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A dinâmica de perguntas de constituinte em português brasileiro: uma proposta escalar

The dynamics of wh-questions in Brazilian Portuguese: a scalar proposal

Resumo

Esta pesquisa teve como objetivo analisar diálogos do português brasileiro, doravante PB, que sejam formados por perguntas de constituinte ou abertas e apresentem respostas completas ou parciais. Mais especificamente, este trabalho se propôs a investigar quais inferências estão envolvidas em cada tipo de resposta: acarretamento, pressuposição, implicatura conversacional. Ainda, buscou-se desenvolver uma escala de respostas possíveis para as perguntas de constituinte, das mais informativas, ou mais assertivas, às menos informativas. Nossa hipótese é que há uma relação escalar entre a diversidade de respostas para as perguntas de constituinte, assim como as implicaturas escalares. Tem como base teórica estudos em Semântica e Pragmática formais, como a semântica e a pragmática de perguntas, o Princípio Cooperativo e as implicaturas escalares. A metodologia utilizada foi a introspectiva, com criação de diálogos de perguntas de constituinte e respostas completas ou parciais das mais variadas, com marcação prosódica de foco, marcação de tópico contrastivo, quantificadores universais e existenciais, entre outras. Após análise dos diálogos, pode-se concluir que, a depender do tipo de resposta, diferentes tipos de inferências são disparados, desde acarretamentos e pressuposição de exaustividade, até implicaturas conversacionais de exaustividade e de desconhecimento do falante. Ainda, propomos uma escala lógica de informatividade, que vai desde a resposta mais informativa, que apresenta o fenômeno do acarretamento, até a menos informativa, com implicatura conversacional generalizada de desconhecimento do falante.

Palavras-chave:
perguntas de constituinte; implicaturas conversacionais; dinâmica conversacional; semântica formal; pragmática formal

Abstract

This research aimed to analyze dialogues in Brazilian Portuguese (hereinafter BP) consisting of open questions or wh-questions and their corresponding complete or partial answers. Specifically, this work sought to investigate the inferences involved in each type of answer: entailments, presuppositions, and conversational implicatures. Additionally, the study aimed to develop a scale of possible answers to constituent questions, ranging from the most informative, or most assertive, to the least informative. Our hypothesis is that there is a scalar relationship between the diversity of answers to constituent questions, as well scalar implicatures. The theoretical foundation is based on studies in formal semantics and pragmatics, such as the semantics and pragmatics of questions, the Cooperative Principle, and scalar implicatures. The methodology employed was introspective, involving the creation of dialogues with wh-questions and various complete or partial responses, including prosodic focus marking, contrastive topic marking, universal and existential quantifiers, among others. After analyzing the dialogues, it can be concluded that depending on the type of answer, diverse types of inferences are triggered, ranging from entailments and presuppositions of exhaustiveness to conversational implicatures of exhaustiveness and speaker's lack of knowledge. Furthermore, the study proposes a logical scale, ranging from the most informative answers with entailment to the least informative, with a generalized conversational implicature of the speaker's lack of knowledge.

Keywords:
wh-questions; conversational implicatures; conversational dynamic; formal semantics; formal pragmatics

Introdução

O presente artigo tem como objetivo principal analisar os diálogos do português brasileiro em que haja uma pergunta de constituinte ou pergunta aberta (Borges Neto, 2007BORGES , NETO José. A semântica das perguntas. (Texto apresentado em simpósio durante o LV Seminário do GEL - Franca/SP, julho de 2007); Ferreira, 2023FERREIRA, Marcelo. Pragmática: significado, comunicação e dinâmica contextual: Contexto. 2023, p. 163 -190.) e em que as respostas variem desde as chamadas respostas completas (Groenendijk; Stokhof, 1984GROENENDIJK, Jeroen; STOKHOF, Martin. Studies on the Semantics of Questions and the Pragmatics of Answers. 1984. Tese (Doutorado) - University of Amsterdam, Netherlands, 1984.; Karttunen, 1977KARTTUNEN, Lauri. The syntax and semantics of questions. Linguistics and Philosophy, v. 5, n. 1, p. 3-44, 1977.), com todas as informações necessárias, até as respostas parciais ou subinformativas, em que as informações solicitadas não são dadas explicitamente (Groenendijk; Stokhof, 1984GROENENDIJK, Jeroen; STOKHOF, Martin. Studies on the Semantics of Questions and the Pragmatics of Answers. 1984. Tese (Doutorado) - University of Amsterdam, Netherlands, 1984.; Rosa-Silva, 2017ROSA-SILVA, Fernanda. Deslocamento de tópico e foco no português brasileiro: Uma análise semântico-pragmática. 2017. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.; 2023ROSA-SILVA, Fernanda. Respostas parciais no português brasileiro: inferências lógicas e contextuais. Revista da ANPOLL, v. 54, n. 1, p. 1 - 14, 2023.). A proposta é identificar quais inferências estão envolvidas neste tipo de dinâmica conversacional e quais inferências são geradas a partir de cada tipo de resposta. Será analisado se as inferências podem ser implicatura, acarretamento ou pressuposição. Ainda, buscaremos explorar o fenômeno de exaustividade e se esse está ou não presente nos diversos tipos de resposta. Além disso, procuramos investigar se há algum tipo de relação escalar entre as respostas e o que leva o falante a optar por uma em detrimento de outra. A hipótese é que, quanto maior o nível de conhecimento do falante, menos inferências contextuais são disparadas, como implicaturas, e mais inferências semânticas são desencadeadas. A escala, então, está alinhada ao nível de conhecimento e comprometimento do falante. Consideramos que quanto maior o nível de conhecimento do falante, mais informativa a resposta é. Seguem, abaixo, exemplos de diálogos que serão investigados, um para cada tipo de resposta: o diálogo em (1) apresenta uma resposta completa e (2) possui uma resposta parcial (cf. Groenendijk & Stokhof (1984GROENENDIJK, Jeroen; STOKHOF, Martin. Studies on the Semantics of Questions and the Pragmatics of Answers. 1984. Tese (Doutorado) - University of Amsterdam, Netherlands, 1984.)).

(1)A: Quem fala francês?

B: Todo mundo (fala francês).1 1 O sintagma ‘fala francês’ está entre parêntese para indicar que sua pronúncia não é obrigatória em um processo conversacional. Daqui em diante, será adotada essa notação para constituintes da sentença que podem não ser pronunciados.

O diálogo acima, seguindo Groenendijk & Stokhof (1984GROENENDIJK, Jeroen; STOKHOF, Martin. Studies on the Semantics of Questions and the Pragmatics of Answers. 1984. Tese (Doutorado) - University of Amsterdam, Netherlands, 1984.), apresenta uma resposta considerada completa e exaustiva porque dá informações sobre todos os indivíduos salientes no contexto. Ao responder ‘Todo mundo fala francês’, o falante em B afirma que a propriedade de falar francês é atribuída a todos os indivíduos do conjunto selecionado pelo sintagma quantificado universal ‘todo mundo’. É uma resposta completa porque responde exatamente ao inquirido pela pergunta, e exaustiva porque dá informações sobre todos os indivíduos disponíveis no contexto. O diálogo a seguir, em (2), por sua vez, apresenta uma resposta parcial.

(2) A: Quem fala francês?

B: O João fala (francês), a Maria eu não sei.

Ao responder que não sabe se a propriedade de falar francês é aplicada ou não a Maria, o falante deixa claro que não está trazendo informações sobre todos os indivíduos do conjunto delimitado pelo contexto. Ele traz informações sobre o João, mas deixa em aberto informações sobre a Maria. Respostas como essa, de acordo com Groenendijk & Stokhof (1984GROENENDIJK, Jeroen; STOKHOF, Martin. Studies on the Semantics of Questions and the Pragmatics of Answers. 1984. Tese (Doutorado) - University of Amsterdam, Netherlands, 1984.), são consideradas parciais, uma vez que deixam explicitamente em aberto informações sobre outros indivíduos e, por esse motivo, não são exaustivas.

