Resumo
Os dispositivos estatais para o governo das águas no Brasil vêm sendo fortemente influenciados pelo discurso do desenvolvimento, tendo como principal instituição multilateral promotora o Banco Mundial, cujas diretrizes convergem para o afastamento das instituições estatais do papel de provedoras dos serviços de água e promovem a perda do controle sobre as águas por populações locais. Neste artigo, analiso a trajetória das políticas governamentais para a gestão das águas no Brasil a partir da instituição da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) à luz da literatura antropológica sobre grandes projetos de desenvolvimento, administração pública e o campo autodenominado de antropologia da água, observando o processo de criação e implementação de dispositivos institucionais que abrem caminho para a transformação da água em uma commodity. A pesquisa foi realizada por meio de observação participante em avaliação oficial da PNRH e análise de relatórios de projetos do Banco Mundial.
Palavras-chave:
recursos hídricos; políticas governamentais; grandes projetos de desenvolvimento; Banco Mundial
Abstract
State devices for water governance in Brazil have been strongly influenced by the development discourse, with the World Bank as the main multilateral institution that promotes it, whose guidelines converge towards the removal of state institutions from the role of providers of water services and promote the loss control over water by local populations. In this article, I analyze the trajectory of government policies for water management in Brazil from the institution of the National Water Resources Policy (NWRP) under the light of anthropological literature on large development projects, public administration and the self-declared field of anthropology of water, observing the process of creation and implementation of institutional devices that pave the way for the transformation of water into a commodity. The research was carried out through participant observation in an official evaluation of the NWRP and analysis of project reports from the World Bank.
Keywords:
water resources; government policies; major development projects; World Bank
Introdução1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Os dispositivos governamentais para a gestão das águas no Brasil, com destaque para a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) (Brasil, 1997BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos […]. Brasília: Presidência da República, 1997. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm . Acesso em: 28 maio 2028.
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), têm sido alinhados, desde a sua instituição, às diretrizes para o governo das águas difundidas em diversos países pela instituição financeira multilateral Banco Mundial (BIRD),2
2
Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento.
identificada por Escobar (1995)ESCOBAR, A. Encountering development: the making and unmaking of the Third World. Princeton: Princeton University Press, 1995. como a principal instituição promotora do discurso e das práticas do desenvolvimento na América Latina, com importante papel na sedimentação da noção de Terceiro Mundo no pós-Segunda Guerra Mundial. São diretrizes que conduzem ao afastamento das instituições estatais do papel de provedoras dos serviços de água e promovem a perda do controle sobre as águas por populações locais, em benefício de elites nacionais e corporações transnacionais. Mais recentemente, e com maiores intensidade e velocidade no período pós-golpe de 2016, tais diretrizes convergem não somente para a concessão de serviços de abastecimento de água e saneamento a companhias privadas, mas também para o acesso a fundos públicos pelo setor privado para realização de grandes obras de armazenamento e distribuição de água e de coleta de esgoto, e para a sua financeirização, uma vez que abrem caminho para a captação de recursos no mercado de capitais, contribuindo para o processo de transformação da água em uma commodity.
Neste artigo, a análise da influência do BIRD sobre a instituição e implementação da PNRH e do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH) constitui via de acesso para o exame dos efeitos e danos de modelos de desenvolvimento pautados no que vem sendo denominado, especialmente na América Latina, de neoextrativismo, fortemente ancorados em uma “ilusão desenvolvimentista” (Svampa, 2019SVAMPA, M. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. São Paulo: Editora Elefante, 2019., p. 27), bem como dos deslizamentos da ideia de desenvolvimento para questões como aquelas relativas ao amplo espectro de fenômenos associados à noção de globalização.
Souza Lima e Dias (2021)SOUZA LIMA, A. C. de; DIAS, C. G. Maquinaria da unidade; bordas da dispersão: estudos de antropologia do Estado. Rio de Janeiro: Viveiros de Castro Editora, 2021. propõem tratar as “políticas públicas” como políticas governamentais, formuladas não só desde organizações administrativas de Estados nacionais, mas também através de diferentes modalidades de organizações não redutíveis àquelas que estão definidas em termos jurídicos e administrativos enquanto partícipes de administrações públicas nacionais. No caso de “parcerias” com instituições multilaterais de fomento, políticas de governo de Estados nacionais são geradas, financiadas e avaliadas fora das fronteiras estritas de seus territórios. Para tanto, os autores propõem analisar as políticas públicas como parte do processo de “fazer-se Estado”. A análise das políticas governamentais é, nesse contexto, tomada como via de acesso a uma análise dos processos (constantes) de formação do Estado, abandonando-se os marcos estritos do Estado nacional e considerando-se fenômenos como a chamada cooperação técnica internacional para o desenvolvimento enquanto vetores desse processo, marcando a dissolução dos limites jurídicos da soberania como balizas das análises das intervenções de Estado. Desse modo, este trabalho também procura contribuir para o avanço de uma antropologia da administração pública no Brasil, a partir do estudo dos dispositivos estatais para o governo das águas.
O artigo está dividido em três partes. Primeiramente, apresento uma breve trajetória da influência do Banco Mundial sobre os dispositivos governamentais para os recursos hídricos, a partir da instituição da PNRH. Em seguida, exponho o aprofundamento da adesão às diretrizes do Banco Mundial em matéria de água no período pós-golpe. Na última parte, analiso a trajetória das políticas governamentais para a gestão das águas no Brasil a partir da instituição da PNRH à luz da literatura antropológica sobre grandes projetos de desenvolvimento, administração pública e o campo autodenominado de antropologia da água, observando o processo de criação e implementação de dispositivos institucionais que abrem caminho para a transformação da água em uma commodity.
Instituição e implementação da Lei das Águas
Os dispositivos estatais para o governo das águas no Brasil vêm sendo influenciados pela instituição financeira multilateral Banco Mundial (BIRD) desde a instituição da PNRH, em 1997, com a criação de arcabouços institucionais, legais e infralegais que abrem caminho para a privatização desse bem comum. Essa influência é exercida, em parte, por meio da difusão de uma espécie de pedagogia, apoiada em ferramentas metodológicas padronizadas, que contribuem para promover consensos intelectuais em torno das diretrizes do banco para os recursos hídricos, que convergem para o afastamento das instituições estatais do papel de provedoras dos serviços de água, restando-lhes a função de regulação. Cabe notar que essa pedagogia, que se materializa em influência acadêmica e política, não é a única forma de atuação do Banco Mundial, que conta também com medidas de caráter mais impositivo relacionadas aos critérios para concessão de empréstimos e cobrança das dívidas por eles geradas. Esses dois conjuntos de ações operam de forma simultânea e complementar, com as ações de caráter mais pedagógico contribuindo para legitimar medidas de caráter mais impositivo.
Em trabalhos anteriores (Gaspar, 2022GASPAR, N. M. O apagamento de conflitos pelo uso da água associados a grandes projetos na avaliação dos vinte anos da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 33., 2022, [online]. Anais […]. [S. l.: s. n.], 2022.), procurei demonstrar uma das maneiras pelas quais é exercida essa influência intelectual do BIRD sobre o campo dos recursos hídricos. Durante minha atuação como bolsista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)3 3 O Ipea é uma fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia. Ver: https://www.ipea.gov.br/portal/ (acessado em 05/07/2022). na avaliação oficial dos 20 anos da PNRH, em 2017, encomendada pela (então) Agência Nacional de Águas (ANA), chamou a minha atenção a expressiva influência de representantes do Banco Mundial na definição, principalmente, de aspectos tratados como problemáticos na PNRH e no SINGREH, na escolha das bacias ou regiões hidrográficas alvo de estudos de caso para analisar tais questões, na definição da metodologia de pesquisa a ser utilizada e na elaboração de recomendações para aprimoramento da política e do sistema. Naquela ocasião, estranhei também a não abordagem, na avaliação da PNRH, de conflitos pelo uso da água causados pela instalação e operação de grandes projetos de desenvolvimento e seus efeitos socioambientais negativos sobre a população, que frequentemente incluem danos hídricos que afetam povos e comunidades tradicionais ou etnicamente diferenciados, dada a extensa literatura existente a esse respeito (Comissão Pastoral da Terra, 2022COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Conflitos no campo: Brasil 2021. Goiânia: CPT Nacional, 2022.; Scott, 2012SCOTT, P. Descaso planejado: uma interpretação de projetos de barragem a partir da experiência da UHE Itaparica no rio São Francisco. In: ZHOURI, A. (org.). Desenvolvimento, reconhecimento de direitos e conflitos territoriais. Brasília: ABA, 2012. p. 122-146.; Zhouri; Oliveira; Lachefski, 2012ZHOURI, A.; OLIVEIRA, R.; LASCHEFSKI, K. A supressão da vazante e o início do vazio: água e “insegurança administrada” no Vale do Jequitinhonha-MG. In: ZHOURI, A. (org.). Desenvolvimento, reconhecimento de direitos e conflitos territoriais. Brasília: ABA, 2012. p. 147-195.; Zucarelli, 2021ZUCARELLI, M. C. A matemática da gestão e a alma lameada: crítica à mediação em licenciamentos e desastres na mineração. Campina Grande: EDUEPB, 2021.; entre outros).
A participação observante na elaboração dessa avaliação da PNRH, somada à análise dos seus resultados e à etnografia de documentos relacionados ao projeto, contribuíram para a investigação do papel das ferramentas metodológicas utilizadas pelo Banco Mundial para difundir suas ideias por meio de estudos e pesquisas. Artefatos como a Matriz de Avaliação utilizada nesse estudo sobre a PNRH e o SINGREH (Banco Mundial, 2018BANCO MUNDIAL. Diálogos para o aperfeiçoamento da política e do sistema de recursos hídricos no Brasil: volume I: relatório consolidado. Brasília: Banco Mundial, 2018., p. 53-56), ao mesmo tempo que atuam no direcionamento dos resultados da pesquisa, obliteram enviesamentos metodológicos - como a seleção de entrevistados, participantes de grupos focais e referências bibliográficas que corroboram as diretrizes do BIRD sobre o governo das águas. Além disso, a padronização de conteúdos e procedimentos, aliada aos artifícios já mencionados, constrói uma aparência de neutralidade técnica do estudo e de seus resultados, conferindo legitimidade e autoridade a posicionamentos e diretrizes que têm um caráter político,4 4 Tal como procedeu o Banco Mundial em projeto de desenvolvimento rural em Lesotho, estudado por Ferguson (2017). pois constituem um determinado ponto de vista sobre o governo das águas, entre muitos possíveis.5 5 Bronz (2022) identifica práticas que denomina de tecnopolíticas, que têm como um de seus aspectos marcantes essa despolitização realizada por especialistas - uma expertise que constitui instrumento a serviço da manutenção de uma certa ordem simbólica e que viabiliza grandes projetos de desenvolvimento, a despeito de seus efeitos socioambientais negativos.
