Open-access Covid longa, a pandemia que não terminou

Resumo

O artigo explora a complexidade e as incertezas atuais sobre a covid longa, uma entidade nosológica emergente pós-covid-19, com contornos imprecisos e caracterizada por sintomas imprevisíveis e persistentes. Baseado em relatos de pessoas afetadas e equilibrando a revisão da literatura médica e jornalística sobre o tema, a história da ciência e a etnografia em saúde, o trabalho descreve e analisa as políticas de reconhecimento e de cuidado da doença em um contexto de injustiça epistêmica. O artigo contesta as representações da covid longa como uma condição meramente transitória, argumentando que, diferentemente das promessas de plena recuperação, o que tem ganhado forma é emergência de uma nova pessoa cuja biografia passa a ser reescrita com a covid longa. Para essas pessoas, o reconhecimento pleno da covid longa como uma entidade patológica distinta, aliado à validação de seu conhecimento experimental, significa mais do que simplesmente abrir possibilidades concretas para alívio do sofrimento físico e mental. Isso também representa justiça, reparação e um passo adiante na reconstrução de suas vidas.

Palavras-chave: covid longa; diagnóstico; injustiça epistêmica; políticas de reconhecimento e cuidado

Abstract

The article explores the complexity and current uncertainties concerning long COVID, an emerging nosological entity with vague contours and characterised by unpredictable and persistent symptoms and absence of ‘objective diagnosis’. Based on accounts of the affected individuals and balancing the review of medical and journalistic literature on the subject, historical approach and ethnography, this work describes and analyses the policies of recognition and care of this condition in a context of epistemic injustice. The article contests the representations of long COVID as a merely transient disorder arguing that, unlike the promises of full recovery, what is taking shape is the emergence of a new individual whose biography is being rewritten by long COVID. For these people, full recognition of long COVID as a distinct pathological entity, coupled with the validation of their experimental knowledge, means more than merely opening concrete possibilities for relief from physical and mental suffering. It also represents justice, repair, and a further step towards the reconstruction of their lives.

Keywords: long COVID; diagnosis; epistemic injustice; recognition and care policies

Nós somos invisíveis. Invisíveis. A gente continua doente e se não continuarmos lutando, ninguém fará nada por nós.

Eu durmo mal. Às vezes, eu tenho crises de ansiedade; minha cabeça não funcionou mais direito. Eu fico confusa e esqueço coisas o tempo todo.

Lá no trabalho me olham desconfiando, acham que eu estou fingindo.

O médico diz que isso é psicológico; que eu não tenho nada, que logo isso vai passar.

Eu não sou mais a mesma pessoa.

Os depoimentos que abrem este artigo vêm de mulheres entre 35 e 60 anos. Elas vivem com sintomas perturbadores que surgiram após a covid-19. Para a doença da qual reclamam, ainda não existe um diagnóstico formal. No entanto, todas já a identificam como covid longa.

A covid longa tem se conformado como uma nova entidade nosológica surgida na sequência da covid-19. Com contornos ainda vagos, ela está impulsionando pesquisas sobre a sua prevalência, sintomas, diagnóstico, duração e métodos de tratamento. Enquanto segue sem definição precisa, a covid longa ganha terreno em meio às disparidades e injustiças sociais implicadas nesta atual zona nebulosa, complexa e incerta que é frequentemente descrita como “fim da pandemia”. Pandemias, de fato, excedem às narrativas lineares de começo, pico e término. Conforme defendem as historiadoras da ciência Erica Charters e Kristin Heitman, elas são vividas em ciclos de intensidade e temporalidade cujo fim, ou fins, não se limitam a cessação da circulação do agente patógeno ou a redução das taxas de contaminação e morte. Portanto, em contraste com a esperança idealista da “erradicação biológica”, o fim de uma pandemia depende muito mais de uma contínua negociação política, ética e social de “níveis aceitáveis”, que permitem a “administração de uma vida social normal” (Charters; Heitman, 2021).

Este é o cerne da questão: para quem vive com a covid longa, assim como para quem ainda lida com as perdas e a reconstrução de suas vidas, a pandemia de covid-19 ainda não terminou. Mais precisamente, é na de ausência de diagnóstico que a pandemia de covid longa ainda aguarda o seu começo, em meio a um cenário de incertezas de onde emergem vozes significativas, como os relatos publicados por pacientes e aqueles das mulheres que compartilharam suas experiências de sofrimento, invisibilidade e de luta na pesquisa que fundamenta este trabalho. No âmbito médico-biológico, essas narrativas podem ser interpretadas como sintomas de uma síndrome pós-viral. No entanto, sob a ótica da história da ciência e da antropologia da saúde aqui defendidas, elas também representam uma manifestação de injustiça epistêmica.1

Síndromes pós-virais são definidas pela literatura médico-biológica como um conjunto de sintomas que podem persistir após uma infecção viral aguda ter sido considerada resolvida. Entre as principais manifestações estão a fadiga extrema e a fraqueza muscular, a dor nas articulações e na cabeça, a dificuldade de concentração, os problemas de memória e os distúrbios do sono. Há poucos fatos incontestáveis em relação à sua etiologia e tratamento, mas acredita-se que essas síndromes possam estar relacionadas à resposta imunológica do corpo à infecção viral. Nesse caso, é comum a administração de medicamentos para o alívio de sintomas como dores crônicas e a recomendação de boa higiene do sono combinada com exercícios leves e dieta saudável, para ajudar no fortalecimento do sistema imune (Camargo; Teixeira, 2002; Wessely et al., 1989). Embora as síndromes pós-virais possam ser debilitantes e afetar a qualidade de vida, esta mesma literatura atesta que a maioria dos pacientes se recupera completamente ao longo do tempo. Contudo, a falta de estruturas explicativas mais precisas para os sintomas dos pacientes, somada à incredulidade médica sobre seus testemunhos e as relações de poder desiguais entre ambos, ampliam e em muitos casos, perpetuam, as situações de frustração e sofrimento. Por esta razão, a perspectiva assumida neste artigo segue outra direção. O que pacientes com covid longa experimentam ao longo do tempo não é propriamente a recuperação, mas um processo de transformação de si e do seu mundo. Trata-se da emergência de uma nova pessoa, cuja história se torna inseparável da história da própria doença no seu corpo e na sua vida.

O artigo começa tratando dos limites imprecisos da covid longa, mostrando como os relatos de pacientes foram fundamentais para impulsionar o debate sobre a doença, desafiando a percepção inicial de que a covid-19 seria de curta duração e revelando uma realidade complexa de sequelas prolongadas e variadas. Grupos de ativistas, formados por acadêmicos e profissionais de saúde, tiveram um papel crucial na conscientização e na definição da covid longa como uma condição significativa. Especificamente no Brasil, a Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (AVICO) surgiu como uma voz forte na luta por justiça e reconhecimento das vítimas da pandemia, incluindo aquelas afetadas pela covid longa. Os pacientes com essa condição enfrentaram desafios significativos no sistema de saúde, especialmente mulheres, indivíduos não brancos, trabalhadores e desempregados, que frequentemente encontram dificuldades para serem ouvidos e acreditados pelos profissionais médicos. A escassez de relatos publicados por esses grupos evidencia a disparidade no acesso a tratamentos e no reconhecimento da condição, transformando a covid longa em uma pandemia não reconhecida de solidão, isolamento social e rejeição.

A segunda parte do artigo introduz relatos pessoais de mulheres afetadas pela covid longa, destacando como essa condição transcende meros sintomas físicos e permeia diversos aspectos da vida, incluindo saúde mental e emocional, reorganização de rotinas domésticas e profissionais, e alterações nas relações sociais e identidades. Além disso, a seção destaca os esforços de uma frente parlamentar que conduziu audiências públicas para coletar depoimentos sobre a covid longa. Essas audiências enfatizam a importância do reconhecimento da covid longa nas políticas de saúde e a necessidade de estabelecer um vínculo entre a doença e o ambiente de trabalho, evidenciando o impacto da condição na capacidade laboral e nas dinâmicas sociais e profissionais das pessoas que a covid longa têm.

A terceira parte do artigo descreve a complexidade e os desafios na definição e no diagnóstico da covid longa. A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a condição pós-covid como sintomas que persistem por pelo menos dois meses após a infecção pelo SARS-CoV-2. Contudo, essa definição é criticada por ser ampla e basear-se em sintomas que não podem ser explicados por outros diagnósticos. Os sintomas medicamente inexplicáveis, em particular, são frequentemente desacreditados e negligenciados, evidenciando as persistentes limitações biomédicas no campo das “doenças incertas” e resultando em dificuldades para os pacientes no acesso a recursos médicos e sociais adequados (Bransfield; Friedman, 2019).

A falta de testes diagnósticos objetivos para a covid longa agrava ainda mais essa situação, forçando os pacientes a dependerem de relatos subjetivos de seus sintomas. Mesmo com avanços na identificação de anomalias fisiológicas e estruturais, ainda não existe consenso sobre critérios diagnósticos específicos. Essa incerteza tem implicações significativas para os pacientes, como a dificuldade de acesso a tratamentos adequados e apoio social. Essa situação é intensificada pela “injustiça epistêmica”, na qual a credibilidade dos pacientes é frequentemente questionada e seus sintomas são classificados como “difíceis”. Essa descrença no sofrimento dos pacientes aumenta a frustração e angústia, especialmente entre grupos sociais vulneráveis, ressaltando a necessidade de se reconhecer e respeitar o conhecimento experimental dos pacientes.

A quarta seção do artigo aborda a complexidade e os desafios de obter dados confiáveis sobre a covid longa devido à ausência de critérios diagnósticos objetivos. Enquanto a covid-19 tem critérios de diagnóstico mais claros, a covid longa sofre de uma falta de consenso na definição e no diagnóstico. Mesmo com significativos investimentos em pesquisa as dificuldades persistem, em parte devido a questões organizacionais e à complexidade de definir precisamente o que é a covid longa. O ponto é que a inconsistência na definição de covid longa tem levado a resultados variados e contraditórios em pesquisas. Estudos diferem no tipo de população analisada, nos sintomas explorados e na metodologia empregada, resultando em estimativas divergentes da prevalência e das características da condição. Além disso, a controvérsia sobre a recuperação espontânea da covid longa ilustra a dificuldade de obter dados fidedignos.

A última parte do artigo explora as controvérsias entre percepções que consideram a covid longa como uma doença com causas primariamente fisiológicas e aquelas que a associam à síndrome da fadiga crônica (ME/CFS), sugerindo que fatores psicológicos podem desempenhar um papel significativo. Essa divergência reflete um debate mais amplo sobre distúrbios funcionais, muitas vezes vistos como estando na interseção entre o físico e o psicológico. Essa natureza complexa das doenças funcionais cria desafios tanto no diagnóstico quanto no tratamento, uma vez que muitos médicos se sentem frustrados pela falta de explicações médicas claras e pela ausência de terapias eficazes em um complexo campo de incertezas. Além disso, a associação dessas doenças com fatores psiquiátricos leva a uma percepção negativa por parte de alguns profissionais da saúde, que podem ver essas condições como menos “reais” ou menos graves do que doenças com causas físicas mais evidentes. Nesse contexto, a associação entre covid longa e síndrome da fadiga crônica, especialmente considerando sua prevalência mais elevada em mulheres, levanta questionamentos sobre o papel dos fatores psicológicos na condição.

Os contornos imprecisos da covid longa e a ausência de diagnósticos conclusivos constituem uma realidade frustrante que reconfigura as biografias e trajetórias de vida de quem vive com a doença. A pandemia de covid-19 não acaba para quem sofre na precariedade da invisibilidade e da indeterminação das suas consequências. Por essa razão, a covid longa é a pandemia que não terminou.2 O reconhecimento pleno desta inscreve possibilidades concretas de alívio para o sofrimento físico e mental, mas também representa justiça, reparação e um passo a mais para a reconstrução de suas vidas.

