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A leitura como prática emancipatória em contexto penitenciário: um estudo à luz da linguística aplicada

Reading as an emancipatory practice in a penitentiary context: a study in the light of applied linguistics

RESUMO

Como recorte de um projeto maior, denominado A leitura dialógica em contexto penitenciário: vozes femininas que ecoam responsivamente na construção de sentidos, este artigo busca investigar a prática social de leitura numa perspectiva dialógica, em uma penitenciária feminina de Palmas-Tocantins. Inserido na área da Linguística Aplicada, numa concepção Transgressiva, mais especificamente, buscamos compreender como as reeducandas constroem sentidos como forma de emancipação e conscientização. Para tanto, esta investigação tem orientação interpretativista e inspirou-se na metodologia do Pensar Alto em Grupo - PAG. Assim, analisamos, a partir da vivência de leitura do conto A moça tecelã, como se deu a constituição da identidade leitora das mulheres encarceradas. A fundamentação teórica relaciona-se aos pressupostos dialógicos do Círculo de Bakhtin, sobre os estudos sobre letramento e à epistemologia da educação emancipadora. Os dados revelaram que: i) as participantes descobriram suas vozes, subjetivas e dialógicas (refutando, concordando, ressignificando), por meio da leitura, confirmando que o ato de ler no presídio é uma forma de emancipação, de denúncia social e libertação; ii) as reeducandas se emancipam quando tomam consciência do seu estado e a partir daí buscam transformá-lo de maneira crítica e reflexiva.

Palavras-chave:
Educação libertadora; Linguística Aplicada; Leitura no presídio; Mulheres no cárcere

ABSTRACT

As part of a larger project, called Dialogic reading in a prison context: female voices that echo responsively in the construction of meanings, this article seeks to investigate the social practice of reading from a dialogical perspective in a female penitentiary in Palmas-Tocantins. Inserted in the area of Applied Linguistics, in a Transgressive conception, we seek to understand how inmates build meanings as a form of awareness. This investigation has an interpretive orientation and was inspired by the methodology of Pensar Alto em Grupo-PAG. We analyze, from the experience of reading the short story A Moça tecelã, how the constitution of the incarcerated women's reading identity took place. The theoretical foundation is related to the dialogical assumptions of the Bakhtin Circle, on literacy studies and the epistemology of emancipatory education. The data revealed that: i) the participants discovered their subjective and dialogic voices (refuting, agreeing, giving new meaning) through reading, confirming that the act of reading in prison is a form of emancipation; ii) the inmates emancipate themselves when they become aware of their state and from there they seek to transform it in a critical and reflexive way.

Keywords:
Liberating education; Applied Linguistics; Reading in the prison; Women in prison

A Linguística Aplicada (LA) como área do conhecimento é vista como sistematizadora de múltiplos domínios dos mecanismos do saber, em diálogo constante com vários campos que têm preocupações com a linguagem. Ela é mediadora de mudanças na sua comunicação com a coletividade e com a participação desta ( CELANI, 2000CELANI, Maria Antonieta Alba. Relevância da linguística aplicada na formulação de uma política educacional brasileira. In: FORTKAMP, Mailce Borges Mota; TOMITCH, Lêda Maria Braga. (org.). Aspectos da linguística aplicada: estudos em homenagem ao professor Hilário Inácio Bohn. Florianópolis: Insular, 2000. p. 17-32. ). Por isso, a LA averigua o uso da linguagem em diversas situações sociais, por isso ela pega emprestado hipóteses de outras áreas.

Moita Lopes (2009MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Linguística Aplicada como lugar de construir verdades contingentes: sexualidades, ética e política. Gragoatá, Niterói, n. 27, p. 33-50, 2009., p. 19) pontua que a LA “[...] é indisciplinar tanto no sentido de que reconhece a necessidade de não se constituir como disciplina, mas como uma área mestiça e nômade, e principalmente porque deseja ousar pensar de forma diferente, para além de paradigmas consagrados, [...] para compreender o mundo atual”. Isso também é assumido por Pennycook (2006PENNYCOOK, A. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006. p. 67-84., p. 76), que enfatiza que a concepção de LA transgressiva “tem o objetivo de atravessar fronteiras e quebrar regras em uma posição reflexiva sobre o quê e o por que atravessa” e pode ser resumida do seguinte modo: “[...] Aqui “transgressivo” se refere à necessidade crucial de ter instrumentos tanto políticos como epistemológicos para transgredir as fronteiras do pensamento e da política tradicionais. [..] tem como meta um posicionamento reflexivo sobre o que e por que atravessa;” ( PENNYCOOK, 2006PENNYCOOK, A. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006. p. 67-84., p. 82).

Essa concepção de LA, portanto, nos permite investigar a leitura como prática emancipadora em contextos sociais que rompem concepções centralizadoras de aquisição do conhecimento. No nosso caso, especificamente, buscamos investigar 1 1 Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Tocantins, sob o parecer 4.473.393. a prática social de leitura numa perspectiva dialógica numa penitenciária feminina de Palmas-Tocantins. Assim, a presente pesquisa é relevante, pois elucida novas formas de letramento de sujeitos marginalizados - mulheres encarceradas - entendendo como ocorre a aprendizagem da leitura com compreensão fora de ambientes formais e dentro de um presídio feminino.

Pesquisar o contexto de mulheres encarceradas é buscar entender que elas têm direitos sociais que são constantemente aniquilados pelo Estado e, consequentemente, estigmatizados pela sociedade. Tal afirmação se justifica ao passo que elas enfrentam desigualdades desde seu nascimento, pois são criadas, por vezes, em ambientes “esquecidos”, principalmente em relação à educação. Assim, por terem que optar entre os estudos, o trabalho doméstico, o casamento e os filhos, elas são deixadas às margens, não podendo usufruir, em sua totalidade, das garantias constitucionais. Ou seja, a partir do momento que só podem viver uma realidade, como ser mãe ou estudar, elas ultrapassam os limites das igualdades e/ou equidades e chegam aos meandros da desigualdade.

Com isso, ao adentrar o contexto prisional, tais desigualdades saem das sombras e se tornam expostas. As condições físicas e psicológicas do ambiente, além da falta de investimento educacional, perpetuam um sistema contrário aos direitos de qualquer ser humano, pois não reeducam, apenas apagam a humanidade desses indivíduos.

Dito isso, situamo-nos em uma abordagem qualitativa de pesquisa, de natureza interpretativista. Dessa forma, esse tipo de abordagem se vale da interpretação da situação de aprendizagem da leitura como forma de letramento, buscando entender se o ambiente de aprisionamento é aquele que possibilita práticas sociais de leitura. Assim, para atender ao objetivo proposto, optamos em dividir o artigo em três seções. Na primeira seção, apresentamos uma discussão sobre a concepção de linguagem que norteia nossa investigação, para tanto promovemos um diálogo entre a Linguística Aplicada, os estudos bakhtiniano e a concepção emancipadora de Paulo Freire. Na segunda seção, discutimos sobre a leitura como prática dialógica. Na terceira seção apresentamos as análise e discussão dos dados. E, por fim, tecemos considerações sobre uma pesquisa que busca romper com práticas silenciadoras na atividade de leitura.

Linguagem como prática social: diálogos possíveis

As esferas sociais da atividade humana criam e recriam, por meio das práticas linguageiras, seus enunciados específicos que traduzem as representações sociais e singulares dos sujeitos produtores e receptores dos textos escritos ou orais que revelam os propósitos e a finalidade de seus atos comunicativos ( BAKHTIN, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 468 p.). Assim, a língua(gem) humana é como uma entidade que “vive e evolui historicamente na comunicação concreta” das mais diversas interações sociais, e não restrita aos conceitos abstratos das formas estruturais e do psiquismo puro e individual dos falantes ( BAKHTIN, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 468 p., p. 128-129). Dessa maneira, para o círculo bakhtiniano, a língua(gem) é fenômeno social de interação verbal, cuja manifestação se dá por meio de enunciados. E por sua vez, a interação verbal é a realidade fundamental da língua(gem).

A visão do círculo bakhtiniano torna-se de suma importância na construção da pesquisa aqui apresentada, visto que a língua é compreendida justamente como resultado da interação verbal. Assim, é por intermédio da interação verbal que a língua(gem) se materializa em forma de enunciados. Estes, por sua vez, se manifestam por meio de gêneros do discurso, e estão ligados entre si por relações dialógicas. Só existe a comunicação verbal, porque existem os gêneros do discurso, assim se “não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos; se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala; se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível” ( BAKHTIN, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 468 p., p. 302). Dito isso, e ao considerarmos a natureza social que constitui a linguagem, buscamos promover um diálogo, tendo como “palco” a área do conhecimento LA, entre os pressupostos do círculo bakhtiniano (o dialogismo) e o patrono da educação brasileira, Paulo Freire (as relações dialéticas que constituem o sujeito na sociedade). O corolário lógico desta vinculação é o que fora registrado por Moita Lopes (2011MOITA LOPES, L. P. Da aplicação da Linguística à Linguística Aplicada indisciplinar. In: PEREIRA, R. C. e ROCA, P. Linguística Aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto, 2011. p. 11-24., p. 17-18), quando nos diz que: “Foram essenciais aqui os insights de teorias socioculturais, na linha de Vygotsky e Bakhtin, sobre a relevância de entender a linguagem como instrumento de construção do conhecimento e da vida social, recuperados em muitas áreas de investigação”.