A partir desses estranhamentos, que deram origem ao meu projeto de pesquisa de pós-doutorado, levantamentos preliminares, a partir da análise de documentos governamentais e do banco, permitiram delinear a expressiva influência do Banco Mundial na formação, formulação e operação de dispositivos estatais (especialistas, burocracias e burocratas, agências, regulamentações) para os recursos hídricos no Brasil.
Em sua tese sobre a influência do Banco Mundial sobre as legislações dos quatro países onde se situa a Sistema Aquífero Guarani (SAG), Cínthia dos Santos (2020SANTOS, C. L. S. dos. O sistema aquífero Guarani e o Banco Mundial: neoliberalismo, soberania e hidropolítica. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Ambiental) - Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 55) identifica o que denomina de hidropolítica do Banco Mundial, definida como um conjunto coeso e amplo de ações com o objetivo de influenciar países em relação à criação de leis sobre os recursos hídricos, no sentido de promover o “progressivo distanciamento dos atores estatais do papel de prover os serviços de água, relegando-os à posição de regulador”. Direcionada a países “emergentes e de baixa renda”, a política de água do banco consiste, na análise da autora, em uma influência acadêmica e política baseada em uma visão específica sobre a água e na compreensão subjacente e estratégica de que a água e seus múltiplos usos são um importante componente para a estabilidade política de um dado espaço.6 6 No trabalho de Pedro Gondim (2019) sobre a “crise da água” no município paulista de Itu, é perceptível o papel do acesso regular à água para a estabilização política. Itu remunicipalizou o abastecimento de água em 2017, após crise geral de abastecimento no período em que esse serviço era prestado por concessionária privada. Desse modo, o Banco Mundial beneficia empresas que querem explorar recursos hídricos e, além disso, “financia a produção científica e a criação de marcos regulatórios e outros instrumentos de gestão nos países” (Santos, 2020SANTOS, C. L. S. dos. O sistema aquífero Guarani e o Banco Mundial: neoliberalismo, soberania e hidropolítica. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Ambiental) - Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 23).
Ao final dos anos 1990, o Banco Mundial passou a financiar ações sobre corpos d’água que ocorrem em mais de um estado nacional, as chamadas “águas transfronteiriças”, e hoje é uma das instituições que mais atuam nesse tema no mundo. Outro tema que se constitui hoje em uma espécie de especialidade do banco é o de “estratégias de adaptação à seca”. Em ambos os casos, o continente africano constituiu um grande laboratório para os projetos do Banco Mundial e a construção de sua experiência e autoridade nessas temáticas (Santos, 2020SANTOS, C. L. S. dos. O sistema aquífero Guarani e o Banco Mundial: neoliberalismo, soberania e hidropolítica. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Ambiental) - Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.). Na região da América Latina e do Caribe, há atualmente 30 projetos ativos que envolvem a área de recursos hídricos, em 12 países. Desses projetos ativos, seis estão em curso no Brasil, dois deles no estado da Paraíba, dois no Ceará, um no Espírito Santo e um no estado de São Paulo (World Bank, [2023]WORLD BANK. Projects. Projects list. The World Bank, [s. l.], [2023]. Disponível em: Disponível em: https://projects.worldbank.org/en/projects-operations/projects-list?mjsectorcode_exact=WX®ionname_exact=Latin%20America%20and%20Caribbean§or_exact=(Historic)Other%20water%20supply%20and%20sanitation^(Historic)Rural%20water%20supply%20and%20sanitation^(Historic)Urban%20water%20supply^(Historic)Water%20supply%20and%20sanitation%20adjustment^Ports%2FWaterways^Sanitation^Water%20Supply&os=0&status_exact=Active . Acesso em: 16 ago. 2023
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).
A análise de relatórios de projetos do Banco Mundial aponta para uma influência ainda maior e mais duradoura dessa instituição sobre o campo dos recursos hídricos no Brasil, e não somente no estudo do Ipea no qual trabalhei. No que se refere aos dispositivos estatais, a maior parte do aparato legal e institucional em matéria de água no país foi construída no âmbito dos projetos de caráter nacional do banco, que, em seus documentos, apresenta-se como um “parceiro” do Brasil na área de recursos hídricos, tendo ajudado na formulação da PNRH e na criação da ANA (World Bank, 2010WORLD BANK. Federal Water Resources Management Project - PROAGUAS: implementation completion and results report. Washington: World Bank, 22 Dec. 2010., 2019WORLD BANK. Federal Integrated Water Sector Project - INTERAGUAS: implementation completion and results report. Washington: World Bank, 29 Apr. 2019.).
O período da criação e regulamentação da PNRH e do SINGREH coincide com a gestão Wolfensohn na presidência do BIRD (1995-2005), na qual foi implementada, segundo Pereira (2009)PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial como ator político, intelectual e financeiro (1944-2008). 2009. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009., a reciclagem do programa neoliberal do Banco Mundial, com o propósito de ampliar e dar sustentabilidade política à sua implementação, e que teve a América Latina e o Caribe como principal campo de intervenção. Nesse período, na visão do autor, ocorreu a consolidação do BIRD como ator intelectual no cenário político internacional (Pereira, 2009PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial como ator político, intelectual e financeiro (1944-2008). 2009. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009., p. 237).
Em 1999, os debates sobre a criação da ANA foram abertos à “participação social” em um seminário promovido pela Presidência da República e pelo MMA, no qual foram discutidos um anteprojeto de lei e, também, possíveis aperfeiçoamentos à proposta do que viria ser o SINGREH. Participaram desse evento, principalmente, membros do poder público federal e dos estados, além de representantes e consultores técnicos do Banco Mundial. Não havia presença significativa de organizações ambientalistas ou movimentos sociais, apesar do destaque à gestão participativa por parte das “populações locais” nas decisões a respeito do setor de água conferido pelo presidente da República em seu pronunciamento na abertura do evento (Brasil, 2001BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos. Água: desafio para o próximo milênio: anais do seminário para discussão dos anteprojetos de lei para criação da ANA e do SNGRH, realizado em 27 de julho de 1999. Brasília: MMA, 2001., p. 19). Em seu discurso, o então presidente Fernando Henrique Cardoso apontou como dois principais problemas do setor de recursos hídricos no Brasil a poluição dos rios e a seca no Nordeste, destacando a parceria com o Banco Mundial, no projeto Pro-Águas, para a construção de açudes na região. Cardoso justificou a localização da ANA no MMA pela neutralidade desse ministério em relação a pressões de diferentes setores, esclarecendo que a “questão da irrigação em si” e a “questão das obras hídricas” ficariam a cargo do Ministério da Integração Nacional, enquanto a construção ou privatização de hidrelétricas seria de responsabilidade do Ministério das Minas e Energia (Brasil, 2001BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos. Água: desafio para o próximo milênio: anais do seminário para discussão dos anteprojetos de lei para criação da ANA e do SNGRH, realizado em 27 de julho de 1999. Brasília: MMA, 2001., p. 21). Do discurso do presidente, cabe ainda destacar a associação entre a poluição dos rios e o instrumento “cobrança pelo uso da água”, instituído pela PNRH por meio do princípio poluidor-pagador (Brasil, 2001BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos. Água: desafio para o próximo milênio: anais do seminário para discussão dos anteprojetos de lei para criação da ANA e do SNGRH, realizado em 27 de julho de 1999. Brasília: MMA, 2001., p. 22).
Em seguida, pronunciou-se também, nesse seminário, o representante do Banco Mundial, Sérgio Margulis, que elogiou a criação da agência e criticou a justificativa dada pelo presidente da República para a aplicação do instrumento econômico da cobrança, devido à pouca atenção conferida ao aspecto da escassez dos recursos hídricos (Brasil, 2001BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos. Água: desafio para o próximo milênio: anais do seminário para discussão dos anteprojetos de lei para criação da ANA e do SNGRH, realizado em 27 de julho de 1999. Brasília: MMA, 2001., p. 115). Margulis também criticou a destinação em lei de recursos específicos para o setor, que deveriam advir somente da cobrança pelo uso da água, diante da “crise fiscal”. Posteriormente, o artigo do anteprojeto de lei que fixava dotações orçamentárias da ANA na Lei Orçamentária Anual (LOA) foi vetado com base na recém-instituída Lei de Responsabilidade Fiscal (Brasil, 2000BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2000. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm . Acesso em: 10 set. 2023.
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; Scatimburgo, 2013SCATIMBURGO, A. L. O Banco Mundial e a política nacional de recursos hídricos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013.). É emblemático que, no seminário governamental destinado a discutir o anteprojeto de lei para a criação dos principais entes do SINGREH, as críticas do representante do Banco Mundial ao discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso, que pretendia destinar recursos orçamentários às novas instituições em vias de criação, foram rapidamente aceitas e incorporadas à legislação instituída.
O Banco Mundial já realizou 52 projetos na área de recursos hídricos no Brasil. Os dez primeiros, entre 1985 e 1987, incidiram sobre regiões do “semiárido rural” - todos os estados do Nordeste e Minas Gerais. O primeiro projeto de caráter mais geral e de abrangência nacional, o Pro-Águas, cuja primeira fase se estendeu de 1992 a 2000, com estudos para reforma institucional e regulatória, além de investimentos-piloto em seis empresas estatais de água e saneamento, visando a ampliação da participação privada no setor. A sua segunda fase, de 1998 a 2009, foi o período em que foram instituídos a PNRH, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), a ANA, vários conselhos estaduais de recursos hídricos, agências reguladoras estaduais e Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH). Paralelamente ao Pro-Águas, foi realizado o Pro-Sanear, com projetos-piloto em dois municípios paulistas, e que coincidiu com a instituição da Política Nacional de Saneamento Básico, em 2007 (Santos, 2020SANTOS, C. L. S. dos. O sistema aquífero Guarani e o Banco Mundial: neoliberalismo, soberania e hidropolítica. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Ambiental) - Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.).