Os limites imprecisos da covid longa

A covid longa surgiu graças às histórias dos pacientes. Ainda hoje, ela existe principalmente por meio delas. Os primeiros relatos de pacientes com covid-19 que não conseguiram se recuperar surgiram na primavera de 2020. Naquela época, o problema era associado apenas a pacientes graves, frequentemente hospitalizados e não era apresentado como ocorrendo em pessoas previamente saudáveis, que tiveram casos leves ou moderados da doença. Nas fases iniciais e dramáticas da pandemia, as pessoas que contraíram a covid-19 eram informadas de que se recuperariam completamente após duas ou três semanas. Muitos descobriram que isso não acontecia. Pior ainda, começaram a ter síndromes estranhas e mutantes, muitas vezes desconectadas daquelas que experimentaram durante o episódio da infecção. Então, pacientes que foram informados de que seus sintomas não durariam mais do que três semanas, mas continuaram se sentindo mal, começaram a se organizar nas redes sociais dizendo que continuavam vivendo com a covid-19, porém de maneira prolongada. De forma significativa, a principal associação francesa de pacientes com covid longa é chamada de ApresJ20 (Após o dia 20). Na primavera e no verão europeu de 2020, grupos altamente eficientes de ativistas - muitos liderados por acadêmicos ou profissionais de saúde - conseguiram transmitir suas visões sobre os sintomas persistentes e mutantes da covid-19 para os especialistas. No outono de 2021, os ativistas já afirmavam com orgulho que a covid longa, o termo que eles cunharam, provavelmente foi o primeiro transtorno inicialmente definido pelas pessoas que o vivem como condição (Callard; Prego, 2021).3

Na primeira metade de 2020, a maioria dos pacientes com covid longa eram relativamente jovens, frequentemente do sexo feminino. Eles geralmente afirmavam não ter problemas de saúde graves antes de contrair a covid-19 e não foram hospitalizados por essa patologia. Seus sintomas pós-covid às vezes apareciam semanas ou até meses após o suposto fim da infecção e muitos deles eram caracterizados como “medicamente inexplicáveis”. Felicity Callard, professora de geografia humana na Universidade de Glasgow, começou a postar tweets sobre sua experiência com a covid longa em meados de abril de 2020, 27 dias após as primeiras manifestações da covid-19. Ela não apenas não melhorou após três semanas como continuou desenvolvendo novos sintomas (Callard, 2020b). Em maio de 2020, Callard começou a refletir sobre o significado do termo “covid leve” para os pacientes que desenvolveram sequelas não tão leves dessa condição. Sete semanas após o início de sua covid, ela relatou que continuava sofrendo de fadiga grave, dor, confusão mental (brainfog) e dificuldade de concentração. Ela não conseguia cuidar de si mesma e nem realizar tarefas domésticas básicas. Felizmente, ela recebeu ajuda das pessoas ao seu redor. Ela explicou que a “covid leve” pode levar a danos de longo prazo no corpo e precipitar uma síndrome de fadiga pós-infecciosa grave (Callard, 2020a). No inverno de 2020, Callard, que continuava com uma incapacidade severa, comparou sua experiência com a de pacientes com síndrome de fadiga crônica e expressou a esperança de que a atenção recente aos pacientes com covid longa acabasse com a invisibilidade das pessoas com essa síndrome (Callard, 2020c). Mas, em 2023, a realidade ainda tem se mostrado diferente.

Carla, 44 anos, uma profissional autônoma que vive no interior do Rio de Janeiro, relatou a angústia vivida depois de mais de dois anos doente, em meio a falta de atenção adequada:

Eu peguei covid mais de uma vez. Isso foi em 2020 ainda, e depois, em 2021. No começo, tudo bem, eu achava que tinha me recuperado. Depois comecei a ficar confusa e esquecida e com uma fraqueza que nunca termina. Às vezes eu até vou bem. Mas, de repente, é como se eu desligasse: vem um cansaço inexplicável. É como se um botão me desligasse. Começam as dores no corpo e eu fico pra morrer. Aí eu vou no médico. […] Mas eu nunca encontrei atendimento para covid longa. Eu fui ao meu médico de sempre e ele disse que aquilo era normal. […] Aí eu digo que é covid longa, e ele [o médico] diz que é difícil saber, que ninguém sabe. Então ele me encaminhou para outro, um psiquiatra: mesma coisa; faz de conta que nem ouve. Então, a gente não existe. Não existe covid longa pra eles. Nós somos invisíveis. Invisíveis. A gente continua doente e, se não continuarmos lutando, ninguém fará nada por nós. (Carla, 44 anos, julho de 2023).

Carla integra a Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19. Surgida em Porto Alegre, em abril de 2021, a AVICO se destacou como uma das primeiras associações no Brasil a reunir pessoas com o ímpeto de lutar por justiça frente ao que descreviam como inação e conduta criminosa do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro na gestão da pandemia. Ela foi fundada pela iniciativa de Gustavo Bernardes e Paola Falceta. Ele, um advogado e ativista pelos direitos à saúde da população LGBTQIA+, que foi internado e intubado por conta da covid-19. Ela, uma assistente social, militante dos direitos humanos, que perdeu a mãe para a covid-19 por falta de suprimentos adequados no hospital.

Inicialmente, a AVICO organizou grupos para acolher pessoas enlutadas e oferecer apoio jurídico às vítimas da pandemia. Esses grupos se reuniam semanalmente em sessões online através de aplicativos de videoconferência, como Google Meet e Zoom. As sessões eram mediadas por profissionais voluntários de diversas áreas, incluindo medicina, psicologia, assistência social e direito. Essas reuniões ofereciam um espaço para os participantes expressarem suas experiências sobre o luto e a perda repentina de entes queridos, muitas vezes exacerbada pela impossibilidade de uma despedida ritual adequada devido às restrições da pandemia. Além do apoio mútuo, eram discutidas estratégias para a reconstrução das rotinas diárias, a reorganização da vida profissional e escolar, e o enfrentamento de desafios econômicos e burocráticos. Isso incluía a navegação por obstáculos na administração de inventários, o gerenciamento de dívidas e a gestão de bens dos que partiram, bem como as lutas pelo devido registro de mortes decorrentes da covid-19. Essas dificuldades, já notáveis na época, escancaravam as muitas estratégias de algumas instituições para minimizar a dimensão da tragédia.

Desde o início, a AVICO também se empenhou em atividades nas redes sociais, realizando lives e outras iniciativas para conscientizar a população sobre a importância das políticas de cuidado individual e coletivo. Ela enfatizava a necessidade de atenção às fake news e denunciava as falhas e negligências das autoridades políticas e corporativas, amplamente noticiadas. Ao final de 2021, a associação já se destacava em manifestações públicas, reivindicando direitos à saúde e à proteção da população, além de apoiar o impeachment do ex-presidente Jair Bolsonaro. Naquele contexto, já era evidente o modo como governos neoliberais da direta com inclinações fascistas se comportavam como importantes agentes patogênicos na pandemia de covid-19 (Segata et al., 2021). Como resumiram Ventura, Aith e Reis (2021, p. 26), Bolsonaro já havia demonstrado um esforço deliberado “em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”. Não surpreendentemente, “genocídio” foi a expressão frequentemente usada nas manifestações para descrever a postura do então presidente durante a pandemia.4

Foi também em 2021 que a AVICO passou a protagonizar um conjunto de atividades que abordavam a covid longa, uma condição que começava a ganhar atenção global. Integrantes da associação compartilhavam ativamente nas redes sociais e grupos de WhatsApp informações e descobertas sobre a doença, muitas delas encontradas na internet. Eles discutiam as últimas pesquisas e artigos científicos, bem como reportagens de jornais, e muitos se identificavam com os sintomas e sequelas relatados. Devido ao contexto de negacionismo no Brasil, grande parte desses estudos e informações vinha do exterior, já que eram escassos os incentivos para pesquisa sobre a covid longa no país, assim como a produção de protocolos ou guias de manejo específicos para a doença.5

Uma das primeiras descrições detalhadas de covid longa na imprensa geral foi publicada no jornal The New York Times, em abril de 2020. Fiona Lowenstein, escritora, produtora e professora de ioga, que foi brevemente hospitalizada por covid-19 em março de 2020, relatou que três semanas após receber alta do hospital era incapaz de responder à pergunta “como você está se sentindo agora?”. Confusa e angustiada com seu estado de saúde, ela iniciou um grupo de apoio online para pessoas em recuperação da covid-19. Ela descobriu que não era a única pessoa a encontrar a experiência pós-covid desconcertante e que muitas das pessoas que entraram em contato com a infecção tinham problemas de saúde mental:

As notícias estão cheias de histórias inspiradoras de pacientes que sobreviveram à covid-19 - incluindo a minha -, mas raramente essas narrativas abordam o longo e tortuoso caminho para a recuperação que seguem. A Organização Mundial da Saúde afirmou que pessoas com casos “leves” podem esperar uma recuperação de duas semanas, enquanto aqueles com casos “graves” podem levar até seis semanas para se recuperar, mas a distinção entre casos “leves” e “graves” é confusa, e muitos de nós estamos experimentando sintomas por mais tempo. Alguns dos jovens do meu grupo de apoio online estão lutando para conseguir mais tempo de folga do trabalho - afinal, eles estão supostamente recuperados. Quase todos estão enfrentando problemas de saúde mental, incluindo ansiedade grave, ataques de pânico e depressão, enquanto lutam para entender o que está por vir para eles. (Lowenstein, 2020, tradução nossa).6

A menção de problemas de saúde mental em pessoas que tiveram sequelas da covid-19 já na primavera de 2020 é digna de nota porque, posteriormente, a questão das ligações entre covid longa e problemas neurológicos/psicológicos/psiquiátricos se tornou um dos principais temas de controvérsias sobre essa condição. Os pacientes com covid longa insistem que suas dificuldades de saúde mental são uma consequência pouco surpreendente de se viver com uma condição crônica, debilitante e imprevisível, enquanto alguns especialistas argumentam que dificuldades de saúde mental preexistentes poderiam ser uma das principais causas do desenvolvimento da covid longa.

Um dos elementos que tende a desaparecer nesse debate é a possibilidade de agravamento de problemas de saúde mental preexistentes pela infecção pelo SARS-CoV-2. A afirmação de que essa infecção pode piorar uma patologia orgânica já existente, como diabetes ou problemas circulatórios, não é percebida como problemática. Mas uma afirmação paralela de que essa infecção pode agravar os problemas mentais do paciente é fortemente rejeitada pelos pacientes com covid longa, que têm medo, muitas vezes com motivos válidos, de serem rotulados como “hipocondríacos” e “loucos” por alguns profissionais de saúde. De fato, um dos principais problemas enfrentados pelos pacientes com covid longa é a incredulidade dos médicos de que seus sintomas tenham uma causa “real”, ou seja, orgânica, e sejam meramente uma expressão de estresse ou ansiedade. Daí a importância dos testemunhos de profissionais de saúde que publicaram em periódicos médicos relatos de sua experiência com a covid longa.

Uma neurologista brasileira que desenvolveu problemas cognitivos e enxaquecas graves após uma infecção pelo SARS-CoV-2 explicou em um artigo no Brazilian Archives of Neuropsychiatry que teve a sorte de ter um conhecimento especializado e acesso a medicamentos que aliviaram seus sintomas. No entanto, ela acrescentou que, após falar publicamente sobre sua experiência, recebeu vários e-mails de pessoas com sintomas semelhantes (ou piores) que reclamaram que a maioria dos médicos não entende a covid longa e não acredita nelas quando descrevem os sintomas pós-covid (Yasuda, 2022).

Uma especialista canadense em saúde global relatou a história de seus sintomas duradouros e severamente incapacitantes no eClinicalMedicine. Ela queria encorajar outros pacientes com covid longa cujos médicos tendiam a ignorar as queixas, mas também chamar a atenção para o papel potencial da covid longa exacerbando as desigualdades. Se uma proporção significativa dos milhões de pessoas que sobrevivem à covid-19 desenvolver incapacidades de longo prazo, argumentou ela, o fardo dessa condição será, mais uma vez, mais pesado entre populações altamente marginalizadas que vivem no Sul Global (Malta, 2020).

É provável que pacientes abastados ou bem relacionados encontrem menos obstáculos para serem ouvidos e acreditados, provavelmente graças ao fato de terem acesso a especialistas médicos competentes e a clínicas especializadas em covid longa. Um famoso maestro dos Estados Unidos, que desenvolveu covid longa após um episódio de covid-19 na primavera de 2020, foi tratado em um dos centros especializados mais avançados do país para essa condição, o Hospital Mount Sinai em Nova York. Os médicos do centro Mount Sinai propuseram a ele um programa individualizado de reabilitação física adaptada e um regime complexo de medicamentos, incluindo aqueles para alterações de humor. Esse programa permitiu que ele gradualmente retornasse ao trabalho (Otterman, 2022). Uma liderança jornalística, que desenvolveu covid longa em 2022, também foi tratada no centro multidisciplinar de covid longa no Hospital Mount Sinai. Após sete meses de experiência com essa condição, ela relatou que dividia seu tempo entre ficar na cama e consultar inúmeros especialistas: um neurologista, um cardiologista, um imunologista, um pneumologista. Ela tomava vários medicamentos - anti-inflamatórios, bloqueadores de dor, antidepressivos - e ao mesmo tempo experimentava várias terapias alternativas (Senior, 2023). Uma renomada cientista britânica com covid longa foi tratada com uma terapia experimental de oxigênio hiperbárico (ela ficava em uma câmara de alta pressão enquanto o oxigênio era forçado para seus pulmões). O tratamento aliviou muitos de seus sintomas, mas infelizmente ela foi reinfectada com covid-19, uma causa frequente de agravamento dos sintomas da covid longa (Blasdel, 2023).