Dessa forma, evidenciamos a necessidade da promoção desses diálogos possíveis entre dois pesquisadores importantes na compreensão do sujeito socialmente situado por meio de práticas sociais que envolvem a linguagem. Como discutimos na introdução, a linguagem para Bakhtin e o Círculo é entendida a partir de uma dimensão social, pois a língua é socialmente concebida e é adquirida pelo sujeito por meio da interação verbal, e é nesse processo dialógico que este sujeito constitui sua consciência ( SANTOS, 2016SANTOS, André Cordeiro dos. Linguagem e construção de sentido: o dialogismo como característica base da interação verbal. Revista Odisseia, n. 15, p. 18-30, 2016. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/odisseia/article/view/9585 . Acesso em: 19 dez. 2022.
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). Portanto, estudar a língua(gem) em situações concretas de uso, como disposto pela LA, é entender que ela é objeto das ciências humanas e não pode ser considerada no seu caráter de “coisa”, “objeto neutro”, mas, envolta “[...] em relações de sentido, ou seja, relações dialógicas” ( SANTOS, 2016SANTOS, André Cordeiro dos. Linguagem e construção de sentido: o dialogismo como característica base da interação verbal. Revista Odisseia, n. 15, p. 18-30, 2016. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/odisseia/article/view/9585 . Acesso em: 19 dez. 2022.
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, p. 19).

Não obstante, o objeto da Linguística Aplicada são os problemas sociais que envolvem a linguagem, em outros termos, o foco está nas atividades humanas mediadas pela linguagem ( VALADARES; LANGA, 2012VALADARES, F. B.; LANGA, M. Bakhtin e Linguística Aplicada: ações metodológicas na construção do ensino de língua portuguesa. PERcursos Linguísticos, v. 2, n. 6, p. 29-45, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufes.br/percursos/article/view/3423 . Acesso em: 19 dez. 2022.
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). Ao abordar tais problemas, a LA toma a língua como artefato social, e, por isso, coaduna com os postulados de Bakhtin e o Círculo, passando a integrar a teoria dialógica em suas bases epistemológicas ( VALADARES; LANGA; 2012VALADARES, F. B.; LANGA, M. Bakhtin e Linguística Aplicada: ações metodológicas na construção do ensino de língua portuguesa. PERcursos Linguísticos, v. 2, n. 6, p. 29-45, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufes.br/percursos/article/view/3423 . Acesso em: 19 dez. 2022.
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).

Nesse sentido, devemos pontuar os postulados de Kleiman (2013KLEIMAN, Angela Del Carmem Bustos Romero de. Agenda de pesquisa e ação em Linguística Aplicada: problematizações. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). Linguística Aplicada recente: Festschriff para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013.), nos quais ela problematiza uma face da LA que promove o “suleamento” das atividades acadêmicas nessa área. Isto é, a autora evidencia a importância de estabelecer um diálogo com os cientistas sociais críticos “da periferia” (do Sul), buscando a descolonialidade epistemológica na formulação de problemas de pesquisa. Para tanto, conforme nosso objeto de trabalho, a autora supramencionada defende uma Linguística Aplicada Crítica que rompa com o monopólio do saber, concentrado em apenas um grupo de pesquisadores, intelectuais e na produção desse grupo. Assim, cada vez mais a LA busca respostas. Nas palavras da autora:

[...] para as investigações que se ocupam de questões em que a linguagem tem um papel constitutivo nos saberes, nas configurações identitárias e nas relações - feministas, étnico-raciais, sociais - que formam, conformam, deformam, informam, transformam as realidades que construímos ( KLEIMAN, 2013KLEIMAN, Angela Del Carmem Bustos Romero de. Agenda de pesquisa e ação em Linguística Aplicada: problematizações. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). Linguística Aplicada recente: Festschriff para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013., p. 43).

Sem dúvida há uma mudança significativa nos loci da produção dessas pesquisas, que passam a ser centrados, também, em outros nos quais se investiga “para a periferia e a partir da periferia”, mais uma vez dissociando-se dos centros hegemônicos presentes nos trabalhos de linguagem ( KLEIMAN, 2013KLEIMAN, Angela Del Carmem Bustos Romero de. Agenda de pesquisa e ação em Linguística Aplicada: problematizações. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). Linguística Aplicada recente: Festschriff para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013.). Portanto, essa agenda de pesquisa, que busca uma epistemologia do Sul, explora “a viabilidade, ou mesmo relevância, de propostas (acadêmicas) na arena da luta epistemológica, seja ela a arena global ou local” ( KLEIMAN, 2013KLEIMAN, Angela Del Carmem Bustos Romero de. Agenda de pesquisa e ação em Linguística Aplicada: problematizações. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). Linguística Aplicada recente: Festschriff para Antonieta Celani. São Paulo: Parábola, 2013., p. 44).

Nesse sentido, utilizamos essa LA Crítica (e transgressiva) que tem como foco principal potencializar as produções das realidades sociais pela prática discursiva, com posição que viabiliza e entende as resistências, direitos e desigualdades (ou ainda as reexistências) dos grupos minoritários, no nosso caso, as mulheres encarceradas. Em uma visão mais ampla, Alaistair Pennycook concebe a LA como crítica (LAC) e a entende “como uma abordagem mutável e dinâmica para as questões da linguagem em contextos múltiplos”, isto é, compreendendo-a como um “conhecimento transgressivo”, no qual o modo de pensar e fazer é sempre problematizador, diferente da LA interdisciplinar, no qual as disciplinas continuam a ser vistas como estáticas ( PENNYCOOK, 2006PENNYCOOK, A. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006. p. 67-84., p. 67). Dessa feita, a LAC promove um novo complexo de questões e interesses, tais como “identidade, sexualidade, acesso, ética, desigualdade [...] que até então não tinham sido considerados como de interesse da LA” ( PENNYCOOK, 2006PENNYCOOK, A. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006. p. 67-84., p. 68, grifo nosso).

Assim, utilizamos na presente pesquisa a concepção de LA transgressiva e antidisciplinar que é discutida por Pennycook, visto que este trabalho perpassará os estudos da leitura como processo excludente e desigual, possibilitando que as mulheres encarceradas assumam as posições de sujeitos “que falam de posições marginalizadas” e que sofrem discriminação e desigualdades “em suas vidas como aprendizes de línguas” ( PENNYCOOK, 2006PENNYCOOK, A. Uma linguística aplicada transgressiva. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo da. (org.). Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006. p. 67-84., p. 69).

Quando mulheres encarceradas tornam-se leitoras críticas, elas rompem o silêncio que as “acorrentaram” por tanto tempo e, a partir disso, podem ressignificar suas vidas, que se tornam sujeitos ativos do seu dizer. Com isso, a educação como prática libertária, através da leitura, ecoa dentro das Unidades Prisionais e comprova que “discutir é um ato ontologicamente subversivo” e possibilita uma mudança de estado, já que as participantes colocam em cena questões sociais, políticas e culturais como forma de denúncia ( FERRAREZI JR., 2014FERRAREZI JR, C. Pedagogia do silenciamento: a escola brasileira e o ensino de língua materna. São Paulo: Parábola Editorial, 2014. 118 p., p. 25). Além disso, a consciência crítica das participantes é constituída no fluxo das relações dialógicas e isso quer dizer que elas precisam do outro para formar seus enunciados concretos. Portanto, os indivíduos são efeitos da alteridade ( VALADARES; LANGA, 2012VALADARES, F. B.; LANGA, M. Bakhtin e Linguística Aplicada: ações metodológicas na construção do ensino de língua portuguesa. PERcursos Linguísticos, v. 2, n. 6, p. 29-45, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufes.br/percursos/article/view/3423 . Acesso em: 19 dez. 2022.
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). Logo, o sujeito se posiciona axiologicamente e responsivamente através da linguagem de acordo com os aspectos sociais e concretos de uma determinada sociedade, em um determinado tempo.

Precisamente, “ser significa conviver [...]. Ser significa ser para o outro e, através dele, para si. O homem não tem território interior soberano; está todo sempre na fronteira, olhando para dentro de si ele olha o outro nos olhos ou com os olhos do outro” ( BAKHTIN, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 468 p., p. 341). Esse posicionamento de Bakhtin converge com a concepção de sujeito situado na LA, uma vez que para essa área do conhecimento, o homem é concebido como social e historicamente situado ( VALADARES; LANGA, 2012VALADARES, F. B.; LANGA, M. Bakhtin e Linguística Aplicada: ações metodológicas na construção do ensino de língua portuguesa. PERcursos Linguísticos, v. 2, n. 6, p. 29-45, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufes.br/percursos/article/view/3423 . Acesso em: 19 dez. 2022.
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).

Valadares e Langa (2012VALADARES, F. B.; LANGA, M. Bakhtin e Linguística Aplicada: ações metodológicas na construção do ensino de língua portuguesa. PERcursos Linguísticos, v. 2, n. 6, p. 29-45, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufes.br/percursos/article/view/3423 . Acesso em: 19 dez. 2022.
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, p. 32) são pontuais ao concluírem que o dialogismo “é condição para viver, é fundante do nosso ser no mundo e da nossa própria consciência, o que implica dizer que nossa consciência não é individual, mas sempre coletiva, povoada por várias vozes”. Enfim, a consciência dos sujeitos só se sedimenta quando impregnada de conteúdo ideológico (por isso axiológico), o que aflui na conclusão de que a língua advém da “boca” do outro e, assim sendo, cada indivíduo assume uma voz social ( VALADARES; LANGA, 2012VALADARES, F. B.; LANGA, M. Bakhtin e Linguística Aplicada: ações metodológicas na construção do ensino de língua portuguesa. PERcursos Linguísticos, v. 2, n. 6, p. 29-45, 2012. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufes.br/percursos/article/view/3423 . Acesso em: 19 dez. 2022.
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).

O outro é importante para o pensamento bakhtiniano, pois o interlocutor não é passivo, visto que ele percebe e compreende o significado do que foi dito e ocupa uma posição ativa e responsiva frente ao locutor ( MOLON; VIANNA, 2012MOLON, Newton Duarte; VIANNA, Rodolfo. O círculo de Bakhtin e a Linguística Aplicada. Bakhtiniana, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 142-165, 2012.). Por isso, “toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante” ( BAKHTIN, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 468 p., p. 271).

