Resumo
Este artigo discute os processos de elaboração e contratação da primeira fase do programa TOMAK (acrônimo para To’os Ba Moris Di’ak; em inglês, Farming for Prosperity, e em português, Agricultura para Prosperidade), financiado pelo Estado australiano e implementado em Timor-Leste entre 2016 e 2021. Argumentamos que tais processos alçam o programa à condição de mercadoria, que é acedido, no mercado global, por mecanismos de concorrência específicos e sujeito a certos fetichismos. As formas de manejo do programa expressam o novo papel que os Estados nacionais têm desempenhado sob hegemonia do neoliberalismo: dinamizadores da concorrência, em múltiplas escalas. Situamos os fenômenos abordados como produto de processos históricos de longa duração relacionados às reconfigurações das práticas de cooperação internacional para o desenvolvimento. As análises são baseadas em etnografias documental e digital e em experiências de duas décadas (anos 2000 a 2020) de observação do campo da cooperação internacional em Timor-Leste e alhures.
Palavras-chave: cooperação internacional; mercadoria; Timor-Leste; Austrália
Abstract
This article discusses the concept, design, and contracting processes of the first phase of the TOMAK program (acronym for To’os Ba Moris Di’ak, translated as Farming for Prosperity in English, and Agricultura para Prosperidade in Portuguese). The program was funded by the Australian government and implemented in Timor-Leste between 2016 and 2021. We argue that these processes elevate the program to the status of a commodity, accessed in the global market by specific mechanisms of competition and subject to certain fetishes. The program’s management practices reflect the new role that nation-states have played under the dominance of neoliberalism: as catalysts of competition on multiple fronts. We contextualize the phenomena discussed as products of long-term historical processes related to the reconfigurations of international development cooperation practices. Our analyses are based on documental and digital ethnographies and two decades (2000-2020) of observations in the field of international cooperation in Timor-Leste and beyond.
Keywords: international cooperation; commodity; Timor-Leste; Australia
Introdução
Desde 2002, instituições e mecanismos de cooperação internacional para o desenvolvimento têm tido papel fundamental na reconstrução do Estado e da paz liberal em Timor-Leste (Silva, 2012). Objeto da colonização portuguesa e indonésia até 1999, os processos de pacificação e expansão da economia de mercado no país têm se dado sob a influência e ação de Estados doadores, que disputam sua hegemonia sobre o Estado e sociedade leste-timorense por meio de práticas de cooperação para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, por meio da assistência ao desenvolvimento, os doadores constroem novos mercados para venda de suas mercadorias e serviços. Nesse cenário, a Austrália tem figurado como um dos maiores doadores à sociedade leste-timorense, financiando programas, projetos e outras iniciativas que respondem aos interesses das elites locais, assim como do Estado e sociedade australiana.
Entre 2002 e 2022, o Estado australiano alocou aproximadamente 1,7 bilhão de dólares americanos em cooperação para o desenvolvimento em Timor-Leste.1 O fortalecimento do setor agrícola têm sido um dos principais objetos de governança de programas de cooperação financiados pela Austrália sob a justificativa de que os modos locais de produção carecem de produtividade e qualidade. Em razão disso, investem-se recursos para transformação da produção agrícola a fim de que a receita doméstica das populações e do Estado aumente, e os altos níveis de insegurança alimentar e desnutrição infantil também sejam melhorados. Chama a nossa atenção o fato de que, entre 2002 e 2019, a Austrália foi responsável por 34% dos desembolsos para o setor de agricultura, silvicultura e pesca, enquanto o segundo lugar na lista tem 26% das alocações. Isso demonstra a prevalência da Austrália em moldar a abordagem da cooperação internacional para o desenvolvimento no que tange às práticas agrícolas (Lee, 2021). Importante notar que o investimento na agricultura é também um meio para expansão da economia de mercado no país.
O programa Seeds of Life (SoL), executado em três fases entre 2000 e 2016, foi o primeiro e o mais expoente esforço de remodelação das práticas agrícolas locais. Ele tinha como objetivo introduzir ou reintroduzir sementes consideradas de maior qualidade a fim de aumentar a produtividade agrícola e os níveis de segurança alimentar da população (Seeds of Life, 2013, p. 4-5). Ele foi sucedido, em 2016, pelo programa TOMAK (acrônimo para To’os Ba Moris Di’ak, em tétum,2 traduzido para o inglês como Farming for Prosperity e, para o português, Agricultura para Prosperidade). Este programa continuou com foco no aumento da produção agrícola para o mercado, da diversidade de alimentos e, mais uma vez, dos níveis de segurança alimentar (Australia, 2015a, p. V).3 Grosso modo, ambos os programas visam vincular as populações leste-timorenses de áreas rurais, e suas práticas agrícolas, com o mercado e suas demandas.
Discutimos neste artigo algumas facetas da vida social do TOMAK, nomeadamente os seus processos de elaboração e contratação, decorridos entre 2014 e 2015, antes da primeira fase de sua implementação em Timor-Leste, entre 2016 e 2021. A análise de tais fenômenos revela um padrão emergente de planejamento e execução de práticas de cooperação internacional para o desenvolvimento que inicia alçando os próprios programas à condição de formas particulares de mercadorias, cujo direito de exploração, circulação e valor é regulado pelo Estado doador. Procuramos demonstrar, ao longo do artigo, os modos como o TOMAK é vertido em mercadoria por meio dos mecanismos de gestão implicados em sua elaboração e contratação, antes de sua chegada a Timor-Leste.
Nesse contexto, ganham relevo os documentos de concepção e desenho, assim como as plataformas e ferramentas de divulgação que realizam o processo de contratação e, a seguir, o delivery do TOMAK, como definido pelo Estado australiano, no país de destino. Editais, formulários, Request for Tender, Express of Interest, dentre outros documentos, são alguns dos dispositivos de gestão que contribuem para a figuração do programa como mercadoria, nesse momento de sua biografia. Tais dispositivos prestam-se ainda ao papel de ferramentas administrativas para promoção da concorrência no mercado global, por vias digitais. Tal configuração da gestão das práticas de cooperação internacional está plenamente alinhada com práticas de governança neoliberais ao estimular a concorrência e o capital privado, em escala internacional (Dardot; Laval, 2016).
A abordagem dos objetivos atribuídos ao programa e do modo como sua contratação se dá sugere que tais procedimentos estimulam duplamente e a um só tempo a sociedade de mercado neoliberal, em diferentes escalas: internacional e nacional. Antes de chegar a Timor-Leste, o TOMAK ativa e estimula o mercado das empresas internacionais que prestam serviços de gestão de projetos no âmbito da cooperação internacional ao Estado australiano, por meio do Request for Tender. No processo de elaboração e contratação, por outro lado, organizações não governamentais (ONG) de diversas naturezas atuantes em Timor-Leste também são ativadas e incluídas nessa mesma dinâmica de competição através do procedimento de submissão do Express of Interest (Australia, 2015b). A seguir, localmente, o TOMAK trabalha para “engajar as comunidades com cadeias de valor comerciais e lucrativas” (Australia, 2014a, p. 2, tradução nossa).
Do ponto de vista da agenda de desenvolvimento nacional, o TOMAK figura como um programa que colabora para a construção da diversidade da economia de mercado em Timor-Leste (Timor-Leste, 2011, p. 128), objeto central das ansiedades políticas das elites locais contemporaneamente, dada a dependência da economia nacional dos recursos advindos da exploração de petróleo e do próprio orçamento do Estado e a baixa produtividade dos setores agrícolas num país em que quase – da população vivem nas zonas rurais (Timor-Leste, 2020, p. ix). Para o Estado australiano, o TOMAK é, entre outras coisas, uma oportunidade de investimento com efeitos colaterais importantes para o âmbito nacional: é instrumento de construção de segurança regional (Hameiri, 2009, p. 357), é uma forma de engajar mais intensamente as populações leste-timorenses com a economia de mercado,4 etc. Nesse contexto, é importante ter em mente que o TOMAK é apenas um dentre outros programas financiados pela cooperação australiana voltados à construção do mercado concorrencial em Timor-Leste.