Sucedeu-se o projeto Interáguas, de 2011 a 2018, que promoveu a continuação da reforma legal e institucional no setor de águas no Brasil; o treinamento de funcionários do SINGREH; a identificação de bacias hidrográficas críticas ou de especial interesse; a melhoria do estudo para concessão de serviços de água; a criação de um plano nacional de irrigação (concluído em 2013); melhoria do Sistema Nacional de Informação em Saneamento (SNIS); a criação do Atlas Esgoto; e ainda a realização de congressos, encontros, seminários com técnicos e formadores de opinião (Santos, 2020SANTOS, C. L. S. dos. O sistema aquífero Guarani e o Banco Mundial: neoliberalismo, soberania e hidropolítica. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Ambiental) - Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.).
Os relatórios finais desses projetos, elaborados pelo Banco Mundial, contêm avaliações sobre objetivos alcançados e sobre a performance dos tomadores de empréstimo e do próprio banco, além da identificação de experiências replicáveis ou insucessos que não devem ser repetidos em seções denominadas “lições aprendidas”. Esses documentos trazem pistas sobre a capacidade do Banco Mundial de promover a adesão dos dispositivos estatais brasileiros do campo dos recursos hídricos às suas diretrizes e suas variações ao longo do tempo em diferentes conjunturas políticas.
O relatório final do Pro-Sanear (World Bank, 2008WORLD BANK. Low Income Sanitation Technical Assistance Project - PROSANEAR: implementation completion and result report. Washington: World Bank, 9 June 2008.) demonstra que esse foi o projeto de caráter nacional que mais sofreu interferências e exigências por parte do governo federal, apesar da clara influência do projeto sobre instituições brasileiras. A performance do tomador de empréstimo foi classificada pelo banco como “moderadamente satisfatória” e foram feitas várias reformulações em relação ao projeto inicial. Na análise de Cínthia dos Santos (2020SANTOS, C. L. S. dos. O sistema aquífero Guarani e o Banco Mundial: neoliberalismo, soberania e hidropolítica. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Ambiental) - Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 170), é perceptível a dificuldade do banco de lidar com o recém-criado Ministério das Cidades, além da resistência a permitir que o governo brasileiro impusesse sua visão sobre o tema.
A coexistência de princípios contraditórios na implantação da política de saneamento, que se reflete nas alterações do projeto do Banco Mundial por parte do governo brasileiro, ao mesmo tempo que houve clara influência do banco sobre as instituições brasileiras, identificada por Santos (2020)SANTOS, C. L. S. dos. O sistema aquífero Guarani e o Banco Mundial: neoliberalismo, soberania e hidropolítica. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Ambiental) - Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., transparece na análise de Britto e Rezende (2017)BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017. sobre essa política governamental nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff. Na visão das autoras, nesse período, houve “avanços no sentido de se construir uma política universalista e democrática, mas também um movimento através do qual a participação privada e a lógica de mercantilização no saneamento” saíram fortalecidos (Britto; Rezende, 2017BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017., p. 563). Isso porque ambos os governos apresentaram, nos discursos e nas ações, “perspectivas de avanço do saneamento como direito social”, materializados na promoção do controle social por meio do funcionamento regular do Conselho e da Conferência Nacional das Cidades, na priorização de serviços e ações de saneamento em áreas ocupadas por populações de baixa renda e na busca por assegurar atendimento a populações do campo, da floresta e das águas, considerando seus aspectos socioculturais como determinantes de soluções de saneamento (Britto; Rezende, 2017BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017., p. 562). E promoveram elevação dos investimentos em saneamento a um outro patamar com a instituição dos programas PAC1 e PAC2, assegurando previsibilidade e regularidade na oferta de recursos. Paralelamente, contudo, foi aprovada em 2013, após muitos embates, uma portaria do Ministério das Cidades (Brasil, 2013BRASIL. Ministério das Cidades. Portaria nº 280, de 25 de junho de 2013. Altera o Manual de Instruções para Contratação e Execução dos Programas e Ações do Ministério das Cidades inseridos no Programa de Aceleração do Crescimento - PAC […]. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, ano 150, n. 121, p. 70, 26 jun. 2013. Disponível em: Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=26/06/2013&jornal=1&pagina=70&totalArquivos=120 . Acesso em: 28 maio 2024.
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) que possibilitou o acesso de recursos do Orçamento Geral da União por empresas privadas que detinham concessões de saneamento para empreendimentos de saneamento básico do PAC. Nesse período, o setor privado também se consolidou como ator cada vez mais capaz de representar seus interesses junto ao governo federal, através de associações e organizações, advogando um modelo de saneamento que garante o retorno de investimento às empresas privadas, com o governo subsidiando usuários de baixa renda (Britto; Rezende, 2017BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017., p. 566).
Abertura para a financeirização no período pós-golpe
As mudanças na implementação de políticas governamentais que tratam das águas no período posterior à deposição da presidenta Dilma Rousseff (e imediatamente anterior, considerando-se a entrada de capital estrangeiro no setor de saneamento impulsionada pela Operação Lava Jato), e também mais especificamente aquelas relativas à PNRH e ao SINGREH, revelam contornos de aprofundamento da adesão às diretrizes do Banco Mundial. Essas diretrizes passaram por uma reciclagem a partir da gestão iniciada em 1995, coincidente com o período que Pereira (2009)PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial como ator político, intelectual e financeiro (1944-2008). 2009. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. denominou de segundo estágio da liberalização econômica. Para o autor, não era almejado um desmantelamento do Estado, mas sim um redirecionamento da ação estatal em favor da fração financeira mais globalizada do capital. Em 2002, uma nova estratégia setorial do BIRD para os recursos hídricos insistia na priorização da construção de grandes represas e na privatização dos serviços de água potável e saneamento, com base na premissa de que, quanto maior o risco, maior o retorno econômico (Pereira, 2009PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial como ator político, intelectual e financeiro (1944-2008). 2009. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009., p. 255). Para tanto, entre outras diretrizes, o banco defende a criação de uma nova estrutura de produção de “bens públicos” (saúde, educação, saneamento, água, etc.) por meio de arranjos público-privados (Pereira, 2009PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial como ator político, intelectual e financeiro (1944-2008). 2009. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009., p. 264).
Foi exatamente nesse sentido que caminharam as políticas governamentais brasileiras relativas às águas, com mais velocidade no período pós-golpe. Nos setores de recursos hídricos e de saneamento, ocorreram mudanças que podem ser compreendidas no âmbito de um processo de financeirização, na medida em que abriram caminho para a comiditificação da água pelo mercado de capitais.
Britto e Rezende (2017)BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017. identificam os principais atores privados do setor de saneamento no Brasil, sua consolidação posterior à portaria de 2013 que permitiu o acesso a recursos do PAC e a mudança na composição acionária desses grupos, com forte ingresso de capital estrangeiro após a Operação Lava Jato,7 7 As empresas mais atuantes no setor de saneamento, até 2015/2017, eram de capital essencialmente nacional, com origem no setor de obras públicas. Com a abertura de recursos do PAC a concessionárias privadas em 2013, grandes empresas construtoras brasileiras investiram pesadamente no setor de saneamento, através da criação de novas empresas, como a Foz do Brasil (parte do Grupo Odebrecht) e a Cab Ambiental (parte do grupo Queiroz Galvão). No contexto da Operação Lava Jato, contudo, boa parte das empresas privadas de saneamento venderam ações a empresas estrangeiras: em 2015, o grupo japonês Itochu comprou parte do capital acionário da Queiroz Galvão na empresa Águas do Brasil; em 2017, a gestora canadense Brookfield adquiriu 70% das ações da Odebrecht Ambiental (Britto; Rezende, 2017, p. 572-573). à luz do processo que denominam de financeirização, explicando como ocorre a participação do capital financeiro no setor. Para as autoras, a financeirização no setor de saneamento está atrelada a uma lógica mercantilizadora da gestão das águas, em geral, e dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, em particular. A mercantilização se dá por meio da inserção da água na circulação de dinheiro e capital, que a transforma em uma commodity, gerando dependência em relação a uma política de preços e promovendo a sua progressiva submissão a processos de financeirização e ao “mercado de futuros” (Britto; Rezende, 2017BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017., p. 558).
As autoras mostram que o financiamento do setor de saneamento no Brasil, a partir de 2013, passou a provir de fundos de natureza privada, mas largamente constituídos por recursos públicos, permitindo seu emprego no mercado de capitais. Como o Fundo de Investimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FI-FGTS), fundo de natureza privada que atua como agente investidor, gerido pela Caixa Econômica Federal (CEF), que pode participar de projetos contratados sob a forma de parceria público-privada (PPP). E o Caixa Fundo de Investimento Participações Saneamento, constituído em 2010 sob a forma de condomínio fechado, destinado a investidores qualificados, com o principal objetivo de aquisição de participação acionária em companhias de saneamento e em projetos de desenvolvimento do setor (Britto; Rezende, 2017BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017., p. 570). Em 2016, o governo federal lançou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), coordenado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para projetos de parcerias com a iniciativa privada para investimentos em abastecimento de água e esgotamento sanitário. Em 2017, o BNDES divulgou resultado de edital para contratação de serviços técnicos de modelagem da privatização de diversas companhias estaduais de saneamento, como aconteceu com a Corsan (RS) em 2022.