Portanto, o sujeito é social, histórico, cultural, ativo e político ( FREIRE, 2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.), além de ser formado a partir da linguagem enquanto interação dialógica ( MOREIRA; PULINO, 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019.). Para tanto, fica claro, através de Bakhtin (2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 468 p.) e Volóchinov (2018VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2018.), que o diálogo é produto histórico que contém uma marca cultural e social, visto que é arena de embates, lutas e diferenças que refletem os aspectos da interação social ( SCORSOLINI-COMIN, 2014SCORSOLINI-COMIN, Fabio. Diálogo e dialogismo em Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: contribuições para a educação à distância. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 30, n. 3, p. 245-265, 2014.). Assim,

[...] o diálogo, no sentido estrito da palavra, é somente uma das formas da interação discursiva, apesar de ser a mais importante. No entanto, o diálogo pode ser compreendido de modo mais amplo não apenas como a comunicação direta em voz alta entre pessoas face a face, mas como qualquer comunicação discursiva, independentemente do tipo ( VOLÓCHINOV, 2018VOLÓCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2018., p. 219).

A concepção de diálogo defendida pelos pesquisadores do Círculo converge com a proposição de Paulo Freire. Para o patrono da educação brasileira, o diálogo é a intersecção entre os sujeitos orientados pelo contexto social. Dessa forma, mesmo que “em cronotopias diferentes, Freire e Bakhtin em muito se emaranham, em pouco se estranham, e sempre produzem um efeito de sentido naquele(a) que se lança nos estudos da palavra e do mundo” ( ASSUNÇÃO; SOUZA, 2019ASSUNÇÃO, Emerson Tadeu Cotrim; SOUZA, Ester Maria de Figueiredo. Diálogos entre Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: a palavra ponte e a palavra mundo, face social de uso do signo. Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, v. 7, p. 286-300, 2019. , p. 295).

Nessa linha de pensamento, se ao se pronunciar, “chamar ao mundo, os homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial ( FREIRE, 1980FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação - uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1980., p. 82 -83). Freire (2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.) defende que o diálogo é parte constitutiva da natureza do sujeito, pois segundo o autor se o diálogo

[...] é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. [...]. É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro ( FREIRE, 2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019., p. 109).

Para os referidos pesquisadores, citados a seguir, os sujeitos são constituídos socialmente na e pela linguagem, materializada por meio do diálogo e interação. Na concepção freiriana e bakhtiniana,

[...] a palavra é síntese vivencial de experiências e trocas sociais de conhecimento, aprendizagens e experiências. A palavra é matéria ideológica para desconstruir verdades estabelecidas e proporcionar a formação pela liberdade, a palavra é um gesto de tomada de consciência ( ASSUNÇÃO; SOUZA, 2019ASSUNÇÃO, Emerson Tadeu Cotrim; SOUZA, Ester Maria de Figueiredo. Diálogos entre Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: a palavra ponte e a palavra mundo, face social de uso do signo. Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, v. 7, p. 286-300, 2019. , p. 297).

Diante disso, a tomada de consciência só ocorre porque o ser humano desenvolve-se dialogicamente, ou seja, a partir das relações otimizadas pelo diálogo (questionar e problematizar sua existência), o sujeito é capaz de tornar-se ativo, com uma consciência crítica ( MOREIRA; PULINO, 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019.). Dessa maneira, a concepção de diálogo em Freire e Bakhtin dá ênfase ao processo de autonomia, liberdade e tomada de decisão dos sujeitos, e implica, ainda, alteridade entre sujeitos participantes desse diálogo. Por fim, Bakhtin e Freire defendem o “acabamento discursivo do projeto de dizer como capacidade criadora do sujeito, um compromisso ético de permitir a entrada de diferentes enunciados que se revozeam na dialogia da criação literária, científica e cotidiana” ( ASSUNÇÃO; SOUZA, 2019ASSUNÇÃO, Emerson Tadeu Cotrim; SOUZA, Ester Maria de Figueiredo. Diálogos entre Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: a palavra ponte e a palavra mundo, face social de uso do signo. Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, v. 7, p. 286-300, 2019. , p. 298).

Vale frisar que Freire (2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.; 2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p.) constrói sua teoria de Educação Popular pautada em termos centrais, como: humanização, conscientização, democracia e emancipação. Assim, fica evidente a importância de discuti-los a partir da concepção de liberdade, visto que é essa palavra geradora que nos mobilizará para uma prática alinhada com a justiça social, combate às desigualdades e valorização e legitimação dos direitos ( FREIRE, 2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p.).

Freire (2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.) é claro ao pontuar que as ações da educação devem visar à autonomia e emancipação social a partir do diálogo, isto é, uma educação concebida a partir de um exercício do fazer com e para a população, evitando-se a lógica assistencialista governamental, que induz o pensamento de um fazer apenas para o povo, perpetuando uma opressão disfarçada de boa ação. Nesse sentido, “no assistencialismo não há responsabilidade. Não há decisão. Só há gestos que revelam passividade e ‘domesticação’ do homem” ( FREIRE, 2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p., p. 80).

O autor, que alicerça sua teoria, encorajando o ensino baseado na leitura crítica de mundo, enfatiza a lógica inclusiva, denunciando as desigualdades e injustiças sociais concebidas pela opressão ( FREIRE, 2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p.). Com efeito, a ideia de autonomia só tem significação quando inserida em um contexto no qual o povo busca sua libertação dessas situações, sendo imprescindível a elucidação das opressões sociais para que o sujeito tenha consciência e mobilize uma real transformação de sua condição ( MOREIRA; PULINO; 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019.). Por isso, “não se percebendo oprimido o ser vive uma liberdade aparente” ( MOREIRA; PULINO, 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019., p. 8).

Por certo, assumimos neste trabalho o conceito de liberdade em Freire (2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p.), na qual ela só é conquistada de forma coletiva e socialmente. Apesar de haver singularidades nas vivências de cada indivíduo, ser livre só se concretiza nas bases sociais. Isso posto, “a luta pela liberdade [e direitos] ou pela emancipação humana é, no fundo, a luta pela própria humanização ou pelo tornar-se humano, no sentido de que estamos, a todo tempo, nos constituindo, nos desenvolvendo ou nos tornando” ( MOREIRA; PULINO; 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019., p. 9).

Diante do exposto e trazendo para o nosso contexto de investigação, o pensamento de Simone de Beauvoir (2019BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo - a experiência vivida. Trad. Sérgio Millet. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019., p. 11), no qual “ninguém nasce mulher; torna-se mulher”, amolda-se às teorias discutidas anteriormente, pois não é o destino biológico que define a forma que assumimos na sociedade, mas o conjunto das ações históricas e sociais. E é justamente nesse contexto que corroboramos Vygotsky (2000VYGOTSKY, Lev. Manuscrito de 1929. Educação & Sociedade, Campinas, v. 21, n. 71, p. 21-44, 2000., p. 35), afirmando que “a personalidade é o conjunto de relações sociais. As funções psíquicas superiores criam-se no coletivo. [...] Personalidade como um participante do drama” e mais, “o drama realmente está repleto de luta interna [...]: a dinâmica da personalidade é o drama”.

Por consequência, “a luta pela liberdade anuncia, na realidade, a luta pelo fim de dadas condições humanas”, sendo “fundamental ressaltar que essa constituição social dramática, em inúmeros contextos históricos, envolve também a luta pelo reconhecimento da própria humanidade em sujeitos que foram considerados inferiores” como as mulheres ( MOREIRA; PULINO, 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019., p. 9). As autoras acrescentam que a violação dos direitos humanos começa justamente “pela descaracterização dos próprios humanos; por vezes, animalizado” ou coisificado como afirmado por Freire (2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p.).

Não obstante, Freire (2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p.) evidencia que uma das limitações de liberdade que contribuem para a domesticação da humanidade é a falta de diálogo, que culmina na impossibilidade de escolha, e por fim o silenciamento das vozes dos sujeitos. Com isso, o assistencialismo advindo do governo é fruto de uma sociedade fechada, na qual a educação não estimula o desenvolvimento de escolhas próprias e criticidade por parte dos sujeitos, promovendo o individualismo e, nesse caso, uma forma de ensino monológico (cf. Bakhtin, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 468 p.). Em contrapartida à essa “sociedade fechada”, Freire (2020) aduz a importância de uma “sociedade aberta”, em que a educação deve ser estudada como prática dialógica de transformação da realidade,

[...] daí a necessidade de uma educação corajosa, que enfrentasse a discussão com o homem comum, de seu direito àquela participação. De uma educação que levasse o homem a uma nova postura diante dos problemas de seu tempo e de seu espaço. A da intimidade com eles. A da pesquisa ao invés da mera, perigosa e enfadonha repetição de trechos e de afirmações desconectadas das suas condições mesmas de vida. A educação do “eu me maravilho” e não apenas do “eu fabrico” ( FREIRE, 2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p., p. 122).

Todavia, a conscientização é processo fundamental para que isso ocorra, de fato, e, para tanto, é preciso termos consciência ( MOREIRA; PULINO, 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019.). Essa, por sua vez, é uma dimensão que constitui a psíquica humana, isto é, ao passo que há o desenvolvimento da nossa própria consciência sobre determinados objetos, há o de nossa condição histórico-social. Assim, na mesma proporção que seu aperfeiçoamento pode emancipar, pode também ser suprimido nos moldes alienados de existência ( MOREIRA; PULINO, 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019.).

Então, quando as discussões sobre determinados assuntos sociais, como democracia, liberdade, desigualdade social, direitos e educação não satisfazem mais a população, elas buscas entender o porquê e reclamam por melhoras significativas que atinjam a todos de forma igualitária ( MOREIRA; PULINO, 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019.). Quando isso ocorre, por causa da tomada de consciência exercida pelos sujeitos (consciência das práxis), há uma transformação da “sociedade fechada” para a “sociedade aberta”. Ocorrendo uma evolução histórico-social que supera as ações sociais desprovidas de reflexão ( MOREIRA; PULINO, 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019.) e é, por isso, que Freire (2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p.) defende que a educação está intrinsecamente associada à política.