O artigo segue estruturado em duas seções para além desta introdução, na qual, a seguir, indicamos a metodologia e definimos apropriadamente a compreensão de conceitos centrais na produção deste artigo, e da conclusão. Na primeira, resgatamos alguns dos principais aportes teóricos correntes na antropologia para compreensão do modus operandi das práticas de cooperação internacional para o desenvolvimento. É a partir desse pano de fundo que o manejo do programa TOMAK ganha sua singularidade e faz dele um caso típico da nova configuração do campo do desenvolvimento. A segunda parte do texto é devotada à análise etnográfica da construção do conceito, desenho e contratação do programa, antes de sua implementação em Timor-Leste. Ela está organizada em duas subseções: na primeira, destacamos os mecanismos narrativos pelos quais o Estado australiano elabora o programa de cooperação como resposta a problemas informados em seu conceito de investimento. Em seguida, embarcamos na análise do manejo do conceito e desenho de investimento nas plataformas digitais que permitem a percepção do programa como uma mercadoria, a qual será objeto de concorrência internacional. Trazemos à tona o ponto inicial da cadeia de produção do programa, que levará ao seu delivery, por uma série de mediações contratuais a fim de engajar as populações de Timor-Leste com o mercado - ao mesmo tempo que serve de mola propulsora de mercados internacionais. Antes de seguirmos adiante, breves esclarecimentos sobre os modos como compreendemos o conceito de mercadoria e sociedade de mercado se fazem necessários.
A produção dos conteúdos que ancoram nossas análises se deu por dois procedimentos diversos. Numa primeira escala, mais difusa, as informações derivam de observações de longa duração a respeito das transformações do campo da cooperação internacional em Timor-Leste. Essa escala é liderada por Kelly Silva, que realiza etnografias sobre os processos de modernização e formação do Estado no país desde 2000. Numa segunda escala, mais concentrada, a produção de informações se deu mediante etnografias em meio digital pelas quais se identificaram os procedimentos e fluxos de desenho e contratação do TOMAK nos seguintes websites: tomak.org, dfat.gov.au e tenders.gov.au. Nesse quadro, tomamos esses sítios eletrônicos como arquivos, nos quais documentos de diversas naturezas são armazenados e categorizados e cujas análises podem desvendar facetas das dinâmicas organizacionais e de poder que estruturam as relações sociais contemporâneas.5 A etnografia desses sítios eletrônicos indicou a centralidade de documentos como o Investment Concept e o Investment Design Document, publicados respectivamente em 2014 e 2015, para compreensão das práticas de gestão do TOMAK, assim como das plataformas de divulgação junto a potenciais contratados (contractors) e parceiros de cadeias de suprimentos (supply chain partners) na concretização do programa. Esses são alguns dos fenômenos que serão tomados como objetos de análise ao longo do artigo.
A opção por tratar os dois documentos prévios ao delivery do TOMAK em Timor-Leste tem raiz em fatores diversos, mas convergentes: 1) durante a visita de campo em 2017 uma das autoras participou de eventos promovidos pelo TOMAK e acompanhou as atividades do programa à distância; 2) a pandemia da Covid-19, em 2020, foi um momento singular para observar as diversas qualidades que o espaço digital possui, e como a sua característica de arquivo pode ser explorada a fim de compreender a produção e reprodução da cooperação internacional para o desenvolvimento no contexto de Timor-Leste contemporaneamente; e 3) a descoberta de que a antiga agência para o desenvolvimento internacional australiana, Australian AID ou AusAID, foi anexada ao Department of Foreign Affairs and Trade (DFAT, sigla em inglês) em 2013, um ano antes do TOMAK começar a ser produzido. Esse conjunto de fatores nos possibilitou compreender como o programa ganha a forma de mercadoria, suas raízes e efeitos. Deparamo-nos também com o novo formato de gestão da cooperação australiana, que será discutida mediante a comparação do modus operandi de gestão do Seeds of Life e do TOMAK, mais abaixo.
Compreendemos mercadorias na acepção de Marx (1982): trata-se de artefatos que possuem tanto valor de uso como valor de troca. Seu destino ao mercado e, portanto, sua alienabilidade, marca sobremaneira a biografia das mesmas.6 Por outro lado, nos alinhamos também com as perspectivas de Kopytoff (2008) e Tsing (2013), que demonstram como muitos artefatos não nascem como mercadorias. Adquirem essa identidade por meio de uma série de mediações,7 tais como aquelas que serão discutidas abaixo. Para Kopytoff (2008, p. 94), mercadoria é “[…] uma entidade culturalmente construída, dotada de significados culturalmente específicos e classificada e reclassificada em categorias culturalmente constituídas”. Inspiradas por essa perspectiva de análise, este artigo explora o capítulo biográfico do TOMAK, no qual ele é vertido em mercadoria ao ser inserido em práticas de concorrência internacional. Como uma mercadoria, o TOMAK é também objeto de fetichização. No entanto, isso se dá em um capítulo particular de sua biografia, quando ele é apresentado como dádiva do Estado australiano às populações leste-timorenses, momento em que se eclipsa sua qualidade de mercadoria, embora durante todo o processo de elaboração e contratação sua forma de mercadoria seja evidenciada e estimulada por artefatos e atores envolvidos na cadeia de produção. Assumimos, portanto, que as práticas de cooperação internacional são formas de troca vinculadas, a um só tempo, em dois regimes de troca: dádiva (Silva, 2008)8 e commodity.9
Dada a polissemia dos termos “neoliberalismo” (Ferguson, 2010) e “sociedade de mercado”, o controle de seus respectivos alcances no âmbito deste artigo também se faz necessário. Práticas de governo calcadas no fetiche do livre mercado, voltadas ao fortalecimento do empreendimento privado, ao estímulo da concorrência interinstitucional e interpessoal, à retração do Estado, eliminação de impostos e tarifas, desregulação da moeda, utilização de modelos de gestão de empresa para gestão do Estado e das próprias pessoas, assim como a moralização positiva da flexibilização conformam o conjunto de fenômenos englobados pela categoria neoliberalismo. Esse regime de governo implica uma radicalização da oposição entre capital e trabalho (Marx, 1982), característica da economia capitalista, em favor dos interesses do capital.
Sociedade de e para o mercado, por sua vez, descreve certa configuração moral e organizacional das instituições estruturada sob o preceito de que o livre engajamento dos agentes sociais em operações de produção, troca e consumo geraria o equilíbrio ótimo das relações sociais, ao mesmo tempo que opera como fonte de prosperidade (Dardot; Laval, 2016). Ao lado disso, Polanyi (2002) destaca que a sociedade de e para o mercado está voltada sobretudo à maximização de ganhos econômicos. Tal fato deriva da autonomização e desenraizamento das práticas econômicas de outras instituições sociais e a aparição da economia como um domínio de ação social discreto dentre os demais. Na sociedade de e para o mercado, os ganhos econômicos passam a ser um fim neles mesmos e não estão mais à serviço da reprodução de outras instituições.
Consensos sobre os efeitos do campo desenvolvimento na antropologia e além dela
Desde há muito, análises de diferentes matizes têm demonstrado que o complexo institucional criado em torno da promoção do desenvolvimento está à serviço da expansão da sociedade de e para o mercado. A atenção à genealogia da categoria desenvolvimento revela, inclusive, sua transformação em mobilizador político pelos Estados Unidos da América, a partir do final da Segunda Guerra Mundial e durante a Guerra Fria, momento no qual passa a ser utilizada como âncora do projeto de construção da hegemonia norte-americana, por oposição às ações da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (Rist, 1996).
Ao mesmo tempo, o complexo institucional pelo qual o desenvolvimento é produzido tem servido à construção de uma ordem global mediante a harmonização de legislações internacionais, nacionais e infranacionais, políticas públicas implementadas em diferentes escalas, assim como à modelação de subjetividades responsivas e mais coerentes com uma sociedade de e para o mercado (Mosse, 2005). Tais efeitos têm sido alcançados pela mobilização de uma miríade de tecnologias ou dispositivos de governo que, pouco a pouco, atua de modo a promover a substituição das redes de interdependências pelas quais a reprodução social se dá em diferentes paragens (Polanyi, 2002), tornando os agentes sociais mais dependentes de instituições e economias de e para o mercado.