Pacientes com covid longa “menos proeminentes”, como o caso representado pelo depoimento de Carla, podem enfrentar trajetórias mais problemáticas. Muitos passam por uma odisseia médica prolongada até encontrarem profissionais que levem suas queixas a sério, se tiverem sorte (Cha, 2022). Mulheres pretas ou pardas podem ter especialmente dificuldade em persuadir seus médicos de que precisam de ajuda profissional. Uma professora preta de Baltimore, nos Estados Unidos, desenvolveu múltiplos problemas neurológicos, mas como seu teste para anticorpos específicos anti-SARS-CoV-2 foi negativo, seus médicos se recusaram a reconhecer que ela tinha covid longa e classificaram seus problemas como psicossomáticos. Incapaz de voltar ao trabalho, ela descreveu sua experiência como sendo invalidada e ignorada por profissionais de saúde (Silman, 2020). Sua experiência pode ser típica de muitos pacientes para os quais a falha em obter cuidados médicos adequados está associada a graves dificuldades materiais. Esses pacientes tendem a ter baixa visibilidade. A maioria das pessoas que contaram suas histórias de covid longa na mídia tinham entre 25 e 55 anos, pertenciam à classe média, eram brancas e tinham educação.7 A escassez de narrativas publicadas sobre a covid longa por parte de trabalhadores, desempregados, indivíduos não brancos ou migrantes recentes pode não ser um indicativo direto da prevalência dessa condição entre diferentes grupos sociais. Entretanto, essa lacuna pode revelar as dificuldades que essas pessoas enfrentam para acessar especialistas, receber tratamentos adequados e compartilhar suas experiências. Nos Estados Unidos, um artigo de 2023 sugeriu que a covid longa seria, na verdade, uma pandemia não reconhecida de solidão, isolamento social e rejeição (Kwang, 2023).

As pessoas que a covid longa tem

“Hoje é quarta-feira?” Foram as primeiras palavras de Maria, 56 anos, funcionária pública aposentada de Brasília, durante uma conversa por Zoom. Ao ser informada de que era segunda-feira, ela expressou surpresa. Era maio de 2023, e Maria relatou que há quase dois anos e meio vinha sofrendo com sintomas estranhos após a covid-19. “Eu nem conferi. Preciso sempre olhar no calendário. Para mim, todo dia é quarta-feira. Hoje não é, certo?” Maria compartilhou que seu marido é profissional de saúde e acredita ter sido infectada pela covid “umas oito vezes” no início da pandemia. Segundo ela, cada infecção acrescentou uma nova camada de sequelas estranhas e debilitantes e foi transformando quem ela é:

Foi numa quarta-feira que eu perdi o meu irmão. Ele era mais jovem que eu dois anos. Era uma pessoa saudável, muito ativa. Uma perda inexplicável. Acho que isso ficou em mim, sabe? […]. Eu fui bem afetada, aqui em casa, a mais afetada […]. Hoje eu vivo confusa. Eu durmo mal. Às vezes, eu tenho crises de ansiedade; minha cabeça não funcionou mais direito. Eu fico confusa e esqueço coisas o tempo todo. Foi por isso que eu pedi minha aposentadoria. Eu já tinha tempo de serviço. Se não fosse a covid eu continuaria, mas não dá mais. […] Então, eu também parei de dirigir. Depois de um tempo, quando eu tirava o carro da garagem eu sentia que não ia para lugar nenhum, porque eu esquecia o que ia fazer. […] Olha essas marcas. Agora, eu me queimo o tempo todo. Tenho medo de cozinhar, sabe? Eu esqueço que a panela está quente e me queimo quando boto a mão nela. Tenho medo de queimar a casa assim. […] Eu lavo as roupas na máquina mais de uma vez, porque esqueci que já lavei. […] A covid longa me pegou. Depois de um tempo, o psiquiatra me deu diagnóstico, porque eu faço tratamento e foram detectadas algumas mudanças a nível fisiológico no meu cérebro pós-covid. É, ficou uma área lacunar no meu cérebro. A covid causou desmielinização da bainha de mielina, que gente sabe que se eleva para esclerose múltipla, né? Então, assim, o médico fala assim: “Como é que você tá, como é que você consegue ficar de pé?” Não sei, gente, porque foram tantas coisas, causou esse problema no lobo temporal frontal direito e aí eu tenho tomado estabilizante de humor porque é como se eu tivesse, às vezes, uns surtos, uns surtos que eu nunca tive. Eu nunca fui a pessoa mais tranquila do mundo, mas eu nunca fui uma pessoa agressiva assim e eu tive dois surtos já. Então, a minha vida de covid longa agora é outra. […] Eu ainda estou dentro daquele looping que não acaba, porque todos os dias eu preciso me readaptar, é como se eu tivesse me reinventando todos os dias. (Maria, 56 anos, maio de 2023).

No texto “As pessoas que as doenças têm: entre o biológico e o biográfico”, que inspira o título desta seção, a antropóloga Waleska Aureliano (2012) sugere uma abordagem que reconhece a doença não apenas como uma condição biológica, mas também como uma experiência vivida que se entrelaça com a narrativa biográfica de uma pessoa. Influenciada pela noção de reposicionamento biográfico, que vem de Michael Bury (1982), em seu estudo sobre doenças crônicas, Aureliano (2012, p. 240) analisou como o câncer pode ser pensado como uma doença que pode desencadear “formas de agenciamento em torno de temporalidades difusas e incertas que são agora marcadas pelo adoecimento”. A sua análise da cronicidade do câncer ajuda a pensar como a covid longa tem transformado Maria:

A dimensão biográfica envolvida nas narrativas sobre doenças deixa evidente as histórias específicas e as estratégias concretas engendradas pelas pessoas doentes na sua experiência com a cronicidade. Não seria o caso de pensar em uma individualização da construção de sentidos para a enfermidade, mas de observar como os elementos biográficos, indissociáveis da experiência da doença (e fatidicamente relacionais), são acionados nesse processo, constituindo-se não apenas enquanto formas de significar a doença, mas também enquanto um elemento que faz parte de ações terapêuticas, […] da construção do seu histórico clínico a novas formas de cuidado e atenção com o corpo, assim como na formulação subjetivada da experiência da doença e dos aspectos emocionais aqui envolvidos. Em todos eles, a narrativa biográfica surge como forma de engendrar e legitimar ações e estratégias na gestão dessa experiência e seus desdobramentos. (Aureliano, 2012, p. 241).

Maria vive o reposicionamento biográfico. Hoje, ela é uma pessoa que a covid longa tem. Em todas as conversas, Maria tornou evidente como a doença reformulou suas rotinas, causando limitações físicas, provocando distúrbios emocionais e impactando assim sua vida social. Ela relatava que a covid longa transformou completamente seu círculo de amizades. Os amigos de outros tempos passaram a ser menos presentes, enquanto novas amizades, com pessoas que compartilham com ela a vida precária que a covid longa tem lhes rendido, tornaram-se mais frequentes. Nesse novo círculo de amizades, ela pode dividir experiências e ser compreendida sem julgamentos sobre as suas alterações de humor, os episódios de esquecimento e as descobertas relacionadas à sua nova fisiologia cerebral. Embora seja possível reconhecer a história única que a covid longa construiu com Maria, as experiências pessoais e a própria concepção de doença que são moduladas por essa condição de saúde são amplamente partilhadas pelos pacientes que se mobilizam na luta pelo reconhecimento dessa doença.

Com o objetivo de compreender os impactos da pandemia de covid-19 na organização do sistema de saúde do estado do Rio Grande do Sul, bem como em sua sociedade e no setor de saúde em geral, a Frente Parlamentar em Defesa das Vítimas da Covid-19 foi instalada em 27 de abril de 2022. No decorrer dos três meses seguintes, foram realizadas audiências públicas em todo o estado.8 Em cada audiência, uma introdução detalhava seus objetivos, seguida por falas de entidades e movimentos. Após isso, era aberto um amplo espaço para a manifestação da população através de depoimentos. O tema central dessas discussões era a covid longa. Relatos impressionantes evidenciavam as formas como a doença havia produzido condições crônicas debilitantes. Muitas destas condições eram evidentes, como dificuldades para caminhar, se equilibrar ou mesmo falar. Elas ofereciam corpo a um conjunto de sintomas já registrados na literatura, destacando a assustadora dimensão do problema, que a pouca epidemiologia disponível ainda está longe de mensurar com precisão. Nessas narrativas, a doença era frequentemente descrita como o agente de ocupação do corpo e da identidade dos depoentes, notavelmente por meio de expressões como “a covid fez de mim”, “eu estou destruída”, “a doença fez isso comigo” ou “eu sou outra pessoa depois que adoeci”, que vão ao encontro da experiência narrada por Maria, sobre a sua nova condição de sujeito. Conforme defendido por Kleinman (2020), narrativas e testemunhos revelam como a experiência da doença transcende os sintomas físicos. Ela engloba dimensões emocionais, sociais e culturais, que são cruciais para compreender a integralidade da doença na vida de uma pessoa. Assim, essas narrativas atuam como uma janela para o mundo vivido do paciente, especialmente em condições ainda pouco definidas como a da covid longa, mostrando não somente como a doença afeta o corpo, mas também como impacta sua identidade, relações sociais e posição na sociedade.

É importante sublinhar que tanto os testemunhos das audiências quanto muitas das narrativas de vida com a covid longa coletadas na pesquisa já corporificavam a forma e o conteúdo de como a doença era representada nos discursos biomédicos, muitos dos quais eram impulsionados pelos próprios movimentos sociais organizados. Comum à dinâmica de muitas lutas sociais por direitos, as audiências formavam “redes de sofrimento a distância”, para usar uma expressão de Boltanski (1993), nas quais biografias de sujeitos concretos se desenrolavam em esferas públicas com o objetivo de produzir casos, transformando-os em causas políticas (Vianna, 2013). Nesse contexto, assim como no combate às fake news sobre a pandemia, a tradução de experiências individuais para a linguagem biomédica contribuía para estabelecer uma “redução a termo” da “verdade” sobre a covid longa. Esse processo auxiliava na criação de “mapas abreviados”, que costumam favorecer a legibilidade através da padronização e simplificação, aumentando a capacidade do estado de desenvolver intervenções discriminatórias (Schuch, 2018; Scott, 1998). Contudo, essa operação também tende a simplificar e até mesmo invisibilizar as diversas experiências da covid longa, frequentemente não capturadas pela gramática da biomedicina, evidenciando uma perda significativa que acompanha a corporificação discursiva da medicalização. Embora represente um desafio para a biomedicina, a diversidade de sintomas narrados, frequentemente obliterados no processo de padronização, poderia revelar uma complexa multiplicidade ontológica da covid longa, performada a partir de diferentes materialidades, discursos e práticas, incluindo uma história evolutiva, cultural e sindêmica.9

Além de coletar testemunhos reveladores de pacientes, a Frente Parlamentar também ajudou a registrar outros importantes elementos para a construção e reconhecimento da covid longa. Ao final das audiências, foi publicado um relatório que, entre várias recomendações significativas, duas em particular se destacam:

3. Que seja considerada, em caráter de urgência, a comunhão de esforços para a formulação e execução de todas as políticas públicas necessárias a fim de garantir atendimento integral e multidisciplinar aos pacientes acometidos pela síndrome de covid-longa, em atenção aos princípios constitucionais do SUS, notadamente os que disciplinam a universalidade de acesso e integralidade nos tratamentos.

[…]

17. Que seja elaborada uma política de reabilitação e proteção social aos trabalhadores que experienciam sequelas da Covid-19 ou Covid-longa. Conforme indicam os estudos, os sintomas podem acarretar alterações físicas, psicológicas e neurológicas que interferem na capacidade de execução do trabalho. Em estabelecido nexo causal da infecção pela Covid-19 com o ambiente de trabalho, é justo o reconhecimento dos direitos trabalhistas e previdenciários decorrentes. (Rio Grande do Sul, 2022, p. 9-10).

O relatório enfatiza o uso da “síndrome da covid longa” como uma categoria operativa recomendada para a formulação e execução de políticas públicas, visando o atendimento integral e multidisciplinar de pacientes. Essa nomenclatura representa um avanço em relação ao termo mais genérico “pós-covid”, que foi adotado em diversos municípios do Rio Grande do Sul e de outros estados em seus guias e protocolos de manejo.10

Também é notável que o documento seja um dos primeiros de uma entidade governamental no Brasil a enfatizar a importância de reconhecer o possível nexo causal entre a covid longa e o ambiente de trabalho. Os sintomas da covid longa, que incluem alterações físicas, psicológicas e neurológicas significativas, afetam diretamente a capacidade laboral. Por essa razão, tal reconhecimento é crucial para fundamentar políticas públicas de reabilitação, proteção social e reparação para os trabalhadores afetados. Além disso, esse reconhecimento no Brasil alinharia-se a uma crescente agenda internacional da mesma natureza, que reivindica a covid-19 - e, por conseguinte, a covid longa - como “acidente de trabalho”, embora ela ainda se revele mais focada nos “potenciais impactos econômicos colossais da covid longa” do que na saúde e bem-estar dos trabalhadores que sofrem por causa dela (Society of Occupational Medicine, 2022, p. 3).