Certamente, a “educação mobiliza os sujeitos para a transformação de suas vidas concretas, do mundo. Nesse sentido, a educação não move apenas para a tomada de consciência, mas é, em si, um caminho de humanização, de conscientização” ( MOREIRA; PULINO, 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019., p. 13). E, consequentemente, a conscientização

[...] é a ação de sujeitos que se dispõem a irem além de seu próprio eu, que agem solidariamente, sem, contudo, se submeterem aos ufanismos de sua época. Sujeitos que refazem a si próprios constantemente e que lutam pela conquista de suas liberdades (...) ( MOREIRA; PULINO; 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019., p. 13).

O processo de emancipação em Freire (2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p.) é enfatizado a partir de um senso de responsabilidade conjunto, para que isso seja imprescindível a uma ação social e política no mundo ( MOREIRA; PULINO; 2019MOREIRA, Andressa Urtiga; PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Liberdade é conquista social? Freire e Vigotski na perspectiva da educação em direitos humanos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e226278, 2019.). Assim, é provável que, nesse movimento de conscientização dentro de uma sociedade fechada, e para que ocorra a manutenção da alienação, seja perpetuada a ideia de “perigosa subversão” e “lavagem cerebral”, “na medida em que deixam em cada homem a sombra da opressão que o esmaga” ( FREIRE, 2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p., p. 53). Nesse ínterim, “expulsar esta sombra pela conscientização é uma das fundamentais tarefas de uma educação realmente libertadora e por isso respeitadora do homem como pessoa” ( FREIRE, 2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p., p. 53).

Por fim, partindo dos pressupostos de que a organização de toda expressão nasce do exterior, no qual o sujeito se insere (meio social) e de que todos os campos da atividade humana se ligam ao uso da linguagem ( BAKHTIN, 2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 468 p.), analisar as relações dialógicas dentro de um Presídio Feminino é de suma importância, já que colocamos em cena problemas sociais mais amplos, marcados pela linguagem e na linguagem, como desigualdade social, relações de poder, machismo, silenciamento dentre outros. Além disso, ao constatarmos que as reeducandas têm seu primeiro contato com uma educação emancipadora dentro da Unidade Prisional, podemos afirmar que fora elas não foram inseridas em práticas sociais que possibilitassem uma construção responsiva de sentidos, ou seja, foram silenciadas pelo sistema educacional bancário.

Prática de leitura dialógica em contextos sociais

Nossas reflexões sobre práticas de letramentos, especificamente de leitura, de mulheres encarceradas são embasadas a partir de seus direitos, que são vilipendiados, visto que há muitas desigualdades sociais que as circundam. Apesar de estarem inseridas em práticas de leitura, são aprisionadas e “silenciadas” diariamente. Inferimos, a partir dos relatos das participantes e de nossas observações, uma quase ausência de pesquisas dentro do cárcere feminino e poucas políticas públicas que são destinadas a este contexto, ou seja, abandono do Estado em relação à educação delas. À vista disso, devemos fazer um breve apanhado sobre o território prisional, que foi denominado por Foucault (2012FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 223) como uma instituição austera que preexiste ao sistema de leis penais.

Segundo Foucault (2012FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2012), o cárcere tem como justificativa a “humanização”, mas está longe de reeducar, mostrando um cenário de desigualdades e mazelas. Segundo o referido pesquisador, é um lugar que serve para intensificar a criminalidade, na maioria das vezes. Isso ocorre porque ao tornar a detenção uma pena por excelência, ou seja, privar a liberdade do sujeito, ela inicia processos de dominação característicos de uma justiça que se diz igualitária, “mas que é investid[a] pelas assimetrias das sujeições disciplinares” ( FOUCAULT, 2012FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 224). Ainda para o autor, “conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa, quando não inútil. E, entretanto, não “vemos” o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão” ( FOUCAULT, 2012FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 224).

A partir dessa afirmação, entendemos que apesar de não podermos substituir a prisão, devemos torná-la mais humanitária e passível de transformação. Nesse sentido, reconhecer uma educação pautada nos princípios bakhtinianos (dialógica) e freirianos (emancipatória) é o ponto de partida, uma possibilidade para evitarmos a reincidência, as desigualdades sociais, e transformarmos o mundo dessas mulheres que se encontram em situações de opressão e desigualdade social.

Então, Foucault (2012FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 230) aduz que o principal instrumento de coerção presente na prisão é o isolamento, visto que “[...] garante que se possa exercer sobre eles [condenados], com o máximo de intensidade, um poder que não será abalado por nenhuma outra influência; a solidão é a condição primeira da submissão total”. Ou seja, isolar produz solidão, que é uma forma de opressão dos detentos e “[...] assegura o encontro do detento a sós com o poder que se exerce sobre ele”. Por isso, podemos, por analogia, compreender que impedir a educação prisional, ou até mesmo exercê-la sob a forma da concepção bancária ( FREIRE, 2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.), é uma maneira de isolamento e submissão, além de evidenciar o apagamento dos direitos sociais desses indivíduos.

Nesse contexto, a educação no ambiente carcerário é vista como uma forma de “inserção do indivíduo na sociedade, promovendo conscientização e transformação de sua condição atual e para quando adquirir sua liberdade” ( SCARIOT, 2013SCARIOT, Luciana Ferreira da Silva Moraes. Práticas de leitura, escrita e letramento na penitenciária feminina de Cuiabá-MT: a visão da professora e suas alunas. 2013. 208 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Letras, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2013., p. 43). Ainda, essa educação precisa ser assumida e garantida a partir de um viés democrático e político e comprometida com a realidade social. Ao adentrarmos o mundo da pesquisa acadêmica na área da Linguagem, especificamente na Linguística Aplicada, o que perpetua são os estudos e análises da língua em contextos escolares (escolas, universidades, centros de ensino, etc.) ou, em alguns casos, no contexto de formação profissional. Isso demonstra que há uma busca constante por melhorias no sistema educacional, visto que acreditarmos na mudança e melhoramento da base do aprendizado, poderemos formar cidadãos capacitados em diversas áreas da vida adulta.

Todavia, ao passo em que os estudos nessas esferas sociais crescem, os trabalhos em outras esferas ficam marginalizados, como o contexto penitenciário, evidenciando uma marca de desigualdade social. Por isso, entendemos que os estudos devem concentrar-se em letramentos, no plural, que englobem todas as práticas sociais de uso da leitura e escrita, sem estigmatizar nenhum ambiente. Para tanto, devemos entender os letramentos como algo para além da alfabetização (aquisição mecânica do sistema alfabético), sendo estes um processo, uma condição de quem interage com diferentes práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita, com diferentes gêneros do discurso, com as diferentes funções que a escrita e a leitura desempenham em nossas vidas.

Segundo Kleiman (2002KLEIMAN, Angela Del Carmem Bustos Romero de. Oficina de leitura - teoria e prática. 9. ed. Campinas: Pontes Editores, 2002.) o ensino e aprendizagem da leitura utilizada nos primeiros anos escolares, e durante toda a vida acadêmica dos alunos, é aquela que tem como escopo a concepção dominante, isto é, leva em consideração apenas a leitura como mecanismo de decifração e decodificação de signos linguísticos. Com isso, surge uma das inquietações dos professores e pesquisadores da área de linguagens, especificamente nosso trabalho, que perdura há tempos: o porquê de os alunos não lerem e, talvez, o porquê de não gostarem de ler.

A princípio, a atividade de leitura dentro da sala de aula torna-se algo pesaroso, uma vez que o ato de ler um texto está, na sua maioria, dissociado do contexto em que tal texto se insere e busca, como principal objetivo, a “leitura gramatical” que “é aquela em que o professor utiliza o texto para desenvolver uma série de atividades gramaticais” ( KLEIMAN, 2002KLEIMAN, Angela Del Carmem Bustos Romero de. Oficina de leitura - teoria e prática. 9. ed. Campinas: Pontes Editores, 2002., p. 17). Em consonância a isso, continua Kleiman (2002KLEIMAN, Angela Del Carmem Bustos Romero de. Oficina de leitura - teoria e prática. 9. ed. Campinas: Pontes Editores, 2002., p. 16): “Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual não consegue extrair o sentido. Essa é uma boa caracterização da tarefa de ler em sala de aula: para uma grande maioria dos alunos ela é difícil demais, justamente porque ela não faz sentido”.

Ademais, além desse quadro social em relação às condições de leitura, a formação de leitores e suas produções de leitura não são melhores, uma vez que essas práticas são impostas e o significado do texto é apenas um, e geralmente está ligado ao comentário do professor, que é “o leitor privilegiado”. Enfim, “como esperar leituras significativas, produções de significados, construção de ‘história de leitores’, sujeitos ‘autores’ de suas leituras em tais condições?” ( GERALDI, 1988GERALDI, João Wanderley. A leitura e suas múltiplas faces. Revista ideias, São Paulo v. 5, p. 79-84, 1988., p. 82-83).

Assim, neste trabalho, seguiremos o entendimento de que a leitura deve ser concebida sob uma concepção dialógica, na qual sua aprendizagem é construída na interação dos sujeitos, isto é, “na prática comunicativa em pequenos grupos”, levando-se sempre em consideração a “leitura com compreensão” e o contexto de cada aluno. Dessa forma, a perspectiva de leitura, a qual defendemos, é a que é entendida como prática social ( KLEIMAN, 2002KLEIMAN, Angela Del Carmem Bustos Romero de. Oficina de leitura - teoria e prática. 9. ed. Campinas: Pontes Editores, 2002., p. 10).