As abordagens antropológicas desses fenômenos têm tomado diferentes aspectos do campo do desenvolvimento (Ribeiro, 2007) como objeto de análise, tornando salientes dimensões distintas dos processos que permitem a substituição das redes de interdependência acima referidas. De grande relevo na antropologia, as análises discursivas realizadas por Ferguson (1994) e Escobar (1995) a respeito do desenvolvimento nos permitem observar como se dá a produção de verdades por meio de narrativas que abordam a mudança social induzida como efeito de técnicas de gestão de territórios e populações, exclusivamente. A despolitização das práticas realizadas em nome do desenvolvimento, assim como a naturalização da ordem moral e cosmológica por elas aventadas é uma contribuição essencial desse paradigma às ciências sociais. Ele também demonstra como os discursos sobre o desenvolvimento criam a realidade em que atuam, edificando o subdesenvolvimento, a fim de justificar e legitimar sua própria ação. Assim, ao longo de nossa análise destacamos como certos “dados” operam e constroem as realidades que legitimam a “urgência” de certos programas.
Análises mais focadas nas praxes da produção e gestão do desenvolvimento têm visibilizado as mediações sociais, morais e tecnológicas pelas quais a mudança social induzida é produzida. Denominada por Olivier de Sardan (2005) “abordagem da lógica social emaranhada”, a atenção às praxes têm revelado os efeitos de uma série de dispositivos cotidianamente aplicados na gestão de iniciativas e agências criadas em nome do desenvolvimento: tratados, convenções, pactos e declarações internacionais; empréstimos e dívidas; programas, projetos e parcerias; especialistas e suas comunidades epistêmicas; condicionalidades, seletividades e expectativa de apropriação para transferência de recursos financeiros e humanos; pesquisas, relatórios e documentos de projeto; encontros, seminários, workshop; editais e concorrências, etc.
A recorrência à moralidade e ao éthos do regime de troca de dádivas10 é também marca recorrente dos fluxos de recursos e tecnologias de governo que reproduzem o campo do desenvolvimento em momentos ordinários e extraordinários, como demonstram os trabalhos de Silva (2008, 2012). Trata-se de um caso exemplar de como a sociedade de mercado se expande pela mobilização do regime de troca de dádivas, à semelhança do que Tsing (2013) identifica para o caso da produção dos cogumelos matsutake.
A atenção à produção social do desenvolvimento permite ainda detectar as redes sociais pelas quais ele é produzido. Ele ganha corpo por meio do protagonismo de comunidades epistêmicas, assim como de alianças entre elites globais e locais, empenhadas na produção da mudança social, de capitais financeiros e posições laborais que permitem sua reprodução e expansão enquanto grupos.11 O caso do programa TOMAK analisado neste artigo revela ainda a crescente importância que empresas de capital privado têm passado a ter no campo do desenvolvimento, em razão da terceirização da implementação de programas e projetos de desenvolvimento pelos Estados doadores, por meio do procedimento de licitação.
Até pouco tempo atrás, era comum que as práticas realizadas a fim de promover o desenvolvimento se concretizassem por meio de fluxos induzidos de recursos financeiros, humanos e tecnológicos (Silva, 2012) que mobilizavam pessoal, saberes e aportes materiais dos países ou instituições doadoras para as populações e espaços recipiendários, organizados de maneira mais ou menos nacionalizada. Tomando o caso leste-timorense como exemplo, era comum que a cooperação australiana levasse pessoal australiano para trabalhar em Timor-Leste e, por meio dele, fizesse uma transferência de tecnologia e saberes de origem também australiana, construindo, com isso, certa dependência do Estado local com relação à assistência técnica doada. Da mesma maneira, o Estado português realiza sua cooperação internacional com Timor-Leste financiando o deslocamento de pessoas e tecnologias de origem portuguesas para atuar no país. Alemanha, Noruega, Japão, EUA, Brasil, entre tantos outros países atuavam de maneira mais ou menos similar.
Nos últimos anos, contudo, vimos emergir uma nova arquitetura da assistência ou cooperação técnica para o desenvolvimento (Mosse, 2005). Estados nacionais criam concorrências internacionais entre empresas de capital privado para atuarem localmente como implementadoras e executoras de programas e projetos de desenvolvimento e assim agir em nome deles. Essa é uma das mediações pela qual o programa TOMAK chega a Timor-Leste, tal como discutiremos neste artigo. Procuraremos extrair implicações analíticas desse novo modus operandi.
As dinâmicas econômicas de populações cuja reprodução social ainda não é absolutamente dependente da sociedade de mercado têm sido objeto fundamental das ações em prol do desenvolvimento. Tendo em conta que um dos principais efeitos desejados, embora não explicitados, da assistência ou cooperação internacional para o desenvolvimento é a ampliação da participação de territórios e populações na sociedade de mercado, o foco sobre a economia, em seu mais amplo sentido, não é casual. As afinidades eletivas que se construíram entre as noções de crescimento econômico, modernização, mudança e desenvolvimento alimentaram e foram alimentadas por esforços epistêmicos e políticos que têm moldado o mundo como hoje o conhecemos.12 Disso resulta a inserção de territórios e populações em novas redes de interdependência, agora de escala internacional, ao mesmo tempo que doadores expandem as fronteiras de seus mercados de venda de serviços e escoamento de mercadorias. Entre outras, as demonstrações realizadas por Mitchell (2002) a respeito das transformações dos hábitos alimentares e práticas de agricultura das populações egípcias - aumento do consumo de carne e trigo, e de outros grãos e, assim, construção de dependência em relação à indústria estadunidense - em consequência das ações da cooperação norte-americana, são exemplares.
O TOMAK na arquitetura da cooperação internacional australiana: a business opportunity
A cooperação internacional para o desenvolvimento australiana foi vinculada a uma agência centralizada do Estado em 1973. De lá para cá, mudanças de nomenclatura e de estrutura ocorreram até a configuração da AusAID (Australian Agency for International Development), como a conhecíamos quando iniciamos a pesquisa em Timor-Leste. Em 2013, a AusAID foi anexada ao Departamento de Relações Exteriores e Comércio (DFAT, sigla em inglês), fato que revela o reconhecimento oficial de status de negócio internacional da cooperação para o desenvolvimento pela administração australiana. O TOMAK é um dentre vários outros programas financiados com recursos do contribuinte australiano além-mar, construído como sucessor do Seeds of Life (SoL), tal como mencionado anteriormente.
O TOMAK foi produzido, e o seu primeiro documento publicado, a partir de avaliações construídas ao final do SoL, assim como mediante o trabalho de diagnóstico de uma missão de especialistas, que se deslocaram a Timor-Leste a fim de construir a base conceitual do programa, a seguir sistematizada no Investment Concept - aqui, nos referimos a esse documento como Conceito de Investimento13 (Australia, 2014a). Tal documento é baseado num modelo estruturado e preexistente, cuja elaboração é obrigatória para todos os programas financiados pelo DFAT, mas publicizados com o logotipo da AusAID atualmente. Uma vez formulado, o Conceito de Investimento é submetido à avaliação interna do DFAT e, se aprovado, serve de base para a elaboração do próximo documento, Investment Design Document, que define o desenho, ou seja, os meios e ações que possibilitarão que o objetivo central, concebido na etapa de conceito, seja alcançado. A estruturação do documento de Desenho de Investimento também é pré-modulada por um roteiro disponível no sítio eletrônico do DFAT. Discutimos a seguir nossos encontros etnográficos com esses documentos, os quais foram publicados respectivamente em 2014 e 2015, e o que eles nos ensinam sobre as novas facetas da cooperação australiana.
Nossa pesquisa, realizada entre 2021 e 2023, foi iniciada pelo sítio eletrônico tomak.org, coletando e selecionando documentos da seção intitulada “Resources”.14 Na subdivisão temática sobre a estratégia, o documento de Desenho de Investimento de 2015 chamou nossa atenção e se transformou no primeiro objeto de investigação densa. A onipresença do logotipo da Australian Aid guiou a nossa curiosidade para pesquisar sobre essa agência. Foram os trânsitos pela internet, entre URLs e mais URLs,15 que nos levaram a compreender o potencial agentivo de certos documentos que, estruturados a partir de formas reguladas, geram informações (Riles, 2010) e contribuem para a conformação de um programa de desenvolvimento como mercadoria.