Nossa hipótese é que as respostas estabelecem uma relação escalar de informatividade a partir do conjunto de alternativas possíveis denotado pela pergunta. Ainda, essa relação escalar pode ser explicada a partir da proposta de escala de informatividade de Horn (2004HORN, Laurence. Implicature. In: HORN, Laurence; WARD, Gavin (ed.). The Handbook of Pragmatics. Oxford: Blackwell Publishing, 2004. p. 03-28.), em que um item mais alto da escala, mais informativo, acarreta um item mais baixo da escala. Por outro lado, um item mais baixo da escala, ao ser assertado, gera uma implicatura de que o item mais informativo seja falso ou de que o falante não tenha evidências para afirmá-lo. Ainda, consideramos que respostas que apresentam informações explícitas sobre todos os indivíduos em questão, ou seja, exaustivas, são mais informativas do que aquelas que trazem respostas implícitas ou não trazem informações sobre parte dos indivíduos. Além disso, assumimos que inferências lógico-semânticas, isto é, os acarretamentos, estão em um nível mais alto de informatividade, enquanto inferências lógico-contextuais, como as implicaturas, estão em um nível mais baixo, menos informativo, da escala.

Para testar nossa hipótese utilizamos o método introspectivo, com a criação de diálogos contendo perguntas de constituinte e respostas das mais variadas, desde respostas completas, que apresentem todas as informações solicitadas explicitamente, até as parciais. As respostas parciais podem variar entre respostas em que o constituinte que responde à questão apresenta uma marcação de foco (Rooth, 1985ROOTH, Mats. Association with focus. 1985. Dissertation (Doctoral) - University of Massachusetts, Amherst, 1985.; 1995ROOTH, Mats. Focus. In: LAPPIN, Shalom (ed.). Handbook of Contemporary Semantic Theory London: Blackwell, 1995. p. 271-298) ou uma marcação de tópico contrastivo (Büring, 2003BÜRING, Daniel. On D-trees, beans, and B-accents. Linguistics & Philosophy, v. 26, n. 5, p. 511-545, 2003.; 2014BÜRING, Daniel. Contrastive Topic. In: FERY, Caroline & SHIN, Ishihara (eds) Handbook of Information Structure. Oxford University Press, 2014. p. 64-85.), ou ainda um sintagma quantificado indefinido. Após a descrição dos diálogos, foi feita uma análise com base na semântica de perguntas (Hamblin, 1973HAMBLIN, Charles Leonard. Questions in Montague English. Foundations of Language, v. 10, n. 1, p. 41-53, 1973.) e na dinâmica contextual (Groenendjik, 1999GROENENDIJK, Jeroen; STOKHOF, Martin. Studies on the Semantics of Questions and the Pragmatics of Answers. 1984. Tese (Doutorado) - University of Amsterdam, Netherlands, 1984.; Ferreira, 2023FERREIRA, Marcelo. Pragmática: significado, comunicação e dinâmica contextual: Contexto. 2023, p. 163 -190.), a fim de verificar quais são as inferências geradas e se há uma generalização lógico-contextual que governe a opção por estes tipos de respostas. Diante disso, propomos uma escala lógica de informatividade entre as possibilidades de resposta para as perguntas de constituinte.

Este artigo está organizado da seguinte forma: na primeira seção, serão apresentadas as propostas teóricas que embasam a pesquisa e envolvem a dinâmica de perguntas. Em seguida, a partir de diálogos com perguntas de constituinte e respostas das mais variadas - com acento de foco, de tópico contrastivo ou com sintagma quantificado universal e existencial -, serão realizadas as análises formais que envolvem os diferentes tipos de resposta e serão observadas as inferências geradas. Além disso, apresentaremos uma proposta de generalização para os tipos de resposta a partir de uma relação escalar. A última seção sintetiza as conclusões e faz as considerações finais do artigo.

A dinâmica de perguntas

A semântica de perguntas

Como o presente artigo está baseado em uma perspectiva formal do estudo do significado, tomamos como quadro teórico para a semântica de perguntas o trabalho seminal de Hamblin (1973HAMBLIN, Charles Leonard. Questions in Montague English. Foundations of Language, v. 10, n. 1, p. 41-53, 1973.), que busca representar sentenças interrogativas a partir de uma proposta lógico-formal. De acordo com o autor, enquanto o significado de uma sentença declarativa envolve as condições necessárias e suficientes para essa ser verdadeira2 2 Para saber mais sobre semântica das condições de verdade, consulte: Ferreira (2019; 2022); Pires de Oliveira (2010); Quadros-Gomes; Sanchez-Mendes (2018). , o significado de uma sentença interrogativa apresenta um conjunto de alternativas possíveis de respostas. Podemos ter pelo menos dois tipos de pergunta: a pergunta sim/não e a pergunta de constituinte (Borges Neto, 2007BORGES , NETO José. A semântica das perguntas. (Texto apresentado em simpósio durante o LV Seminário do GEL - Franca/SP, julho de 2007); Ferreira, 2023FERREIRA, Marcelo. Pragmática: significado, comunicação e dinâmica contextual: Contexto. 2023, p. 163 -190.). Na pergunta sim/não, o conjunto de possíveis respostas é formado por duas proposições alternativas: uma afirmativa e outra negativa. A pergunta de constituinte, por outro lado, apresenta como resposta um conjunto aberto de alternativas, que será delimitado pelo contexto. Vejamos, a seguir, um exemplo de cada um dos tipos de pergunta:

(3) O João fala francês?

(4) Quem fala francês?

Na pergunta sim/não, em (3), o conjunto de respostas é formado por duas proposições alternativas: a proposição de que é verdade que João fala francês e a de que é falso que João fala francês. Já a pergunta de constituinte, em (4), apresenta um conjunto aberto de respostas alternativas, que será delimitado contextualmente. Ambos os conjuntos de respostas podem ser representados formalmente como segue:

(5) λp [p = O João fala francês ∨ p = ¬ (o João fala francês)]

(6) λp ∃x [p = x fala francês]

Como o foco deste trabalho é investigar as perguntas de constituinte, como em (4), tendo como significado o conjunto de respostas representado formalmente em (6), buscaremos explorar as particularidades desse tipo específico de pergunta.

A fim de incrementarmos a proposta teórica para a semântica de perguntas, assumiremos a metalinguagem da semântica de mundos possíveis, apresentada em Ferreira (2023FERREIRA, Marcelo. Pragmática: significado, comunicação e dinâmica contextual: Contexto. 2023, p. 163 -190.) e desenvolvida originalmente por Kripke (1980KRIPKE, Saul. A. Naming and Necessity: Lectures Given to the Princeton University Philosophy Colloquium. Edited by Darragh Byrne & Max Kölbel. Cambridge: Harvard University Press, 1980.). Nessa proposta, as sentenças declarativas têm como representação semântica as proposições que representam conjuntos de mundos possíveis. Assume-se, nessa linha teórica, que há um conjunto de mundos possíveis em que as proposições podem ser verdadeiras ou falsas. Antes de sua atualização pela inclusão de uma nova proposição, um contexto é formado pelo conjunto de todos os mundos. Ao assertar uma determinada sentença declarativa, o falante insere uma nova proposição no contexto. Se o interlocutor aceita explicita ou implicitamente essa proposição, o contexto é atualizado e todos os mundos possíveis em que o conteúdo proposicional da sentença é falso são eliminados, restando apenas os mundos em que a proposição é verdadeira. No caso das sentenças interrogativas, semanticamente, denotam um conjunto de proposições alternativas, que são suas respostas potenciais. No que diz respeito à dinâmica contextual na teoria de mundos possíveis, esse tipo de sentença, ao ser assertada, realiza uma partição entre os mundos que constituem o contexto. Sua função é dividir esses mundos de acordo com o conteúdo da pergunta, sem eliminar nenhum deles. Primeiramente, discutiremos a semântica das sentenças declarativas para, posteriormente, explorar a semântica das perguntas nessa perspectiva teórica. Tomemos como exemplo, a sentença declarativa abaixo:

(7) João fala francês.