Ao pensarmos no ensino de leitura pautado na dialogicidade entre sujeitos em um grupo, nos remetemos ao Pensar Alto em Grupo (PAG), como uma atividade “dialógica e colaborativa, útil” ( ZANOTTO, 2014ZANOTTO, Mara Sophia. A construção de uma prática de letramento para o ensino e pesquisa de leitura da ‘metáfora’ em textos literários. In: LIMA, Aldo. (org.). A propósito da metáfora. Recife: UFPE; Cátedra Unesco de Leitura; PUC-Rio, 2014. p. 193-241., p. 197). O PAG é uma prática de letramento, situada numa concepção de linguagem dialógica, pois entende a linguagem como fenômeno social e mediadora das relações sociais estabelecida entre mundo-sujeito. Essa prática se baseia na leitura em grupo, na qual os participantes compartilham sua experiência a respeito do texto, construindo sentidos a partir da interação social e dialógica ( BATISTA-SANTOS, 2018BATISTA-SANTOS, D. O. Prática dialógica de leitura na universidade: uma contribuição para a formação do leitor responsivo e do professor letrador. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2018. p 248.). Logo, Batista-Santos (2018BATISTA-SANTOS, D. O. Prática dialógica de leitura na universidade: uma contribuição para a formação do leitor responsivo e do professor letrador. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2018. p 248., p. 63) afirma que é

[...] crucial determinar que a interação com o outro, face a face, durante os eventos de leitura, contribui para produção de múltiplos sentidos num processo de coconstrução, uma vez que a compreensão da linguagem é realizada em contextos reais e situados.

Por isso, a leitura deve ser aprendida, a princípio, como um processo colaborativo de trocas e (re)significações que partem da interação entre indivíduos, na qual as associações ocorrem de forma livre, permitindo que o sujeito “tenha voz e seja construtor ativo e responsivo dos sentidos nas atividades de leitura” ( BATISTA-SANTOS, 2018BATISTA-SANTOS, D. O. Prática dialógica de leitura na universidade: uma contribuição para a formação do leitor responsivo e do professor letrador. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2018. p 248., p. 63).

Portanto, o PAG segue a concepção dialógica de linguagem e se torna de suma importância na construção de uma educação emancipadora que possibilite a formação de sujeitos leitores, pois à “medida em que os sujeitos vão interagindo por meio da linguagem, exteriorizando suas ideias, seus posicionamentos e coconstruindo sentidos por meio do discurso do outro” ( BATISTA-SANTOS, 2018BATISTA-SANTOS, D. O. Prática dialógica de leitura na universidade: uma contribuição para a formação do leitor responsivo e do professor letrador. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2018. p 248., p. 65).

Não obstante, faz-se necessário tornar claro que nos respaldamos no projeto teórico-metodológico do PAG, conforme será demonstrado em nossos dados, visto que muitos podem associá-lo à concepção do Pensar Alto Individual, que é uma técnica “realizada individualmente, sem a participação ou a intervenção do pesquisador, salvo quando fosse para lembrar o leitor, em caso de silêncio, de que deveria expressar, em voz alta, o que pensava” ( BATISTA-SANTOS, 2018BATISTA-SANTOS, D. O. Prática dialógica de leitura na universidade: uma contribuição para a formação do leitor responsivo e do professor letrador. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2018. p 248., p. 62). Evidenciamos tal ancoragem, pois nos inspiramos no PAG ao considerarmos o nosso contexto de investigação.

Assim sendo, o PAG é realizado em duas etapas. A primeira é pautada pela distribuição do texto para que os participantes façam uma leitura silenciosa e individual, e, nesse momento, ocorre uma relação texto-autor-leitor ( BATISTA-SANTOS, 2018BATISTA-SANTOS, D. O. Prática dialógica de leitura na universidade: uma contribuição para a formação do leitor responsivo e do professor letrador. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2018. p 248.). Em seguida, na segunda etapa, ocorre a construção e reconstrução de sentido de forma colaborativa entre os participantes, pois:

[...] os sujeitos leitores têm oportunidade de expor sua compreensão, ou seja, eles colocarão em cena suas vozes e expressarão às subjetividades, com o propósito de compartilharem as múltiplas leituras, sem receio de interferências e julgamentos apreciativos, ou concepções de certo e errado por parte daquele que medeia a prática [...] ( BATISTA-SANTOS, 2018BATISTA-SANTOS, D. O. Prática dialógica de leitura na universidade: uma contribuição para a formação do leitor responsivo e do professor letrador. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2018. p 248., p. 64).

Nesse contexto, compreendemos que o PAG, como instrumento democrático e social, potencializa as reeducandas a assumirem-se leitoras críticas. Em consonância, frisa-se que a leitura é possibilitadora e produtora de dois tipos de situações que tornam o indivíduo leitor ativo. O primeiro é referente à construção desse sujeito como leitor a partir da produção de significação que surge do ato de ler, e o segundo é quando as leituras prévias desse sujeito, “[...] sua história de leitor, estão presentes como condição de seu trabalho de leitura e esse trabalho o constitui leitor e assim sucessivamente” ( GERALDI, 1988GERALDI, João Wanderley. A leitura e suas múltiplas faces. Revista ideias, São Paulo v. 5, p. 79-84, 1988., p. 80).

Vivência social de leitura por meio do texto A Moça tecelã

Fizemos a vivência de leitura a partir de um texto previamente selecionado e que contemplasse temática atual, por meio da adaptação ou inspiração (já que a vivência não ocorreu face a face) à prática de letramento denominada Pensar Alto em Grupo. O PAG, segundo Zanotto (2007ZANOTTO, Mara Sophia. Modelos culturais e indeterminação metafórica. Revista Organon, Porto Alegre, v. 21, n. 43, p. 97-118, 2007., p. 102) é “uma prática social de leitura, na qual os leitores, numa interação face a face, partilham, negociam, constroem e avaliam os diferentes sentidos. Em outras palavras, eles socializam os diferentes sentidos”.

Dessa maneira, a vivência ocorreu de forma individual, em sala reservada na Unidade Prisional Feminina, e teve duração de 20 a 40 minutos por participante. A referida instituição contém em torno de 54 a 62 mulheres, mas tem capacidade máxima para 40 reeducandas. Todavia, não podemos saber exatamente quais são presas provisórias (aquela na qual o sujeito ainda não teve seu processo finalizado) e quais são presas definitivas (aquela em que o preso foi condenado em sentença irrecorrível), visto que esses dados são mantidos em segredo de justiça. Assim, optamos por trabalhar com as mulheres que já participam do projeto de Remição de Pena pela Leitura (RPL), que se caracteriza pelo desconto de pena a partir da leitura e resenha de livros, sendo que cada livro absolve a pena em quatro dias. Com isso, a reeducanda tem a possibilidade de remir até 48 dias de pena, no prazo de 12 meses, após ler 12 livros. Assim, cinco reeducandas participaram desta pesquisa, com faixa etária entre 20 a 55 anos.

Das mulheres participantes de nossa pesquisa, apenas uma terminou o ensino médio fora do presídio, e ela é a única que vem de uma família de classe média alta, além de ser branca e não ter filhos. Das demais, três são negras, nenhuma terminou o ensino fundamental e todas têm filhos. Esses dados apenas confirmam fatos de desigualdade social que assolam o nosso país.

Optamos por usar codinomes para citar as falas transcritas da vivência de leitura e como forma de garantir anonimato, conforme aprovação do Comitê de Ética. Escolhemos utilizar nomes de mulheres como forma de legitimar as lutas pelos direitos do gênero feminino e/ou desigualdades sociais, visto que este trabalho busca dar voz às mulheres por meio da leitura, quais sejam: Angela, Simone, Rose, Bertha e Djamila. Vale acrescentar que em vários momentos tivemos problemas de conexão com a internet, gerando interrupções nos diálogos. Porquanto, por ser de forma online, por ter apenas um celular disponível na Unidade Prisional e para evitar aglomerações com as agentes, não houve uma alternativa, a não ser a adaptação à chamada de vídeo.

A análise dos dados apoiou-se em uma perspectiva interpretativista de pesquisa. Assim, fizemos uma leitura cuidadosa dos dados, com o objetivo de selecionar excertos significativos que atendiam ao objetivo norteador deste artigo. Para delimitar nossa análise, partimos do tema a Educação como prática emancipadora, com o fito de entender se as mulheres encarceradas compreendem a leitura como uma forma que possibilite uma educação libertadora em contraposição à educação bancária aduzida por Freire (2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.).

Dito isso, apresentamos a seguir as análises (que forma transcritas literalmente) e discussões dos dados referentes a uma vivência, a partir de excertos retirados da leitura do texto de Marina Colasanti, A Moça tecelã (1991COLASANTI, Marina. A moça tecelã. In: Contos brasileiros contemporâneos. São Paulo: Moderna,1991.), sendo um recorte de uma pesquisa mais ampla, A leitura dialógica em contexto penitenciário: vozes femininas que ecoam responsivamente na construção de sentidos. Nesse intento, partiremos da compreensão da interpretação responsiva das mulheres encarceradas. Para tanto, tomemos o excerto 01.

Excerto 1

Angela: Muito LINdo parabéns... muito lindo muito lindo... no começo é meio confuso mas no final sempre no final da história tem a moral da história achei muito legal... muito legal... como sempre minha amiga LEU... minhas amigas LEram... acharam confuso mas não se arriscaram em comentar... porque elas disse que ficaram confusa... aí eu vou comentar pra senhora... o que que eu::... eu achei que eu comentei com ela... "a moça tecelã... ela::... gostava muito de testar... testava as cores LINdas que ela via no começo do dia... que era os sentimentos dela claro... quando ela começou a tecer tecidos escuros... que foi aparecendo no pensamento dela outros pensamentos que ela foi colocando outros tipos de tom no tecelã dela... foi quando ela pensou que esTAva sozinha... e nesse esTAR dela sozinha ela começou a tecer... o tal amor o tal homem que chegou na sua vida invadindo… tecendo esse homem… esse homem passou a imPOR nela o que ela deveria tecer... ela não estava tecendo mais pensando a favor da ela aos sentidos dela… quando ela se deu conta ela já tava infeliz ela não tava tecendo pela felicidade e sim pela vontade do… do tal homem amado... e quando ela se deu conta disso antes que já fosse tarde... ela acorDOu assim de madrugada e fez enquanto é tempo antes dele acordar então quando ele acordou já tava desfeito então não tinha como ele reclamar e mandar ela mais outras coisas... então antes dele fazer Isso impondo nela a infeliciDAde ela desfez tudo e começou a colocar as cores que ela queria… então ela se viu novamente na casa simples no simples porque... a felicidade da gente... não tá nos bens materiais... não tá no que o outro exige… está dentro da gente… se a gente não está feliz com a gente própria... a gente não pode ser feliz entendeu? aí as meninas “é isso mesmo você falando fica mais fácil” aí eu “tá bom eu vou falar pra ela” aí elas mandaram um BEijo…

A reeducanda Angela ao comentar sobre o conto faz uma revelação interessante ao comparar os sentimentos da Moça tecelã às cores, o que nos remete aos ensinamentos da semiótica, pois a cor é uma linguagem que transmite significados. Assim, sua interpretação corresponde à oposição de sentidos, ou melhor antonímia, de claro/escuro e de felicidade/tristeza, ou seja, aos sentimentos da personagem.