Além do nexo causal, a relação entre trabalho e covid longa está se tornando cada vez mais complexa. As condições debilitantes e imprevisíveis, aliadas à falta de reconhecimento da doença, muitas vezes levam a ausências no trabalho que são pouco ou nada amparadas pelos direitos trabalhistas. Isso foi explicado por Cristina, uma técnica em enfermagem, de 37 anos, que vive em Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre:

Tem dias que simplesmente não tem como trabalhar. A dor me toma as costas, não consigo nem me mexer direito. Aí é a menstruação que ficou totalmente bagunçada. Sempre era um como relógio. Hoje eu fico muito mal, e do nada atrasa, desregula, vem fora de hora. […] Eu não tinha enxaqueca, não tinha essas coisas. […] Tem dia que não tem como fazer nada. Eu tive que deixar vários projetos, não consegui mais dar conta de tudo. Lá no trabalho me olham desconfiando, acham que eu estou fingindo. (Cristina, 37 anos, junho de 2023).

A narrativa de Cristina aponta para uma realidade triste, mas não incomum, em cenários de “fim de epidemia”. As emergências sanitárias terminam muito mais cedo nas repercussões epidemiológicas, com seus números e escalas aceitáveis, do que nos corpos de quem foi afetado. Um cenário similar foi recentemente analisado entre pessoas que continuam a sofrer com dores crônicas após adoecerem de chikungunya no Nordeste do Brasil, entre 2015-2016 (Segata, 2022). Sintomas persistentes e pouco reconhecidos frequentemente levam ao abandono de carreiras e empregos, e forçam a “judicialização da dor” em processos morosos que contribuem diretamente para o agravamento e a perpetuação do sofrimento.11

Finalmente, é digno de nota que o relatório da Frente Parlamentar baseia-se em um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que indica que a maioria das pessoas diagnosticadas com covid-19 teve sintomas leves a moderados da doença, mas, mesmo assim, desenvolveu sequelas que podem persistir por mais de um ano. Entre essas sequelas, a fadiga crônica e os transtornos mentais são particularmente destacados (Miranda et al., 2022). A duração e os sintomas observados no estudo são cruciais para sublinhar a cronicidade da covid longa e também para revelar a extensão de um sofrimento corporificado, fundamental para a compreensão da emergência da nova pessoa que a doença produz.

Um ano após as audiências da Frente Parlamentar, uma nova fase da pesquisa que fundamenta este artigo obteve 1.282 respostas válidas a um questionário sobre a covid longa. Os participantes incluíram associados da AVICO, bem como estudantes e profissionais de saúde de todo o Brasil, e os dados obtidos corresponderam com os depoimentos de afetados nas audiências e com a pesquisa da Fiocruz que embasou o relatório da Frente. Dentre os que responderam, 92% relataram sofrer com covid longa. Desse grupo, 87% indicaram estar vivendo com fadiga crônica e 82% com confusão mental, além de episódios de ansiedade e depressão. Também foram relatados problemas respiratórios (25%), cardiovasculares (20%), ganho de peso (28%), alterações no olfato (8%), queda de cabelo (8%) e mais de 50 outros sintomas, registrados no questionário12 utilizado para explorar dados preliminares descritivos.13

Embora todos os sintomas relatados sejam debilitantes, a fadiga crônica e os episódios de confusão mental, ansiedade e depressão são particularmente perversos e alarmantes. As narrativas obtidas dos respondentes, através de entrevistas aprofundadas realizadas após o questionário, revelaram camadas profundas de sofrimento e invisibilidade. A maioria das afetadas pela covid longa, que são mulheres, relataram a indiferença dos médicos em relação a esses sintomas. Sua gravidade era frequentemente minimizada por expressões como “todos estamos passando por muitas dificuldades, é apenas estresse, fique calma”. Tal resposta médica reforça estigmas sobre a saúde mental e indica negligência e desconsideração da covid longa. Segundo essas mulheres, apenas as queixas relacionadas a alterações cardíacas e respiratórias, como aceleração e palpitações ou falta de fôlego excessiva após pequenas atividades, eram “levadas a sério”. No entanto, mesmo nesses casos, o encaminhamento médico costumava ser para especialistas que as tratavam como pacientes cardíacos ou respiratórios, deixando a covid-19, na melhor das hipóteses, como uma possibilidade secundária em suas histórias clínicas. A covid longa, por sua vez, era completamente ignorada nas conversas e nos registros médicos. Ainda segundo os relatos das mulheres entrevistadas, além da consideração médica ser reduzida aos sintomas físicos, o principal atendimento pós-covid disponível na rede pública de saúde era focado em reabilitação pós-hospitalar. Para elas, isso representa mais uma forma de invisibilização da covid longa. É fundamental diferenciar a necessidade de fisioterapia pós-internação, que se relaciona mais com os procedimentos médicos - como longas internações e intubação em casos graves -, do tratamento das sequelas da própria covid-19. As consequências são, portanto, do tratamento e não da doença em si. Na ausência de “sequelas evidentes”, relatos de fadiga e ansiedade dessas mulheres eram frequentemente subestimados, em comparação aos que necessitavam de reabilitação pós-hospitalar. Essa desconsideração gerava um sofrimento adicional, permeado por sentimentos de revolta, raiva e frustração. Quanto menor o acesso a tratamentos médicos adequados, maior era o sofrimento diante da negligência, destacando como experiências e condições de vida, incluindo questões de gênero, classe e raça, impactam a saúde e o bem-estar, sobretudo no contexto de queixas sobre fadiga crônica (Ware, 1993).

Conforme observado por Fassin (2007) em sua pesquisa sobre o HIV/AIDS na África do Sul, o corpo é um espaço onde as estruturas sociais e as experiências pessoais interagem. A história que a pandemia inscreve nos corpos dessas mulheres inclui, sim, os efeitos de um vírus, mas vai além. Elas corporificam camadas de desigualdade, desrespeito aos direitos à saúde, e as limitações e arrogâncias da biomedicina, especialmente em relação ao diagnóstico e tratamento de doenças de origem funcional. Portanto, não é surpreendente que as pessoas que a covid longa tem sejam aquelas que sofrem desproporcionalmente - como fadiga extrema, dor crônica ou “nevoeiro cerebral” - por viverem com sintomas sem sinais clínicos evidentes.

Sintomas sem sinais

Mas, afinal de contas, o que exatamente é a covid longa? A resposta disponível é surpreendentemente simplista: um conjunto de sintomas perturbadores que perduram bem além de um episódio de covid-19 ou, mais precisamente, aqueles que seguem uma infecção confirmada ou altamente suspeita pelo vírus SARS-CoV-2.

Em outubro de 2021, a Organização Mundial da Saúde, seguindo um procedimento de consenso (o protocolo Delphi), propôs a seguinte definição para a “condição pós-covid”:

A condição pós-covid-19 ocorre em indivíduos com histórico de infecção provável ou confirmada pelo SARS-CoV-2, geralmente três meses após o início da covid-19, com sintomas que duram pelo menos dois meses e que não podem ser explicados por um diagnóstico alternativo. Os sintomas comuns incluem fadiga, falta de ar e disfunção cognitiva, mas também outros […] que geralmente impactam o funcionamento diário. Os sintomas podem ser de início recente, após a recuperação inicial de um episódio agudo de covid-19, ou podem persistir desde a doença inicial. Os sintomas também podem variar ou recidivar ao longo do tempo. Uma definição separada pode ser aplicável a crianças. (World Health Organization, 2021, p. 1, tradução nossa).

A definição da OMS pode parecer direta, mas está longe de ser o caso. Um ponto complicado é a dificuldade de definir uma condição patológica exclusivamente por exclusão - “sintomas que não podem ser explicados por um diagnóstico alternativo” (Al-Aly, 2021). Um segundo ponto complicado é a ausência de distinção entre problemas médicos causados pela covid-19, como disfunção pulmonar, cardíaca ou renal, que podem ser identificados por meio de exames diagnósticos padrão e os sintomas incapacitantes observados em pacientes que são informados de que todos os seus exames diagnósticos estão normais. O primeiro tipo de sequelas - um novo início de uma patologia crônica bem identificada - geralmente ocorre em pessoas hospitalizadas por covid-19 grave. Essas sequelas são entendidas como uma consequência direta de uma infecção viral grave. O segundo tipo de sequelas, o surgimento de sintomas intrigantes e “medicamente inexplicáveis”, pode ocorrer em pessoas que foram hospitalizadas e naquelas que tiveram um início leve ou moderado de covid-19. Como o número de pessoas com covid-19 leve ou moderada foi muito maior do que aqueles que foram hospitalizados por uma forma grave dessa doença, não é surpreendente que as descrições iniciais da covid longa tenham sido feitas principalmente por pacientes com o primeiro tipo de sequelas (Callard, 2020c).

O médico diz que isso é psicológico; que eu não tenho nada, que logo isso vai passar. […] Eu fiz vários exames. Tudo normal. Era aquele da função hepática e renal, fiz aquele do D-Dímero para saber se eu podia ter trombose, colesterol, tudo, tudo. Tudo deu normal. […] Eu tinha tosse ainda, tinha um pouco de dor de cabeça e fui tratando isso com xarope, com outros medicamentos que ele me receitou. […] A questão é que de vez em quando eu começava a ter umas dores, assim, do nada. Uma coisa esquisita. Eu consultava e nada. Tudo normal. Ele [o médico] não sabia o que eu tinha. Então, quando eu dizia que não estava bem ainda, que estava diferente, que a minha cabeça também não estava boa, ele me dizia: “Vai passar, é psicológico.” (Bety, 60 anos, maio de 2023).

A experiência de Bety, uma mulher de 60 anos, professora aposentada que vive no Nordeste do Brasil, ilustra um dos problemas centrais da definição de “condição pós-covid” da OMS. O termo-chave aqui é “medicamente inexplicado”. Pessoas que, após um episódio de covid-19, desenvolvem problemas médicos visíveis em exames diagnósticos padrão são classificadas como tendo uma “doença real” e, quando possível, têm acesso a recursos médicos e sociais adequados, embora muitas vezes na condição de pacientes cardíacos, respiratórios ou outros. Por outro lado, indivíduos como Bety, com sintomas medicamente inexplicados, frequentemente têm negado esse acesso. Além disso, se continuarem a procurar ajuda médica com sintomas novos e igualmente inexplicados, às vezes são rotulados como “problemáticos”. Alguns especialistas propuseram, portanto, chamar os pacientes com danos demonstráveis em órgãos vitais induzidos pela covid-19 de “doença da covid longa” e aqueles com sintomas medicamente inexplicados após um episódio de covid-19 de “síndrome da covid longa”. De acordo com essa definição, a grande maioria dos pacientes não hospitalizados pode ter “apenas” a “síndrome da covid longa”, enquanto pacientes hospitalizados podem ter a “doença da covid longa”, a “síndrome da covid longa” ou ambas (Goldenberg; Dichter, 2023).

O ponto é que a definição da OMS de “condição pós-covid” é muito ampla e pouco precisa. Ela não faz distinção entre sintomas “medicamente explicados” e “medicamente inexplicados”, entre manifestações graves e menos graves da “síndrome pós-covid” e entre sintomas que persistem por alguns meses e desaparecem gradualmente e aqueles que levam ao desenvolvimento de uma incapacidade crônica. Apesar dos esforços da OMS, em 2023 não há uma definição estável dessa condição. Os cientistas não conseguiram chegar a um acordo nem mesmo sobre o nome dessa nova entidade patológica. Este artigo utiliza o termo “covid longa”, proposto inicialmente pelos pacientes (Callard, Prego, 2021). No entanto, mais de três anos após as primeiras descrições das sequelas persistentes da covid-19, nomes alternativos continuam sendo utilizados na literatura científica e leiga: “covid de longa duração”, “condição pós-covid”, “síndrome pós-covid”, “síndrome crônica da covid” (CCS) ou “sequelas pós-agudas da covid-19” (PASCS). Todos os nomes incluem o termo “covid”. Alguns utilizam o termo “síndrome”. Outros, “condição” ou “sequelas”. Mas nenhum deles utiliza o termo “doença”.