A leitura do Desenho de Investimento (Australia, 2015a) revelou que a sua produção se deu entre novembro de 2014 e março de 2015, e que este teve como base genealógica o documento intitulado de Conceito de Investimento (Australia, 2014a). Em julho de 2015, o Desenho de Investimento foi aprovado e, a partir de então, passou a ser publicizado no sítio eletrônico do DFAT, além de circular em eventos presenciais realizados em Timor-Leste e na Austrália para incitar o engajamento de potenciais contractors e supply chain partners nos processos de Request for Tender e Express of Interest, respectivamente.
A seguir, adicionamos o quadro com informações gerais resumidas que introduz o documento de Desenho de Investimento.
Resumo dos dados do TOMAK baseados no documento de Desenho de Investimento (Australia, 2015a, p. 1).
Em uma primeira busca no sítio eletrônico Google, com os seguintes termos dfat tomak australian aid investment concept, encontramos a página intitulada “Proposed program in Timor-Leste - TOMAK: Farming for Prosperity - Investment Concept” (Programa proposto em Timor-Leste - TOMAK: Agricultura para Prosperidade) no sítio dfat.gov.au (Australia, 2014b).16 Ao acessar o URL do dfat.gov.au com o endereço about-us/business-opportunities/Pages/proposed-program-in-timor-leste-tomak-farming-for-prosperity-investment-concept, não foi só o documento de Conceito de Investimento (Australia, 2014a) em versão PDF (portable document format) e Word que chamou nossa atenção. O endereço digital, indo contra a nossa expectativa de encontrar o documento em alguma das seções referentes ao Programa de Desenvolvimento Australiano ou a Relações Internacionais, estava vinculado ao menu “Sobre Nós” e seção “Oportunidades de Negócios” - dfat.gov.au/about-us/business-opportunities, com o seguinte texto:
Um Conceito de Investimento para um novo programa proposto em Timor-Leste - TOMAK: Farming for Prosperity - é fornecido para conhecimento do mercado [information of the market] e dos proponentes/licitadores potenciais [prospective tenderers].
É provável que o DFAT exija um Contratante Operacional [Operational Contractor] para fornecer serviços de gerenciamento [management services] para o programa TOMAK. Se aprovada, a licitação proposta será listada no sítio eletrônico da AusTender quando for lançada no mercado.
[…]
Esta informação é fornecida apenas para fins de planejamento e não representa solicitação ou constitui um pedido de proposta [request for proposal], nem é um compromisso de compra ou licitação [purchase or tender] para os serviços descritos. Esta potencial oportunidade de aquisição [procurement opportunity] está sujeita a atrasos, revisões ou cancelamentos (Australia, 2014b, quatro primeiros grifos nossos, tradução nossa).
As descrições acima se apresentaram como um primeiro indicador da configuração do TOMAK como uma mercadoria em potencial, e a centralidade dos documentos para a produção do programa, assim como para nossa compreensão de como a cooperação internacional para o desenvolvimento australiana vem sendo implementada. A linguagem e a própria estrutura organizacional do sítio eletrônico indicam a intersecção dos programas em prol do desenvolvimento com o mundo dos negócios e empresas, e com a dinâmica competitiva do mercado. Os termos grifados por nós são alguns que figuram de forma recorrente na produção, divulgação e circulação de programas de desenvolvimento na Austrália na última década. O manejo do TOMAK no espaço digital também se fez pela mobilização desse vocabulário. Além de apresentar o documento ao mercado - ou, melhor, informar o mercado sobre a proposta de programa em Timor-Leste - a descrição acima ainda indica que a plataforma AusTender participará da produção do TOMAK, servindo de espaço para que empresas submetam suas propostas para serem contratadas.
O Conceito de Investimento (Australia, 2014a) trata principalmente da definição e justificativa do problema/questão para investimento. O conteúdo principal se encontra em 14 páginas, enquanto os anexos ocupam 29 páginas.17 Por ser o TOMAK um investimento que será direcionado para “solucionar um problema”, o documento se dedica: 1) à demonstração de como a economia nacional leste-timorense encontra-se dependente das receitas petrolíferas e como, apesar de um certo crescimento econômico na primeira década do século XXI, este está bastante concentrado na capital e apenas para uma pequena parcela da população; e 2) a explorar como a solução do “problema” se daria mediante um encadeamento de oportunidades criadas, a partir do engajamento, de comunidades selecionadas, com cadeias de valor comerciais que passariam a estimular “oportunidades econômicas” em outras regiões (Australia, 2014a, p. 3). A concepção presente no documento é a de que, dado que a maioria das comunidades leste-timorenses vivem a partir da prática agrícola, mas esta ainda não é refletida no produto interno bruto (PIB) do país, existe um campo de atuação potente para ser investido pela cooperação internacional australiana (Australia, 2014a, p. 2).
O programa TOMAK tem o seu conceito construído a partir de um primeiro exercício hipotético e imagético de dois “cenários espirais” para o futuro da economia de Timor-Leste. O cenário “preferido” é aquele no qual o documento presume que “os centros urbanos e o crescimento emergente” aumentariam o engajamento com “cadeias de valor produtivas” e, consequentemente, a renda dos agregados familiares rurais. Para os funcionários australianos e experts que produziram o documento, cadeias de valor fortalecidas e produtivas “irão ajudar Timor-Leste” a alcançar o “upward spiral”, gerando impactos tanto dentro quanto fora dos espaços rurais (Australia, 2014a, p. 3). A imaginação, assim como demonstrou Murphy (2017) para o caso dos programas de controle de natalidade em Bangladesh, é componente (infra)estruturante para o que se diz e faz em nome da economia.
O documento considera o conceito do TOMAK como um componente “sólido” do “argumento […] que sustenta o envolvimento contínuo da Austrália na agricultura em Timor-Leste” (Australia, 2014a, p. 3, tradução nossa). Ademais, o “suporte contínuo se alinharia com o interesse da Austrália de fortalecer a economia timorense e desenvolver as contribuições significativas da Austrália no passado” (Australia, 2014a, p. 3, tradução nossa). Os chamados “problemas” são caracterizados por informações definidoras que retratam e “emolduram” o que é a economia de Timor-Leste, que precisaria ser diversificada para o seu “desenvolvimento”. Em um outro momento, o documento ainda adiciona um retrato da economia de Timor-Leste como prevalecendo um “setor de subsistência moribundo” (Australia, 2014a, p. 4, tradução nossa). Moribundo, segundo o documento, é um setor “caracterizado por baixa produtividade agrícola, acesso incerto à terra e à água e duras condições de trabalho” (Australia, 2014a, p. 4, tradução nossa). Ao propor essas definições para o modo de reprodução social das comunidades leste-timorenses, o DFAT, entre várias coisas, intenta afirmar como a substituição das redes de interdependência pelas quais a reprodução social se dá deveriam tornar as populações mais engajadas e dependentes do regime de troca de commodities, com uma sociedade de e para o mercado.
O foco nessa substituição, como mencionado no início do artigo, está vinculado às práticas da cooperação internacional para o desenvolvimento da Austrália em Timor-Leste desde o seu programa antecessor, Seeds of Life (SoL) que durou mais de 15 anos - entre 2000 e 2016 - e foi operacionalizado em três fases.18 O Conceito de Investimento do TOMAK (Australia, 2014a) deixa evidente em todas as suas seções como os “resultados do SoL”, os experimentos realizados com as culturas alimentares básicas e o conhecimento produzido ao longo desses anos são infraestruturais para a arquitetura do TOMAK.19 Por exemplo, chamou a nossa atenção que a “tipologia definida pelo DFAT” para identificar os principais “sistemas de meios de subsistências timorenses” veio da “clusterização”20 dos sukus21 a partir da “semelhança das suas características demográficas, produtivas, climáticas, econômicas e agroecológicas” (Australia, 2014a, p. 3, tradução nossa). O mapa disponível nos anexos do Conceito de Investimento (Australia, 2014a, p. 22) e do Desenho de Investimento (Australia, 2014a, p. 62), produzido a partir dos 15 anos anteriores de engajamento da Austrália em Timor-Leste, por meio do SoL, é o que fundamenta o conceito e a delimitação do desenho do TOMAK.