Então, podemos inferir duas situações distintas nessa análise feita pela reeducanda. A primeira está ligada aos sentidos da Moça tecelã, que sempre tece cores claras, indicando que está feliz, mas, em um determinado momento, ela começa a tecer cores escuras, exteriorizando um sentimento de tristeza. E é justamente nesse momento que essa emoção é justificada, pois “ foi quando ela pensou que esTAva sozinha... e nesse esTAR dela sozinha ela começou a tecer... o tal amor o tal homem”.

Portanto, Angela infere que a solidão é uma lacuna na qual necessita de um preenchimento, que é o amor do homem. Diante disso, ela construiu uma leitura que corrobora o que é difundido diariamente em nossa sociedade patriarcal, de que para a mulher ser feliz ela precisa da companhia e do amor de um homem, pois somente isso a completará.

Em um segundo momento, há a presença de uma metáfora ao trabalho feminino, pois a tecelagem foi um serviço considerado como forma de inserção da mulher na sociedade, até a criação do tear mecânico. Ainda, a fala da participante transparece a condição de liberdade e inserção social que a mulher representa na sociedade, pois tecer é sua ocupação, o que a edifica, e ninguém pode tirar dela, fazendo uma alusão a todos os trabalhos hodiernos no qual as mulheres atuam. Ainda, na fala da reeducanda, inferimos a questão da desigualdade social demarcada na relação de oposição e poder Homem X Mulher na sociedade (“ esse homem passou a imPOR nela o que ela deveria tecer…”).

Excerto 2

Bertha: Que reflexão eu tirei disso? que::... ontem mesmo eu tava conversando com a minha amiga né? nós tava lá aí eu entrei fui tomar banho… aí peguei e falei assim pra ela "nossa eu tenho muito medo de sair daqui e me apaixonar de novo" porque a gente no decorrer de todo esse tempo né? tive muitas decepções... aí aqui no texto... eu vi que tipo ela era apaixonada por ele né? só que aí ele foi tipo::: ela que fez o castelo lá sozinha e ele tava tipo abusando dela queria que ela se quiser se as coisas sozinha… aí tipo ele tava muito abusando dela queria que ela fizesse as coisas lá sozinha e ele lá dormindo… aí eu tirei essa reflexão daqui... aí que aumentou mais ainda o meu medo...

Assim, ao dizer “ aí aqui no texto... eu vi que tipo ela era apaixonada por ele né? só que aí ele foi tipo::: ela que fez o castelo lá sozinha e ele tava tipo abusando dela queria que ela se quiser se as coisas sozinha…”, notamos que ela interpreta que a protagonista tecia as vontades do homem por força de um abuso psicológico, visto que no conto, a Moça tecelã é subserviente aos caprichos do marido, o que reflete a nossa sociedade. Além disso, a reeducanda demonstra, através do enunciado “ aí eu tirei essa reflexão daqui... aí que aumentou mais ainda o meu medo…”, que seu medo advém de abusos pregressos, pois ela não se sente confortável para se apaixonar novamente. Logo, seu pensamento sobre “apaixonar-se” está pautado em uma concepção ligada à violência psicológica e de submissão, como se todos os homens fossem iguais e que ela, como mulher, não é capaz de encontrar uma pessoa que a ame sem cobranças.

Esse trecho é envolto por uma “ferida” que perdura em várias mulheres por séculos, na qual o medo constante de sermos enganadas por nossos companheiros, o temor do abandono e da solidão e a insegurança que nos é ensinada e que aceitamos, é confirmado constantemente. Isso porque, simplesmente, muitas vezes não nos foi permitido termos nossa voz legitimada para discordarmos sobre as atitudes machistas, ou apenas pela falta de informação sobre esse problema social. Assim, o que a Moça tecelã faz ao desmanchar o homem não é um atentado a finais felizes, é uma atitude de amor-próprio e de reconhecimento e consciência sobre a luta feminina por emancipação e equidade.

Excerto 3

Mediadora: É... sobre:: a questão do marido... que que cê acha assim desse marido? cê acha que isso acontece na vida real? como que é?

Angela: Acho que mais uma vez eu me identifiquei com a história.. tipo eu no começo tava um mar de rosas como na história tava mar de rosa... do meio pro fim eu fui ver que eu não tava me amando eu tava amando próximo... e o próximo não tava me amando... porque o próximo tava exigindo de mim o que ele não me DAva... ele queria me colocar num palácio sem amor não adianta uma pessoa tá no palácio... ter tudo e não ter amor... não ser recíproco entendeu? mas... então eu me vi nessa situação mais uma vez… ih:: como ela eu acordei de imediato... porque infelizmente tem muitos... a gente pode levar pro lado de que?... de feminicídio... muitas pessoas não acorda pra vida… o bastante… o rápido antes que aconteça o lado obscuro que leva ela pro lado sombrio antes que ela não possa tecer cores claras na vida dela…. porque sim a gente pode ser feliz... e ter felicidade... sozinha… porque a felicidade vem de dentro...

Mediadora: Aí você se libertou desse:: relacionamento?

Angela: Sim me libertei fui como a moça da tecelã subi no telhado antes dele acordar e quando ele acordou já era tarde demais eu já tinha desfeito ele da minha vida descartado... porque não é um homem do qual você deseja do qual você espera de tal aparência se ele vim só com os sentimentos dele próprio... te dá sentimentos sem ter reciprocidade... retribuir o que você tem pra ele... a gente fica sobrecarregada a infelicidade cobre a gente totalmente... isso acontece muito no cotidiano tem muitas tecelãs assim... em vez de tecer a história delas em vez de tecer o arco-íris colorido dela... em vez de tecer... uma história pra elas… elas tão vivendo submissas aos querer das pessoas entendeu? é isso que eu penso…

Mediadora: Você esteve num relacionamento:: abusivo?

Angela: Sim o meu relacionamento foi muito abusivo e constrangedor...

Mediadora: E você éh:: se libertou?

Angela: Me libertei Graças a Deus...

Mediadora: E hoje? pra você entrar num novo relacionamento o que cê pensa?

Angela: Ah eu penso em mim primeiro...

Neste trecho há um envolvimento significativo da leitora, já que ela faz uma reflexão íntima. Esse processo de compreensão é dialógico e vai além do texto, conforme Bakhtin (2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 468 p.), pois a leitura possibilitou a interação dela com outro contexto e gerou uma interpretação responsivamente ativa. Ademais, ao retratar que já passou por uma situação parecida com a da protagonista do conto, ela se torna crítica, uma vez que consegue analisar a sua história de vida e ressignificá-la, libertando-se das “amarras sociais” de que é melhor ter alguém como namorado/amigo do que estar “sozinha”.

Nesse sentido, Angela enuncia que se libertou, já que ela demonstrava características da moça tecelã. Novamente confirmando que foi capaz de compreender a situação em que estava inserida ( “o meu relacionamento foi muito abusivo e constrangedor…”). Uma realidade na qual amava o outro e esquecia de se amar, o que a fazia se sujeitar às predisposições do companheiro. Mas, ela conseguiu sair desse relacionamento abusivo, “ Me libertei Graças a Deus…”. O posicionamento de Angela dialoga com o que Freire (1982FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.) chama de consciência crítica, pois segundo ele, essa consciência é “[...] a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica. Nas suas correlações causais e circunstanciais” ( FREIRE, 1982FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982., p. 138).

Ainda, nessa consciência crítica, ela levanta uma discussão de extrema importância quando fala sobre a questão do feminicídio. A partir do momento que ela traz à tona esse tema, feminicídio, podemos perceber que a leitura possibilitou uma análise criteriosa sobre o papel da mulher na sociedade e as desigualdades que são enfrentadas diariamente por nós, demonstrando que entende o contexto opressor extenuado pelo machismo e pelo patriarcado.

Ao utilizar a palavra “acordar”, podemos inferir o que está presente na teoria de Paulo Freire (2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.; 2020FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 46. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2020. 189 p.), ou seja, não “[...] haveria oprimidos, se não houvesse uma relação de violência que os conforma como violentados, numa situação objetiva de opressão” ( FREIRE, 2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019., p. 23). O sujeito sai de uma situação de opressão, quando tem consciência sobre sua situação de oprimido e responde criticamente a ela. Isso ocorre com as mulheres que entendem a situação de abuso, submissão e opressão advinda de atitudes dos homens e não as aceitam mais, deslocando-se de oprimidas para livres e ativas na luta contra o machismo, isto é, estavam “dormindo” (oprimidas) e “acordaram” (emancipadas).