Neste caso, há uma pressuposição de existência do indivíduo ‘João’, desencadeada pelo nome próprio. Desta forma, a sentença seleciona apenas os mundos possíveis em que João existe e fala francês. Ainda, a representação semântica do significado dessa sentença - isto é, do seu conteúdo proposicional - é a seguinte:

(8) p = {w (W | João fala francês em w}

A proposição acima pode ser parafraseada como: o conjunto de mundos possíveis em que é verdadeiro que ‘João fala francês’. A asserção dessa sentença tem como função selecionar apenas os mundos em que João exista e em que fale francês. Os mundos em que João não existe são eliminados por causa da pressuposição de existência de João. Já os mundos em que João não fala francês são eliminados porque a sentença é assertada no contexto pertinente. Dentro dessa perspectiva teórica, uma sentença, ao ser assertada e tomada como verdadeira, contribui para o contexto adicionando a ele a proposição. Essa ação restringe o conjunto W, o conjunto dos mundos possíveis, tendo em vista que os mundos possíveis em que é falso que João fala francês e em que João não existe são descartados.

A sentença interrogativa, por sua vez, não possui a função de eliminar mundos possíveis, mas sim reordená-los e realizar uma partição sobre eles. Uma pergunta sim/não divide o conjunto de mundos possíveis em dois subconjuntos: os em que a proposição é verdadeira e os em que a proposição é falsa. Reformulando a proposta semântica para a sentença interrogativa em (3), repetida abaixo por conveniência, teremos a representação como em:

(9) O João fala francês?

(10) Q = {w, w’ ( W | O João fala francês em w ∨ ¬ (o João fala francês em w’)}

Neste caso, por ser uma pergunta sim/não, os mundos possíveis são divididos em dois conjuntos: o conjunto de mundos em que João fala francês e o conjunto de mundos em que o João não fala francês. Se a pergunta for de constituinte, os mundos serão divididos a partir dos indivíduos disponíveis no domínio. No caso da pergunta abaixo, em (11), os conjuntos de mundos são divididos de acordo com os indivíduos relevantes no contexto. Se temos três indivíduos - João, Maria e Paulo - por exemplo, o conjunto de todos os mundos possíveis é partido em três: o subconjunto em que é verdade que ‘João fala francês’, o subconjunto em que é verdade que ‘Maria fala francês’, e o subconjunto em que é verdade que ‘Paulo fala francês’.

(11) Quem fala francês?

O conjunto de proposições desencadeado pela pergunta (11) pode ser formalizado de maneira mais generalizada, como (12), ou com delimitação das proposições a partir da restrição a indivíduos relevantes contextualmente, como em (13):

(12) Q = {w ( W | (x: x fala francês em w}

(13) Q = {w | João fala francês em w} ( {w’ | Maria fala francês em w’} ( {w” | Paulo fala francês em w”}

Ainda, em relação à semântica das perguntas e à dinâmica contextual das respostas, apresentamos a proposta que assumimos para a distinção entre resposta completa e resposta parcial. Uma resposta completa, de acordo com Groenendijk & Stokhof (1984GROENENDIJK, Jeroen; STOKHOF, Martin. Studies on the Semantics of Questions and the Pragmatics of Answers. 1984. Tese (Doutorado) - University of Amsterdam, Netherlands, 1984.), avalia como verdadeira ou falsa todas as proposições alternativas desencadeadas pela pergunta. Por avaliar cada uma das proposições uma resposta completa é também considerada uma resposta exaustiva. Uma resposta parcial, por outro lado, avalia como verdadeira ou falsa pelo menos uma das alternativas, mas não todas. Ou seja, não representa uma resposta exaustiva. Repetimos, a seguir, os exemplos dados anteriormente para resposta completa, agora em (14) e parcial, em (15).

(14) A: Quem fala francês?

B: Todo mundo (fala francês).

(15) A: Quem fala francês?

B: O João fala (francês), a Maria eu não sei.

A resposta em (14)B é completa porque avalia como verdadeiras todas as proposições do conjunto de alternativas desencadeadas pela pergunta em (14)A, conforme representação formal em (12). Ainda, são selecionados todos os mundos possíveis em que é verdade que os indivíduos disponíveis no contexto falem francês. Os demais mundos são eliminados. Já (15)B, apresenta uma resposta parcial, porque apenas a proposição relacionada ao João é avaliada como verdadeira. A proposição relacionada à Maria fica em aberto. Desta maneira são eliminados apenas mundos em que é falso que João fale francês. Ficam disponíveis, ainda, tanto os mundos em que é verdadeiro que Maria fala francês quanto os mundos em que é falso que Maria fala francês. Pensando na restrição de mundos possíveis efetuada por uma asserção, uma resposta completa elimina mais mundos, ou seja, é mais informativa. Por outro lado, uma resposta parcial elimina menos mundos, pois deixa em aberto mais possibilidades; por isso, é menos informativa.

Tanto a proposta semântica para as sentenças interrogativas como a dinâmica contextual de partição de mundos possíveis, bem como os conceitos de resposta parcial, completa e exaustividade, serão importantes para a análise dos diálogos propostos pela presente pesquisa. Além disso, a formalização assumida contribuirá para a busca por uma generalização lógica e formal para os tipos de resposta investigados.

Máximas conversacionais e implicaturas escalares

Além da semântica e da dinâmica de perguntas, uma teoria do campo da pragmática formal que é essencial para o desenvolvimento desta pesquisa é a teoria do Princípio Cooperativo, desenvolvida por Grice (1975GRICE, Herbert Paul. Logic and conversation. In: COLE, Penn; MORGAN, J Watchorn (ed.) Syntax and Semantics, vol. 3. New York: Academic Press, 1975. p. 41-58). O autor defende que todo processo conversacional que possui como objetivo maior a troca de informações entre os participantes segue a um princípio geral denominado Princípio Cooperativo:

Faça sua contribuição conversacional tal como é solicitada, no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está engajado. Pode-se denominar este princípio de PRINCÍPIO DE COOPERAÇÃO. (Pires de Oliveira; Basso 2014PIRES DE OLIVEIRA, Roberta; BASSO, Renato. Arquitetura da Conversação: teoria das Implicaturas. São Paulo: Parábola, 2014., p. 31)

O filósofo ainda defende que há quatro máximas conversacionais, relacionadas a esse princípio mais geral. Essas também são sempre observadas pelos participantes da conversação: mesmo que em um nível superficial de interpretação isso não pareça acontecer, em um nível mais profundo, os falantes sempre as cumprem. São elas: máxima de quantidade, máxima de qualidade, máxima de relação, ou de relevância, e máxima de maneira. A máxima de quantidade prediz que o falante cooperativo traz ao contexto as informações necessárias para o bom andamento da conversação. Não traz nem menos nem mais informações do que as requeridas. A máxima de qualidade, também chamada de máxima da verdade, considera que o falante só afirma aquilo que tem certeza de que seja verdadeiro e não afirma o que ele não tenha evidências adequadas para comprovar. A máxima de relação, ou de relevância, destaca que um falante cooperativo traz para o processo comunicativo apenas informações que são relevantes para o bom andamento da conversação. Por fim, a máxima de maneira, ou de modo, prediz que o falante busca ser claro: evita ambiguidade e obscuridade, é ordenado e não prolixo.

Para Grice, como já foi dito, as máximas sempre são obedecidas, seja em um nível superficial ou em um nível mais profundo de interpretação. E quando esse cumprimento é em um nível profundo, há uma exploração das máximas e gera-se o que o autor chama de implicaturas conversacionais. Ainda, as implicaturas conversacionais são classificadas em dois tipos: as particularizadas e as generalizadas. As particularizadas são altamente dependentes do contexto e só são geradas em uma situação específica. As generalizadas, por sua vez, são disparadas a partir de uma expressão linguística. Essas, diferentemente das implicaturas convencionais, que também são disparadas por uma expressão linguística, apresentam uma interpretação padrão implicada, porém pode haver um contexto em que o conteúdo semântico prevaleça. Nesses casos, o contexto deve dar pistas para tal interpretação. Interessa-nos, nesta pesquisa, investigar se os tipos de resposta explorados disparam implicaturas conversacionais generalizadas.

As implicaturas conversacionais generalizadas, diferentemente das particularizadas, são disparadas pelo uso de determinada expressão linguística que desencadeia a implicatura como uma interpretação padrão. Para ser desfeita, é necessária uma indicação no contexto. Um exemplo de implicatura conversacional generalizada é a que é acionada pelo sintagma quantificado indefinido ‘alguns x’, que normalmente apresenta uma primeira interpretação equivalente a ‘nem todos x’. No exemplo abaixo, a interpretação mais saliente é a implicada, de que nem todos os alunos falam francês:

(16) A: Os alunos falam francês?