Esse mecanismo de financiamento do setor do saneamento, bem como o seu alinhamento às diretrizes difundidas pelo Banco Mundial, pode ser melhor compreendido quando situado no conjunto de estratégias do Grupo Banco Mundial (GBM) para o Brasil, formalizado no documento Estratégia de parceria de país (Country partnership framework - CPF, na sigla em inglês), lançado na sede do banco em Washington, nos Estados Unidos, em julho de 2017, e referente ao período 2018-2023. Esse CPF foi elaborado para orientar a atuação no Brasil de três instituições que integram o Grupo Banco Mundial8 8 O Grupo Banco Mundial (GBM) é formado por sete organizações: BIRD, Associação Internacional para o Desenvolvimento (AID), IFC, Centro Internacional para Conciliação de Divergências em Investimentos (CICDI), MIGA, Instituto Banco Mundial (IBM) e Painel de Inspeção. Mas o Banco Mundial é formado por apenas duas: BIRD e AID. O conjunto de agências do GBM é subordinado a uma mesma estrutura político administrativa em sua instância superior, onde estão os governos dos países acionistas, através do Conselho de Governadores e do Conselho de Diretores Executivos, que exercem o controle do poder de decisão. Contudo, a IFC, a MIGA e o CICDI contam com estruturas organizacionais e equipes próprias, além de padrões de operação distintos dos padrões do BIRD e da AID (Barros, 2001, p. 31). - o BIRD, a Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês)9 9 De acordo com Pereira (2009), a IFC foi criada em 1956 como uma organização complementar ao BIRD, com o objetivo de apoiar e financiar diretamente, e sem o aval governamental, a expansão do setor privado em países “pobres” e de “renda média”, sendo a principal fonte de crédito no mercado internacional para esse fim. A IFC financia projetos empresariais específicos, provê assistência financeira para corporações interessadas em angariar fundos no mercado de capitais, participa como acionista (sempre minoritária) do capital de empresas e empresta para bancos intermediários. Embora os empréstimos que concede não dependam do aval governamental, a IFC atua na intermediação de interesses públicos e privados, na medida em que “atua fortemente junto aos Estados para catalisar recursos públicos, agilizar o trâmite legal dos negócios e emprestar o seu selo a determinadas iniciativas empresariais” (Pereira, 2009, p. 30). e a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA, na sigla em inglês).10 10 A MIGA foi criada em 1988 para fomentar a expansão de empresas multinacionais. Fornece seguros (garantias) contra riscos “não comerciais” ou políticos tanto a empresários quanto a financiadores, tais como instabilidade política e apropriação de bens por parte dos Estados. Também assessora governos a formular políticas favoráveis à atração de investimento estrangeiro (Santos, 2020, p. 102).
O documento tem como foco geral a redução de riscos para intervenções privadas. A estratégia de parceria para o Brasil está dividida em três áreas: consolidação fiscal e eficácia do governo; investimento e produtividade do setor privado; e desenvolvimento equitativo e sustentável. Cada uma dessas áreas contém focos aos quais são vinculados uma série de objetivos, cuja exposição é precedida por quatro ou cinco parágrafos que procuram contextualizar e justificar o conjunto das estratégias a serem adotadas naquela área.
É na terceira área que se concentram a maior parte das diretrizes que incidem sobre as águas, mas cabe chamar a atenção para alguns aspectos da Área 2, que tem como focos o investimento do setor privado e o crescimento da produtividade. Nos parágrafos introdutórios que apresentam essa “área-foco”, o GBM manifesta a intenção de “desenvolver instrumentos financeiros que ajudem a mobilizar o investimento do setor privado em projetos de infraestrutura de longa duração” (International Bank for Reconstruction and Development; International Finance Corporation; Multilateral Investment Guarantee Agency, 2017INTERNATIONAL BANK FOR RECONSTRUCTION AND DEVELOPMENT; INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION; MULTILATERAL INVESTMENT GUARANTEE AGENCY. Country partnership framework for the Federative Republic of Brazil for the period FY2018-FY2023. [S. l.]: World Bank Group, 2017., p. 24, tradução minha). O detalhamento do objetivo 2.3 da Área 2, que é o de mobilizar “maiores investimento em infraestrutura para melhorar serviços, incluindo parcerias público privadas (PPP)”, esclarece melhor em que consistem tais “instrumentos financeiros”: bancos “públicos de desenvolvimento devem mudar seu modelo de negócios, para, em vez dos empréstimos diretos de fundos subsidiados, usar seus custos menores de financiamento para reduzir os riscos dos projetos, mobilizando assim capitais privados”, com vistas a atrair capital privado para investimento em infraestrutura (International Bank for Reconstruction and Development; International Finance Corporation; Multilateral Investment Guarantee Agency, 2017INTERNATIONAL BANK FOR RECONSTRUCTION AND DEVELOPMENT; INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION; MULTILATERAL INVESTMENT GUARANTEE AGENCY. Country partnership framework for the Federative Republic of Brazil for the period FY2018-FY2023. [S. l.]: World Bank Group, 2017., p. 26-27, tradução minha). Tudo indica que essa estratégia vem se materializando, pois, em 2023, o setor de saneamento se tornou o principal cliente do BNDES, sendo o maior destino de financiamentos em comparação com outros segmentos (Rigamonti, 2023RIGAMONTI, S. Saneamento é maior destino dos financiamentos do BNDES em 2023. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 ago. 2023. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/08/saneamento-e-maior-destino-dos-financiamentos-do-bndes-em-2023.shtml . Acesso em: 21 ago. 2023.
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).
Quanto ao setor de recursos hídricos, a análise do relatório final do projeto de caráter nacional do BIRD então vigente, aliada à sistematização das mudanças institucionais implementadas no governo Bolsonaro, e a propostas legislativas encaminhadas ao Congresso Nacional, permitem perceber que uma série de medidas convergem para a criação de condições para a comoditificação da água.
O relatório final do projeto Interáguas (World Bank, 2019WORLD BANK. Federal Integrated Water Sector Project - INTERAGUAS: implementation completion and results report. Washington: World Bank, 29 Apr. 2019.) reflete a mudança da conjuntura política do país, revelando o irrestrito alinhamento dos governos pós-golpe às diretrizes do Banco Mundial para o gerenciamento dos recursos hídricos. A avaliação do projeto, que teve início em 2011 (portanto, ainda no governo Dilma Rousseff), demonstra a dificuldade do banco, nos anos iniciais, em lidar com o conjunto de instituições então encarregadas de diferentes facetas do governo das águas, o que figura no documento como “inovação do modelo de atuação” do Banco Mundial devido à necessidade de mediação de diferentes atores estatais - MMA, ANA, Ministério das Cidades, Ministério da Integração Nacional (responsável por sistemas de irrigação e gestão de desastres naturais). Ao final do texto, há um prognóstico positivo sobre o governo Bolsonaro, que estaria “alinhado com as transformações institucionais realizadas pelo Interáguas, e destaca o papel quase estatal que esse projeto do Banco Mundial assumiu no país” (Santos, 2020SANTOS, C. L. S. dos. O sistema aquífero Guarani e o Banco Mundial: neoliberalismo, soberania e hidropolítica. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Ambiental) - Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 172). O relatório traz anexada uma correspondência com comentários do diretor da ANA ao documento, que avalia que “por meio da execução do Interáguas foram trazidas contribuições significativas para o melhor planejamento e estruturação do setor de água no Brasil. Essa constatação se materializa na junção dos setores envolvidos no projeto em um ministério único, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR)” (World Bank, 2019WORLD BANK. Federal Integrated Water Sector Project - INTERAGUAS: implementation completion and results report. Washington: World Bank, 29 Apr. 2019., p. 60, tradução minha).
Em 2019, através de medida provisória, convertida em lei (Brasil, 2019aBRASIL. Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019. Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Brasília: Presidência da República, 2019a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/mpv/mpv870.htm . Acesso em: 28 maio 2024.
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, 2019bBRASIL. Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019. Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios […]. Brasília: Presidência da República, 2019b. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13844.htm . Acesso em: 28 maio 2024.
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), foi criado o Ministério do Desenvolvimento Regional, com a PNRH em sua competência. Foram trasladados para o MDR todos os órgãos do sistema federal de recursos hídricos, inclusive a ANA e o CNRH. Na estrutura organizacional do MDR, foi criada a Secretaria Nacional de Segurança Hídrica (SNRH) composta, entre outros, pelo Departamento de Recursos Hídricos e de Revitalização de Bacias Hidrográficas (DRHB). Outra mudança ocorreu com a Lei nº 14.026, de julho de 2020 (Brasil, 2020BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento […]. Brasília: Presidência da República, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm . Acesso em: 28 maio 2024.
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), que atualizou o Marco Legal do Saneamento e atribuiu à ANA a competência para editar normas de referência sobre o serviço de saneamento. A agência passou a ser denominada “Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico”. De acordo com Aguiar e Heller (2021)AGUIAR, A. M.; HELLER, L. Saneamento básico no Brasil: perspectivas e a saúde das cidades. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2021. (Textos para Discussão, n. 76)., duas diretrizes sintetizam as principais mudanças na política de saneamento decorrentes dessas transformações institucionais - a limitação de alternativas disponíveis aos municípios e o incentivo à participação do setor privado na prestação de serviços de água e esgoto. Com relação ao setor de recursos hídricos, o traslado das principais instituições do MMA para o MDR, além do claro conflito de interesses por tratar-se da mesma pasta responsável por grandes obras e projetos como agricultura de larga escala, revela um aprofundamento do tratamento da água como insumo de processos produtivos, em detrimento de seus atributos ecossistêmicos.11
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No primeiro dia de seu governo, por meio do decreto nº 11.349/2023 (Brasil, 2023), o presidente Lula da Silva retornou com a ANA e demais órgãos do SINGREH ao MMA, retomando a concepção anterior, apesar da manutenção da atribuição à ANA da responsabilidade pelo saneamento e da nova nomenclatura dessa agência.
Em setembro de 2019, foram alteradas a composição e as atribuições do CNRH, com redução do número de conselheiros e extinção da garantia de custeio de diárias e passagens dos membros representantes da sociedade civil. Na análise de Neves (2023)NEVES, E. M. S. C. Águas doces e políticas públicas federais. In: GOMIDE, A. de A.; SILVA, M. M. de S.; LEOPOLDI, M. A. (ed.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: Ipea: INCT/PPED, 2023. p. 157-184., o desmonte de políticas públicas na área de recursos hídricos no período 2016-2022, marcado principalmente pela mudança de área das instituições responsáveis por sua implementação, “inviabilizou as iniciativas de governança que dependem da ação cooperativa com a área ambiental e piorou as condições de participação dos stakeholders” (Neves, 2023NEVES, E. M. S. C. Águas doces e políticas públicas federais. In: GOMIDE, A. de A.; SILVA, M. M. de S.; LEOPOLDI, M. A. (ed.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: Ipea: INCT/PPED, 2023. p. 157-184., p. 178). Na visão da autora, a gestão de recursos hídricos também foi prejudicada pela redução de gastos nas políticas ambientais, no período 2019-2021, com efeitos, por exemplo, na redução de ações de fiscalização da poluição e do desmatamento.
Ao final de 2021, o governo federal encaminhou diretamente à Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL) (Brasil, 2021BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei [nº 4.546]. Institui a Política Nacional de Infraestrutura Hídrica, dispõe sobre a organização da exploração e da prestação dos serviços hídricos […]. Brasília: Câmara dos Deputados, 2 dez. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2127753&filename=PL%204546/2021 . Acesso em: 28 maio 2024.