Depois que o SoL identificou, classificou, categorizou e “clusterizou” os “sistemas de meios de subsistência timorenses”, “o TOMAK deveria [depois de identificar as cadeias de valores mais potenciais] abordar a produção, mercado, logística e limitações enfrentadas nesses sistemas” (Australia, 2014a, p. 4, tradução nossa). Assim, aquilo que já estava evidente desde o início - a centralidade do SoL - fica mais explícito quando o conhecimento do SoL entra no Conceito e no Desenho de Investimento (Australia, 2014a, 2015a) por meio do mapa detalhado e com uma diversidade de conhecimento informados. O mapa com a “clusterização” que o SoL produziu é fundamental nos dois documentos e pode ser encontrado na página 22 do documento Conceito de Investimento (Australia, 2014a).
O Conceito de Investimento deixa uma descrição do que será o principal objetivo do Desenho de Investimento, a saber, “testar a viabilidade, funcionalidade, sustentabilidade e custo provável das parcerias de entrega” (Australia, 2014a, p. 10, tradução nossa) e demanda que a próxima etapa detalhe e explore a avaliação de risco preliminar, com uma descrição de estratégias de mitigação, definição de recursos apropriados para o monitoramento dos riscos, dentre outros (Australia, 2014a, p. 10).
Entre o lançamento do documento de Conceito de Investimento e o início da produção do Desenho de Investimento, há a etapa de avaliação interna e externa, que desembocará no Term of Reference (ToR) - termo de referência, outro instrumento bastante comum no mundo dos programas internacionais - com os principais comentários e sugestões dos revisores para que o segundo documento aborde os pontos levantados pela revisão. Em termos de estrutura e organização, os dois documentos seguem a mesma forma, mas o segundo se detêm de maneira mais específica em demonstrar como conceito, objetivo, metas e resultados serão encadeados a fim de que o programa possa ter os indicadores de sucesso alcançados. Não é acaso que ao passo que o Conceito de Investimento tem 43 páginas totais, o Desenho de Investimento possui 115.
O Conceito de Investimento é produzido ainda num cenário de incerteza de destinação da verba por parte do Estado australiano para o programa. No entanto, ao ser aprovado, os primeiros estímulos ocorridos nessa etapa ganham força com o Desenho de Investimento. O Conceito de Investimento, então, surge como o primeiro e principal estruturador para todas as próximas etapas de produção do programa.
De partnership à investment
O mecanismo de produção e contratação do programa de desenvolvimento TOMAK é novo se comparado ao Seeds of Life (SoL). Ao longo dos documentos do Conceito de Investimento e do Desenho de Investimento afirma-se que o SoL foi executado a partir da parceria entre o Ministério de Agricultura e Pesca de Timor-Leste (MAF, sigla em inglês) - indicando a centralidade do governo leste-timorense para a implementação do programa - e o Centro Australiano de Pesquisa Agrícola Internacional (ACIAR, sigla em inglês), agência do Estado da Austrália focada em desenvolvimento e agricultura. Não obstante os meandros e detalhes do processo de produção das três fases do SoL não estejam acessíveis, nos debruçamos no documento final publicado no sítio eletrônico aciar.gov.au para investigar a mudança na prática da cooperação internacional para o desenvolvimento da Austrália.
A segunda seção do Relatório Final da terceira fase do SoL, publicado pelo ACIAR em setembro de 2016, nos oferece um resumo dos 16 anos de engajamento do Estado australiano na produção agrícola de Timor-Leste. A primeira fase (2001-2005) foi resultado da missão do ACIAR no ano 2000, financiada pelo centro de investigação e
concebida para melhorar o acesso dos agricultores a uma gama de variedades de culturas de maior rendimento adaptadas aos diversos ambientes de Timor-Leste. […] Também capacitou o pessoal do recém-criado Ministério da Agricultura para avaliar, produzir e distribuir germoplasma melhorado (Australia Centre for International Agricultural Research, 2016, p. 4, tradução nossa).
A segunda fase (2005-2011) foi financiada conjuntamente pelo ACIAR e a então AusAID, continuando o serviço da primeira fase do SoL, além de se envolver na “reabilitação/estabelecimento de estações de investigação agrícola e na aquisição de equipamento para testes de campo e para produção e testes de sementes” (Australia Centre for International Agricultural Research, 2016, p. 4, tradução nossa). Por fim, a terceira fase do programa, que é aquela que encadeia diretamente a produção do TOMAK, além dos dois financiadores acima mencionados, conta com uma parte financiada pelo próprio MAF. Chamou-nos a atenção o fato de o ACIAR ser destacado como responsável pela gestão do programa (Australia Centre for International Agricultural Research, 2016, p. 3), ao mesmo tempo que se celebra a parceria com o MAF como o primeiro fator de “sucesso do programa” (Australia Centre for International Agricultural Research, 2016, p. 24). No mesmo parágrafo, o fator “sucesso” também é reforçado pelo fato de que o programa foi quase totalmente implementado por nacionais timorenses, que atuaram ao lado de universidades australianas e técnicos do ACIAR.
Outra curiosidade que o relatório nos mostrou tem a ver com o próprio documento de desenho que encabeçou a terceira fase do SoL. Se no TOMAK os documentos têm o termo “investimento” como central, na terceira fase do SoL os documentos possuem apenas o título de “desenho do projeto”. Na verdade, não só o título do documento não possui a palavra “investimento”, como a recorrência dela no relatório é quase nula, senão por cinco ocasiões em três páginas, das 65 totais do relatório.
A grande diferença entre a arquitetura de execução dos dois programas diz respeito ao papel exercido por empresas privadas. Como indicado anteriormente, o ACIAR, uma instituição do Estado australiano, atuou como gestor direto do Seeds of Life, por meio de parcerias com o MAF do Estado leste-timorense. Ao lado disso, muitos dos especialistas que atuaram no programa eram técnicos da própria instituição ou profissionais vinculados a universidades e outras instituições fixadas na Austrália.
A figuração administrativa do TOMAK parece muito distante disso. Ele é gerido por uma empresa privada internacional que contrata pessoas de qualquer lugar do mundo para atuar em Timor-Leste por meio de editais internacionais. Vale ressaltar que a reintegração da AusAID ao DFAT - decisão tomada assim que a coalizão entre Liberal Party of Australia e National Party of Australia ganhou as eleições contra o Australian Labor Party em 2013 - se alinha com a arquitetura política neoliberal, às políticas de austeridade pós 2008 e ao novo cenário internacional no qual a cooperação para o desenvolvimento se enquadra (Lawrimore; Vreeland, 2018). Ao final da fusão, em 2014, o discurso da então ministra das Relações Exteriores, Julie Bishop (2014, tradução nossa), foi bastante representativo da centralidade do setor privado para o “novo paradigma” do desenvolvimento: “Estou convencida de que a ajuda deve ser um catalisador para promover o crescimento econômico e reduzir a pobreza através de uma forte ênfase na ‘ajuda ao comércio’ e na construção de um ambiente favorável para o sector privado.” Mesmo dez anos depois da anexação, o debate no contexto australiano sobre os impactos de tal ação para a política de desenvolvimento internacional da Austrália continua ativo (Middleby; Engel, 2023; Murphy, 2017).
Contratação por meio de licitação
Retomemos, então, o percurso etnográfico nos sítios eletrônicos. Por mais que tivéssemos o Desenho de Investimento do TOMAK (Australia, 2015a) em mãos desde o início, a compreensão de que a execução do TOMAK em Timor-Leste é mediada por um processo de licitação internacional fortaleceu nossa interpretação de que o programa, antes de chegar em Timor-Leste, figura como uma mercadoria. Updated: TOMAK - Farming for Prosperity (Timor-Leste) Request for Tender (RFT) Released (Atualizado: TOMAK - Agricultura para a Prosperidade (Timor-Leste) Lançado o Pedido de Proposta (RFT) [sigla em inglês]” é o título de um outro URL do dfat.gov.au que adensou nosso conhecimento sobre a gestão do programa. Mais uma vez, o endereço da página demonstra que o TOMAK está vinculado à seção “Business Opportunity”: about-us/business-opportunities/Pages/investment-design-and-supplier-engagement-tomak-farming-for-prosperity-timor-leste (Australia, 2015b). Essa página, já mais extensa que a anterior, tem seu conteúdo dividido em quatro partes: 1) Desenho de Investimento para o TOMAK; 2) Engajamento de supplier para o TOMAK e workshop para stakeholder e evento de networking; 3) Registro EOI (Expression of Interest [Expressão de Interesse]) do parceiro da cadeia de suprimentos para o TOMAK; 4) Questões e comentários. A página foi atualizada pela última vez em 12 de novembro de 2015 e teve como principal objetivo informar ao mercado sobre a abertura da candidatura para as instituições interessadas em gerir o programa, ao passo que também disponibiliza documentos suplementares para as submissões de propostas (Australia, 2015b).