B: Alguns alunos falam (francês).

Ao enunciar o diálogo acima, a resposta em B apresenta uma primeira interpretação de que ‘Não são todos os alunos que falam francês.’ Em um primeiro momento, pode-se pensar que a interpretação é semântica, ou seja, inerente ao conteúdo proposicional de (16)B. Entretanto, a ideia de que não são todos os alunos que falam francês pode ser cancelada pelo contexto, o que indica que é uma implicatura pragmática e não uma inferência semântica do sintagma indefinido.

(17) A: Os alunos falam francês?

B: Alguns alunos falam (francês). Pode até ser que sejam todos os alunos.

No diálogo em (17), a inferência disparada por ‘alguns alunos’ em (17)B, de que nem todos os alunos falam francês, é cancelada no enunciado seguinte. Essa característica de ser cancelável no contexto é própria de implicaturas conversacionais. Portanto, pode-se afirmar que o sintagma indefinido ‘alguns x’ desencadeia uma implicatura conversacional generalizada, disparada pelo contexto padrão. Essa é passível de ser cancelada, a partir de informações a serem adicionadas.

Para Horn (2004HORN, Laurence. Implicature. In: HORN, Laurence; WARD, Gavin (ed.). The Handbook of Pragmatics. Oxford: Blackwell Publishing, 2004. p. 03-28.), implicaturas como as disparadas por ‘alguns’ são consideradas implicaturas escalares, uma vez que podem ser explicadas a partir de uma relação escalar entre duas expressões linguísticas de polos opostos. O sintagma quantificado ‘algum x’ estabelece uma relação de escala com ‘todo x’, em que ‘alguns x’ está em um nível mais baixo da escala e ‘todo x’ está em um nível mais alto da escala:

ALGUNS X → TODOS X

Escala de informatividade - Horn (2004HORN, Laurence. Implicature. In: HORN, Laurence; WARD, Gavin (ed.). The Handbook of Pragmatics. Oxford: Blackwell Publishing, 2004. p. 03-28.)

De acordo com Horn, existe uma relação escalar se um item mais alto da escala, mais informativo, acarreta o item mais baixo, menos informativo. Dessa maneira, como ‘todo x’ acarreta ‘alguns x’, existe uma relação escalar entre ambos. Entretanto, o item menos informativo da escala, ao ser assertado, desencadeia uma implicatura de negação do item mais informativo. Em nosso caso, ao assertar-se a sentença com o sintagma quantificado ‘alguns alunos’, dispara-se uma implicatura de que é falso que todo aluno fala francês. É por isso que a interpretação disparada pelo primeiro enunciado em (16)B é de que não são todos os alunos que falam francês, isto é, de que é falso que todo aluno fala francês - interpretação que é cancelada pelo segundo enunciado, em (17)B. Em termos mais formais, a implicatura escalar é assim calculada:

(18) a. conteúdo semântico: Todo xP ⊢ Alguns xP3 3 O símbolo lógico ⊢ á a representação de acarretamento e o símbolo ⇰ representa a implicatura.

b. conteúdo pragmático: Alguns xP (( ( Todo xP

Ainda em relação às implicaturas escalares, Sauerland (2004SAUERLAND, Uli. Scalar implicatures in complex sentences. Linguistics and Philosophy, v. 27, p. 367-39, 2004. ) apresenta duas possibilidades de implicatura. Na primeira, mais fraca, o falante usa o item menos informativo da escala porque não tem certeza de que a propriedade seja aplicada a todos os indivíduos. Em nosso exemplo, em (16)B, ele pode ter respondido com o quantificador ‘alguns’ porque não tem certeza de que todos os alunos falam francês. A outra implicatura gerada, mais forte, que envolve um nível de conhecimento maior do falante e é mais informativa, é a de que o falante tem certeza de que a propriedade não é aplicada a todos os itens da escala. Por exemplo, em (16)B, o falante pode ter respondido com ‘alguns’ porque tem a certeza de que nem todos os alunos falam francês. Essas duas possibilidades de implicatura podem ser representadas como segue - (19)a menos informativa, por desconhecimento do falante, e (19)b mais informativa, por conhecimento do falante:

(19) a. O falante não sabe (x P

b. O falante sabe que ((x P

Diante dessas duas possibilidades, quando há implicaturas conversacionais escalares, pode-se concluir ou que o falante tem certeza de que a propriedade não é aplicada a todos os indivíduos disponíveis no contexto, ou que ele não tem certeza de que essa propriedade seja aplicada a todos. Ambas as intepretações indicam que o falante é cooperativo e está cumprindo com as máximas conversacionais, sobretudo a máxima de qualidade, que prediz que o falante só afirma o que acredita ser verdade e não afirma aquilo que não tenha evidências para comprovar.

Os conceitos de implicatura conversacional generalizada e implicatura escalar, bem como essa discussão sobre o cumprimento das máximas conversacionais, serão essenciais para a análise que faremos na seção seguinte, com diálogos que apresentam perguntas de constituinte e suas correspondentes respostas: completas ou parciais.

Perguntas de constituinte e respostas completas no português brasileiro

Nesta seção, serão analisados diálogos do português brasileiro compostos por uma pergunta de constituinte seguida de uma resposta completa ou parcial. O método utilizado é o introspectivo, em que, a partir de diálogos criados, busca-se identificar, à luz de teorias da semântica e da pragmática formais previamente apresentadas, as inferências lógicas e contextuais que serão geradas nesses tipos de diálogo com perguntas de constituinte. Esta pesquisa tem como objetivos principais: investigar as inferências geradas na dinâmica conversacional do português brasileiro e propor uma escala de informatividade, que representa uma explicação lógico-formal generalizada para essa dinâmica conversacional entre pergunta e resposta.

Primeiramente, analisaremos as perguntas de constituinte cujas respostas apresentam uma marcação entonacional de foco no constituinte que representa a informação nova requerida pela pergunta (Rooth, 1985ROOTH, Mats. Association with focus. 1985. Dissertation (Doctoral) - University of Massachusetts, Amherst, 1985.; 1995).

(20) A: Quem fala francês?

B: O JOÃOF (fala francês).

No diálogo acima, com marcação prosódica de foco (Pierrehumbert; Hirschberg, 1990PIERREHUMBERT, Janet; HIRSCHBERG Julia. The meaning of intonational contours in the interpretation of discourse. In: COHEN, Penn; MORGAN, J. Watchorn; POLLACK Michael (ed.). Intentions in Communication. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. p. 271-311., para o inglês; Ilari, 1992ILARI, Rodolfo. A Perspectiva Funcional da Frase Portuguesa. Campinas: Editora da Unicamp, 1992. , Cagliari, 1980CAGLIARI, Luiz Carlos. Entoação do Português Brasileiro. In: CAGLIARI, Luiz Carlos. Estudos Linguísticos 3. Araraquara: Unesp, 1980. p. 308-329., para o PB), representada pelo constituinte em caixa alta e pela notação ‘F’, a resposta em (20)B indica uma resposta completa, uma vez que a interpretação é de que João fala francês e ninguém mais. Além de ser completa, a resposta também é exaustiva. Desta maneira, pode-se afirmar que todas as alternativas desencadeadas pela pergunta em (20)A foram avaliadas. Dada a representação lógica em (21) para (20)A, pode-se dizer que todos os mundos possíveis em que alguém fala francês são considerados.