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) ainda mais drástico, em comparação às mudanças já efetuadas, no sentido de promover a comoditificação da água, visando criar a “política nacional de infraestrutura hídrica” e organizar “serviços hídricos”, categorias inexistentes até então (Neves, 2023NEVES, E. M. S. C. Águas doces e políticas públicas federais. In: GOMIDE, A. de A.; SILVA, M. M. de S.; LEOPOLDI, M. A. (ed.). Desmonte e reconfiguração de políticas públicas (2016-2022). Brasília: Ipea: INCT/PPED, 2023. p. 157-184., p. 170). Esse PL retoma aspectos de proposta de mudança no regime de gestão de recursos hídricos, encaminhada pelo Senado em 2017 (Brasil, 2017BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 495, de 2017. Altera aLei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997 , para introduzir os mercados de água como instrumento destinado a promover alocação mais eficiente dos recursos hídricos. Brasília: Senado Federal, 2017. Disponível em: Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7334551&ts=1674178363753&disposition=inline . Acesso em: 28 maio 2024.
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), abrindo caminho para que permissionários de outorga de uso de recursos hídricos possam negociar livremente seu direito de uso com usuários da mesma bacia hidrográfica, criando um “mercado de água”. O PL encaminhado pelo governo ainda retira dos CBH a atribuição de aprovar os planos de bacia e permite a associação de prestadores de serviço para estabelecer normas de referências para o uso da água.
Da água como mercadoria à água como commodity
Os dispositivos estatais para o governo das águas no Brasil têm se baseado numa concepção da água como insumo de processos produtivos, em detrimento de seus atributos ecossistêmicos e de sua importância para os modos de vida das populações do campo, principalmente desde a instituição da Lei das Águas, em 1997 (Brasil, 1997BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos […]. Brasília: Presidência da República, 1997. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm . Acesso em: 28 maio 2028.
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). A PNRH define a água como um “bem de domínio público”12
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Bem de domínio público ou bem de uso comum do povo são aqueles que não pertencem ao Estado, mas a toda a coletividade, sem uma destinação específica, como, por exemplo, os mares, rios, estradas, ruas e praças (Agência Nacional de Águas, 2019).
e, ao mesmo tempo, como um “recurso natural limitado, dotado de valor econômico”.
Essa definição, bem como o estabelecimento do instrumento “cobrança pelo uso da água” (Brasil, 1997BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos […]. Brasília: Presidência da República, 1997. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm . Acesso em: 28 maio 2028.
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, art. 19-22), abriram caminho para o tratamento da água como mercadoria desde a instituição da PNRH, em 1997. A própria existência de uma política governamental específica para os recursos hídricos, separada da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) (Brasil, 1981BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1981. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm . Acesso em: 28 maio 2024.
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), é o que permite a Pagnoccheschi (2016)PAGNOCCHESCHI, B. Governabilidade e governança das águas no Brasil. In: MOURA, A. M. M. de (org.). Governança ambiental no Brasil: instituições, atores e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2016. observar que a PNRH considera a água não só por seus atributos ecossistêmicos, mas também como insumo de processos produtivos. Contribui também para a conformação de todo um campo intelectual, acadêmico, institucional e político específico dos recursos hídricos, não necessariamente afinado com a área ambiental. A existência dessa separação tornou possível, ou pelo menos facilitou, o posterior traslado da PNRH e do SINGREH do MMA para o MDR, a despeito do flagrante conflito de interesses, no contexto de uma conjuntura política totalmente desfavorável à preservação ambiental, como foi o governo Bolsonaro. Ao mesmo tempo, a gestão dos recursos hídricos também é institucionalmente separada das grandes obras de abastecimento urbano, saneamento, irrigação e represamento para geração de energia hidrelétrica, ainda que esteja recomendada a integração de todos esses aspectos no nível dos planejamentos governamentais e setoriais e nas representações de diferentes instituições nos colegiados de recursos hídricos.
Como visto, boa parte dos conceitos e dispositivos da PNRH estiveram alinhados, desde a sua instituição, com as diretrizes difundidas pelo Banco Mundial. A abertura para o tratamento da água como mercadoria se coaduna com a tendência à apropriação privada de recursos naturais, quase sempre associada à expropriação de populações locais, já promovida pelos projetos financiados e estimulados pelo Banco Mundial desde a sua fundação, em 1944.
A atuação do Banco Mundial na América Latina data desde os anos 1950, principalmente com financiamentos ao setor elétrico, seguidos da predominância de financiamentos aos setores de transportes e de infraestrutura nos anos 1960-1970. Com o aumento da importância da pauta ambiental nos países financiados e internacionalmente, processo que Lopes (2004)LOPES, J. S. L. A “ambientalização” dos conflitos sociais: participação e controle público da poluição industrial. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. denomina de ambientalização, e com o crescimento de denúncias de danos ambientais e a populações locais em projetos financiados pelo BIRD (Barros, 2001BARROS, F. Introdução. In: VIANNA JR, A. et al. Banco Mundial: participação, transparência e responsabilização: a experiência brasileira com o Painel de Inspeção. Brasília: Rede Brasil, 2001. p. 37-78.), o banco incorporou exigências ambientais para concessão de financiamentos e passou a promover o discurso do desenvolvimento sustentável. Desse modo, ao longo dos anos 1980-1990, ocorreram o que Escobar (1995)ESCOBAR, A. Encountering development: the making and unmaking of the Third World. Princeton: Princeton University Press, 1995. analisou como mudanças na formação discursiva do desenvolvimento, que tiveram como marco, em 1987, a criação do departamento de meio ambiente de alto nível do Banco Mundial, o Fundo Global para o Meio Ambiente (Global Environment Facility - GEF, na sigla em inglês). O antropólogo colombiano chama a atenção para o fato de que essas mudanças não foram acompanhadas de mudanças na prática discursiva (Escobar, 1995ESCOBAR, A. Encountering development: the making and unmaking of the Third World. Princeton: Princeton University Press, 1995., p. 154).
Escobar (1995)ESCOBAR, A. Encountering development: the making and unmaking of the Third World. Princeton: Princeton University Press, 1995. entende o advento do conceito de desenvolvimento sustentável13 13 Para uma análise crítica da genealogia da noção de desenvolvimento sustentável e seu emprego por instituições multilaterais como o Banco Mundial, ver Ribeiro (1991). no contexto de uma mudança no discurso do desenvolvimento com potencial para colonizar as últimas áreas do Terceiro Mundo ainda não completamente governadas pela lógica do indivíduo e do mercado - os direitos sobre a água, as florestas e bosques sagrados. Para o autor, a atuação do Banco Mundial a partir da criação do GEF é pautada por um discurso que tem como premissa a aceitação da escassez de recursos como um dado, o que leva seus proponentes à busca por formas mais eficientes de usar os recursos. Desse modo, as políticas elaboradas com base na premissa da escassez se restringem a promover o gerenciamento racional dos recursos. Na medida em que aceitam essa pressuposição, aceitam também o imperativo da acumulação de capital, do crescimento material e do disciplinamento do trabalho e da natureza (Escobar, 1995ESCOBAR, A. Encountering development: the making and unmaking of the Third World. Princeton: Princeton University Press, 1995., p. 195-196).
Esse potencial vislumbrado por Escobar, mediante o acréscimo do adjetivo “sustentável” à ideologia/utopia do desenvolvimento e todas as suas implicações, realiza-se na expansão das possibilidades de mercantilização dos bens naturais concretizadas por iniciativas que, no Brasil, tomam a forma, por exemplo, do mercado de carbono (prestes a ser regulamentado14 14 Ver Governo […] (2023). ) e de propostas legislativas que abrem caminho para a formação de um mercado de águas (como visto na segunda parte deste artigo).
O discurso do desenvolvimento sustentável, baseado na premissa da escassez, esconde que é justamente o modelo do desenvolvimento que produz a escassez. Isso é particularmente evidente nas questões relativas ao uso da água, tida como recurso renovável por meio do ciclo hidrológico - a quantidade de água doce disponível para a vida é praticamente a mesma desde a última glaciação, que ocorreu entre 12.000 e 18.000 anos atrás (Porto-Gonçalves, 2005PORTO-GONÇALVES, C. W. Água não se nega a ninguém: a necessidade de ouvir outras vozes. In: PARREIRA, C.; ALIMONDA, H. (org.). Políticas públicas ambientais latino-americanas. Brasília: Flacso-Brasil: Editorial Abaré, 2005. p. 115-144., p. 117).
Nesse aspecto, cabe considerar contribuições do campo relacional que tem se autodenominado como “antropologia da água” (Ballestero, 2019BALLESTERO, A. The anthropology of water. The Annual Review of Anthropology, [s. l.], v. 48, p. 405-421, 2019.), que procura transcender as distinções natureza/cultura com base na constatação de que os aspectos sociais e ecológicos da água são separados apenas por convenção.15 15 Ballestero (2019) apresenta uma visão geral do campo da “antropologia da água” organizado em quatro agrupamentos temáticos: (in)suficiência - como seres humanos e não humanos lidam com a escassez, o excesso e até mesmo a infinidade da água; corpos e seres - as qualidades vivazes e multifacetadas por meio das quais a água faz corpos e pessoas e como a água é ela mesma um meio para diferentes formas de vida; conhecimento - como diferentes regimes de conhecimento incorporam a água em histórias, políticas e valores particulares; e propriedade - antropólogos dedicaram especial atenção às relações entre a propriedade da água e distinções entre formas comunitárias, públicas ou privadas de posse, bem como os direitos e formas de legitimidade a elas associadas. Na visão da autora, o conjunto desses agrupamentos temáticos destaca questões relacionadas à materialidade, à política ontológica e à economia política. Com inspiração na ecologia política e no impulso a rejeitar dualismos cartesianos, antropólogos recorreram à ideia de ciclo hidrossocial para analisar como as pessoas vivem com a água no cotidiano e como lidam com eventos extremos relacionados à água, em contraposição ao conceito de ciclo hidrológico, forjado no século XIX, que descreve como a água circula num ciclo contínuo e sem fim, como uma máquina homeostática. Para a autora, a noção de um ciclo hidrológico contínuo reflete sonhos de reprodução infinita e torna a água um recurso renovável, pois é remanescente das promessas fracassadas da modernidade (Ballestero, 2019BALLESTERO, A. The anthropology of water. The Annual Review of Anthropology, [s. l.], v. 48, p. 405-421, 2019., p. 407).