A principal razão pela qual os limites da covid longa permanecem obscuros é a ausência de testes diagnósticos objetivos para essa condição - ou seja, testes que demonstrem alterações patológicas no corpo e que sejam independentes das informações fornecidas pelo paciente. Os três elementos - sintomas medicamente inexplicados, limites indefinidos de uma condição patológica e ausência de “sinais diagnósticos” consensuais (elementos que diferenciam uma determinada condição de outras patologias semelhantes) - são interdependentes e, pelo menos em parte, consubstanciais. Na ausência de sinais objetivos da covid longa, as descrições dos pacientes sobre seus sintomas continuam sendo uma fonte fundamental de informações sobre a nova condição.

Os cientistas dedicaram esforços importantes para descobrir anomalias fisiológicas e estruturais em pacientes com covid longa, e eles relataram numerosas delas. No entanto, nenhuma dessas anomalias, isoladamente ou em combinação, é (até o momento) suficientemente específica para determinar com certeza se um indivíduo tem covid longa (The Lancet, 2023). Muitos especialistas argumentam que a ausência de sinais diagnósticos da covid longa reflete apenas o fato de que essa é uma doença muito nova. Três anos não foram suficientes para descobrir causas específicas e desenvolver testes diagnósticos para essa condição. No entanto, é altamente provável que o(s) mecanismo(s) patológico(s) da covid longa sejam desvendados em breve (Berger, 2023). Isso pode acontecer rapidamente - ou não.14 Enquanto isso, a falta de um diagnóstico firme dessa condição tem implicações importantes e, às vezes, dramáticas para os pacientes.

Em seu texto seminal, “The tyranny of diagnosis”, o historiador da medicina Charles Rosenberg (2002) explicou como a “revolução diagnóstica” no campo da medicina do século XIX mudou radicalmente as trajetórias e experiências dos pacientes, a organização dos cuidados de saúde e também teve amplas consequências sociais em áreas como leis trabalhistas, segurança social, seguros ou saúde pública. Parafraseando Rosenberg, é possível argumentar que as pessoas com covid longa estão confrontadas com as consequências materiais e sociais da “tirania da ausência de diagnóstico”. Elas podem enfrentar dificuldades para obter acesso a recursos médicos e apoio social, dificuldades que, não surpreendentemente, são maiores para pacientes de classes sociais mais baixas.

A situação dos pacientes pode ser agravada pela “injustiça epistêmica” decorrente da descrença em seus relatos. Essa injustiça assume duas formas: a “injustiça testemunhal” - uma estereotipação negativa dos pacientes que mina sistematicamente a sua credibilidade - e a “injustiça hermenêutica” - uma consequência da falta de estrutura explicativa para os sintomas e sofrimento do paciente (Blease; Carrel; Geraghty, 2017; Carrel, 2016; Fricker, 2007). A última forma de injustiça epistêmica é frequentemente ampliada pela frustração dos médicos de não conseguir ajudar esses pacientes e pela consequente rotulação dos pacientes com sintomas inexplicáveis como “difíceis” (Sarradon-Eck; Dias; Pouchain, 2020). A injustiça epistêmica é ampliada pelas relações de poder desiguais entre médicos e pacientes. No Brasil, por exemplo, elas podem ser amplificadas ainda mais pela persistência do paternalismo médico, inclusive entre médicos que atuam no setor privado. A questão não é contestar o privilégio epistêmico dos profissionais, fundamentado em seu conhecimento especializado superior, mas sim uma negação sistemática da existência de um tipo diferente de privilégio epistêmico - o conhecimento experimental do paciente, que merece ser reconhecido e respeitado, inclusive ao lidar com pacientes de camadas sociais vulneráveis. Para essa categoria de pacientes, a falta de reconhecimento de seu sofrimento é uma fonte adicional de frustração e angústia (Segata, 2022).

A difícil busca por dados epidemiológicos confiáveis

Uma importante consequência da ausência de critérios diagnósticos objetivos (sinais da doença) da covid longa é a dificuldade de obter dados epidemiológicos confiáveis. Houve e ainda existem controvérsias sobre a prevalência da covid-19 na população e o número de mortes atribuídas a esse distúrbio, mas essas controvérsias refletiram debates sobre a confiabilidade e difusão de testes de diagnóstico específicos, classificações de pessoas com infecção assintomática ou métodos empregados para produzir estatísticas de mortalidade. No entanto, há um consenso geral de que a covid-19 é uma infecção pelo vírus SARS-CoV-2 confirmada por um teste laboratorial, idealmente um teste de PCR (reação em cadeia da polimerase) bem executado.15 Não há um acordo semelhante sobre a definição de covid longa, seu diagnóstico ou as causas desse distúrbio.16

Em março de 2023, um editorial da The Lancet, a mais renomada publicação médica britânica, intitulado “Long COVID, three years on”, discutiu que as duas principais barreiras para o avanço na compreensão e tratamento da covid longa eram o investimento insuficiente em pesquisa sobre essa condição e a falta de consenso sobre sua definição. No entanto, a primeira afirmação pode não ser totalmente precisa. Durante o período em que a covid-19 foi uma emergência internacional (março de 2020 a maio de 2023), embora os investimentos em pesquisas sobre a covid longa tenham sido menores em comparação aos recursos destinados à covid-19 aguda, eles não foram insignificantes. Na Europa Ocidental e, especialmente, nos Estados Unidos, órgãos governamentais alocaram quantias significativas de dinheiro para pesquisas sobre a covid longa/condição pós-covid. Em dezembro de 2020, por exemplo, o Congresso americano destinou 1,15 bilhão de dólares para estudar as consequências tardias da infecção pelo SARS-CoV-2 (Collins, 2021).17 No entanto, a eficiência na utilização desses recursos ainda não está clara. A iniciativa do National Institutes of Health (NIH) foi descrita em março de 2022 como um “iceberg de movimento lento” (Cohrs, 2022). Embora parte dessa lentidão possa ser atribuída a problemas organizacionais e burocráticos, é plausível que algumas das dificuldades de pesquisar a covid longa estejam relacionadas ao segundo ponto mencionado no editorial da The Lancet: a complexidade de definir com precisão o que é a covid longa.

Um dos principais objetivos da definição da OMS de “condição pós-covid” era homogeneizar a pesquisa sobre esse tema e facilitar comparações entre estudos realizados em diferentes locais. Isso não ocorreu. É verdade que, após outubro de 2021, muitas publicações sobre covid longa afirmaram que empregaram a definição da OMS de condição pós-covid como critério de inclusão dos participantes, mas sua interpretação dessa definição foi altamente variável.18 Como consequência, alguns estudos investigaram apenas pessoas hospitalizadas por covid-19, outros apenas indivíduos não hospitalizados e muitos agregaram ambas as populações; alguns estudos exploraram até 200 sintomas diferentes, enquanto outros se concentraram em um número muito menor de “sintomas típicos”; alguns levaram em consideração a gravidade e a duração dos sintomas dos pacientes, enquanto outros apenas registraram a presença de todos os sintomas dos pacientes, quaisquer que sejam. Não surpreendentemente, esses estudos produziram resultados divergentes e, não raramente, contraditórios.19

Investigações que se concentraram exclusivamente na covid longa em pacientes hospitalizados por covid-19 grave, em princípio uma população mais homogênea do que a totalidade das pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2, já apresentaram uma variabilidade importante de resultados. Assim, um grande estudo colaborativo do Reino Unido com pacientes hospitalizados destacou dores musculares, fraqueza nos membros e fadiga (Evans et al., 2022). Um estudo austríaco com esse tipo de paciente encontrou uma predominância de sintomas neurológicos, como esquecimento, “mente nublada”, perturbação do sono e transtorno de estresse pós-traumático, enquanto um estudo chinês com pessoas hospitalizadas por covid-19 grave mostrou uma predominância de insuficiência pulmonar e depressão (Huang et al., 2022; Rass et al., 2022). Além disso, estudos sobre a condição pós-covid em pacientes hospitalizados não indicaram que as mulheres são mais propensas a esse distúrbio, provavelmente porque mais homens do que mulheres foram hospitalizados por covid-19 grave. Em contraste, relatou-se que as mulheres são a maioria dos pacientes tratados em clínicas especializadas de covid longa (Salmon-Céron et al., 2022).

Os resultados das investigações de pacientes não hospitalizados foram ainda mais variáveis. Um estudo sueco que analisou registros de pacientes e separou aqueles de indivíduos hospitalizados e não hospitalizados relatou que apenas 1% dos pacientes não hospitalizados com covid, 6% dos pacientes hospitalizados e 32% dos pacientes tratados em unidades de terapia intensiva receberam um diagnóstico de condição pós-covid-19 (Hedberg et al., 2023). Outros estudos de pacientes não hospitalizados com covid-19 relataram uma proporção muito maior de indivíduos - até 15% - que desenvolveram sintomas persistentes (Tran et al., 2022; Van der Maaden et al., 2023). Também houve divergências importantes nas estimativas do papel de fatores como idade, sexo, condições médicas prévias e elementos do estilo de vida na propensão ao desenvolvimento da covid longa.

Uma das principais fontes de disparidade entre os resultados relatados foram as divergentes definições de “sintomas” (lembre-se de que a definição da OMS de condição pós-covid não especifica o que conta como sintoma de covid longa). Outro motivo importante para essa disparidade foi o tempo de acompanhamento dos pacientes. Uma questão que se tornou particularmente controversa é a proporção de pacientes que se recuperam espontaneamente da covid longa. Um estudo israelense, que recebeu ampla citação, argumenta, com base na análise de um grande volume de prontuários de pacientes, que as alegações sobre a alta prevalência da covid longa podem ser exageradas. Segundo o estudo, quase todos os pacientes que apresentaram múltiplos sintomas alguns meses após um episódio leve de covid-19 estavam sem sintomas um ano após o início da doença. O artigo sugere que a percepção de uma pandemia de covid longa em pacientes não hospitalizados pode ser em grande parte um artefato, atribuindo isso à inadequação da definição da OMS, que não considera as variações na duração da recuperação da covid-19 (Mizrahi et al., 2023). Esse texto foi alvo de fortes críticas por parte de especialistas em covid longa e associações de pacientes. Eles argumentam que o estudo confunde a ausência de consultas médicas com a recuperação completa e ignora a realidade de que muitos indivíduos continuam a sofrer de sintomas debilitantes, mesmo sem buscar ajuda médica. Essa situação pode ser atribuída a vários fatores: as pessoas podem ter se adaptado a uma capacidade funcional reduzida, buscado alternativas de cura ou adotado abordagens de autoajuda, e, crucialmente, muitas podem ter perdido a confiança na assistência médica convencional. Este último ponto pode ser um reflexo da escassez de clínicas especializadas no tratamento da covid longa.

A controvérsia sobre a proporção de pacientes com covid longa que se recuperam espontaneamente é apenas uma expressão de uma dificuldade mais geral de obter dados confiáveis sobre essa condição. Um relatório sintético do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), de outubro de 2022, concluiu que

houve alta variabilidade nas estimativas de prevalência de sintomas entre estudos individuais. Isso é resultado de considerável heterogeneidade nos desenhos de estudo de coorte desenvolvidos para investigar a condição pós-covid-19, que frequentemente carecem dos grupos de controle necessários para comparar os sintomas relatados entre indivíduos infectados pelo SARS-CoV-2 e não infectados. Consequentemente, as estimativas de prevalência de sintomas devem ser interpretadas com cautela […]. (European Centre for Disease Prevention and Control, 2022, p. 1, tradução nossa).

Uma revisão sistemática e metanálise de vários artigos sobre covid longa que incluiu 194 estudos totalizando 735.006 participantes publicada no início de 2023 chegou a uma conclusão semelhante ao relatório do ECDC:

O conhecimento atual é limitado pela heterogeneidade nos desenhos de estudo, durações de acompanhamento e métodos de medição. […] não há consenso unificado sobre a definição de covid longa, em particular com componentes temporais de sintomas contínuos variando de 4 a 12 semanas após o início da infecção. […] Mesmo quando se excluem estudos com menos de cem pacientes e aqueles em populações especializadas, a variabilidade nas estimativas de prevalência entre estudos permanece alta, especialmente na coorte não hospitalizada. Além das diferentes metodologias de estudo, ferramentas de medição de acompanhamento diferentes e uma ampla variedade de durações de acompanhamento, a heterogeneidade observada entre os estudos pode ser explicada pela falta de ferramentas padronizadas de coleta de dados, especialmente em estudos de populações não hospitalizadas. (O’Mahoney et al., 2023, tradução nossa).

A grande diferença entre o expressivo número de publicações sobre covid longa e a escassez de dados confiáveis sobre a prevalência dessa condição e as trajetórias dos pacientes é uma ilustração marcante das consequências da “tirania da ausência de diagnóstico”.

Uma “doença real” ou um distúrbio funcional?