(21) [[(20)A]] = {w ( W | (x: x fala francês em w}

A partir da resposta, os mundos em que a proposição ‘João fala francês’ é verdadeira são mantidos e os mundos em que seja verdadeiro que outro indivíduo além do João fale francês são eliminados. Essa resposta apresenta, portanto, uma leitura exaustiva, uma vez que avalia a proposição como verdadeira para João e falsa para os demais indivíduos. Como todas as proposições são avaliadas, podemos considerar que seja uma resposta mais informativa. A asserção em (20)B pode ser representada como segue:

(22) [[(20)B]] = {w ( W | O João fala francês em w & ( (x: x ≠ JOÃO & x fala francês em w}

A resposta, por ser explícita, completa e exaustiva, não apresenta qualquer tipo de estratégia que gere implicaturas conversacionais particularizadas. Entretanto, a interpretação de exaustividade pelo constituinte com marcação de foco pode ser considerada uma implicatura, uma vez que pode ser cancelada no contexto, como já apontado por Menuzzi (2012MENUZZI, Sergio. Algumas observações sobre Foco, Contraste e Exaustividade. Revista Letras, Curitiba, n. 86, p. 95-121, jul./dez. 2012.; 2018MENUZZI, Sergio. Sobre a pressuposição das clivadas.Revista Da Anpoll, v. 1, n. 46, p. 200-221, 2018.). Observe o desdobramento do diálogo a seguir:

(23) A: Quem fala francês?

B: O JOÃOF fala (francês). E a MARIAF também.

A leitura exaustiva de que somente o João e ninguém mais fala francês é cancelada com a afirmação de que a Maria também fala francês. Essa possibilidade indica que a interpretação exaustiva de (20)B seja uma implicatura conversacional. Como em todos os contextos em que há marcação entonacional de foco, há também uma interpretação de exaustividade, podemos afirmar que o foco dispara uma implicatura conversacional generalizada de exaustividade. Essa é a interpretação padrão e só será cancelada se o contexto assim o fizer.

Ainda, é possível assumir que a interpretação de exaustividade ocorre porque o falante A considera seu interlocutor B um falante cooperativo, que observa as máximas conversacionais, sobretudo a máxima de quantidade, que prediz que o falante cooperativo traz ao contexto todas as informações necessárias para o bom andamento da conversação. E se o falante B afirma que João fala francês, indica que essa seja a informação máxima que ele tem. Se ele soubesse que mais indivíduos falam francês, sendo um falante cooperativo, traria a informação. Resta-nos analisar se essa implicatura de exaustividade é gerada porque o falante tem certeza de que a propriedade não é aplicada aos demais indivíduos ou porque ele não tem conhecimento de que a propriedade de falar francês é aplicada aos demais indivíduos.

(24) A: Quem fala francês?

B: O JOÃOF (fala francês). E isso eu afirmo porque tenho certeza de que os demais não falam.

(25) A: Quem fala francês?

B: O JOÃOF (fala francês). Os demais eu não sei.

Apesar das duas interpretações serem possíveis, parece que a interpretação mais natural é a de que o falante afirma B porque ele tem certeza de que a propriedade não é aplicada aos demais indivíduos disponíveis no contexto, considerada uma implicatura mais forte (Sauerland, 2004SAUERLAND, Uli. Scalar implicatures in complex sentences. Linguistics and Philosophy, v. 27, p. 367-39, 2004. ). Podemos assumir, então, que respostas com marcação de foco apresentam uma implicatura conversacional generalizada de que o falante tem certeza de que a propriedade não é aplicada aos demais indivíduos do contexto. Uma outra possibilidade de resposta que também desencadeia exaustividade é a sentença clivada, como o exemplo abaixo:

(26) A: Quem fala francês?

B: É o João que fala (francês.)

A interpretação para B é a mesma que a interpretação para o contexto anterior, com marcação prosódica de foco, de que João e ninguém mais fala francês. Entretanto, conforme Menuzzi (2018MENUZZI, Sergio. Sobre a pressuposição das clivadas.Revista Da Anpoll, v. 1, n. 46, p. 200-221, 2018.) defende, a inferência de exaustividade para as sentenças clivadas não é uma implicatura conversacional e sim uma pressuposição. O autor faz diversos testes para demonstrar que, diferentemente da resposta com marcação de foco entonacional, a resposta com a sentença clivada apresenta maior resistência de cancelamento de exaustividade.

(27) A: Quem fala francês?

B: É o João que fala (francês). ?? E Maria também.

Assim como Menuzzi apontou, a continuidade em (27)B, se não for inaceitável, é no mínimo estranha e indica que a exaustividade das clivadas não pode ser cancelada com a mesma facilidade que com a resposta com foco. Comparando as duas possibilidades de resposta, podemos afirmar que ambas são respostas completas, explícitas e exaustivas. A única diferença é que a resposta com foco entonacional apresenta uma implicatura conversacional generalizada de exaustividade e a resposta com clivada apresenta uma pressuposição de exaustividade. Desta maneira, uma resposta com pressuposição de exaustividade é mais informativa porque apresenta um maior grau de certeza do falante, se comparada a uma resposta com foco entonacional, que desencadeia uma implicatura conversacional generalizada de exaustividade, mais sensível ao cancelamento pelo contexto.

Se considerarmos que cada resposta está relacionada a uma escala de informatividade, em que as respostas mais informativas são aquelas que são dadas explicitamente no contexto, são completas, ou seja, trazem informações sobre todos os indivíduos em questão, e geram menos inferências contextuais, podemos afirmar que a resposta com clivada é uma resposta mais informativa que a resposta com foco. Propomos, então, a seguinte relação escalar para as respostas de perguntas de constituinte:

(28) a. Mais informativa: Clivada - Resposta explícita completa, com pressuposição de exaustividade.

b. Menos informativa: Foco entonacional - Resposta explícita completa, com implicatura de exaustividade.

Um outro tipo de resposta explícita e completa para uma pergunta de constituinte é quando há um sintagma quantificado universal, como ‘todo mundo’ ou ‘ninguém’. Comecemos por observar a resposta com o quantificador universal afirmativo.

(29) A: Quem fala francês?

B: TODO MUNDOF (fala francês).

Na resposta acima, o falante B asserta que a propriedade de falar francês é atribuída a todos os indivíduos do conjunto delimitado pela pergunta. Ou seja, todos os mundos possíveis em que todas as pessoas falam francês são selecionados. Ainda, é importante salientar que a resposta é adequada apenas com a marcação prosódica de foco, representada pelo constituinte quantificado em caixa alta. A formalização para a resposta em (29)B pode ser dada como segue:

(30) [[(29)B]] = {w ( W | (x: x é pessoa ( x fala francês em w}

Nesse caso, a resposta também é exaustiva, porém a exaustividade não é uma pressuposição nem uma implicatura do enunciado, e sim o que o enunciado asserta e que, portanto, não pode ser cancelada pelo contexto.

(31) A: Quem fala francês?

B: TODO MUNDOF fala francês. #E a Maria também.

(32) A: Quem fala francês?

B: TODO MUNDOF fala francês. #Mas a Maria não.

Tanto em (31) quanto em (32), a continuidade da resposta em B são inadequadas. Em (31), a afirmação de que ‘a Maria também fala francês’ é redundante se Maria pertence ao conjunto de indivíduos do contexto. A informação de que ela fala francês já é uma proposição tomada como verdadeira pela afirmação anterior. Já em (32)B, a resposta é contraditória, uma vez que a proposição ‘a Maria fala francês’ já é uma proposição verdadeira. É claro que em uma dinâmica conversacional é possível afirmar (32)B, mas essa afirmação seria mais uma correção da afirmação anterior de B do que a inserção de uma nova informação no contexto. É pertinente observar que a inferência de exaustividade, no caso de interpretação literal de “Todo mundo fala francês”, é semântica, isto é, trata-se de um acarretamento da sentença, e não de uma pressuposição. Isso pode ser visto, por exemplo, pelo fato de que a inferência não se mantém na negação da sentença:

(33) É falso que TODO MUNDOF fala francês.

Ao negar a sentença, a exaustividade não se mantém, o que indica que se trata de um acarretamento. Se analisarmos a resposta com o sintagma quantificado universal negativo, podemos perceber que as constatações são as mesmas.

(34) A: Quem fala francês?

B: NINGUÉMF (fala francês).

Em (34)B, a resposta também é completa, explícita e exaustiva, uma vez que todas as alternativas disparadas pela pergunta são avaliadas. Porém diferentemente da resposta com o sintagma quantificado ‘todo mundo’, em que todas as alternativas foram avaliadas como verdadeiras, com o sintagma quantificado universal negativo todas as alternativas são avaliadas como falsas. Isso é representado formalmente em (35):

(35) [[(34)B]] = {w ( W | ((x: x fala francês em w}

Observe-se que a resposta com ‘ninguém’ também apresenta asserção de exaustividade e, por isso, esse conteúdo não pode ser cancelado no contexto, como demonstram os diálogos em (36) e (37). Comprovando que o conteúdo de exaustividade é assertado e, portanto, também acarretado, ele não sobrevive à negação em (38), o que indica que seja um acarretamento.