Para Porto-Gonçalves (2005)PORTO-GONÇALVES, C. W. Água não se nega a ninguém: a necessidade de ouvir outras vozes. In: PARREIRA, C.; ALIMONDA, H. (org.). Políticas públicas ambientais latino-americanas. Brasília: Flacso-Brasil: Editorial Abaré, 2005. p. 115-144., como as atividades humanas atingiram proporções globais, tornou-se indispensável compreender o ciclo da água como socialmente mediado e em toda a sua complexidade, pois é diretamente implicado pela dinâmica atual de economias globais (Porto-Gonçalves, 2005PORTO-GONÇALVES, C. W. Água não se nega a ninguém: a necessidade de ouvir outras vozes. In: PARREIRA, C.; ALIMONDA, H. (org.). Políticas públicas ambientais latino-americanas. Brasília: Flacso-Brasil: Editorial Abaré, 2005. p. 115-144.). Em outras palavras, é o sistema de acumulação calcado em grandes projetos de desenvolvimento que promove o consumo desenfreado dos recursos naturais, a alteração nos modos de vida de populações rurais, tradicionais ou etnicamente diferenciadas e a grande concentração populacional em ambientes urbanos dependentes de quantidades crescentes de energia, água e bens industrializados. Diante da magnitude da destruição e do consumo de bens naturais promovidos por esse modelo do desenvolvimento, o alcance de medidas tecnológicas para redução do desperdício e minimização da poluição reunidos sob a alcunha da “racionalização do uso” se mostra claramente insuficiente.
Strang (2019)STRANG, V. Water. In: STEIN, F. (ed.). The Open Encyclopedia of Anthropology. Facsimile of the first edition in The Cambridge Encyclopedia of Anthropology. [S. l.]: Open Encyclopedia of Anthropology, 2019. Disponível em: Disponível em: http://doi.org/10.29164/19water . Acesso em: 10 set. 2023.
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constata que a centralidade da água para os processos de produção conduz ao reconhecimento intercultural do seu papel de possibilitar a agência humana e a geração de riqueza, o que torna o controle sobre a água intrinsicamente ligado ao poder político e econômico. Nesse sentido, pesquisas históricas e etnográficas têm demonstrado que a maneira pela qual a água é controlada e distribuída espelha relações sociais, políticas e ambientais. Do mesmo modo, mudanças ideológicas também são refletidas na água. Em sociedades industriais, o foco no instrumentalismo (uma determinação para agir diretivamente no ambiente material) foi exportado para várias partes do mundo via colonialismo (literal ou econômico) sob o disfarce do desenvolvimento. A autora demonstra que, a despeito de casos de países como a Bolívia, onde pressão exercida pelo Banco Mundial sobre o governo para a privatização da água para saldar dívidas internacionais desencadeou a revolta dos cidadãos e uma “guerra da água” nos anos 2000, que resultou na retomada da propriedade pública sobre as águas, e na tomada de consciência de alguns governos sobre os efeitos da privatização das águas, o processo de mudança nos padrões de propriedade da água continua de várias formas, através de tipos de parcerias público-privadas, de mecanismos como a criação de corporações estatais que reformam autoridades locais ou regionais sobre as águas segundo padrões de companhias privadas, às vezes separando a parte operacional lucrativa da parte mais custosa de manutenção da infraestrutura, que permanece como responsabilidade estatal (Strang, 2019STRANG, V. Water. In: STEIN, F. (ed.). The Open Encyclopedia of Anthropology. Facsimile of the first edition in The Cambridge Encyclopedia of Anthropology. [S. l.]: Open Encyclopedia of Anthropology, 2019. Disponível em: Disponível em: http://doi.org/10.29164/19water . Acesso em: 10 set. 2023.
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, p. 8).
Um dos aspectos destacados por Svampa (2019SVAMPA, M. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. São Paulo: Editora Elefante, 2019., p. 25) para diferenciar o neoextrativismo do extrativismo, esse último vinculado à expansão europeia e à conquista e ao genocídio perpetrados na América Latina em sua dimensão histórico-estrutural, é a capacidade da ideia de neoextrativismo de iluminar problemáticas multiescalares - um modo de produção baseado em atividades que removem grandes volumes ou alta intensidade de recursos naturais não processados (ou pouco processados) destinados à exportação, caracterizado pelo consumo intensivo de água, energia e recursos.
Por esses critérios, relativo às problemáticas multiescalares acionadas pelo neoextrativismo e à magnitude das mudanças e danos por ele promovidas, parece haver mais continuidades do que rupturas em relação ao extrativismo e ao desenvolvimentismo. A análise das políticas governamentais relacionadas às águas aponta para esse sentido. Isso porque as mudanças perpetradas pela Lei das Águas desde a sua instituição - como o instrumento da cobrança pelo uso da água, o instrumento da outorga pelo uso da água para equacionar interesses conflitantes de grandes usuários de uma mesma bacia hidrográfica, a representação de grandes usuários nos colegiados de recursos hídricos, entre outros - são mecanismos que criam condições para a intensificação da apropriação da água por grandes projetos em detrimento das populações locais por eles afetadas. Em outras palavras, são “mudanças” que permitem a perpetuação do modelo do desenvolvimento, mas com a ampliação de sua magnitude. A perpetuação do modelo é respaldada na assimilação superficial das críticas e denúncias aos seus efeitos negativos por meio do discurso do desenvolvimento sustentável, ancorado também na difusão de práticas ditas “participativas”.16 16 As metodologias, práticas e rituais de “participação” propagadas pelo Banco Mundial já foram bastante estudados pela antropologia (por exemplo: Mosse, 2005; Salviani, 2012; Souza Lima, 2015). Trata-se de práticas que, em suas dimensões “pedagógicas” e “técnicas performativas” (Souza Lima, 2007, p. 423), propõem uma revisão dos modelos de planejamento “de cima para baixo”, mas o que operam é na verdade uma reinscrição das relações de poder entre os especialistas e os sujeitos pesquisados.
Desse modo, cabe indagar se é possível considerar como mudanças essas ampliações de magnitude e alcance, esse último relacionado à constante expansão das fronteiras - das áreas, bens naturais e populações que vão sendo assimiladas aos grandes projetos (Castro, 2012CASTRO, E. M. R. de. Expansão da fronteira, megaprojetos de infraestrutura e integração sul-americana. Caderno CRH, Salvador, v. 25, n. 64, p. 45-61, jan./abr. 2012.). Ou se o que ocorre são transformações contidas nas próprias premissas desse modelo, ancorado nas ideias/utopias de “progresso”, “crescimento”, e a própria noção de desenvolvimento.
Ao identificar importantes aspectos dos projetos de desenvolvimento comuns aos “projetos de infraestrutura de grande escala (PGEs)”, tratados como expressões extremas do campo do desenvolvimento devido às suas características estruturais - entre elas, o tamanho do capital, dos territórios e quantidade de pessoas que eles controlam e a magnitude dos danos sociais e ambientais que causam -, Ribeiro (2014RIBEIRO, G. L. Outras globalizações: cosmopolíticas pós-imperialistas. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2014., p. 150) traz a importância da escala para a própria conceituação dessas intervenções, já anunciada em várias análises que recorrem ao adjetivo “grande” para fazer referência a elas. Ao “gigantismo” que torna tais projetos lócus fundamentais para a reflexão mais recente do autor sobre a importância de considerar questões relativas à escala no pensamento antropológico (Ribeiro, 2023RIBEIRO, G. L. Scales, levels of agengy and condensation. Anuário Antropológico, Brasília, v. 48, n. 2, p. 13-35, 2023., p. 29), caberia acrescentar o adjetivo “crescente” para dar conta das características que os PGEs assumem na contemporaneidade. Trata-se de um gigantismo crescente, no qual cada nova onda de modificações opera no sentido de criar condições para que esses grandes projetos mobilizem volumes cada vez maiores de recursos - financeiros, humanos, naturais.
É na direção e no sentido desse crescente gigantismo que podem ser compreendidas as iniciativas para promover mudanças legais e institucionais que abrem caminho para a transformação da água, já tratada como mercadoria na legislação vigente no Brasil, em uma commodity, passível de ser negociada nas bolsas de valores. A criação de diferentes meios pelos quais a água possa passar a integrar fundos de investimentos capazes de captar recursos nos mercados de capitais amplia a rede de agentes com poder de influenciar a configuração e as tendências do campo dos recursos hídricos, agentes esses totalmente distantes, deslocados, e sem nenhuma forma de vínculo com os territórios e populações que efetivamente fazem uso da água no seu cotidiano. Amplia, também, o volume de recursos financeiros passíveis de serem mobilizados para investimentos em, por exemplo, reservatórios e redes de abastecimento de água e infraestruturas para coleta e tratamento de esgoto.
A comoditificação se dá por meio da inserção da água na circulação de dinheiro e capital, gerando dependência em relação a uma política de preços e promovendo a sua progressiva submissão a processos de financeirização e ao “mercado de futuros” (Britto; Rezende, 2017BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017., p. 558). Nesse contexto, tende a crescer o poder de influenciar decisões sobre o gerenciamento das águas por parte de agentes vinculados à indústria financeira, que, por sua vez, desempenha expressivo papel na produção de hierarquias globais. Ortiz (2021)ORTIZ, H. A political anthropology of finance: studying the distribution of money in the financial industry as a political process. Anthropological Theory, [s. l.], v. 21, n. 1, p. 3-27, 2021. explica que, ao produzir, coletar e distribuir dinheiro17 17 Ortiz (2021) explica que, além de ser produzido pelos Estados nacionais, o dinheiro também é produzido por bancos. Isso acontece na medida em que os bancos emitem empréstimos que se tornam depósitos (dentro de limites impostos pelas legislações estatais). Os bancos transferem esse pacote de empréstimos para uma entidade separada, que emite um bond, o ABS, que pode ser comprado por uma terceira parte, como uma companhia de investimentos, que passa a receber renda pelos pagamentos feitos pelos tomadores de empréstimo do banco (Ortiz, 2021, p. 10). pelo mundo afora, a indústria financeira permite que certas atividades se desenvolvam e exclui outras. As atividades que acessam o dinheiro administrado pela indústria financeira são redefinidas como “ativos” e frequentemente têm que se transformar de acordo com as exigências dessa indústria, cuja extensão global é justamente o que a torna poderosa diante das configurações locais (Ortiz, 2021ORTIZ, H. A political anthropology of finance: studying the distribution of money in the financial industry as a political process. Anthropological Theory, [s. l.], v. 21, n. 1, p. 3-27, 2021., p. 8).
