  • 24
    Adotamos aqui o termo golfinho em consonância com Volpilhac-Auger (2000VOLPILHAC-AUGER, Catherine (dir.). La collection Ad usum Delphini: l'Antiquité au miroir du Grand Siècle. Grenoble: UGA Éditions, 2000. v. 1.) e Furno (2005FURNO, Martine (dir.) La collection Ad usum Delphini: l’Antiquité au miroir du Grand Siècle, Grenoble: UGA Éditions, 2005. vol. 2.) para designar os responsáveis por cada volume da coleção Ad usum Delphini, selecionados por Huet e Montausier.
  • 25
    No original: “[P]retiosum a vili” (Juvenalis, 1684JUVENALIS, Decii Junii; FLACCI, Persi. Satirae: interpretatione ac notis illustravit Ludovicus Prateus, rhetoricae professor emeritus, uussu christianissimi regis, in usum serenissimi delphini. Parisiis: ex Typographia Frederici Leonard, 1684., p. VII).
  • 26
    Em Apuleio: “Obscoena ex Apuleiano textu resecta et ad calcem rejecta” (Obscenidades retiradas do texto de Apuleio e apartadas ao final); em Ausônio: “Obscoena e textu Ausoniano resecta” (Obscenidades retiradas do texto de Ausônio)”; em Catulo: “Versus obscoeni resecti e Catullo nemini verecundo legendi” (Versos obscenos retirados de Catulo que não devem ser lidos por ninguém casto); em Claudiano: “Obscoena quaedam in Claudiani contextu praetermissa, & in hunc locum rejecta” (Algumas obscenidades omitidas no texto de Claudiano e reservadas a este lugar); em Fedro: “Versus resecti” (Versos retirados); em Horácio, os expurgos não foram reunidos em seção ao final do tomo; em Juvenal e Pérsio: “Resecti versus tum e Juvenali, cum e Persio nemini probo legendi” (Versos retirados tanto de Juvenal quanto de Pérsio que não devem ser lidos por ninguém casto); em Lucrécio: “Obscoena quaedam in Lucretii contextu praetermissa, et in hunc locum rejecta” (Algumas obscenidades omitidas no texto de Lucrécio e reservadas a este lugar); em Marcial: “Epigrammata obscaena” (Epigramas obscenos); em Ovídio: “Quaedam in Ovidii obscoena” (Algumas obscenidades no texto de Ovídio); em Propércio: “Versus obscoeni resecti e Propertio” (Versos retirados de Propércio); em Plauto: “M. Accii Plauti obscoena” (passagens obscenas de Marco [sic] Ácio Plauto); em Tibulo: “Versus obscoeni resecti e Tibullo” (Versos obscenos retirados de Tibulo).
  • 27
    Essas seções finais de expurgata consistem numa inovação da coleção Ad usum Delphini frente a edições expurgadas anteriores, a exemplo dos epigramas de Marcial editados por Andreas Frusius (1558) e Matthaeus Raderus (1599).
  • 28
    Denominamos de parciais os expurgos que não cortam a obra integralmente.
  • 29
    Conforme James Noel Adams, “metáforas e designações eufemísticas fornecem a maior parte dos termos atestados para partes sexuais do corpo e atos sexuais em latim” (Adams, 1982ADAMS, James Noel. The Latin Sexual Vocabulary. London: Duckworth, 1982., p. 2-3). Sendo assim, termos como cucumis (pepino), gladius (espada), radix (raiz) e vena (veia), por exemplo, designam metaforicamente pênis, razão para terem sido colocados no grupo de palavras alusivas a órgãos sexuais ou partes do corpo erógenas. O mesmo princípio aplica-se a muitas outras palavras desse e dos demais grupos, em que geralmente informamos apenas os sentidos metafórico-sexuais. Grande parte desse vocabulário, a exemplo das quatro palavras mencionadas anteriormente, permanece ainda hoje sem o significado sexual nos principais dicionários latino-portugueses (Torrinha, 1982TORRINHA, Francisco. Dicionário latino-português. Porto: Gráficos Reunidos, 1982.; Ferreira, 2001FERREIRA, Antonio Gomes. Dicionário latim-português. 2. ed. Porto: Porto Editora, 2001.; Saraiva, 2006SARAIVA, F.R. dos Santos. Dicionário latino-português. 12. ed. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 2006.). Há palavras que sequer figuram nesses dicionários, a exemplo de irrumatio (penetração da boca com o pênis), fellatio (felação) e tribas (lésbica ativa). Para mais detalhes sobre censura de palavras em dicionários latino-portugueses, cf. Moniz (2014MONIZ, Fábio Frohwein de Salles. Controle da leitura em edições e dicionários latinos escolares. Via Litterae: Revista de Linguística e Teoria Literária, Anápolis, v. 6, n. 2, p. 285-301, jul.-dez 2014.).
  • 30
    Os epigramas I.23 e I.24 apresentam temática homoerótica masculina. O epigrama XIV.74 alude à felação.

Editado por

Editor-chefe dos Estudos de Literatura

Silvio Renato Jorge

Editores convidados

Manoel Mourivaldo Santiago
Ceila Maria Ferreira Batista

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2023
  • Aceito
    29 Fev 2024
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