(36) A: Quem fala francês?

B: NINGUÉMF (fala francês). #E a Maria também não fala.

(37) A: Quem fala francês?

B: NINGUÉMF (fala francês). #Mas a Maria fala.

(38) É falso que NINGUÉM fala francês.

A partir da observação de que respostas com sintagmas quantificados universais apresentam uma resposta completa explícita e acarretam exaustividade, podemos assumir que respostas com acarretamento de exaustividade são mais informativas, uma vez que a exaustividade não pode ser cancelada pelo contexto. Ainda, respostas com pressuposição de exaustividade são intermediárias, por serem mais difíceis de ser canceladas, mas não impossíveis. Por fim, respostas com implicatura conversacional generalizada de exaustividade são menos informativas, por serem mais passíveis de cancelamento do que as demais. Podemos, então, reformular a escala como segue:

(39) a. Mais informativa: Quantificador universal - Resposta explícita completa, com acarretamento de exaustividade.

b. Intermediária: Clivada - Resposta explícita completa, com pressuposição de exaustividade.

c. Menos informativa: Foco entonacional - Resposta explícita completa, com implicatura de exaustividade.

Outro tipo de resposta que representa uma resposta completa para uma pergunta de constituinte é a resposta com a partícula ‘só’, que pode ser considerada um operador de exaustividade na sentença. Rosa-Silva e Sanchez-Mendes (2019ROSA-SILVA, Fernanda.; SANCHEZ-MENDES, Luciana. Cancelamento de exaustividade em sentenças focalizadas: um estudo experimental. Revista Letras, Curitiba, UFPR, n. 99, p. 154-176, jan./jun. 2019.) realizaram alguns testes, entre eles o da negação da proposição, para concluir que a exaustividade é uma inferência semântica inerente ao significado dessa expressão. Por isso, exaustividade em sentenças com ‘só’ representam um acarretamento da sentença.

(40) A: Quem fala francês?

B: Só o JOÃOF fala (francês).

Na resposta acima, a interpretação assertada é de que ninguém além do João fala francês. Ou seja, trata-se de uma resposta completa, com acarretamento de exaustividade. Pode ser representada formalmente da seguinte maneira:

(41) [[(40)B]] = {w ( W | O João fala francês em w & (( x: x ( JOÃO & x fala francês em w}

A forma lógica representada acima indica que não existe nenhum indivíduo que fale francês, além do João. Essa inferência não pode ser cancelada, como se pode observar na continuidade do diálogo a seguir:

(42) A: Quem fala francês?

B: Só o JOÃO fala (francês). # E a Maria também.

Diferentemente, por exemplo, da sentença com foco entonacional, em que a exaustividade é uma implicatura e pode ser facilmente cancelada, a quebra de exaustividade gera uma inadequação ao contexto. Ainda, por se tratar de um acarretamento, a inferência de exaustividade não sobrevive à negação, como demonstra o teste a seguir:

(43) Não é verdade que só o JOÃO fala francês.

A negação em (43) elimina a exaustividade e justamente afirma que a propriedade de se falar francês também é aplicada a outros indivíduos, além do João. A partir da análise com o operador de exaustividade ‘só’, podemos incrementar nossa escala de respostas para perguntas de constituinte.

(44) a. Mais informativa: Quantificador universal ou operador de exaustividade ‘só’ - Resposta explícita completa, com acarretamento de exaustividade.

b. Intermediária: Clivada - Resposta explícita completa, com pressuposição de exaustividade.

c. Menos informativa: Foco entonacional - Resposta explícita completa, com implicatura de exaustividade.

Nesta seção, analisamos respostas completas para perguntas de constituinte com o operador de exaustividade ‘só’, quantificadores universais, sentença clivada e foco entonacional. Pudemos observar que todas elas representam uma resposta explícita completa e exaustiva. A inferência de exaustividade, no entanto, é semântica para as respostas com sintagmas quantificados universais e com o operador de exaustividade ‘só’. Nas clivadas, como já apontado por Menuzzi (2012MENUZZI, Sergio. Algumas observações sobre Foco, Contraste e Exaustividade. Revista Letras, Curitiba, n. 86, p. 95-121, jul./dez. 2012.; 2018MENUZZI, Sergio. Sobre a pressuposição das clivadas.Revista Da Anpoll, v. 1, n. 46, p. 200-221, 2018.), a exaustividade é uma pressuposição. E, por fim, respostas com foco entonacional apresentam implicatura conversacional generalizada de exaustividade. Essa implicatura é a de que o falante sabe que a propriedade é aplicada apenas ao indivíduo destacado e não aos demais. Cada uma das respostas está relacionada a uma escala de informatividade, desde a mais informativa, com respostas explícitas e inferências semânticas de exaustividade, até as menos informativas, com inferências pragmáticas de exaustividade, como as implicaturas conversacionais generalizadas. Na seção seguinte, analisaremos as respostas parciais para perguntas de constituinte, buscando verificar se essas podem compor a escala proposta no presente artigo.

Perguntas de constituinte e respostas parciais no português brasileiro

Na seção anterior, em que foram analisados diversos tipos de respostas completas para perguntas de constituinte, propusemos uma escala de resposta, que vai desde a resposta mais informativa, em que a exaustividade é acarretada, até a resposta menos informativa, em que a exaustividade é uma implicatura conversacional generalizada. Nesta seção, analisaremos respostas consideradas parciais para perguntas de constituinte, que são aquelas que avaliam como verdadeira ou falsa pelo menos uma alternativa do conjunto de alternativas desencadeado pela pergunta, deixando as demais alternativas em aberto.

Um exemplo de resposta parcial pode ocorrer quando temos uma marcação de tópico contrastivo em um constituinte. Tópico contrastivo, segundo Büring (2003BÜRING, Daniel. On D-trees, beans, and B-accents. Linguistics & Philosophy, v. 26, n. 5, p. 511-545, 2003., 2014BÜRING, Daniel. Contrastive Topic. In: FERY, Caroline & SHIN, Ishihara (eds) Handbook of Information Structure. Oxford University Press, 2014. p. 64-85.), é uma função pragmático-discursiva específica, que possui uma marcação prosódica peculiar de acento ascendente, distinta da marcação prosódica de foco. Na caracterização de Büring, um tópico contrastivo representa uma estratégia pragmática de responder parcialmente ao questionado, seja de forma direta ou indireta. Um exemplo de tópico contrastivo pode ser observado a seguir:

(45) A: Quem fala francês?

B: A Maria TC fala (francês).

O constituinte ‘A Maria’ está representado em itálico, com a notação subscrita TC, para indicar que recebe a marcação prosódica de tópico contrastivo.4 4 Em português brasileiro, temos estudos seminais, como Cagliari (1980) e Ilari (1992), que investigam as propriedades entonacionais das sentenças nessa língua em específico. Não fosse por essa marcação, de acento ascendente, a resposta seria completa e exaustiva. Entretanto, o tópico contrastivo indica que o falante em B está trazendo as informações sobre a Maria e deixa em aberto as informações sobre os demais indivíduos disponíveis no contexto. Essa estratégia gera uma implicatura, ou de que o falante sabe que os demais indivíduos não falam francês, ou de que o falante não tem certeza de que os demais indivíduos falem francês. Os testes abaixo indicam quais são essas implicaturas.

(46) A: Quem fala francês?

B: A Maria TC fala (francês). ?? Os demais não falam.

(47) A: Quem fala francês?

B: A Maria TC fala (francês). Os demais eu não sei.