Como mostram Britto e Rezende (2017)BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017., o financiamento ao setor de saneamento e a grandes obras de infraestrutura de abastecimento de água no Brasil, a partir de 2013, passou a provir de fundos de natureza privada, mas largamente constituídos por recursos públicos, permitindo seu emprego no mercado de capitais. Em 2016, o governo federal lançou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), coordenado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para projetos de parcerias com a iniciativa privada para investimentos em abastecimento de água e esgotamento sanitário. O banco permite o financiamento dos projetos com taxa de juros de longo prazo por até 20 anos, condições que visam atrair o investimento privado (Britto; Rezende, 2017BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017.).
Além da financeirização da construção e operação de serviços urbanos de água e esgoto, que já avança a passos largos, tramitam no Legislativo projetos de lei (abordados no item anterior) que pretendem abrir caminho para conformação de um “mercado de água”, por meio da flexibilização do instrumento da outorga pelo uso da água (Brasil, 1997BRASIL. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos […]. Brasília: Presidência da República, 1997. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm . Acesso em: 28 maio 2028.
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, art. 11-18), de modo a permitir a negociação da água entre grandes usuários de uma mesma bacia hidrográfica.
Sob a abordagem da antropologia da água, Strang (2019STRANG, V. Water. In: STEIN, F. (ed.). The Open Encyclopedia of Anthropology. Facsimile of the first edition in The Cambridge Encyclopedia of Anthropology. [S. l.]: Open Encyclopedia of Anthropology, 2019. Disponível em: Disponível em: http://doi.org/10.29164/19water . Acesso em: 10 set. 2023.
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, p. 8) analisa processos de criação de mercados virtuais e de formas de negociação de alocação desse recurso e participação acionária em companhias de água como iniciativas que efetivamente descolam a água da paisagem, no contexto de uma forte tendência recente de aumento da propriedade e da negociação de recursos hídricos (e de outros recursos) por corporações transnacionais que não estão fisicamente presentes nas comunidades sociais ou nos ambientes materiais onde a água está localizada.
Cabe também compreender esses processos de comoditificação da água e de financeirização dos serviços urbanos dentro de um contexto mais amplo, que implica o redirecionamento da atuação do Estado em benefício do capital financeiro, observável em diferentes setores, como no planejamento urbano (Cadernos Metrópole, 2017CADERNOS METRÓPOLE. São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017.), geração de energia hidrelétrica (Renk; Winckler, 2023RENK, A.; WINCKLER, S. Hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai: da ciranda acionária ao passivo socioambiental, quem ganha e quem perde. In: REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL, 14., 2023, Niterói. Anais […]. São Paulo: Síntese Eventos, 2023. [Livro eletrônico].) e a financeirização da agricultura e estrangeirização da terra (Kato; Leite, 2020KATO, K. Y. M.; LEITE, S. P. Land grabbing, financeirização da agricultura e mercado de terras: velhas e novas dimensões da questão agrária no Brasil. Revista da ANPEGE, [s. l.], v. 16, n. 29, p. 458-489, 2020.).
A financeirização da água, como mostram estudos sobre a propriedade da água por grandes corporações sintetizados por Ballestero (2019BALLESTERO, A. The anthropology of water. The Annual Review of Anthropology, [s. l.], v. 48, p. 405-421, 2019., p. 414), é um processo estruturado por tecnologias de cálculo que consideram níveis predeterminados de lucro para concessionárias de serviços de utilidade pública, sejam elas públicas ou privadas. Isso permite que decisões sobre, por exemplo, o valor das tarifas, sejam tomadas segundo critérios alheios às especificidades de contextos locais. Além disso, a transição do controle sobre recursos essenciais de governos para agências externas coloca questões sobre o poder de decisão dos governos sobre esses recursos, o que tem consequências para os fundamentos de democracia e soberania dos Estados nacionais.
Nesse sentido, a análise das políticas governamentais brasileiras para as águas e as recentes tendências de abertura para a financeirização dos recursos hídricos é reveladora de processos (constantes) de formação do Estado brasileiro, para cuja compreensão faz-se necessário abandonar os marcos estritos do Estado nacional e considerar como vetores fenômenos como a chamada cooperação técnica internacional para o desenvolvimento, marcando a dissolução dos limites jurídicos da soberania como balizas das análises das intervenções de Estado (Souza Lima; Teixeira; Castilho, 2014SOUZA LIMA, A. C. de; TEIXEIRA, C. C.; CASTILHO, S. R. Antropologia das práticas de poder: reflexões etnográficas entre burocratas, elites e corporações. Rio de Janeiro: Contra Capa: Faperj, 2014.).
As diretrizes e técnicas inicialmente difundidas pelo Banco Mundial e que influenciaram os dispositivos estatais brasileiros para o governo das águas hoje se encontram imiscuídas nos quadros governamentais e não governamentais do campo dos recursos hídricos, como mostra a análise de Constante Martins (2022)CONSTANTE MARTINS, R. Sociologie de la gouvernance de l’eau au Brésil: entre agents, discours et institution. In: NICOLAS-ARTERO, C. (dir.). Luttes pour l’eau dans les Amériques: mésusages, arrangements et changements sociaux. Paris: Éditions de l’IHEAL, 2022. p. 320-338. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.4000/books.iheal.10272 . Acesso em: 10 set. 2023.
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sobre as trajetórias dos principais especialistas brasileiros que trabalharam na implementação das políticas governamentais sobre águas vigentes hoje no Brasil, e atualmente são propagadas também por outras organizações internacionais, como o Conselho Mundial da Água (Espinoza; Constante Martins, 2021ESPINOZA, R. de F.; CONSTANTE MARTINS, R. Tecnologias de saber-poder sobre as águas: a experiência do Conselho Mundial das Águas. Lua Nova, São Paulo, n. 113, p. 247-280, 2021.). Em comparação com a segunda metade dos anos 1990 e início dos anos 2000, quando a presença e a influência do BIRD pareciam mais nítidas e hegemônicas, o cenário atual revela não só uma diversificação de organismos internacionais que incidem na moldagem de políticas governamentais para os recursos hídricos, como também um crescimento da organização política de associações de grandes corporações privadas para fazer valer seus interesses, como escrutinaram Britto e Rezende (2017)BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017. no setor de saneamento. Mas cabe notar que essa diversificação e esse crescimento parecem caminhar de acordo com as diretrizes contidas nas estratégias do Grupo Banco Mundial para o Brasil (International Bank for Reconstruction and Development; International Finance Corporation; Multilateral Investment Guarantee Agency, 2017INTERNATIONAL BANK FOR RECONSTRUCTION AND DEVELOPMENT; INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION; MULTILATERAL INVESTMENT GUARANTEE AGENCY. Country partnership framework for the Federative Republic of Brazil for the period FY2018-FY2023. [S. l.]: World Bank Group, 2017.), que recentemente vêm convergindo para o aumento do papel das instituições do grupo que incidem diretamente sobre o setor privado em questões relativas ao governo das águas.
Desse modo, a partir da análise da formulação e implementação da PNRH no Brasil, é possível observar os mecanismos pelos quais atuam organismos internacionais no sentido de influenciar a convergência de políticas governamentais dos Estados nacionais segundo diretrizes e interesses exteriores aos seus territórios - um fazer-se Estado (Souza Lima; Dias, 2021SOUZA LIMA, A. C. de; DIAS, C. G. Maquinaria da unidade; bordas da dispersão: estudos de antropologia do Estado. Rio de Janeiro: Viveiros de Castro Editora, 2021.) onde se encontram o público e o privado, o nacional e o internacional.
Considerações finais
Esta análise preliminar de políticas governamentais para a gestão das águas no Brasil ensejou observações sobre o processo contínuo de formação do Estado e da administração pública brasileiros em situações nas quais os organismos internacionais e instituições multilaterais desempenham expressivo papel. A investigação sobre a influência da instituição multilateral Banco Mundial na formulação, instituição e implementação da PNRH buscou contribuir para a compreensão do processo de progressivo afastamento das instituições estatais do papel de provedoras dos serviços de água e de perda do controle sobre as águas por populações locais, em benefício de elites nacionais e corporações transnacionais.
A pesquisa também abre caminho para a compreensão da onda de liberalização que sucedeu o período convencionalmente concebido como desenvolvimentista não como uma significativa contradição ou mudança em relação ao modelo anterior, mas sim como um aprofundamento do mesmo, marcado inclusive por uma mais nítida e irrestrita adesão dos mecanismos estatais para o governo das águas às diretrizes das instituições financeiras multilaterais reunidas no Grupo Banco Mundial. Esse aprofundamento foi promovido por meio de uma remodelação da atuação do Estado em benefício da fração financeira do capital, que está associada à ampliação do já gigantesco volume de recursos mobilizados na implantação e operação de grandes projetos de desenvolvimento e ainda à tendência de constante crescimento desse volume, em detrimento das populações locais e da natureza.
Trata-se de “mudanças” que permitem a perpetuação do modelo do desenvolvimento, mas com a ampliação de sua magnitude, caracterizado no período recente por um gigantismo crescente, no qual cada nova onda de modificações opera no sentido de criar condições para que grandes projetos mobilizem volumes cada vez maiores de recursos - financeiros, humanos, naturais.
É no sentido desse crescente gigantismo que podem ser compreendidas as iniciativas para promover mudanças legais e institucionais que abrem caminho para a transformação da água, já tratada como mercadoria na legislação vigente no Brasil, em uma commodity, passível de ser negociada nos mercados de capitais. O processo de comoditificação da água tende a ampliar a rede de agentes com poder de influenciar a configuração e as tendências do campo dos recursos hídricos, agentes esses totalmente distantes, deslocados, e sem nenhuma forma de vínculo com os territórios e populações que efetivamente fazem uso da água no seu cotidiano. Tende a ampliar, também, o volume de recursos financeiros passíveis de serem mobilizados para investimentos em, por exemplo, reservatórios e redes de abastecimento de água e infraestruturas para coleta e tratamento de esgoto. Nesse sentido, as iniciativas para abrir caminho para a comoditificação da água também tendem a operar um descolamento da água em relação à paisagem e aos territórios.
Referências
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- AGUIAR, A. M.; HELLER, L. Saneamento básico no Brasil: perspectivas e a saúde das cidades. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2021. (Textos para Discussão, n. 76).
- BALLESTERO, A. The anthropology of water. The Annual Review of Anthropology, [s. l.], v. 48, p. 405-421, 2019.
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1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
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Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento.