Ainda, a reeducanda compreende que ser tecelã é ser uma mulher que conquista muita coisa com seu próprio trabalho, mas muitas vezes elas estão ligadas às vontades dos homens e buscam corresponder às suas expectativas. Logo, sua fala é perpassada pela alteridade bakhtiniana, pois ela reconhece os obstáculos enfrentados por outras mulheres, e por ela mesma, o que faz com que seu conhecimento seja construído a partir dessas ressignificações advindas da interação social, transformando as suas práxis e voltando, verbalmente, para outras mulheres. Ela promove deslocamento, para pensar a partir do lugar do outro, e se posiciona criticamente. Vemos esse processo no excerto a seguir.

Excerto 4

Angela: É porque o::: o tema é muito legal no começo eu comecei a ler fiquei sem entender… meu Deus esse foi difícil mas não foi difícil… eu só me coloquei no lugar da tecelã… a tecelã virou a Karoline entendeu? e aí eu concluí a história e concluí com as colegas… as colegas ficou com receio com medo de comentar comigo… quando eu comentei “é isso mesmo é isso mesmo que eu entendi só que com você falando fica muito mais…” e aí elas “você vai carregar isso?” e eu “sim vou carregar todos… todos os papéis que eu tenho guardado pra mim carregar”...

Aqui também ressoa a alteridade (pensar a partir do lugar do outro), pois a reeducanda Angela diz que “ eu só me coloquei no lugar da tecelã… a tecelã virou a Karoline entendeu? e aí eu concluí a história e concluí com as colegas…”. Logo, em um primeiro momento ela se coloca no lugar da personagem do conto, o que transforma o seu pensar, e, após, ela emite sua opinião para outras mulheres, o que transforma a consciência delas . Ademais, outro ponto interessante é quando Angela acrescenta “aí elas ‘você vai carregar isso?’ e eu ‘sim vou carregar todos… todos os papéis que eu tenho guardado pra mim carregar’...”, o que traduz um movimento reflexivo que não irá parar, dado que ela carregará esses ensinamentos e, provavelmente, irá enunciá-los para outros sujeitos. Dessa forma, o posicionamento da participante Angela “ultrapassa o nível da tomada de consciência através da análise crítica, isto é, do desvelamento das razões de ser desta situação, para constituir-se em ação transformadora desta realidade” ( GADOTTI, 1996GADOTTI, Moacir. A voz do biógrafo brasileiro: a prática à altura do sonho. In: GADOTTI, Moacir. (org.). Paulo Freire: uma bibliografia. São Paulo: Cortez, 1996., p. 81).

Excerto 5

Rose: Sim ainda mais pela questão assim do envolvimento né? porque na maioria desses contos assim de prinCEsa... sempre tem aquela batalha primeiro né? a gente enfrenta algumas coisas pra depois vir o final feliz e já no caso dela primeiro é... se antecipou como se fosse o final dela mas ela não quis e procurou viver sozinha... muita gente pensa que a gente tem que ter um PRÍNcipe encanTAdo aquela coisa... mas é como eu falei é TUdo na hora certa... porque muita gente hoje em dia… hoje em dia a gente... tipo assim encara muito essa questão do feminicídio dos homens batendo nas mulheres éh: maltratando a mulher... então muita mulher não tem a coragem de abrir mão daquilo porque fica pensando nos filhos fica pensando na família “ah que que vão aCHAR”... então ela teve o posicionamento dela “não não quero isso pra mim eu prefiro viver só... continuar a tecer que eu tô sendo feliz”...

Em relação ao feminicídio, observamos uma recorrência encontrada também na fala de Rose, demonstrando que a construção surgiu a partir de um já dito (presente no texto), mas possibilitou também outras leituras. Isto é, essa prática de leitura é vista através da perspectiva de vozes que dialogam entre texto, autor, participantes e as vozes do contexto social no qual elas estão inseridas, perpetuando o que foi dito por Bakhtin (2011BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. 468 p.), no qual a construção do sujeito-leitor é efetivada através da interação. Então, Rose, na interação verbal com o texto e seu contexto, transforma e foi transformada.

Assim, a participante projeta o posicionamento no qual a concepção patriarcal está imbricada nas escolhas de vida das mulheres, que por vezes se mantêm em relacionamentos abusivos em virtude dos filhos, pois acreditam ser melhor criá-los com a presença de um homem. Por outro lado, percebemos também um retrato feito inconscientemente da projeção de um homem que persegue a mulher, tendo como consequência ações como violência doméstica e feminicídio.

Quando Rose afirma, em seguida, “ então ela teve o posicionamento dela ‘não não quero isso pra mim eu prefiro viver só... continuar a tecer que eu tô sendo feliz’...”, é confirmada uma leitura crítica e reflexiva que permitiu uma interpretação a partir das entrelinhas do texto, pois inferimos que a protagonista escolheu sua própria vida a ser infeliz ao lado de um homem opressor, e por isso ela continuou o trabalho de tecer que tanto amava.

Excerto 6

Mediadora: Você acha que esse conto da Moça tecelã… ele é diferente dos contos de fada clássicos?

Angela: Um pouco porque nos contos de Cinderela... da Bela e a Fera sempre têm um final feliz que:: é o casal... mas ela terminou feliz tem a felicidade dela também... não por causa do casal mais por causa da felicidade dela própria... a felicidade dela própria ela queria simplesmente ser feliz como todas as princesas das histórias entendeu? então tem muita... muito a ver as duas histórias... a única diferença da história é que o moço não queria ela bem como o moço da Cinderela da Bela e a Fera não amava... verdadeiramente como os príncipes dos nossos contos clássicos...

Nesse caso, acreditamos que, embora Angela não mencione que há uma ideologia dominante que perpassa nossa sociedade, em que é necessário termos um “príncipe encantado”, ela enuncia essa concepção patriarcal . Em outros termos, aparentemente, para ser feliz basta ser amada e ter o amor correspondido pelo homem, o que o torna um príncipe encantado. Mas se esquece de que isso torna a mulher responsável pelo fracasso ou não do casamento e da criação dos filhos, dado que ela já recebe a contrapartida do amor do companheiro. Angela também expõe esse pensamento machista que conduz muitos relacionamentos, quer dizer, ela infere que mulheres que sentem ciúmes podem deixar os homens desconfortáveis e causar a ruína da relação.

Excerto 7

Simone: Primeira vez… sobre o negócio da águia eu já tinha ouvido falar na escola que a minha outra amiga quando se formo -- ela já foi embora né? -- a [...] ela já tinha falado sobre isso da águia pra gente mas aí eu nem me importei… não tinha nada a ver comigo né? aí só agora que veio pra mim… que vi o quanto é importante e eu li hoje sobre a personagem né? que a moça ela tecia… vivia de tecer… aí um dia ela se sentiu sozinha e achou que ela deveria ter alguém uma companhia né? deveria ter um marido e esse marido que ela arrumou ele não queria ela ele queria as coisas que vinham dela né? sempre pedindo alguma coisa a mais alguma coisa a mais e ela pra fazer as vontades dele fazia... um belo dia ela acordou e pensou que estava errado... que ela deveria ficar sozinha… era bem melhor ela ficar sozinha do que com ele... porque ele não trazia benefício nenhum pra ela todos os benefícios vinham dela… quando ela estava com fome ela fazia um peixe né? ela tecia o peixe... quando ela estava com sede ela tecia a lã que produzia o leite… então ela não precisava dele ela precisava ser sozinha... aí eu vi que nós pessoas não precisa enfiar os pés pelas mãos pra poder pra querer ter as coisas... tem que esperar a hora certa porque sempre nós vamos ter as coisas... por isso por nossas mal escolha por nós ter agido errado que também veio parar num lugar desse achando que poderia ter mais e mais e não é assim… né? a vida tem que ter paciência e esperar...

Mediadora: E isso representa algo pra senhora? tipo...

Simone: Com certeza... com certeza… que mesmo a gente sem marido… a gente não precisa fazer nada de errado pra vim parar num lugar desse a gente tem que esperar… e deixar acontecer procurar um novo caminho porque tem tantos outros caminhos né?

Mediadora: E a senhora acabou parando aí... por uma escolha sua ou você foi influenciada por algum namorado?

Simone: Fui influenciada com certeza pelo meu ex-companheiro que eu tive que me influenciou nessa vida aí… e eu acabei me deixando levar igual a história da tecelagem da moça...

Mediadora: É? foi igual por quê?

Simone: É a minha história igual porque eu tinha restaurante tinha minha vida... eu era tranquila aí eu arrumei esse namorado né? esse companheiro… ih:: ele foi só… o que eu já tinha ele não me ajudou só acabou acabou... e quando eu me vi sem nada… a minha escolha foi essa aí...

Mediadora: Desculpa te perguntar foram drogas?

Simone: Sim... foram drogas sim senhora…

No excerto acima há a presença de um fato que foi enunciado a partir da leitura do texto, em outras palavras, ao ler A Moça tecelã ela entende que a protagonista fez uma escolha errada ao tecer um marido, visto que ele só queria explorá-la, não apenas amá-la sem cobranças. Com isso, ela infere, partindo da sua realidade, que viveu uma situação parecida com a da personagem e complementa que foi presa porque estava traficando drogas por influência do namorado.

Em consonância, a fala da participante evidencia as desigualdades sociais enfrentadas por mulheres encarceradas, e por muitas outras. Em um primeiro momento, o texto possibilitou uma análise por parte da leitora sobre a necessidade do marido da tecelã em adquirir cada vez mais bens e acumular mais riquezas, remontando o contexto capitalista que estamos inseridos.

Em seguida, surge uma realidade na qual muitas pessoas vivenciam, a da pobreza e miséria, visto que muitos trabalham muito e ganham pouco, apenas para a sobrevivência, e em alguns casos nem para isso, e nunca conseguem corresponder ao capitalismo. A postura de Simone, já que notamos uma tomada de consciência, ratifica o que Freire (2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.) defende ao afirmar que a conscientização entre os oprimidos deve ocorrer para que o processo de emancipação se efetive pela sociedade opressora, ou no caso dessa reeducanda, pelo marido opressor.