Com tópico contrastivo, o desencadeamento do diálogo é mais natural em (47), em que a implicatura de desconhecimento do falante é assertada, do que em (46), em que a implicatura é a de que o falante sabe que a propriedade é falsa para os demais indivíduos disponíveis no contexto. Desta maneira, podemos considerar que a marcação prosódica de tópico contrastivo dispara uma implicatura conversacional generalizada de desconhecimento do falante, enquanto a marcação prosódica de foco desencadeia uma implicatura conversacional generalizada de exaustividade, em que o falante sabe que a propriedade é atribuída ao indivíduo em questão e a ninguém mais. Para a resposta com tópico contrastivo, podemos inferir que o falante não tem informações suficientes para afirmar sobre os demais indivíduos do conjunto de alternativas. Neste caso, pode-se considerar que ele está cumprindo com a máxima de qualidade, de Grice (1975GRICE, Herbert Paul. Logic and conversation. In: COLE, Penn; MORGAN, J Watchorn (ed.) Syntax and Semantics, vol. 3. New York: Academic Press, 1975. p. 41-58), que prediz que o falante cooperativo não traz informações sobre as quais não tenha evidências para afirmar. Para a semântica da resposta em (45)B, podemos atribuir a seguinte representação lógica:

(48) [[(45)B]] = {w, w’, w’’ ( W | A Maria fala francês em w & ((x: x ( MARIA & x fala francês em w’ ( ((x’: x’ ( MARIA & x fala francês em w’’)}

A representação formal para a resposta com tópico contrastivo apresenta a interseção entre o conjunto de mundos possíveis em que a proposição que ‘Maria fala francês’ é verdadeira; e a união do conjunto de mundos possíveis em que haja pelo menos um indivíduo que fale francês e o conjunto de mundos possíveis em que os indivíduos não falam francês. Todos os mundos em que Maria não fala francês são eliminados. Essa representação lógica destaca a resposta parcial, uma vez que só foi possível eliminar os mundos em que ‘Maria não fala francês’. Os demais ficam em aberto e disponíveis. Podemos atualizar a proposta escalar de respostas, em que a resposta com tópico contrastivo representa uma resposta menos informativa do que as demais, uma vez que apresenta uma resposta parcial, em que menos mundos possíveis são eliminados, e uma implicatura mais fraca, de desconhecimento do falante:

(49) a. Mais informativa: Quantificador universal ou operador de exaustividade ‘só’ - Resposta explícita completa, com acarretamento de exaustividade.

b. Intermediária 1: Clivada - Resposta explícita completa, com pressuposição de exaustividade.

c. Intermediária 2: Foco entonacional - Resposta explícita completa, com implicatura de exaustividade (o falante sabe que nem todo xP).

d. Menos informativa: Tópico contrastivo - Resposta parcial, com implicatura de desconhecimento do falante (o falante não sabe que xP).

Outro exemplo de resposta parcial é o da disjunção, isto é, quando há uma conjunção alternativa ‘ou’, como o exemplo em (50)B:

(50) A: Quem fala francês?

B: A Maria ou o João falam (francês).

Com a resposta em (50)B, a intepretação é de que a propriedade de falar francês é aplicada ou ao indivíduo ‘João’ ou ‘a Maria’. As alternativas sobre os demais indivíduos são, por implicatura, eliminadas do contexto. Desta maneira, não é possível afirmar categoricamente quem fala francês. Apenas que há uma restrição ao conjunto de mundos possíveis do contexto. A resposta restringe o conjunto aos mundos disponíveis à união de dois subconjuntos: o subconjunto de mundos possíveis em que é verdade que o João fala francês; o subconjunto de mundos possíveis em que é verdade que a Maria fala francês. Além disso, é importante destacar que a conjunção ‘ou’ desencadeia uma implicatura conversacional generalizada de que apenas uma das proposições seja verdadeira. Entretanto, ainda é possível que tanto ‘Maria’ quanto ‘João’ falem francês em um mesmo conjunto de mundos. Além da implicatura disparada pela conjunção alternativa ‘ou’, há ou uma implicatura ou de que o falante sabe que os demais indivíduos não falam francês ou uma implicatura de que ele não sabe sobre os demais.

(51) A: Quem fala francês?

B: A Maria ou o João TC falam (francês). Os demais não falam.

(52) A: Quem fala francês?

B: A Maria ou o João TC falam (francês). ??Os demais eu não sei.

Parece estranho o falante primeiro restringir o conjunto de alternativas em duas possibilidades e depois afirmar que outras ainda estejam em aberto, como em (52). Desta maneira, é mais natural assumir que a implicatura desencadeada com uma resposta com a conjunção ‘ou’ é a de que o falante sabe que nem todo x P, como em (51), mais forte do que a de desconhecimento, uma vez que ele restringe o conjunto de mundos possíveis. Podemos afirmar que o falante, com essa resposta, está cumprindo com a máxima de qualidade, trazendo só informações que ele tenha evidências de que sejam verdadeiras. E, em um nível mais profundo da conversação, também está cumprindo com a máxima de quantidade, porque traz as informações necessárias, de acordo com seu conhecimento.

Assim, todos os mundos são eliminados do conjunto, exceto aqueles em que o João fala francês, a Maria fala francês ou ambos falam francês. A representação semântica de (51)B deve ser, portanto:

(53) [[(50)B]] = {w, w’, w’’( W | O João fala francês em w ( A Maria fala francês em w’ & ( (x: (x ≠ MARIA & x ≠ JOÃO & x fala francês em w’’)}

Outra observação é que essa resposta também apresenta uma entonação de tópico contrastivo, o que reforça a proposta de Büring (2003BÜRING, Daniel. On D-trees, beans, and B-accents. Linguistics & Philosophy, v. 26, n. 5, p. 511-545, 2003., 2014BÜRING, Daniel. Contrastive Topic. In: FERY, Caroline & SHIN, Ishihara (eds) Handbook of Information Structure. Oxford University Press, 2014. p. 64-85.) que a marcação de tópico contrastivo apresenta uma estratégia de resposta parcial. A proposta de escala pode ser atualizada como segue:

(54) a. Mais informativa: Quantificador universal ou operador de exaustividade ‘só’ - Resposta explícita completa, com acarretamento de exaustividade.

b. Intermediária 1: Clivada - Resposta explícita completa, com pressuposição de exaustividade.

c. Intermediária 2: Foco entonacional - Resposta explícita completa, com implicatura de exaustividade (o falante sabe que nem todo xP).

d. Intermediária 3: Disjunção - Resposta parcial, com implicatura de que falante sabe que não xP para parte das alternativas, mas não para todas.

e. Menos informativa: Tópico contrastivo - Resposta parcial, com implicatura de desconhecimento do falante (o falante não sabe que xP).

Um último caso de resposta parcial que analisaremos é a com um sintagma quantificado existencial para uma pergunta de constituinte. Essa resposta é ainda menos informativa do que as anteriores.

(55) A: Quem fala francês?

B: Alguém TC fala (francês).

Primeiramente, é importante destacar que a resposta com sintagma quantificado existencial para uma pergunta de constituinte também recebe uma marcação prosódica de tópico contrastivo. Do contrário, com marcação de foco, por exemplo, a resposta não seria adequada, uma vez que foco desencadeia implicatura de exaustividade, o que não ocorre com o uso do sintagma quantificado existencial. Ainda, sem a marcação de tópico, a contribuição semântica tanto da pergunta quanto da resposta seria a mesma, o que tornaria a asserção em (55)B redundante. Essa necessidade de uma prosódia específica de tópico contrastivo reforça mais uma vez a estratégia de resposta parcial. Com a resposta de B, pode-se afirmar que haja pelo menos uma alternativa verdadeira dentro do conjunto de alternativas da pergunta B. Porém, não é possível afirmar qual das alternativas é verdadeira. A única inferência que fazemos é que pelo menos um indivíduo fala francês. E essa inferência faz parte do significado semântico do sintagma quantificado ‘alguém’. Como a pressuposição de que existe alguém que fale francês, desencadeada pela pergunta, pode ser cancelada com uma resposta do tipo ‘Ninguém fala francês’, pode-se considerar que, quando o falante asserta (55)B, com acento de tópico contrastivo sobre alguém, ele está sendo informativo e cumprindo com a máxima de quantidade, de Grice, pois reforça a pressuposição presente na pergunta. Entretanto, como não há a afirmação ou negação para pelo menos uma das proposições alternativas disparadas pela pergunta, todas se mantêm sem avaliação. Assim, podemos afirmar que, de todas as respostas analisadas até aqui, essa é a menos informativa, porque ela não atualiza o conjunto de mundos possíveis. Isso fica evidente quando comparamos as representações semânticas da pergunta e da resposta, que são as mesmas.