Numerosos especialistas em covid longa estão firmemente convencidos de que esse distúrbio tem uma causa puramente fisiológica, seja a persistência do RNA viral nos tecidos, uma anomalia do sistema imunológico, a reativação de vírus latentes como o Vírus Epstein-Barr (EBV), uma inflamação no cérebro ou a presença de microcoágulos no sangue.20 Esses especialistas também argumentam que as dificuldades psicológicas e psiquiátricas enfrentadas por numerosos pacientes com covid longa são um resultado previsível do enfrentamento de uma doença crônica, incapacitante e imprevisível, especialmente uma com prognóstico incerto e sem cura eficiente. As associações de pacientes apoiam fortemente uma compreensão puramente biológica da covid longa. Por outro lado, na Europa Ocidental e na América do Norte, pacientes e especialistas também apoiam a associação entre covid longa e um dos distúrbios funcionais mais frequentes - mas também altamente controversos -, a síndrome da fadiga crônica, frequentemente designada pela sigla ME/CFS.21 Essa associação relaciona firmemente a covid longa a distúrbios fortemente suspeitos de terem raízes psicológicas/psiquiátricas.

O termo “distúrbio funcional” refere-se a uma disfunção fisiológica que pode ser visualizada por meio de testes objetivos (testes laboratoriais, imagens médicas) e/ou apresenta uma imagem clínica típica e não ambígua.22 Portanto, teoricamente pelo menos, é uma descrição livre de valor. Os distúrbios funcionais são definidos como um grupo de condições médicas que resultam de modificações no funcionamento dos sistemas do corpo, em vez de serem causados por uma doença que afeta a estrutura do corpo (Camargo, Teixeira, 2002; Wessely et al., 1989).23 No entanto, na prática, alguns médicos veem os distúrbios funcionais como uma subcategoria dos “distúrbios de sintomas somáticos” - que, ao contrário das “doenças reais”, ou seja, patologias induzidas pela presença de uma lesão - são frequentemente percebidos como intimamente relacionados a patologias psiquiátricas.24

Muitos médicos, especialmente clínicos gerais, relutam em tratar pacientes com distúrbios funcionais, pois estão frustrados com a ausência de explicações médicas para seus sintomas e a falta de terapias eficientes (Sarradon-Eck; Dias; Pouchain, 2020). Além disso, a observação de que a maioria dos pacientes com covid longa são mulheres reforçou a suspeita de que, pelo menos em alguns casos, as raízes do sofrimento dos pacientes são psicológicas em vez de orgânicas: as mulheres continuam a ser vistas como mais afetadas pelo estresse, mais sugestionáveis e mais propensas à hipocondria. Elas também são a maioria dos pacientes afetados por outros distúrbios funcionais. Embora poucos médicos se definam como reducionistas comprometidos interessados apenas em mecanismos moleculares de patologias, ou como não dispostos a prestar atenção ao paciente como um todo, na prática, não raramente têm atitudes negativas em relação a pacientes com queixas médicas inexplicadas (Goutte; Cathébras, 2021; Uclés-Juárez et al., 2020). Essas atitudes negativas podem ser descritas como um “segredo público” - um conhecimento desconfortável reconhecido por muitas pessoas, mas raramente expresso (Giessler, 2013).25

As publicações científicas refletem uma persistente dicotomia entre uma percepção puramente fisiológica e outra pelo menos parcialmente psicossomática da covid longa. Em maio de 2022, um importante artigo de revisão publicado na Nature Medicine caracterizou a covid longa, sob a perspectiva da síndrome pós-covid, como uma entre várias síndromes pós-virais. Nessa categoria, o autor da revisão também incluiu outras doenças funcionais suspeitas de terem origem viral, como a encefalomielite miálgica/síndrome da fadiga crônica - ME/CSF26 (Choutka et al., 2022). A principal mensagem desse artigo foi que, embora o(s) mecanismo(s) biológico(s) preciso(s) dos danos de longo prazo causados por uma infecção com o vírus SARS-CoV-2 ainda não sejam totalmente compreendidos, a existência deles não é nem misteriosa nem surpreendente.

Outras publicações propõem uma imagem muito diferente. Dois artigos de maio de 2022 afirmaram que os principais fatores de risco para o desenvolvimento da covid longa são o sexo feminino e a ansiedade (Sneller et al., 2022; Weldon; Aslibekyan, 2022). Esses mesmos fatores - sexo feminino e histórico prévio de ansiedade - foram descritos como os principais fatores de risco para outros distúrbios funcionais. Um estudo publicado no final de 2022 afirmou que, embora a maioria dos pacientes com covid longa se recupere completamente após 12 meses ou tenha principalmente sintomas cardiopulmonares que afetam marginalmente sua qualidade de vida, um subgrupo de pacientes, em sua grande maioria mulheres, continua a apresentar múltiplos sintomas que afetam negativamente sua vida diária e saúde mental. Esses pacientes também apresentaram escores elevados de somatização e exibiram um padrão característico de condições psicossomáticas, como uma proporção significativa de recidiva de sintomas intimamente associados à somatização (Sahanic et al., 2022). A suspeita de que os pacientes (frequentemente mulheres) somatizem e não tenham uma “doença real” (“está tudo na sua cabeça”, “é psicológico e logo passa”) é de fato o elefante na sala ao lidar com a covid longa. Provavelmente, essa é uma das principais razões pelas quais tantos pacientes com covid longa lutam para serem acreditados por seus médicos (Löwy, 2021).

A suposição de que uma infecção pelo SARS-CoV-2 possa levar ao desenvolvimento da síndrome da fadiga crônica, que é um distúrbio funcional “clássico”, foi levantada já no início de abril de 2020, ou seja, no princípio da pandemia de covid-19. Essa suposição se baseava na observação de que pessoas que se recuperaram de epidemias anteriores de coronavírus, como a epidemia de SARS de 2003-2004, frequentemente sofriam de fadiga crônica (Wilson, 2020). No verão de 2020, um dos principais especialistas em covid-19 dos Estados Unidos, Anthony Fauci, observou que “é extraordinário quantas pessoas têm uma síndrome pós-viral que é muito semelhante à síndrome da fadiga crônica” (cf. Jackson, 2021).

As semelhanças entre a covid longa e a síndrome da fadiga crônica foram reforçadas posteriormente de duas maneiras distintas. Uma delas foi a aplicação das lições aprendidas em estudos de ME/CSF aos pacientes com covid longa, por exemplo, a recomendação de não oferecer técnicas de reabilitação, como terapia de exercícios graduais - GET.27 Isso porque os pacientes com covid longa, assim como aqueles com ME/CSF, frequentemente sofrem de exacerbação da síndrome pós-exercício - PESE,28 e essa síndrome é agravada pelo GET. Uma segunda maneira de relacionar essas duas condições é apresentar a ME/CFS como uma das principais manifestações da covid longa, presente em alguns, mas não em todos os pacientes com essa condição (Davis et al., 2023). Um estudo multicêntrico distinguiu dois subgrupos de pacientes com covid longa, aqueles com covid longa isolado (cerca de 2/3 dos pacientes nesse subgrupo eram mulheres) e aqueles com covid longa e ME/CSF (quase todos os pacientes nesse subgrupo eram mulheres). Os autores desse estudo constataram que os pacientes com covid longa e ME/CSF apresentavam sintomas mais graves, e poucos deles mostraram melhora após 18 meses. Eles concluíram que o diagnóstico de ME/CSF em pacientes com covid longa ajuda a identificar aqueles que têm um prognóstico mais grave e precisam de tratamento e suporte mais intensivos (Legler et al., 2023).29

Finalmente, alguns especialistas propuseram que a controvérsia sobre se a covid longa é uma “doença real” (ou seja, de origem orgânica) ou um transtorno “imaginário” (de natureza não orgânica) sem uma causa discernível é uma discussão infrutífera. Em setembro de 2023, o ativista da covid longa Steven Phillips e a epidemiologista da Universidade de Harvard, Michelle Williams, argumentaram que a covid longa não é uma nova doença, mas sim uma manifestação da ME/CFS e de condições pós-virais semelhantes:

A covid longa realmente não é nova. É praticamente indistinguível da condição há muito conhecida no léxico médico como síndrome pós-infecciosa ou encefalomielite miálgica/síndrome da fadiga crônica - ME/CFS. (Phillips; Williams, 2023, tradução nossa).

Dado que esse parece ser o caso, o tratamento da covid longa deve se beneficiar da extensa experiência em terapia de sintomas pós-virais. Deve-se também evitar uma falsa dicotomia entre “doenças reais” e “imaginárias”, já que evidências científicas mostram que síndromes de fadiga pós-infecciosa (incluindo a covid longa) podem ter um espectro de componentes patobiológicos e psicológicos inseparáveis.

A associação entre a covid longa e a síndrome da fadiga crônica e, em menor grau, com outros distúrbios funcionais, pode favorecer a compreensão dos sintomas da covid longa e ampliar o círculo de profissionais e leigos interessados na nova condição. A estreita associação com outras condições patológicas de status incerto também pode complicar os esforços das pessoas com covid longa de serem reconhecidas como portadoras de uma “doença real” e de obter acesso a tratamento médico eficiente, apoio social e respeito.

Considerações finais: mais uma doença que você tem que lutar para ter

Todo dia é uma luta. Algumas vezes você tem que lutar contra a dor, porque a vida não para; é a casa, tem as crianças, tem que trabalhar. Tem dia que o fôlego não vem, que o sono não vem. Só um cansaço, um cansaço que não te deixa nem descansar. […] Uma coisa estranha. Você não desliga, o corpo não desliga. […] Eu não sou mais a mesma pessoa. Mas tudo bem, eu já me acostumei a fazer as coisas do jeito que eu posso. Eu vou tocando a vida, o que é que eu posso fazer? […] A maioria dos médicos não liga. Nenhum é capaz de dizer: “Você tem covid longa, e vamos fazer isso e aquilo para te ajudar.” Isso não existe. Você fala, fala, reclama, e é como se a doença não existisse. A gente não existisse. […] Tu não vê um debate sobre a covid longa. Tu não vê uma política sobre a covid longa, um tratamento, nada. É por isso que a gente continua lutando. A gente existe, a gente tá aqui. (Joana, 59 anos, julho de 2023).

O depoimento de Joana, uma enfermeira do interior do Rio Grande do Sul, juntamente com os testemunhos de outras mulheres descritos neste artigo, revela o modo como a covid longa opera um complexo processo de transformação existencial. Novos scripts são cotidianamente mobilizados para lidar com sensações corporais, experiências e identidades que são reposicionadas à medida que os sintomas se tornam parte do cotidiano dessas pessoas (Seppola-Edvardsen; Risør, 2017). Para muitas delas, nesse estágio do processo de saúde e doença, torna-se difícil distinguir entre “tudo bem” e “sofrimento”, especialmente em contextos de cronicização (Hay, 2008). Além do reposicionamento biográfico, as narrativas dessas mulheres também evidenciam que as lutas pelo reconhecimento da doença são essenciais para a produção de políticas de tratamento e cuidado, frequentemente dificultadas por interesses estatais e corporativos no campo da saúde. Ecoando diretamente as preocupações levantadas por Dumit (2006) em seu estudo sobre doenças incertas e contestadas, como muitas das doenças funcionais e das síndromes raras, a covid longa se desenha, assim, como mais uma daquelas doenças que as pessoas precisam lutar para ter.

Intitulado “Illnesses you have to fight to get: facts as forces in uncertain, emergent illnesses”, o artigo de Dumit (2006) examina as questões cruciais relacionadas a doenças emergentes e contestadas, oferecendo uma análise profunda sobre os desafios enfrentados pelos pacientes e as complexidades envolvidas na busca por diagnóstico, tratamento e reconhecimento dessas condições, incluindo a legitimidade social. Dumit (2006) enfatiza que pacientes que sofrem de doenças emergentes frequentemente enfrentam uma árdua batalha pelo reconhecimento de suas condições. Isso ocorre devido à natureza ambígua e de difícil diagnóstico dessas enfermidades, que podem manifestar uma ampla gama de sintomas persistentes e variados. Essa incerteza gera uma tensão entre a narrativa dos pacientes sobre seus sintomas e a busca por uma objetividade médica que, em muitos casos, não consegue capturar de forma adequada a complexidade dessas condições. Nesse contexto, destaca-se a importância das narrativas dos pacientes, que desempenham um papel fundamental na compreensão e na construção de uma base de conhecimento sobre essas doenças. Visto que os médicos podem não estar familiarizados com essas condições emergentes, os pacientes assumem o protagonismo na construção da compreensão de suas próprias enfermidades. Esse cenário retrata de forma precisa as complexidades enfrentadas pelas pessoas afetadas pela covid longa nos dias de hoje, sintetizada ao longo deste artigo como injustiça epistêmica.