Seguindo as trilhas nativas de divulgação de informações, antes da primeira seção, o DFAT torna público o processo de licitação, Request for Tender (RFT), lançado na plataforma AusTender em 6 de novembro de 2015. Essa informação se destaca por um “hiperlink” que permite aceder a um novo URL na qual a licitação está publicada. Este hiperlink nos direciona para a página tenders.gov.au, plataforma que “centraliza a divulgação de oportunidades de negócios do governo australiano, planos anuais de aquisições e contratos concedidos”.22 No título do sítio eletrônico AusTender, o nome TOMAK não é mencionado, mas sim o seu Approach to Market ID (ATM ID): DFAT/AOP/025.
Além do TOMAK ser transformado em um ATM ID, como se percebe na imagem acima da plataforma AusTender, a oportunidade de negócio vinculada a ele também é categorizada segundo um número e uma descrição, qual seja, 80161500 - Serviços de suporte de gestão. O ATM ficou aberto até 21 de dezembro de 2015, pouco mais de um mês. A empresa Adam Smith International foi selecionada como a contractor para o delivery e a organização não governamental internacional Mercy Corps como a supply chain partner do TOMAK. Assim, este é o local e o modo pelo qual o TOMAK foi oferecido ao mercado como uma mercadoria, cujo direito de aquisição se dá mediante pagamento de serviços administrativos a quem ganha o contrato, entre outros.
O capítulo da vida social do TOMAK discutido acima, no qual ele passa a ser identificado por um código Approach to Market ID, saindo do DFAT para se instalar na AusTender, além, claro, de figurar na página do DFAT na seção intitulada “Oportunidades de Negócios”, é sintomática do argumento aqui proposto: estamos diante de um programa de cooperação internacional que é também uma mercadoria cuja produção e circulação articula redes globais de gestão e expertise.
Tsing (2005, 2015) nos ensina que o “global” se constitui por meio de uma série de mediações e fricções. Ong e Collier (2010, p. 11), por sua vez, destacam o papel do que denominam formas globais, como certas modalidades de documentos, na construção e articulação da ordem internacional.23 A análise dos procedimentos que estruturam a concepção e contratação do TOMAK são exemplos do poder agentivo desses dispositivos, por meio dos quais se promovem concorrências internacionais e se perfaz uma ordem global de governança multiescalar (internacional, nacional e local).
Voltemos à análise da página do DFAT que lança e divulga o Request for Tender ao mercado internacional. Nela, o tom de “informação ao mercado” ganha ainda mais destaque. O primeiro tópico, Desenho de Investimento do TOMAK, além de disponibilizar o documento em hiperlinks, no modo PDF e Word, também indica um resumo do programa no setor agrícola e de segurança alimentar de Timor-Leste e oferece a justificativa central para a escolha desses setores. Se na etapa de produção do conceito, o objetivo do programa foi descrito no Conceito de Investimento (Australia, 2014a, p. 7, tradução nossa) como se segue, “as famílias rurais em Timor-Leste vivem vidas mais prósperas e sustentáveis”, no Desenho de Investimento, o objetivo é descrito de forma mais detalhada: “O objetivo do TOMAK é possibilitar que os agregados familiares rurais em todas as ‘bacias hidrográficas terrestres’ com uma população total de 146.000 habitantes vivam vidas mais prósperas e sustentáveis” (Australia, 2015b, tradução nossa).
A seguir, o sítio eletrônico do DFAT apresenta um segundo conjunto de informações, engajamento de supplier para o TOMAK e workshop para stakeholder e evento de networking. Nessa seção são partilhados dados sobre a divulgação da licitação do programa. Entre o lançamento do Desenho de Investimento, em 14 de agosto de 2015, e a abertura do Request for Tender, em 6 de novembro de 2015, o departamento organizou dois workshops - em Díli, no dia 27 de agosto de 2015, e em Camberra, no dia 3 de setembro de 2015. Questões e demandas discutidas durante os eventos são também publicadas nessa seção. Dentre elas, estão a possibilidade de conexão prévia entre os fornecedores, identificação de organizações que podem auxiliar na entrega do programa, conhecimentos de “outras oportunidades de negócios futuras no programa de ajuda australiano e como fazer negócios com o DFAT para novos participantes” (Australia, 2015b, tradução nossa). Merece destaque o fato de o governo da Austrália organizar esses eventos não só para promover o TOMAK, mas para colher, dos suppliers e stakeholders, comentários e sugestões prévias ao processo de licitação. Nesse momento, os participantes desse mercado se encontram para discutir pontos relativos à implementação do programa a fim de garantir que tanto o Estado australiano quanto o contractor e suppliers tenham sucesso: o primeiro por conseguir engajar empresas e organizações na competição que ocorre por meio do Request for Tender; e os segundos por conquistarem o direito de gestão e implementação do programa em Timor-Leste.
As narrativas aí apresentadas se mostram exemplares de fenômenos como controle de riscos, avaliações de desempenho, métricas de monitoramento, flexibilidade, minimização de custos, entre outros usuais nas práticas neoliberais de gestão das empresas privadas (Dardot; Laval, 2016; Hameiri, 2009) e que se fazem também presentes, ou ao menos desejadas, na governança do TOMAK. As discussões ocorridas durante o evento demonstram o esforço do DFAT em alinhar o programa e o seu delivery com os mecanismos e técnicas de gestão de mercado. O TOMAK circula no mercado global como uma mercadoria por meio da irradiação do seu conceito e desenho de investimento e pela mediação da AusTender. Para alçá-lo à forma de mercadoria, o DFAT também precisa mobilizar a sua “cadeia de fornecedores e stakeholders”. Estes eventos se caracterizam pelo objetivo central de incitar toda a cadeia de potenciais compradores/consumidores desse produto.
Outras informações disponibilizadas nessa seção da página eletrônica do DFAT são relevantes para demonstração de nosso argumento. Quatro arquivos são partilhados a fim de prover mais informações aos potenciais candidatos à licitação: as programações dos workshops realizados em Díli e Camberra; o arquivo da apresentação do TOMAK tal como realizada nesses eventos, e, por fim, uma apresentação resumida (20 páginas) do Desenho de Investimento do TOMAK (Australia, 2015a). Argumenta-se ser importante que os candidatos estejam alinhados às políticas de cooperação da Austrália em Timor-Leste e demonstrem capacidade de articular esses conhecimentos com a forma de mercadoria que o TOMAK possui.
Por fim, chegamos ao penúltimo tópico da página no qual se apresenta os outros atores a compor o elenco do processo de delivery do TOMAK: o Supply Chain Partner EOI Register (Registro da Expressão de Interesse [EOI] do Parceiro da Cadeia de Suprimentos). O parceiro da cadeia de suprimentos, ou supplier, como temos acionado aqui, é aquele com o qual o ganhador da licitação estabelecerá uma relação de parceria para garantir o delivery do TOMAK em Timor-Leste. Essa seção disponibiliza ao mercado o formulário de registro do EOI para o TOMAK e a lista resumida de entidades que se candidataram. Diferente da proposta solicitada no AusTender, o EOI é um documento público; até hoje esses arquivos continuam disponíveis. Há alguns descompassos, desigualdades, em termos de transparência de informações, entre o processo de contratação do gestor, contractor, e do parceiro do gestor, supply chain partner, na história social do TOMAK.
Para o TOMAK, 16 potenciais parceiros se candidataram. O documento disponível no website do DFAT (Australia, 2015c), que lista todos que se submeteram, classifica os candidatos a partir do tipo de organização e país de origem. Dentre os tipos de organizações, encontramos organizações não governamentais nacionais e internacionais, empresas de consultoria e serviços especializados tanto nacionais quanto internacionais, institutos de formação, e uma última definida como “commonwealth organisation”. No caso dos países de origem, indica-se que, das 16 organizações candidatas, 9 são leste-timorenses; 1 é indonésia; 4 são australianas; 1 é estadunidense; e 1 é alemã.