(56) [[(55)A]] = {w ( W | (x: x fala francês em w}

(57) [[(55)B]] = {w ( W | (x: x fala francês em w}

Como afirmado anteriormente, a resposta é informativa apenas porque, ao afirmar (55)B, o falante asserta que pelo menos um indivíduo fala francês e implica que não sabe quem é. Isto é, há uma inferência de que ele não sabe a identidade desse indivíduo, como os testes abaixo demonstram:

(58) A: Quem fala francês?

B: Alguém TC fala (francês). Eu não sei quem é.

(59) A: Quem fala francês?

B: Alguém TC fala (francês). ??E eu sei quem é.

A continuidade da resposta em (59) é estranha, diferentemente da resposta em (58), que é mais natural. Isso confirma que o falante opta pelo uso do sintagma quantificado existencial porque não tem informações sobre a identidade do indivíduo que tem a propriedade de falar francês. Atualizemos nossa escala, agora com uma resposta parcial menos informativa que as demais.

(60) a. Mais informativa: Quantificador universal ou operador de exaustividade ‘só’ - Resposta explícita completa, com acarretamento de exaustividade.

b. Intermediária 1: Clivada - Resposta explícita completa, com pressuposição de exaustividade.

c. Intermediária 2: Foco entonacional - Resposta explícita completa, com implicatura de exaustividade (o falante sabe que nem todo xP).

d. Intermediária 3: Disjunção - Resposta parcial, com implicatura de que falante sabe que não xP para parte das alternativas, mas não para todas.

e. Intermediária 4: Tópico contrastivo - Resposta parcial, com implicatura de desconhecimento do falante para parte do conjunto de alternativas (o falante não sabe que xP).

f. Menos informativa: Sintagma quantificado existencial - Resposta parcial, com implicatura de desconhecimento do falante para todas as alternativas (o falante não sabe que xP).

Ainda, podemos organizar a escala a partir da quantidade de alternativas avaliadas, uma vez que assumimos no presente artigo que quanto mais alternativas avaliadas explicitamente, mais informativa é a resposta:

(61) a. Mais informativa: Quantificador universal, operador de exaustividade ‘só’, clivada - Todas as alternativas são avaliadas explicitamente.

b. Intermediária 1: Foco entonacional - Todas as alternativas são avaliadas, porém parte é assertada e parte implicada.

c. Intermediária 2: Disjunção, Tópico contrastivo - Nem todas as alternativas são avaliadas.

f. Menos informativa: Sintagma quantificado existencial - Nenhuma alternativa é avaliada.

Nesta seção, que analisou diálogos do português brasileiro com perguntas de constituinte e respostas parciais, pudemos perceber que as respostas estabelecem mais uma vez uma relação de escala entre os conjuntos de alternativas. As respostas completas, por avaliarem todas as alternativas do conjunto, serão sempre as mais informativas. As respostas com conjunção alternativa e com marcação de tópico contrastivo são menos informativas porque deixam em aberto avaliações em relação a alternativas referentes a indivíduos disponíveis no contexto. Por fim, respostas com sintagma quantificado ‘alguém’, de todas as respostas, são as menos informativas, pois não há como inferir, nem implicitamente, que haja avaliação de alguma das alternativas do conjunto.

Considerações finais

As análises desenvolvidas no presente artigo demonstraram que há diversos tipos de inferências desencadeadas por respostas completas ou parciais para perguntas de constituinte, desde inferências semânticas (acarretamentos) até pressuposições e implicaturas conversacionais generalizadas, fenômenos lógico-contextuais. Ainda, foi possível estabelecer uma relação escalar lógica entre os tipos de respostas, desde as completas com inferências lógicas, mais informativas, até as parciais, que disparam implicaturas conversacionais e são menos informativas.

Pode-se observar que respostas com marcação prosódica de foco, de acento descendente, desencadeiam uma implicatura conversacional generalizada de exaustividade, em que o falante sabe que a propriedade é exclusiva para o indivíduo em questão. Respostas com marcação de tópico contrastivo, de acento ascendente, geram uma implicatura conversacional generalizada de que o falante não tem conhecimento sobre os demais indivíduos disponíveis no contexto, além da informação assertada. Ainda, sintagmas quantificados existenciais assertam a pressuposição de existência disparada pela pergunta e geram uma implicatura de que o falante desconhece a identidade do indivíduo que possui a propriedade em discussão. Sentenças clivadas apresentam uma pressuposição de exaustividade, enquanto o operador ‘só’ e os quantificadores universais acarretam exaustividade.

No que diz respeito à relação escalar, propomos uma escala em que o item mais forte é a resposta completa, cuja exaustividade corresponde a um acarretamento. Ou seja, é mais informativa porque todas as alternativas são avaliadas explicitamente e não se gera nenhum tipo de inferência que não seja semântica. O item imediatamente inferior é a resposta completa com pressuposição de exaustividade. Esse é mais informativo que a resposta com implicatura de exaustividade, já que a implicatura é facilmente cancelável pelo contexto. Ainda, as respostas parciais, por serem menos informativas e avaliarem apenas parte das alternativas, estão em um nível mais baixo da escala e são organizadas da seguinte maneira: mais acima estão as respostas em que parte das alternativas são respondidas explicitamente e parte ficam em aberto, como nas respostas com tópico contrastivo. No ponto mais baixo da escala, está a resposta com sintagma quantificado existencial, em que nenhuma alternativa é avaliada, nem explicitamente, nem implicitamente.

Por fim, podemos afirmar que em todas as respostas houve observância do Princípio Cooperativo e das máximas conversacionais. Nas respostas com implicaturas, ficou claro o cumprimento de todas as máximas, sobretudo a de qualidade e a de quantidade.

Esperamos que esta pesquisa venha contribuir com os estudos formais do significado para o português brasileiro e que seja um ponto de partida para a explicação lógica dos fenômenos da língua que estejam na interface entre a semântica e a pragmática.

Referências

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  • BÜRING, Daniel. On D-trees, beans, and B-accents. Linguistics & Philosophy, v. 26, n. 5, p. 511-545, 2003.
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  • SAUERLAND, Uli. Scalar implicatures in complex sentences. Linguistics and Philosophy, v. 27, p. 367-39, 2004.
  • 1
    O sintagma ‘fala francês’ está entre parêntese para indicar que sua pronúncia não é obrigatória em um processo conversacional. Daqui em diante, será adotada essa notação para constituintes da sentença que podem não ser pronunciados.
  • 2
    Para saber mais sobre semântica das condições de verdade, consulte: Ferreira (2019FERREIRA, Marcelo. Curso de Semântica Formal. (Textsbooks in Language Science Press). Berlin: Language Science Press. 2019.; 2022FERREIRA, Marcelo. Semântica: uma introdução ao estudo formal do significado. São Paulo: Contexto. 2022.); Pires de Oliveira (2010PIRES DE OLIVEIRA, Roberta. Semântica Formal: uma breve introdução - 2ª ed. Campinas: Mercado das Letras, 2010.); Quadros-Gomes; Sanchez-Mendes (2018QUADROS-GOMES, Ana Paula; SANCHEZ-MENDES, Luciana. Para conhecer: semântica. São Paulo: Contexto , 2018.).
  • 3
    O símbolo lógico ⊢ á a representação de acarretamento e o símbolo ⇰ representa a implicatura.
  • 4
    Em português brasileiro, temos estudos seminais, como Cagliari (1980CAGLIARI, Luiz Carlos. Entoação do Português Brasileiro. In: CAGLIARI, Luiz Carlos. Estudos Linguísticos 3. Araraquara: Unesp, 1980. p. 308-329.) e Ilari (1992ILARI, Rodolfo. A Perspectiva Funcional da Frase Portuguesa. Campinas: Editora da Unicamp, 1992. ), que investigam as propriedades entonacionais das sentenças nessa língua em específico.

Editado por

Editora-chefe dos Estudos de Linguagem:

Bethania Mariani

Editores convidados:

Brenda Laca Luciana Sanchez-Mendes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2024

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2023
  • Aceito
    12 Abr 2024
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