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3
O Ipea é uma fundação pública federal vinculada ao Ministério da Economia. Ver: https://www.ipea.gov.br/portal/ (acessado em 05/07/2022).
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Tal como procedeu o Banco Mundial em projeto de desenvolvimento rural em Lesotho, estudado por Ferguson (2017)FERGUSON, J. The anti-politics machine: “development”, depoliticization, and bureaucratic power in Lesotho. 11. ed. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2017..
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Bronz (2022)BRONZ, D. Tecnopolítica, expertise ambiental e grandes obras na Amazônia. In: ZUCARELLI, M. C. et al. Infraestrutura para produção de commodities e povos etnicamente diferenciados: efeitos e danos da implantação de “grandes projetos de desenvolvimento” em territórios sociais. Rio de Janeiro: Mórula, 2022. p. 146-178. identifica práticas que denomina de tecnopolíticas, que têm como um de seus aspectos marcantes essa despolitização realizada por especialistas - uma expertise que constitui instrumento a serviço da manutenção de uma certa ordem simbólica e que viabiliza grandes projetos de desenvolvimento, a despeito de seus efeitos socioambientais negativos.
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6
No trabalho de Pedro Gondim (2019)GONDIM, P. A contraparte da “crise”: apontamentos acerca do “acesso regular à água” e processos de formação do Estado em Itu, SP. In: TEIXEIRA, C. C.; LOBO, A.; ABREU, L. E. (org.). Etnografia das instituições, práticas de poder e dinâmicas estatais. Brasília: ABA Publicações, 2019. p. 195-225. sobre a “crise da água” no município paulista de Itu, é perceptível o papel do acesso regular à água para a estabilização política. Itu remunicipalizou o abastecimento de água em 2017, após crise geral de abastecimento no período em que esse serviço era prestado por concessionária privada.
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7
As empresas mais atuantes no setor de saneamento, até 2015/2017, eram de capital essencialmente nacional, com origem no setor de obras públicas. Com a abertura de recursos do PAC a concessionárias privadas em 2013, grandes empresas construtoras brasileiras investiram pesadamente no setor de saneamento, através da criação de novas empresas, como a Foz do Brasil (parte do Grupo Odebrecht) e a Cab Ambiental (parte do grupo Queiroz Galvão). No contexto da Operação Lava Jato, contudo, boa parte das empresas privadas de saneamento venderam ações a empresas estrangeiras: em 2015, o grupo japonês Itochu comprou parte do capital acionário da Queiroz Galvão na empresa Águas do Brasil; em 2017, a gestora canadense Brookfield adquiriu 70% das ações da Odebrecht Ambiental (Britto; Rezende, 2017BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. A política pública para os serviços urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercantilização e perspectivas de resistência. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 19, n. 39, maio/ago. 2017., p. 572-573).
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O Grupo Banco Mundial (GBM) é formado por sete organizações: BIRD, Associação Internacional para o Desenvolvimento (AID), IFC, Centro Internacional para Conciliação de Divergências em Investimentos (CICDI), MIGA, Instituto Banco Mundial (IBM) e Painel de Inspeção. Mas o Banco Mundial é formado por apenas duas: BIRD e AID. O conjunto de agências do GBM é subordinado a uma mesma estrutura político administrativa em sua instância superior, onde estão os governos dos países acionistas, através do Conselho de Governadores e do Conselho de Diretores Executivos, que exercem o controle do poder de decisão. Contudo, a IFC, a MIGA e o CICDI contam com estruturas organizacionais e equipes próprias, além de padrões de operação distintos dos padrões do BIRD e da AID (Barros, 2001BARROS, F. Introdução. In: VIANNA JR, A. et al. Banco Mundial: participação, transparência e responsabilização: a experiência brasileira com o Painel de Inspeção. Brasília: Rede Brasil, 2001. p. 37-78., p. 31).
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De acordo com Pereira (2009)PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial como ator político, intelectual e financeiro (1944-2008). 2009. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009., a IFC foi criada em 1956 como uma organização complementar ao BIRD, com o objetivo de apoiar e financiar diretamente, e sem o aval governamental, a expansão do setor privado em países “pobres” e de “renda média”, sendo a principal fonte de crédito no mercado internacional para esse fim. A IFC financia projetos empresariais específicos, provê assistência financeira para corporações interessadas em angariar fundos no mercado de capitais, participa como acionista (sempre minoritária) do capital de empresas e empresta para bancos intermediários. Embora os empréstimos que concede não dependam do aval governamental, a IFC atua na intermediação de interesses públicos e privados, na medida em que “atua fortemente junto aos Estados para catalisar recursos públicos, agilizar o trâmite legal dos negócios e emprestar o seu selo a determinadas iniciativas empresariais” (Pereira, 2009PEREIRA, J. M. M. O Banco Mundial como ator político, intelectual e financeiro (1944-2008). 2009. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009., p. 30).
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A MIGA foi criada em 1988 para fomentar a expansão de empresas multinacionais. Fornece seguros (garantias) contra riscos “não comerciais” ou políticos tanto a empresários quanto a financiadores, tais como instabilidade política e apropriação de bens por parte dos Estados. Também assessora governos a formular políticas favoráveis à atração de investimento estrangeiro (Santos, 2020SANTOS, C. L. S. dos. O sistema aquífero Guarani e o Banco Mundial: neoliberalismo, soberania e hidropolítica. 2020. Tese (Doutorado em Ciência Ambiental) - Instituto de Energia e Ambiente, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 102).
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No primeiro dia de seu governo, por meio do decreto nº 11.349/2023 (Brasil, 2023BRASIL. Decreto nº 11.349, de 1º de janeiro de 2023. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e remaneja cargos em comissão e funções de confiança. Brasília: Presidência da República, 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11349.htm . Acesso em: 28 maio 2024.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a... ), o presidente Lula da Silva retornou com a ANA e demais órgãos do SINGREH ao MMA, retomando a concepção anterior, apesar da manutenção da atribuição à ANA da responsabilidade pelo saneamento e da nova nomenclatura dessa agência. -
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Bem de domínio público ou bem de uso comum do povo são aqueles que não pertencem ao Estado, mas a toda a coletividade, sem uma destinação específica, como, por exemplo, os mares, rios, estradas, ruas e praças (Agência Nacional de Águas, 2019AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Manual de usos consuntivos da água no Brasil. Brasília: ANA, 2019.).
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13
Para uma análise crítica da genealogia da noção de desenvolvimento sustentável e seu emprego por instituições multilaterais como o Banco Mundial, ver Ribeiro (1991)RIBEIRO, G. L. Ambientalismo e desenvolvimento sustentado. Nova utopia/ideologia do desenvolvimento. Revista de Antropologia, São Paulo, n. 34, p. 59-101, 1991..
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Ver Governo […] (2023)GOVERNO conclui proposta de regulamentação do mercado de carbono e espera aprovação até a COP-30. Câmara dos Deputados, Brasília, 12 jul. 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/979585-GOVERNO-CONCLUI-PROPOSTA-DE-REGULAMENTACAO-DO-MERCADO-DE-CARBONO-E-ESPERA-APROVACAO-ATE-A-COP-30 . Acesso em: 28 set. 2023.
https://www.camara.leg.br/noticias/97958... . -
15
Ballestero (2019)BALLESTERO, A. The anthropology of water. The Annual Review of Anthropology, [s. l.], v. 48, p. 405-421, 2019. apresenta uma visão geral do campo da “antropologia da água” organizado em quatro agrupamentos temáticos: (in)suficiência - como seres humanos e não humanos lidam com a escassez, o excesso e até mesmo a infinidade da água; corpos e seres - as qualidades vivazes e multifacetadas por meio das quais a água faz corpos e pessoas e como a água é ela mesma um meio para diferentes formas de vida; conhecimento - como diferentes regimes de conhecimento incorporam a água em histórias, políticas e valores particulares; e propriedade - antropólogos dedicaram especial atenção às relações entre a propriedade da água e distinções entre formas comunitárias, públicas ou privadas de posse, bem como os direitos e formas de legitimidade a elas associadas. Na visão da autora, o conjunto desses agrupamentos temáticos destaca questões relacionadas à materialidade, à política ontológica e à economia política.
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As metodologias, práticas e rituais de “participação” propagadas pelo Banco Mundial já foram bastante estudados pela antropologia (por exemplo: Mosse, 2005MOSSE, D. Cultivating development: an ethnography of aid policy and practice. London: Pluto Press, 2005.; Salviani, 2012SALVIANI, R. Participação e desenvolvimento sustentável no Brasil: a experiência de Itaipu Binacional. Rio de Janeiro: E-papers, 2012.; Souza Lima, 2015SOUZA LIMA, A. C. de. Sobre tutela e participação: povos indígenas e formas de governo no Brasil. Séculos XX e XXI. Mana, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 425-457, 2015.). Trata-se de práticas que, em suas dimensões “pedagógicas” e “técnicas performativas” (Souza Lima, 2007SOUZA LIMA, A. C. de. Notas (muito) breves sobre a cooperação técnica internacional para o desenvolvimento. In: SILVA, K. C. da; SIMIÃO, D. S. (org.). Timor Leste por trás do palco: cooperação internacional e dialética da formação do Estado. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2007. p. 417-425., p. 423), propõem uma revisão dos modelos de planejamento “de cima para baixo”, mas o que operam é na verdade uma reinscrição das relações de poder entre os especialistas e os sujeitos pesquisados.
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Ortiz (2021)ORTIZ, H. A political anthropology of finance: studying the distribution of money in the financial industry as a political process. Anthropological Theory, [s. l.], v. 21, n. 1, p. 3-27, 2021. explica que, além de ser produzido pelos Estados nacionais, o dinheiro também é produzido por bancos. Isso acontece na medida em que os bancos emitem empréstimos que se tornam depósitos (dentro de limites impostos pelas legislações estatais). Os bancos transferem esse pacote de empréstimos para uma entidade separada, que emite um bond, o ABS, que pode ser comprado por uma terceira parte, como uma companhia de investimentos, que passa a receber renda pelos pagamentos feitos pelos tomadores de empréstimo do banco (Ortiz, 2021ORTIZ, H. A political anthropology of finance: studying the distribution of money in the financial industry as a political process. Anthropological Theory, [s. l.], v. 21, n. 1, p. 3-27, 2021., p. 10).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Jun 2024 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2024
Histórico
-
Recebido
30 Set 2023 -
Aceito
07 Mar 2024