O processo para seleção do parceiro que auxiliará na entrega é somente intermediado pelo DFAT. Isso significa que o departamento não é o responsável pela seleção, mas apenas por acionar as organizações interessadas para que estas se candidatem por meio do preenchimento do formulário. O Express of Interest, então, é um formulário preenchido pelas organizações a partir do modelo fornecido pelo DFAT. Como o nome nos indica, trata-se de uma expressão de interesse de participar da implementação, mas a relação contratual será estabelecida e manejada pelo contractor que ganhar a licitação. Nesse caso, a competição continua sendo o principal meio de seleção. Para a primeira fase de implementação do TOMAK (2016-2021), a empresa Adam Smith International (ASI) foi selecionada como contractor e a organização não governamental internacional Mercy Corps foi apontada por aquela como a supply chain partner. O Express of Interest é o documento que sumariza as informações básicas da organização que está se candidatando para ser selecionada como parceira na cadeia de implementação do programa. A primeira seção indica os “Detalhes da organização”, em seguida tem o tópico “Perfil da organização/Áreas de atuação e expertise/link para o website” e finaliza com o terceiro ponto “Breve resumo de experiências relevantes”. O documento da Mercy Corps (Australia, 2015d) conta com duas páginas.
As propostas de gestão submetidas ao DFAT não estão disponíveis, ao passo que os EOIs sim. Não há uma demonstração de qual o critério que fez com que a ASI fosse selecionada. O que se sabe sobre a ASI, para além do fato de que o seu nome é de um importante teórico da economia clássica, é somente o que está disponível no seu próprio website.
A empresa tem mais de 30 anos de atuação e foi registrada inicialmente na Europa. Estabeleceu um escritório permanente na Austrália, em 2012, para “apoiar o programa de ajuda australiana e outros clientes na Ásia e no Pacífico” (Turner, 2023, tradução nossa). Não temos informações específicas sobre a documentação apresentada por ela e o valor demandado para suas operações, mas vale ressaltar que operar um programa de desenvolvimento em qualquer contexto classificado como “menos desenvolvido” requer o pagamento de especialistas de alto nível, consultorias e trabalhadores, em sua maior parte internacionais, para que possam viver ou viajar para esses lugares e produzir relatórios, pesquisas e monitoramento com o alto nível de qualidade exigido no setor internacional e no curto prazo disponível.
A ASI, então, ganha o direito de administrar o programa como mercadoria, não por meio de um processo de compra, mas apresentando documentos no processo de licitação que são avaliados pelo governo australiano. Uma vez vencida a licitação, se transferem para a empresa vencedora os recursos financeiros para o programa ser implementado e o governo e Estado australiano se tornam assim seu cliente. Nesse percurso, então, o programa transita entre o regime de dádiva e de commodity: ele começa como uma política australiana de doação destinada a combater a pobreza, a desigualdade e promover meios de subsistência sustentáveis para a população-alvo, conforme descrito em seus documentos de conceito e desenho, mas é negociado no mercado global de empresas como uma mercadoria de tipo serviço que é produzida de acordo com as demandas desse mercado. O fato de o programa ser uma mercadoria nesse estágio de pré-implementação não impossibilita que ele retorne a atuar como dádiva quando se instala em Timor-Leste.
O regime de troca de commodity em que o DFAT/AusAID e a Adam Smith International atuam tem suas particularidades. Know-how, expertise e conhecimento são as mercadorias contratadas e remuneradas pelo Estado australiano a fim de propiciar a execução do programa de desenvolvimento. Esses atores, contudo, engajam-se em relações de longa duração, caracterizada por certa interdependência, que diferem muito das trocas de mercado ordinárias.24 Ao mesmo tempo, é importante reconhecer que o que é alienado temporariamente pelo Estado australiano é a gestão do programa e não a totalidade dele. A Adam Smith e Mercy Corps são prestadoras de serviço ao Estado australiano, que conserva para si a concepção e grande parte do capital simbólico implicados no programa. Tais fatos permitem a existência ambivalente do programa, em diferentes contextos: em Timor-Leste como dádiva e no mercado global de concorrências internacionais, como mercadoria.
Uma vez que uma empresa é escolhida para operar o programa, ela se compromete a aderir ao Desenho de Investimento (Australia, 2015a) e à conceituação do programa, usando sua experiência, habilidade e conhecimento. O argumento de alteração na relação econômica das comunidades de Timor-Leste visa não apenas os beneficiários, que recebem treinamento e um novo conjunto de conhecimentos em agricultura, nutrição e mercado, mas também toda a cadeia de atores, incluindo os atores nacionais envolvidos na implementação do programa.
É importante notar que o TOMAK, como outros programas da Austrália, é executado em colaboração com o Estado leste-timorense, ainda que nesse caso, diferentemente do Seeds of Life, a parceria não se dê desde o início de produção do programa. Isso pode implicar a demanda de investimentos do Estado leste-timorense para realização das atividades previstas no programa, transformando-o assim num tipo de mercadoria pela qual o Estado leste-timorense também paga. Quando da elaboração dos orçamentos anuais do Estado leste-timorense é comum seus “parceiros do desenvolvimento”, leia-se, a coordenação dos programas de cooperação executados em cada ministério, apresentarem demandas de orçamento ao Estado leste-timorense para continuidade das atividades previstas no programa. Se num primeiro momento o programa aparece como dádiva do Estado doador, é possível que em momentos posteriores, quando o Estado local já tem uma dependência em relação ao programa, seu financiamento pelo governo leste-timorense seja tratado como compulsório. A abordagem dos efeitos positivos dos programas em relatórios de avaliação, assim como a dívida moral contraída com o país doador - que muitas vezes financia unilateralmente a execução dos primeiros anos do programa - são elementos que influenciam a disponibilização de recursos pelo governo local.25
Considerações finais
Ao longo deste artigo procuramos explorar os mecanismos técnicos e narrativos pelos quais um programa de cooperação internacional para o desenvolvimento é vertido em mercadoria. Demonstramos que isso se dá mediante técnicas de gestão que visam terceirizar a execução do programa através de concorrência internacional entre empresas privadas. Ao mesmo tempo, destacamos o papel das construções narrativas dos programas como negócios em formas globais típicas do campo do desenvolvimento, tal como expressas nos documentos de Conceito e Desenho de Investimento. Diante da breve síntese apresentada a respeito dos objetivos e modus operandi do campo do desenvolvimento, as formas de manejo do TOMAK identificadas ao longo do texto revelam com transparência excepcional a figuração de um projeto de desenvolvimento como mercadoria, do modo como esse campo promove o fortalecimento e expansão da sociedade de mercado.
É importante considerar, contudo, que a identificação do TOMAK enquanto uma mercadoria não é destacada em sua vida social em Timor-Leste. Por lá, ele é apresentado mais como uma dádiva do Estado australiano à população leste-timorense, por meio da manutenção do logo da AusAID, por exemplo. Tal fato nos leva a propor que a caracterização do TOMAK como dádiva e, consequentemente, o ocultamento de sua face mercadoria, constitui seu próprio fetiche. De certo modo, esse fetiche é aplicado a muitos (ou quase todos) os programas de cooperação para o desenvolvimento em Timor-Leste e alhures. Embora saibamos, como compartilhado na primeira seção deste artigo, que a indústria do desenvolvimento está sobretudo a serviço da expansão dos mercados para as economias nacionais dos países doadores, isso quase sempre é silenciado nas praxes cotidianas do desenvolvimento. Do ponto de vista formal, procura-se legitimar os programas e projetos de desenvolvimento para fortalecer os direitos humanos, reduzir a pobreza e desigualdade econômica e melhorar os índices nutricionais, entre outros mobilizadores políticos comuns ao campo.