Na ausência de diagnóstico, a própria repercussão epidemiológica e os consequentes impactos sociais da doença estão prejudicados, muito embora as projeções que afirmam que mais da metade dos casos de covid-19 desenvolveram covid longa expressem que ela já é uma pandemia vivida silenciosamente. O fato é que a obtenção de um diagnóstico definitivo ainda não é uma realidade para aqueles que vivem com a covid longa, devido às incertezas desse cenário tumultuado de controvérsias e indefinições relacionadas aos sintomas variados e imprevisíveis, que desafiam a crença moderna na objetividade que ainda prevalece na medicina. É nesse ponto que a tirania da falta de diagnóstico revela sua face mais cruel no contexto da covid longa. Uma medicina cuja infraestrutura central é o diagnóstico objetivo cria uma fissura irreconciliável entre sintomas e sinais. Em outras palavras, a narrativa que a pessoa afetada oferece ao médico sempre fica em desvantagem em relação ao que sua própria biologia tem a dizer aos instrumentos nos quais ele confia. Isso se converte em mais camadas de sofrimento. Portanto, a busca pela validação de sua condição e pela compreensão do público torna-se uma parte fundamental da longa jornada das pessoas com covid longa.

Esse processo desafiador também expõe as limitações da atual tecnocratização das políticas de saúde, especialmente em contextos de crises sanitárias globais. Uma expressiva exaltação da biossegurança tem reanimado a recalcitrante militarização e conversão da saúde em uma questão de segurança, em vez de cuidado. Nesse contexto, instrumentos de precisão para o mapeamento e a vigilância de vírus são frequentemente apresentados como “armas de combate” contra “inimigos invisíveis” (Segata, 2020).30 No entanto, a vergonhosa gestão da pandemia em países como os Estados Unidos e o Brasil evidenciou que essas tecnologias ainda não estão suficientemente calibradas para controlar os comportamentos de populações governadas por líderes ultrarradicais e negacionistas e frequentemente descritos como genocidas (Ventura; Aith; Reis, 2021).

O fato é que a preocupação central de muitos governos, em maior ou menor grau de eficiência, parece ter sido muito mais o combate ao vírus do que o cuidado dos doentes, especialmente aqueles com sintomas persistentes, que foram ainda mais negligenciados com a proclamação do “fim da pandemia”. Não é surpreendente que a pandemia seja frequentemente descrita mais como um tempo de guerra do que de cuidado (Segata, 2020). Esse cenário também reflete com nitidez a crítica de Arthur Kleinman (2020, p. xviii-xix, tradução nossa), que argumenta que o desejo por soluções tecnológicas rápidas e eficientes, muitas vezes com foco no mercado, tem suplantado cada vez mais o cuidado:

Ninguém hoje pode duvidar que o cuidado médico é profundamente desestabilizado pelas mais poderosas influências burocráticas, comerciais e governamentais. Também não há falta de consciência crítica de que a cultura da biomedicina, a hegemonia da linguagem econômica e o fetichismo da tecnologia distorcem os propósitos e objetivos do cuidado. Juntas, essas forças substituem medidas indiretas de eficiência por medidas diretas da qualidade do cuidado. Elas contribuem significativamente para um atendimento deficiente, para pacientes e famílias frustrados e desconfiados, e para a exaustão dos médicos.

É ecoando Kleinman (2020) que as políticas de reconhecimento e cuidado da covid longa descritas e analisadas neste artigo não se limitam apenas à questão da saúde física, mas também abrangem a justiça e a reparação para pacientes desacreditados, ignorados ou que não recebem o apoio adequado devido à falta de compreensão da doença. Para combater essa injustiça epistêmica, é crucial que a sociedade, a comunidade médica e os formuladores de políticas reconheçam a gravidade da covid longa e invistam em pesquisas para compreender completamente a doença. Além disso, é necessário promover a conscientização pública sobre os desafios enfrentados pelos pacientes com covid longa, a fim de eliminar o estigma e garantir que eles recebam o apoio necessário. Portanto, reconhecê-la é uma etapa importante para garantir que os pacientes recebam o cuidado e o apoio necessários que essa condição quase sempre debilitante exige, aliviando o sofrimento, avançando no entendimento e tratamento da doença e favorecendo com mais dignidade a reconstrução da vida.

A covid longa é uma pandemia à espera de diagnóstico. Afirmar isso significa dizer que não há dúvidas de que as pessoas afetadas por ela ainda podem enfrentar uma luta árdua. Os preconceitos dos médicos, juntamente com considerações relacionadas a classe, gênero e raça, aliados à falta de financiamento, especialmente após o término da pandemia, podem complicar significativamente a situação dos pacientes. Nos Estados Unidos, um artigo de revisão publicado em outubro de 2023 na New England Journal of Medicine deu a tônica da situação:

Agora, do ponto de vista político, covid é uma palavra ruim. As pessoas não querem falar sobre isso. As pessoas não querem pensar na pandemia. Isso conota exagero do governo, e as pessoas acreditam que devemos simplesmente superar isso. Não há vontade política para dizer: “Olha, estamos lidando com milhões de pessoas que têm esses sintomas […].” Então eu acho que há uma vontade política de não fazer nada e pensar que estamos além disso e ignorar as implicações sociais de uma condição muito difícil e incomum. E, além disso, não temos tratamentos. Então, quando você não tem tratamentos e tem um prestador de cuidados primários que não pode elucidar exatamente o que está acontecendo e não tem opções de tratamento, isso se torna extremamente difícil. (McComsey; Rosen, 2023, tradução nossa).

Para quem vive a covid longa, a falta de um diagnóstico preciso muitas vezes resulta em um período prolongado de incerteza e ansiedade. Evidentemente, um diagnóstico formal nem sempre é a resposta para o problema. Nos Estados Unidos, por exemplo, o NIH forneceu reconhecimento formal da covid longa (um número para a classificação oficial da patologia e critérios diagnósticos), mas como o artigo no The New England Journal of Medicine atesta, as necessidades dos pacientes frequentemente continuam a não ser atendidas (McComsey; Rosen, 2023). Alguns médicos (especialmente clínicos gerais) rejeitam um diagnóstico por exclusão e, mais crucialmente, os pacientes precisam não apenas de um diagnóstico, mas de acesso a expertise apropriada (para uma doença complexa, idealmente em um centro multidisciplinar), provisões sociais e o reconhecimento de seu conhecimento experiencial sobre sua condição. Com isso, a espera pelo diagnóstico da covid longa é um processo ativo, de luta, mas também de esperança por um horizonte futuro. Afinal, sem um rótulo médico que explique seus sintomas persistentes, essas pessoas podem sentir que estão navegando em águas desconhecidas, sem um mapa para orientá-las. Isso pode afetar negativamente sua saúde mental e emocional, aumentando o estresse e a sensação de isolamento. Não obstante, o que acabam enfrentando são as acusações de estar fingindo ou exagerando seus sintomas, o que frequentemente resulta na descrença por parte de profissionais de saúde e empregadores, criando barreiras significativas para a obtenção de tratamentos adequados e apoio social.

A luta pelo reconhecimento da covid longa representa muito mais do que uma batalha contínua contra o sofrimento e a invisibilidade. Ela é uma demonstração da força, da resiliência e do papel ativo dos pacientes nos processos de saúde, doença e cuidado. Essas pessoas afetadas que reclamam diagnóstico são as legítimas protagonistas da própria construção da covid longa como uma nova entidade nosológica, oferecendo à história da ciência o difícil testemunho da experiência concreta da doença inscrita nos seus corpos e nas suas vidas.