Não estamos justificando as ações criminosas de pessoas que traficam ou roubam, apenas queremos problematizar o que foi enunciado pela reeducanda, pois fica claro que ela não tinha condições de ter posses, mesmo querendo muito e cada vez mais, como o marido da tecelã, mas esse desejo levou-a a aceitar as propostas do namorado, o que acarretou em sua prisão. Por certo, essa interpretação partiu de uma nova consciência e de uma humanização, conforme enunciado por Freire (2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.), ela se reconstrói e assume ter agido de forma errada, entendendo também que não agirá mais dessa maneira.

Nesse sentido, na sua atual conjuntura, e partindo da interpretação emancipatória do conto, Simone afirma que tais escolhas não precisam existir, pois a mulher não precisa de alguém apenas porque a sociedade exige, e assim aceitar uma opressão. Logo, a participante infere que a tecelã, tomando consciência de sua infelicidade e dos males advindos do relacionamento e, também, partindo do entendimento de que é capaz de ser completa sozinha, desfaz o marido.

Excerto 8

Mediadora: E qual a lição que você tirou dessa história de hoje do conto da tecelã e da sua história?

Djamila: Mediadora minha história hoje que eu pensei em minha história... hoje eu quero viver sozinha… viver pra mim e pros meus filhos... é o que eu quero... e pra Deus... é só o que eu quero... Mediadora eu quero que Deus me dá uma chance… só uma...

Segundo Paulo Freire (1980FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação - uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1980.), o processo de emancipação só se efetiva quando existe uma mudança de pensamento ou atitude dos oprimidos. Dessa forma, a leitura do conto proporcionou uma reflexão em Djamila e isso engaja sua voz pessoal na construção de sua compreensão, que está ligada a uma inferência sobre o caminho positivo de não precisar ter um marido, namorado ou companheiro, como a tecelã fez. Portanto, transparece em sua fala que ela associa as escolhas erradas ao seu antigo eu, e em um processo de humanização e transformação, ela se reconstrói e busca um recomeço, saindo da posição de opressão.

Excerto 9

Mediadora: Ih:: você acha que ela gostava... que que assim éh:: que que cê pode relacionar aos dias de hoje esse conto? cê consegue fazer alguma relação com a nossa vida real?

Djamila: Ah o que eu mais queria Mediadora nesse momento era encontrar meu filho né? eu tenho um filho que eu não tenho nem notícia que nem eu falei pra você... eu queria que Deus me abençoasse e saísse desse lugar né?... eu tô sofrendo demais Mediadora... sou julgada sou muita coisa... eu tô sofrendo... esses encontros que eu tô tendo com você eu tô bem eu me sinto outra pessoa...

Mediadora: É? por que? o que que você acha dos encontros?

Djamila: Ah eu acho bom... a gente tem tempo de conversar né? pra mim cada palavra com você é uma palavra de conforto né...

Djamila: (...) eu já li já Cinderela Branca de Neve né? e ela no final teve o príncipe dela foi feliz né? passou entre trancos e barrancos sofreu... mas teve um final feliz né? Ih:: aquela outra lá que teve a fada dela né? Tem hora que eu me sinto como ela eu olho pra senhora assim e você é minha fada né? sempre quando eu:: mal tô pensando na vida me tiram aí o pessoal me tira dali e é você né? porque eu não tenho com quem conversar... eu não tenho advogado eu não tenho meu pai eu não tenho minha mãe eu não tenho ninguém pra conversar e eu imagino é a Mediadora e já me sinto já… então eu tô vivendo o meu conto de fadas né? tô aqui só imaginando pensando...

Djamila sempre demonstrou por meio de suas falas, desde o nosso primeiro encontro, a angústia de não saber onde estão os filhos e a solidão que vivencia todos os dias. Essas duas situações, mais uma vez, ligam-se aos preconceitos enfrentados pelas mulheres. A princípio o de ser mãe solo, de sempre ser a única responsável pelos filhos e, no caso em tela, de estar presa e não ter alguém com quem deixar a prole. Em seguida, o da solidão, do abandono da família, o da invisibilidade da mulher encarcerada.

Então, quando ouvimos, damos voz, nos aproximamos de um momento de tranquilidade e humanização ( FREIRE, 2019FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 71. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Paz e Terra, 2019.), como demonstrado em seu dizer “eu olho pra senhora assim e você é minha fada né? sempre quando eu:: mal tô pensando na vida me tiram aí o pessoal me tira dali e é você né?”, ela se sente feliz e otimista . Outrossim, com essa constatação refletimos sobre a falta cometida pelo próprio Estado, que não dá amparo psicológico necessário para essas mulheres e, ainda assim, as denominam “reeducandas” e pregam a máxima de reinserção social. Como reinseri-las na sociedade de forma humanizada e partindo de um processo de transformação, se não há um ambiente salubre e humano? Se não há um amparo emocional?

Pedrosa (2021PEDROSA, Tamires Natalia Brumer. Solidão encarcerada: Reflexões acerca da invisibilidade e do abandono das mulheres presas. Revista Jus Navigandi, Teresina, 6581, 8 jul. 2021. Disponível em: Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91753 . Acesso em: 19 dez. 2022.
https://jus.com.br/artigos/91753...
, s.p.) é pontual ao afirmar que o abandono “[...] sofrido [é] a principal diferença entre a mulher presa e o homem preso: as visitas íntimas são pouco frequentes, quando são permitidas; normalmente seus companheiros não estão dispostos a visitar suas mulheres no cárcere [...]”. E mais:

A partir do aprisionamento, essas mulheres criminosas são consideradas pela sociedade duplamente transgressoras: da lei e das prescrições sociais de gênero, que posicionam homens como violentos e não mulheres, ocorrendo, por vezes, a fragmentação desses vínculos familiares e a perda dos papéis sociais atribuídos ao feminino: o de mãe e de esposa ( PEDROSA, 2021PEDROSA, Tamires Natalia Brumer. Solidão encarcerada: Reflexões acerca da invisibilidade e do abandono das mulheres presas. Revista Jus Navigandi, Teresina, 6581, 8 jul. 2021. Disponível em: Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91753 . Acesso em: 19 dez. 2022.
https://jus.com.br/artigos/91753...
, s.p.).

Djamila foi presa, em partes, por causa de atitudes do namorado, o que a levou a ser julgada de várias formas pela nossa sociedade, isto é, taxativamente enquadrada como criminosa, mãe incompetente e sem criticidade para julgar o certo e o errado, logo, influenciável. Mas, essa mesma sociedade encobre o papel em que, desde pequena, submeteram-na, o de mulher com obrigações conjugais e de reprodução, o de mulher que antes de estudar e trabalhar precisa cumprir seus deveres como esposa e mãe. Enfim, comprovando que ainda vivemos envoltas por resquícios do patriarcado.

Por fim, ela faz uma análise intertextual com os contos de fada, pois rememora que as princesas tiveram caminhos obscuros até conquistarem a felicidade, com isso, inferimos que ela tem esperanças de que isso irá ocorrer em sua vida, pois depois de cumprir sua pena ela conseguirá viver em paz e feliz.

À guisa da discussão

A leitura como prática e fenômeno social é instrumento potencializador na constituição de um sujeito crítico e reflexivo na sociedade atual. Pensar a leitura nessa perspectiva implica romper com práticas silenciadoras e cristalizadas, que buscam formar leitores passivos e reprodutores das ideias alheias. Na contramão dessa formação acrítica, os pesquisadores da LA buscam concentrar-se nas práticas sociais, respeitando o contexto do indivíduo ( STREET, 2014STREET, Brian V. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Trad. Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2014., ao mesmo tempo que põem em cena as desigualdades sociais como forma de denúncia e resistência.

Dessa forma, inseridos nessa concepção de LA, observamos que as vozes, na vivência de leitura, por meio do texto A Moça tecelã (1991COLASANTI, Marina. A moça tecelã. In: Contos brasileiros contemporâneos. São Paulo: Moderna,1991.), de Marina Colasanti, ecoam criticamente na construção de sentidos. Além disso, notamos com a referida vivência que a leitura é instrumento relevante na constituição do ser humano e na concretização de atitudes contundentes no combate ao machismo, ao preconceito e a uma educação emancipadora. Ainda, constatamos que as reeducandas descobriram suas vozes subjetivas e dialógicas, por meio da leitura, confirmando que o ato de ler no presídio é uma forma de emancipação e libertação.

Observamos que o Estado apresenta lacunas no processo de subsídio em relação às reeducandas, pois além de não dar assistência social significativa, isto é, não possibilitar condições básicas para que elas possam viver com dignidade, também não dá o suporte necessário para que elas concluam os estudos fora do presídio. Por outro lado, observamos que este problema é mais profundo, pois além da falta de assistência que se liga à “inexistência” de uma educação emancipadora, há a presença de uma sociedade pautada em marcas do patriarcado. Então, estas mulheres, e tantas outras, crescem em meio ao machismo e refratam tais aprendizados, de forma inconsciente ou não, e isso pode estar ligado à falta de uma educação crítica e reflexiva. Ou seja, socialmente crescemos assumindo uma mística feminina de mulheres que precisam se casar e ter filhos para serem realizadas, além de, por vezes, não termos outras escolhas, como as mulheres da pesquisa.

As falas das participantes dialogam com o que Freire (1980FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação - uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1980.) afirma, pois segundo o autor a conscientização contrapõe a mentalidade ingênua que não permite o sujeito compreender e interagir com/no mundo. Todavia, só a conscientização possibilita ao sujeito um agir crítico reflexivo. Por fim, mais que um estudo científico, esta pesquisa é um apelo social, em que questionamentos que circundam nossa existência como mulheres, reacendem. As vozes que ecoam responsivamente na construção de sentidos nos mostraram como a leitura é primordial na ressignificação do ser humano e na concretização de atitudes contundentes no combate ao machismo, ao preconceito e a uma educação emancipadora.

Referências

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    Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Tocantins, sob o parecer 4.473.393.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2022
  • Aceito
    20 Jun 2022
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