Enfatizamos a importância de se analisar os modelos de documentos, a técnica da escrita e a episteme utilizada para produzir um programa de desenvolvimento, assim como os demais dispositivos utilizados para acompanhá-lo durante sua implementação. A criação e implementação de um programa de desenvolvimento exigem habilidades específicas e competências linguísticas que são definidas durante a fase de conceito e desenho. Essas habilidades serão essenciais para tornar o conceito uma realidade em um novo país, mesmo que essa seja também construída através da escrita. Isso porque as práticas e modos de escrita, fluxos de documentação, articulação de diversos textos de forma coesa e coerente são essenciais para a dinamização de redes e mercados globais, como nos ensina Riles (2010).
A terminologia dos documentos de programa padrão da AusAID, agora anexa ao DFAT, é, em si, já reveladora de como a cooperação internacional é abordada enquanto um instrumento de dinamização da economia e do mercado. Assim, os programas são caracterizados como investimentos e os seus documentos passam por processos de avaliação mercadológicos e circulam como uma mercadoria.
A produção do TOMAK possui forma, linguagem e estética de uma mercadoria que são eclipsadas ao chegar em Timor-Leste. Este foi o argumento perseguido: o TOMAK, enquanto mercadoria, circula e ativa outros mercados antes de chegar em Timor-Leste; ao mesmo tempo, enquanto programa do Estado australiano, é implementado para que “as famílias rurais [participem] em mercados agrícolas lucrativos e [melhorem] a segurança alimentar e nutricional” (Australia, 2014a, p. 1, tradução nossa). Ao extrair as informações de como o governo australiano constrói o conceito e desenho do programa, e o transaciona no regime de troca de mercado com outras instituições globais como as empresas, estamos diante de mais uma dimensão do complexo fenômeno do desenvolvimento e da difusão de práticas econômicas de mercado (Polanyi, 2002; Silva, 2016).
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» https://adamsmithinternational.com/30th-anniversary/
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1
Valor relativo à Assistência Oficial ao Desenvolvimento (Official Development Assistance, em inglês), segundo a plataforma Data Explorer da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ver https://data-explorer.oecd.org/ (acessado em 24/03/2024).
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2
Tétum é um dos idiomas oficiais de Timor-Leste e a língua vernacular do país.
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3
Curiosamente, o acrônimo TOMAK também é uma palavra em tétum para “completo” ou “inteiro”.
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4
A securitização, como definida por Hameiri (2009, p. 357), é reflexo de uma forma de “gestão de riscos” para prevenir o transbordamento para a Austrália de riscos transnacionais.
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5
Tal abordagem é inspirada no trabalho de Ann Stoler (2010), que chamou a atenção para a dimensão epistemológica, e ao mesmo tempo técnica, dos arquivos coloniais. Ao tratá-los como processos, isto é, como “experimentos epistemológicos [… os] arquivos coloniais [são vistos] como transparências nas quais se inscrevem relações de poder e como tecnologias de governo intrincadas em si mesmas” (Stoler, 2010, p. 466, tradução nossa).
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6
A presença da mais valia é outro traço essencial apontado por Marx para o modo de produção capitalista, e da sociedade de mercado. Contudo, é importante lembrar que trocas orientadas pelo regime de mercado existem também em sociedades e economias que não são de mercado e em que a produção capitalista não está generalizada.
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7
Como demonstra Tsing (2013) em sua análise sobre o processo de comodificação de cogumelos, essas mediações são repetidas cotidianamente sobre diferentes objetos em todas as partes do mundo, a despeito de todo aparato legal e moral que sustenta a sociedade de e para o mercado.
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8
Silva (2016, p. 131-132) qualifica o regime de troca de dádiva nos seguintes termos: “Como aquele em que, por meio do intercâmbio bens, palavras e gestos, as pessoas negociam relações que estão fora do ato da transação. […] Nesse regime, pessoas e coisas são tratadas como pessoas, sendo os objetos de valor suportes para produzir e reproduzir relações de longo prazo. De certo modo, existe uma unidade, consubstancialidade entre o objeto que circula e as pessoas que o fazem circular. Tal fato faz desses objetos coisas animadas e inalienáveis, sendo depositários de certo tipo de agência. […] As partes envolvidas nas trocas são mutuamente dependentes e figuram uma diante das outras de forma assimétrica […]. O dom é frequentemente visto como obrigatório.”
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9
“Grande independência entre os atores envolvidos nas operações de troca e a presença de moeda como um meio de quantificar o valor são as principais características do regime de mercado (commodity). Em comparação com o regime de dádiva, em operações informadas pelo regime de mercado as relações entre as pessoas são experimentadas como relações entre coisas. Não há consubstancialidade entre as coisas trocadas e aqueles que a fazem circular, de modo que são pensadas como alienáveis, inanimadas e objetos passivos da ação humana” (Silva, 2016, p. 132).
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10
Ver nota 8 para definição.
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11
Haas (1992) destaca a crescente influência de comunidades epistêmicas transnacionais, operantes no campo da cooperação técnica internacional, nas dinâmicas estatais contemporâneas, as quais são frequentemente chamadas a se pronunciar sobre os mais diferentes eventos. Tal comunidade epistêmica é produto de: 1) um conjunto de princípios normativos que operam como base de sua racionalidade e ação; 2) crenças de causas compartilhadas, derivadas de análises precedentes e que servem de base para esclarecimentos dos múltiplos vínculos possíveis entre ações políticas e resultados desejados; 3) noções partilhadas de validade; 4) uma agenda política comum. Para o autor, as comunidades epistêmicas são canais pelos quais novas ideias circulam de sociedades para governos, entre governos e de país para país.
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12
O famoso modelo dos estágios de desenvolvimento econômico de Rostow (1959) talvez seja a expressão mais crítica da racionalidade que tem alimentado parte importante do campo do desenvolvimento.
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13
Escrevemos Conceito de Investimento e Desenho de Investimento com as iniciais maiúsculas para facilitar a compreensão e evitar equívocos.
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14
Em 2023, primeiro ano de execução da segunda fase do programa, o sítio eletrônico do tomak.org passou por um redesenho. Assim, as informações produzidas para fins desta pesquisa estão circunscritas à primeira versão da página.
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15
Sigla para “uniform resource locator”, em inglês, traduzido para o português como “localizador uniforme de recursos”. Esse é o nome dado para endereços de sítios eletrônicos.
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16
No indicador do Google, a data de 23 de dezembro de 2014 nos mostra quando o programa foi oficialmente informado ao “mercado”.
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17
Principais seções: “Resumo do investimento”; “Definição e justificativa do problema/questão para investimento”; “Resultados propostos e opções de investimento”; “Abordagem de implementação/entrega”; “Abordagem de avaliação de riscos”; e “Processo proposto de design e garantia de qualidade” (Australia, 2014a).
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18
Ver mais em http://seedsoflifetimor.org/ (acessado em 03/11/2023).
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19
O conceito, gerado através da definição do problema a ser perseguido, vem do SoL e da sua análise que demostra a disponibilidade de “oportunidades econômicas latentes […], mas principalmente para alimentos não básicos e para aqueles onde existe uma demanda de mercado atualmente” (Australia, 2014a, p. 2, tradução nossa).
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20
Optamos por manter esse termo na sua forma aportuguesada por ser usada tanto no Brasil como em Timor-Leste.
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21
Os sukus são as menores subdivisões administrativas de Timor-Leste. Em primeiro lugar temos os municípios, depois postos administrativos, e em seguida os sukus, que agrupam aldeias.
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22
Informação disponível em: https://www.tenders.gov.au/ (acessado em 04/11/2023).
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23
Os autores qualificam as formas globais nos seguintes termos: “[…] they have a distinctive capacity for decontextualization and recontextualization, abstractability and movements, across diverse social and cultural situations and spheres of life. Global forms are able to assimilate themselves to new environments, to code heterogeneous contexts and objects in terms that are amenable to control and valuation. At the same time, the conditions of possibility of this movement are complex. Global forms are limited or delimited by specific technical infrastructures, administrative apparatuses, or value regimes, not by the vagaries of a social or cultural field.”
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24
Ver nota 8.
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25
Uma das autoras tomou consciência desse fenômeno ao acompanhar as pressões realizadas por coordenadores de programas de cooperação internacional sobre a diretoria de finanças de um ministério do Estado leste-timorense em 2022.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
21 Jun 2024 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2024
Histórico
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Recebido
11 Nov 2023 -
Aceito
10 Abr 2024