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  • 1
    Este trabalho resulta de pesquisas da Rede Covid-19 Humanidades MCTI, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a partir de um esforço conjugado em quatro projetos que analisam qualitativamente os impactos sociais da pandemia de covid-19 no Brasil. O primeiro deles responde a uma encomenda tecnológica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e é intitulado A covid-19 no Brasil 2: análise e resposta aos impactos sociais da imunização, tratamento, práticas e ambientes de cuidado e recuperação de afetados (Convênio UFRGS-FINEP 1212/21, CAAE 61966622.1.0000.5347). Outros dois, financiados pelo CNPq, tratam especificamente da covid longa e são intitulados, Covid longa: construção, reconhecimento e impactos sociais de uma síndrome pós-viral (Chamada CNPq/MCTI 10/2023 Universal, Processo 401752/2023-2) e A covid longa no Brasil: um estudo etnográfico sobre o reconhecimento e as políticas de cuidado de uma síndrome pós-viral (Chamada MCTI/Ministério da Saúde 21/23, Processo 444326/2023-5). Por fim, em uma parceria entre a Rede Covid-19 Humanidades MCTI e o Observatório Ciência e Saúde da Casa Oswaldo Cruz (COC-Fiocruz) é desenvolvido o projeto intitulado Entre a visibilidade e a invisibilidade: uma abordagem histórica e socioantropológica da covid longa entre trabalhadores da saúde no Rio de Janeiro e em Porto Alegre (Edital INOVA-FIOCRUZ). Jean Segata é pesquisador do CNPq, Brasil (Bolsa de Produtividade, Processo 309710/2021-9). Ilana Löwy é pesquisadora do INSERM, França. O autor e a autora expressam agradecimento a todas as pessoas que compartilharam suas experiências com a covid longa nas pesquisas que resultam neste trabalho. Elas são as legítimas protagonistas da história e do conhecimento dessa doença. Esse agradecimento também se estende a Alfonsina Faya Robles, Jaqueline Ferreira, Eliza Teixeira de Toledo, Luiz Alves Araújo Neto, Juliara Borges Segata, Arlei Damo, Ceres Víctora, Ondina Fachel Leal, Handerson Joseph, Patrice Schuch e Paola Falceta por sua colaboração na pesquisa, generosas leituras e valiosos insights.
  • 2
    Afirmar que a covid longa é a pandemia que não terminou não constitui uma expressão estritamente epidemiológica, embora suas repercussões estimadas sejam, de fato, alarmantes. Ao seguir as análises de Diniz e Brito (2019) e Segata (2022) sobre a invisibilização dos impactos sociais de longo prazo nas epidemias de zika e nos surtos de chikungunya no Nordeste do Brasil, a declaração de que a pandemia não terminou ressalta a experiência concreta das pessoas afetadas na busca por tratamentos e cuidados e pelo respeito ao seu direito à saúde. O objetivo é destacar as diversas perdas e transformações que seguem provocando alterações significativas em suas vidas, mesmo após o término epidemiológico da pandemia. Isso inclui o luto, a recuperação do trabalho, o reequilíbrio financeiro e a qualidade de vida, nem sempre fáceis de serem resolvidos. Portanto, as lutas pelo reconhecimento e pelo cuidado com a covid longa manifestam-se como a expressão de um sofrimento ainda sem respostas - uma pandemia que, efetivamente, não terminou.
  • 3
    Este artigo refere-se à covid longa como um “distúrbio” e “condição”, uma vez que a ausência de um consenso sobre sinais objetivos da covid longa “sindrômica” ainda causa resistência ao seu reconhecimento formal como doença. Para uma análise detalhada do processo de transição de sintomas para doença, veja, por exemplo, Aronowitz (2001).
  • 4
    Ao longo da pandemia, em muitas ocasiões, o ex-presidente Jair Bolsonaro defendeu medidas negacionistas, que contradiziam diretamente os especialistas em saúde. Um exemplo disso foi seu apoio à “imunidade de rebanho” em vez de uma política de vacinação contra a covid-19 (Matoso; Gomes, 2021).
  • 5
    É importante destacar que os discursos mobilizados pelos movimentos sociais são muito bem fundamentados nas publicações mais recentes de periódicos médicos especializados. Assim como no caso do vírus ou das vacinas, tais discursos desempenham um papel crucial no combate às fake news sobre a covid-19 e seus efeitos. Como Camargo (2024) observou adequadamente em sua análise sobre desinformação e negacionismo a respeito da covid-19 entre médicos no Brasil, essas questões também se somam a um conjunto mais amplo de extremos e disputas ao determinar quem possui efetiva expertise epistêmica na gestão do conhecimento que intervém na vida das pessoas. No entanto, como notou Rosenberg (1992), a natureza excepcional de eventos catastróficos como a pandemia, que impele a respostas imediatas, tende a suprimir interpretações localmente significativas, favorecendo análises e modelos de pensamento e intervenção da ciência médica global. Por um lado, essa homogeneização pode contribuir para a estabilização nosológica da doença ao cristalizar um “molde universal”. Por outro, uma vez estabelecida a “caixa-preta da covid longa”, não seria surpreendente se novos movimentos surgissem para questionar tais simplificações, buscando incluir maior diversidade e reconhecimento na categorização da doença.
  • 6
    Lowenstein mais tarde se tornou uma das principais ativistas da covid longa nos Estados Unidos e uma das fundadoras do grupo Body Politics Long Covid. Ela relata sua experiência, juntamente com a de outros long haulers - termo cunhado pelos ativistas para descrever a longa jornada que enfrentam para recuperação da covid-19, que gerou maior conscientização sobre os efeitos duradouros da infecção - em seu livro, The Long COVID survival guide: how to take care of yourself and what comes next - stories and advice from twenty long-haulers and experts (Lowenstein, 2022).
  • 7
    Dois livros recentes, o já mencionado The long COVID survival guide: how to take care of yourself and what comes next de Fiona Lowenstein (2022) e The Long Haul de Ryan Prior (2023), coletaram inúmeras narrativas de pacientes com covid de longa duração.
  • 8
    A Frente Parlamentar foi uma iniciativa do deputado estadual Pepe Vargas, do Partido dos Trabalhadores, do Rio Grande do Sul (PT-RS), e envolveu um amplo conjunto de entidades apoiadoras, incluindo a AVICO, que já se movimentavam desde 2021, em um processo que culminou com uma audiência pública sobre a pandemia, quando se deflagrou a Frente, com o apoio da presidência da Assembleia Legislativa do Estado (Ballejo, 2023; Rio Grande do Sul, 2022). Essas audiências ocorreram de forma híbrida, sendo sediadas nas principais cidades das sete macrorregionais de saúde e também transmitidas ao vivo por um canal específico no YouTube, sob o nome de Atenção Integral do Estado às Vítimas da Covid-19. Convites foram enviados a diversas instituições dos poderes públicos municipais, estaduais e federais, entidades representativas e movimentos organizados. Além disso, a divulgação ocorreu em redes sociais da internet e em grupos de WhatsApp, incluindo os da AVICO, buscando promover uma ampla participação. Na atual geopolítica de trabalho do governo do estado do Rio Grande do Sul, as macrorregiões de saúde e suas respectivas cidades de referência são: Metropolitana (Porto Alegre), Centro-Oeste (Santa Maria), Vales (Lageado), Sul (Pelotas), Missioneira (Santa Rosa), Norte (Passo Fundo) e Serra (Caxias do Sul) (Rio Grande do Sul, 2022). No YouTube, era possível assistir e interagir com as audiências mediante inscrição prévia ou pelo chat; o canal de Pepe Vargas ainda guarda as suas gravações (cf. Atenção…, 2022).
  • 9
    Sobre as múltiplas ontologias do corpo e dos processos de saúde e doença, consulte Annemarie Mol (2002). Para adicionar uma perspectiva temporal e histórica, veja, por exemplo, Amade M’charek (2014) e Fleck (1979). Quanto ao caráter cultural das doenças, Kleinman (2020) ainda é uma referência seminal. Para analisar o caráter sindêmico de doenças, incluindo a covid-19, e como a interação sinérgica adversa entre duas ou mais condições debilitantes é promovida ou facilitada por condições sociais e ambientais e pelas frequentemente ocultas estruturas de violência e desigualdade, como pobreza, racismo e discriminação, consulte, principalmente, Singer e Rylko-Bauer (2021). Além disso, considere as contribuições de Segata et al. (2021) e Segata et al. (2022).
  • 10
    A notável falta de informação vertical qualificada produzida pelo Ministério da Saúde durante a gestão do governo Bolsonaro (2019-2022) contrasta com o papel histórico do ministério desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1988. Em eventos críticos anteriores, o Ministério da Saúde atuava como uma fonte essencial de orientação para a formulação e execução de políticas públicas por estados e municípios. Durante a pandemia, no entanto, observou-se uma omissão marcante por parte do ministério. Um exemplo evidente dessa lacuna foi a ausência de uma campanha nacional robusta de vacinação, compensada em parte pela iniciativa espontânea da população que, através de stories do Instagram postando selfies se vacinando, agradecia ao SUS e incentivava outros a fazerem o mesmo. Outro ponto de destaque é a análise de guias e protocolos de manejo da covid-19. Ao analisar mais de duas dezenas de documentos de estados e municípios de diferentes regiões do Brasil, é notável a diversidade e até a incoerência nas abordagens de tratamentos e cuidados. Essa análise revela a quase inoperante polissemia do termo “pós-covid”, a frequente omissão da “covid longa” e sua simplificação como mera sequela de formas agudas ou pós-internação da covid-19.
  • 11
    O mesmo se pode dizer de doenças muitas vezes consideradas eliminadas, que, na realidade, continuam a existir abaixo do limiar do que é considerado epidemiologicamente relevante, como é o caso da hanseníase (Fonseca, 2020).
  • 12
    O questionário da pesquisa foi dividido em três partes: informações pessoais e socioeconômicas, dados sobre contágio, cuidados e tratamentos, e questões sobre sintomas persistentes. Esses resultados ainda estão sendo aprofundados, mas revelam que a quase totalidade dos respondentes se autodeclara branca, de classe média e com diploma universitário. Isso sugere um perfil bastante restrito de profissionais de saúde, mas também de indivíduos com condições de se organizar em movimentos sociais pela luta por direitos à saúde no contexto da covid longa, além de possivelmente refletir o alcance circunscrito de um instrumento de coleta de dados baseado em plataformas digitais. É importante mencionar também que, entre os participantes que responderam ao questionário, identificou-se nas entrevistas subsequentes que a maioria das infecções por covid-19, que deram origem às atuais queixas de covid longa, ocorreu antes da vacinação. Ainda não existe uma análise conclusiva sobre isso. Contudo, de forma preliminar, esse fato ajuda a refutar as alegações de dois médicos com discursos negacionistas entrevistados na pesquisa, que afirmavam que a covid longa é uma consequência da vacina. Quanto à prevalência sugerida entre mulheres, indicada tanto pelo perfil dos respondentes ao questionário quanto pela disposição exclusiva das mulheres em compartilhar suas experiências com a covid longa na coleta de narrativas da pesquisa que está na base deste artigo, é importante dizer que a literatura disponível sobre o tema já sugere que a doença prevalece entre as mulheres (O’Mahoney et al., 2023; Salari et al., 2022). Por outro lado, isso levanta questões sobre como o gênero está implicado nos processos de saúde e doença, lançando dúvidas sobre se a doença é de fato mais comum entre mulheres ou se homens, mesmo sofrendo dela, seriam menos dispostos a buscar cuidados ou compartilhar suas experiências, ou mesmo se os homens recebem atenção diferente dos médicos quando relatam suas queixas, como historicamente tem sido registrado em doenças cujos sintomas não são acompanhados por sinais evidentes.
  • 13
    O questionário, realizado através do Google Forms, foi distribuído por grupos de WhatsApp. Seu objetivo era produzir uma amostragem não probabilística para um estudo qualitativo mais amplo, incluindo análises documentais, entrevistas e coletas de narrativas de vida. Os participantes tinham a opção de apenas responder ao questionário ou de serem contatados para entrevistas e coletas de narrativas. Dentre os que responderam, 23% aceitaram ser contatados. As entrevistas têm ocorrido desde meados de 2023, via aplicativo Zoom, e é delas que derivam as narrativas analisadas neste trabalho.
  • 14
    Um artigo programático que delineia os desafios da covid longa ressaltou que atualmente não existem testes diagnósticos objetivos aceitos ou biomarcadores para essa condição (Phillips; Williams, 2021).
  • 15
    Isso não significa que o diagnóstico laboratorial da covid-19 seja evidente e simples. Sobre as complexidades dos testes para SARS-CoV-2, veja, por exemplo, Löwy (2020), Beaudevin et al. (2021) e, para um estudo clássico sobre as armadilhas e problemas de um teste diagnóstico para uma doença infecciosa, veja Fleck (1979).
  • 16
    Para obter dados epidemiológicos confiáveis, pode não ser suficiente ter um acordo sobre os critérios diagnósticos de uma determinada condição e testes diagnósticos capazes de detectá-la; também é importante ser capaz de implementar um teste confiável em larga escala. Veja, por exemplo, Kameda, et al. (2021).
  • 17
    Em 2022, o Brasil lançou uma chamada pública para pesquisa sobre a covid longa através do CNPq, com um financiamento total de 27 milhões de reais - Chamada CNPq/MCTI/CT-Saúde n. 53/2022 - Pesquisa, desenvolvimento e inovação em covid longa. Um investimento em pesquisa surpreendentemente pequeno diante da monstruosa catástrofe que levou o Brasil a ocupar a segunda posição no número de contaminações e mortes pela covid-19. Além disso, as menções à covid longa ainda são muito raras nos documentos oficiais do governo brasileiro, incluindo os do Ministério da Saúde. Uma exceção, embora não menos confusa do que a definição da OMS de 2021, pode ser encontrada no site da Secretaria de Atenção Primária (SAPS), em uma seção intitulada “Entenda a covid longa”, onde se lê: “segundo a definição atualmente utilizada pelo Ministério da Saúde, a pessoa com condições pós-covid é aquela que apresenta manifestações clínicas novas, recorrentes ou persistentes após a infecção aguda por SARS-CoV-2, quando essas não são atribuídas a outras causas” (Brasil, 2022).
  • 18
    O problema não era a heterogeneidade das manifestações da covid longa. Muitas doenças, entre elas a covid-19, têm expressão altamente variável. Os pacientes podem apresentar sintomas graves, moderados ou leves, e trajetórias diversas. No entanto, para decidir que um conjunto de sintomas é uma “doença”, é crucial poder exibir sinais objetivos dessa doença: a presença de um agente infeccioso, mudanças específicas nos tecidos, imagens únicas produzidas por exames médicos, ou, em algumas patologias bem estudadas, a presença de sintomas clínicos característicos.
  • 19
    Para um exemplo de um grande estudo que não faz tais distinções, veja Fernández de-las-Peñas et al. (2022).
  • 20
    Veja, por exemplo, a entrevista com a principal especialista em covid longa dos Estados Unidos, Akiko Iwasaki (2023).
  • 21
    O termo “síndrome da fadiga crônica” era utilizado principalmente nos Estados Unidos, e o termo “encefalomielite miálgica”, principalmente no Reino Unido. Pacientes com essa condição têm uma forte preferência pelo termo “encefalomielite miálgica”, porque ele descreve uma condição patológica e não apenas o estar cansado. Hoje, publicações científicas sobre esse tópico geralmente empregam o termo “ME/CSF”, enquanto a mídia frequentemente fala sobre “fadiga crônica”.
  • 22
    Sobre a importância de sinais objetivos de doenças, veja, por exemplo, Cambrosio et al. (2006) e sobre o aumento do conhecimento clínico baseado na experiência dos clínicos, Lawrence (1985).
  • 23
    Alguns pesquisadores desejam restringir o termo “distúrbio funcional” a “distúrbio neurológico funcional” (FND), uma definição mais restritiva que inclui apenas condições nas quais o cérebro falha em processar corretamente sinais vindos do corpo. O FND é, no entanto, um diagnóstico controverso e alguns especialistas afirmam que ele é idêntico, ou pelo menos parcialmente sobreposto, com “transtorno de conversão”, “transtorno somatoforme” ou “síndrome somática funcional”. Ele também tem ligações preocupantes com um diagnóstico passado de histeria (veja, por exemplo, Kwon, 2020).
  • 24
    A história da “somatização” como um transtorno psiquiátrico/psicossomático, que pertence, principalmente, à jurisdição do psiquiatra, está intimamente ligada à história dos diferentes nomes para esta condição e debates sobre seu nome nas edições consecutivas do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a “bíblia” dos psiquiatras dos EUA. Antigamente, a somatização era chamada de “transtorno de conversão”. Recentemente, o nome preferido é “transtorno de sintoma neurológico funcional”, uma categoria que se enquadra na categoria geral de “transtornos somatoformes” (hoje também chamados de “sintomas somáticos e transtornos relacionados”). Para a classificação de transtornos somatoformes por psiquiatras, veja, por exemplo, Young (2014).
  • 25
    Outros termos para descrever tal conhecimento reprimido são “conhecimento desconfortável” e “conhecidos desconhecidos” (Marris; Jefferson; Lentzos, 2014).
  • 26
    Em inglês, myalgic encephalomyelitis/chronic fatigue syndrome.
  • 27
    Em inglês, graded exercise therapy.
  • 28
    Em inglês, post-exertional symptom exacerbation.
  • 29
    Os autores desse estudo empregaram um critério de diagnóstico amplamente aceito para ME/CSF, os Critérios de Consenso Canadenses. O diagnóstico de ME/CSF é feito após descartar todas as outras doenças que possam explicar os sintomas presentes. Assim, como a definição da OMS para a síndrome pós-covid-19, é um diagnóstico por exclusão.
  • 30
    Temores semelhantes são igualmente notados em relação a migrantes, frequentemente comparados a pragas, e sendo equivocadamente associados a terroristas, assim como à segurança das fronteiras no que diz respeito a produtos de origem animal e vegetal nos sistemas alimentares globais (Segata, 2020).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2023
  • Aceito
    16 Jan 2024
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